Mostrar mensagens com a etiqueta Sold Cond Manuel Soares. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sold Cond Manuel Soares. Mostrar todas as mensagens

sábado, 12 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12141: (Ex)citações (227): Nas duas Açções Garlopa em que participei, com a CART 3494 e a CCAÇ 12, não tenho ideia de termos capturado elementos pop mas destruímos dois acampamentos e outros meios de vida (António J. Pereira da Costa, ex-cap art, CART 3494, jun/nov 1972)

1. Mensagem de António J. Pereira da Costa, cor art ref, com data de ontem:

Assunto - Operação Garlopa 2
Olá Camaradas

Reporto-me ao Poste P12135.

É pena que se tenham "perdido" a História e restante documentação das unidades.

No caso da CArt 3494 posso garantir que participei em duas acções de nome Garlopa enquanto estive no Xime e sempre com CCaç 12 a proteger o flanco esquerdo da CArt que progredia em direcção ao Poindom,  deixando o Geba no seu flanco direito.

Em nenhuma das duas [acções] foram capturados elementos da população, mas apenas destruídos dois acampamentos e restantes meios de vida.

Na primeira,  não houve contacto e o mato era muito denso, de tal modo que o DO-27 teve dificuldade em nos localizar e só quanto o acampamento começou a arder é que nos viu.

Na segunda, continuámos a destruição, mas com dificuldade. Tinha chovido e não nos forneceram granadas de mão incendiárias. Destruímos a pontapé  alguns Irãs que existiam a descoberto.
Demorámo-nos e, no momento em que as duas companhias, se reuniam, sofremos uma curta emboscada, sem consequências.

Em nenhuma das acções pedi fogo de artilharia e não fomos à Ponta do Inglês [, na foz do Rio Corubal].

A CArt 3494, no meu tempo, recolheu um Companhia de Paraquedistas que fora colocada (?) na Ponta do Inglês, mas não actuámos juntos.

Os dez elementos da população [, referidos no poste,] foram recolhidos no Geba, depois da LDG lhes ter afundado a canoa.

A História da Unidade contem inúmeras inexactidões,  a começar na minha apresentação, que foi a 22 de junho de 1972, e não em Agosto de 1972.

Um Ab.
António J. P. Costa

2. Comentário de L.G. [, foto à esquerda, em Bambadinca, 1969]


Tó Zé, tome-se boa nota das tuas observações e apontamentos... Infelizmente, eu só tenho a história dos dois batalhões anteriores, o BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72), além da história da CCAÇ 12 (de maio de 1969 a março de 1971), que eu próprio escrevi. Pode ser que apareça mais algum camarada com elementos novos, de memória ou documentais.  Pelos vistos, o Sousa de Castro possui uma cópia da história do BART 3873.

A esta distância, de mais de quatro décadas, a memória atraiçoa-nos. Valha-nos ao menos a existência dos preciosos mapas que o Humberto Reis em boa hora comprou, digitalizou e ofereceu à Tabanca Grande! (Ainda tenho alguns mais, "guardados", que só disponibilizo a pedido, nomeadamente os dos arquipélagos dos Bijagós)...

Já agora, fiquei a saber o que era uma... garlopasubstantivo feminino. Instrumento de carpinteiro, semelhante à plaina, mas maior do que esta. "garlopa", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/garlopa [consultado em 11-10-2013].

Mas vamos ao que interessa, e corroborando o que tu escreves: se consultares as cartas do Xime e de Fulacunda, e refrescares a memória, vais ver que era difícil chegar à Ponta do Inglês, a penantes... Concordo contigo. Por isso é que se usava a "helicolocação"... Sei não estiveste lá muito tempo, por aquelas bandas: de qualquer modo foram quase seis meses, o tempo de um gajo deixar de ser periquito...

Aliás, nem a nossa artilharia (o obus 10.5) lá chegava... Eu, que levei bastante porrada, ao longo da antiga estrada (ou picada) Xime-Ponta do Inglês,  nunca tive o privilégio de lá chegar, mesmo à ponta... da Ponta do Inglês. Nunca vi o famoso Corubal, nem os seus hipopótamos nem os seus crocodilos... Hoje, julgo que desapareceram, pelo menos os hipopótamos... Devem-nos ter caçado e comido durante a "guerra de libertação".  O mesmo aconteceu ao pobre do macaco-cão, que era abundante nas florestas do Corubal...

De resto, era quase impossível chegar, por terra, à Ponta do Inglês sem ser detectado pelos gajos de Baio ou da Ponta Varela e, depois, mais à frente, do Poindom... Aquilo era um ratoeira... Entrava-se naquela pensínsula, para levar porrada, se levássemos intenções (agressivas) de chegar ao Poindom... onde havia núcleos populacionais que o PAIGC procurava defender com unhas e dentes...

A última vez que as NT chegaram mesmo à Ponta do Inglês deve ter sido na Op Lança Afiada (março de 1969), a tal megaoperação que envolveu 1300 militares e carregadores civis...e em que 15% do pessoal foi helievacuada (por insolação, esgotamento, ataque de abelhas, etc.).

Quanto às "inexactidões" das histórias das nossas unidades...  bom, temos que saber viver com elas, despistá-las, remediá-las, remendá-las... Sempre é melhor do que não ter documentação nenhuma, por escrito... Temos que  ver também o que os outros, do outro lado, diziam de (ou escreviam sobre) nós... O que infelizmente também foi pouco.

Em todo o caso,  há alguns documentos interessantes no Arquivo Amílcar Cabral (disponível na Casa Comum, a tal comunidade de arquivos de língua portuguesa que a Fundação Mário Soares tem vindo a desenvolver, com diversas parcerias). Há documentos dos "outros" que vale a pena cotejar com os "nossos"... Só com o contraditório e a triangulação das fontes podemos avançar no conhecimento histórico. Vou fazer isso,  um dia destes, a propósito das duas minas A/C que accionámos em Nhabijões, em 13/1/1971... Numa nova série que terá como título qualquer coisa como "Taco a taco... A guerra vista do outro lado"... Para já tenho curiosidade em saber quem foram os filhos da mãe que puseram as duas minas, uma das quais matou o nosso (da CCAÇ 12) Manuel  da Costa Soares, aos 20 meses de comissão (. Infelizmente não chegou a conhecer a filha que nasceu e cresceu na metrópole. Era natural de Oliveira de Azeméis).

Boa noite, Tó Zé,  um abraço. E que os fantasmas da antiga picada do Xime-Ponta do Inglês  não te assombrem.  LG

PS - Junto se anexa a pag 75 da Hustória do BART 3873 (Bambadinca, 1971/74), onde se faz referência à Acção Garlopa, de 19/7/1972, e na qual participaram, além da CART 3494 e da CCAÇ 12, dois gr comb da CCP 121/BCP 12, que foram largados de helicóptero no objetivo.




Cópia da pág. 75 da História da Unidade, BART 3873 (Bambadinca, 1971/74), gentilmente cedida pelo Sousa de Castro.
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 4 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12116: (Ex)citações (226): Não me lembro do Oh! Alexandre... mas é muito natural que ele se lembre de mim: afinal, em dois terços do tempo de comissão, fui eu que comandei a CCAÇ 798... Também se deve lembrar do alf mil Pinheiro, que comandava o destacamento de Ganturé e que foi evacuado com 14 perfurações no corpo, na sequência de uma emboscada na estrada para Gandembel (Manuel Vaz, Gadamael, 1965/67)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3990: Diário de uma tuga (Luís Graça) (1): Quando o meu relógio parou às 13h30h, Nhabijões, 13 de Janeiro de 1971

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1971 > A viatura Unimog 411 em que perdeu vida o Sol Cond Autor Manuel Almeida Soares, da CCAÇ 12 à saída do reordemento e destacamento de Nhabições, às 11h25 do dia 13 de Janeiro de 1971... O que restou da viatura (foto) foi rebocado para Bambadinca, sede do BART 2917 (1970/72), a que a CCAÇ 12 estava afecta como subunidade de intervenção.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole > 1969 > Efeitos da explosão de outra mina anticarro...

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


Diário de um tuga (Luís Graça) (1):

Nhabijões, 13 de Janeiro de 1971.

E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio...

Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca…

A viatura vai despenhar-se num abismo imaginário. Volatizar-se como uma aeronave ao reentrar na atmosfera. Sou projectado ao lado do condutor, batendo violentamente com a cabeça na chapa do tejadilho e depois com a testa e os joelhos na parte da frente. Consigo equilibrar-me mas não vejo nada. Há uma espessa nuvem de pó que me envolve, exalando um forte cheiro a enxofre. Ainda consigo pensar: o ar está rarefeito e eu vou sufocar dentro desta maldita cabina.

Foi então que se produziu uma espécie de curto-circuito no meu cérebro, como se eu tivesse sido electrocutado. Fiquei rigidamente colado ao assento, a G3 estranhamente entrelaçada nas minhas pernas, e a vaga sensação de que a massa encefálica me tinha saltado da caixa craniana. O olhar vidrado de quem mergulhou nas profundezas da terra. O gélido terror de quem vai entrar num mundo desconhecido.

Nunca saberei ao certo quantos segundos se passaram, mas houve um solução de continuidade (essa fracção de tempo em que a consciência esteve bloqueada) até compreender que a velha GMC tinha accionada... uma mina.

Outra mina, meu Deus!, e instintivamente agarro-me àquela carcaça de mamute, mal refeito da surpresa de estar vivo.

Quando salto para o chão, o que se me depara como espectáculo são os destroços duma batalha: há corpos por todo o lado, juntamente com espingardas, cantis, quicos, canos de bazuca e de morteiro, granadas, bocados de chapa e de borracha, numa profusão indescritível. Corpos que gemem, que gritam, ou que talvez já sejam cadáveres.

Mortos! Tudo mortos, mi furiele! – grita-me o Umaru [, aqui na foto comigo,] , o puto, como lhe chamamos (e o que é ele, de resto, senão uma criança violentada pela guerra que aos dezasseis ou dezassete anos trocou a mauser das milícias pelo morteiro 60 de uma companhia de carne para canhão!?), os braços abertos, o pânico estampado no seu belo rosto de efebo, fula, filho de régulo. Era a primeira vez porventura que o via sem o seu inseparável pequeno cachimbo, que ele, fumador inveterado, usava para lhe dar o ar sério de homem grande.

O primeiro ferido que reconheço é o transmissões, todo encolhido junto à viatura destruída, numa atitude instintiva de defesa, e sob forte estado de choque. Abeiro-me depois do comandante da 1ª secção, meu companheiro de quarto, o Marques, mas ele já não reage à minha voz nem às bofetadas que lhe dou no rosto.

Aparentemente não tem qualquer fractura exposta mas de um dos ouvidos corre-lhe um fio de sangue. Procuro desesperadamente os sinais de que ainda está vivo: a sua respiração é cada vez mais fraca e não é sem um calafrio que tacteio este pulso que se me escapa.

Trágica ironia, a de mais este banal episódio de guerra: minutos antes, ao subirmos para a viatura, de regresso a Bambadinca, eu havia disputado amigavelmente o 'lugar do morto', com o Marques [ aqui na foto comigo]:
- Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...

Acabei por ir eu ao lado do condutor. Mas daquela vez, e para sorte minha, a mina rebentaria sob um dos rodados duplos traseiros da GMC, embora do meu lado. O condutor tinha acabado de fazer a inversão de marcha, para regressarmos ao quartel.


Outra puta de mina, meu Deus! - que fora não detectada
pelos nossos picadores, accionada na berma da estrada,
às portas do reordenamento de Nhabijões, a escassos
metros da anterior.

Estávamos de piquete, quando duas horas antes uma viatura nossa , que ia buscar, a Bambadincao almoço para o pessoal afecto aos trabalhos de reordenamento, accionara uma mina. O nosso condutor, o Soares, teve morte imediata. Pobre do Soares, aos 20 meses de comissão...

O Furriel Fernandes, meu camarada da CCAÇ 12 (foto à esquerda, ao lado do Levezinho), ficou gravemente ferido. O alferes sapador Moreira e outro militar da CCS do BART 2917 ficaram também feridos… O Moreira, ao que parece, com gravidade. (Foto, à direita, em cima)

Mas só agora reparo no velho Tenon, no Ussumane, no Sherifo, mesmo ao meu lado, a meus pés, sem darem acordo de si. E ainda no Quecuta, no Cherno e no Samba, nosso bazuqueiro, arrastando-se penosamente sobre os membros superiores, como lagartos cortados ao meio.

As duas secções que seguiam atrás, na GMC, tinham sido literalmente projectadas pela vulcão de trotil, como se fossem cachos de bananas. Se o rebentamente da mina fosse seguido de emboscada, então seria um massacre. Eu era o único que tinha uma arma na mão, sem bala na câmara, como de costume, mas desta vez provavelmente inoperacional, devido ao choque sofrido… E, de facto, não deixo de sentir um arrepio ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG e o matraquear das costureirinhas e das Kalash.

Felizmente, tínhamos acabado de fazer o reconhecimento das imediações, detectando o trilho dos elementos da guerrilha que, durante a noite, tinham vindo pôr as minas assassinas… Esse trilho, mais fresco, acabava por confundir-se com os trilhos usados pela população de Nhabijões que, como é sabido, não morre de amores por nós… Por outro lado, o sítio, descapinado, não seria o mais indicado para montar uma emboscada...

É possível, entretanto, que haja mais minas pela estrada fora, mas não posso perder nem mais um segundo. Ainda hesito em mandar picar ou não o terreno, mais alguns metros em redor, mas não posso perder tempo, para logo seguir , de imediato, para o heliporto de Bambadinca com os feridos mais graves. Foram pedidas várias evacuações Ypsilon, via rádio.

Mais até do que a solidariedade entre camaradas de guerra e a minha amizade pelo Marques, o que me parece mover, correr feito louco, com os feridos a gritar pela picada fora, é talvez o sentimento do absurdo da morte, do absurdo desta guerra, a raiva contra esta guerra...

É uma corrida louca, esta, na fronteira incerta que separa a vida da morte na estrada de Nhabijões, no primeiro Unimog que me apareceu à mão, e que leva um carregamento de feridos. Três deles estão em estado de coma e têm como destino outro inferno: o hospital de Bissau, a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte aos vinte e poucos anos (***)...

_____________________

Notas de L.G.:

(*) Já publicado, na I Série do blogue, sob outro título: 2 de Dezembro 2005 >
Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

Vd. também postes de:

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)

6 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3989: Agenda cultural (2): O pintor Manuel Botelho expõe no Porto e homenageia o malogrado Sold Cond Soares, da CCAÇ 12 (Beja Santos)

(**) O Luís Moreira é hoje membro da nossa tertúlia. Era então alferes miliciano sapador da CCS do BART 2817. Depois de recuperado ficou no BENG, em Bissau. Vim a reencontrá-lo como professor de matemática do ensino secundário. Já deve estar hoje reformado.

(***) O Marques sofreu politraumatismos que o puseram à beira da morte. Saído do coma, ao fim de duas semanas e meia, tinha uma perna gangrenada... A sua recuperação foi lenta e difícil, tendo conhecido o longo calvário dos hospitais militares (Bissau e depois Lisboa). É hoje mais um DFA (deficiente das forças armadas), além de bem sucedido comerciante na cidade de Cascais, já reformado. Infelizmente, não é membro da nossa Tabanca Grande. O Manuel Almeida Soares, por sua vez, está sepultado na sua terra, Oliveira de Azeméis. Não tenho, infelizmente, nenhuma foto dele. Dos meus camaradas guineenses da CCAÇ 12, também gravemente feridos nesta mina, perdi o rasto...

Guiné 63/74 - P3989: Agenda cultural (3): O pintor Manuel Botelho expõe no Porto e homenageia o malogrado Sold Cond Soares, da CCAÇ 12 (Beja Santos)

Aguarela do pintor Manuel Botelho > 2008 > Título: "A viatura Unimog era conduzida pelo soldado Soares". Cortesia do autor. Agradecimentos ao Beja Santos que nos fez chegar a imagem.



Galeria Fernando Santos> Espaço 531 > Aerograma (***)

Rua Miguel Bombarda, 5264050 – 379 Porto / Portugal
Tel + 351 22 606 10 90 / Fax + 351 22 606 10 99

Email: geral@galeriafernandosantos.com

Página na Net: http://www.galeriafernandosantos.com/

1. Duas mensagens do nosso camarada Beja Santos, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70):

(i) 5 de Março de 2009:

Luis, o Manuel Botelho tem frequentado assiduamente o nosso blogue, como sabes, aqui se inspira para as suas obras-primas. Adora as fotografias do Humberto Reis, muito justamente. Não tens tido paciência para os meus escritos, mas desta vez peço-te encarecidamente que divulgues esta iniciativa do único grande nome das artes plásticas que vai beber à nossa fonte .Ele é o autor da aguarela onde vemos o Unimog 411 em que morreu o soldado-condutor Soares.

Recebe um abraço do Mário

Comentário de L.G.:

Mário: Já te tinho dito que precisava de tempo para dar um pouco mais de atenção ao teu encarecido pedido... A nossa equipa de editores tem estado um pouco desfalcada, por razões da vida pessoal de uns ou da saúde de outros... Estando a meio gás, não é possível dar imediata resposta a todos os pedidos dos camaradas e amigos da Guiné. E depois há que definir prioridades em termos editoriais.

Como te prometi, não te esqueci nem te podia esquecer, a ti, ao Botelho e ao Soares. Dá um grande abraço ao teu amigo pintor. Diz-lhe que ficamos sensibilizados e agradecidos por ele, como artista plástico, saber e poder encontrar motivos de inspiração no nosso blogue e na fotogaleria do Humberto Reis. A malta de Bambadinca do nosso tempo, e em especial os camaradas da CCAÇ 12, sentem-se honrados por esta justa homenagem à memória do Manuel Soares, morto quase na recta final, a 20 meses de comissão... à saída do reordenamento de
Nhabijões (entre Bambadinca e o Xime).

Não sei se sabes (já estavas em Lisboa nessa altura), nesse dia o meu relógio parou às 13h3O no mesmo local onde o pobre do Soares encontrara a morte duas horas antes. Havia uma segunda mina anticarro à espera do pelotão de intervenção em que eu estava integrado. Voei literalmente numa velha GMC. Nunca mais consegui esquecer esse e outros dias negros... Foi um dia trágico, esse 13 de Janeiro de 1970 (*).

Boa sorte para a exposição no Porto. Vamos convidar a nossa malta (e em especial a da Tabanca de Matosinhos) a dar lá um salto à Galeria Fernando Santos. O Soares era nortenho, de Oliveira de Azeméis.


Um Alfa Bravo. Luís

(ii) 27 de Janeiro de 2009:

Luís, esta obra de arte [vd. imagem acima] envolve um acontecimento doloroso, a mina nos Nhabijões que vitimou mortalmente o nosso querido Soares e feriu vários camaradas teus (*).

O pintor Manuel Botelho, de quem sou profundo amigo, realizou uma exposição de fotografia no Museu da Electricidade, em 2008, que teve a singularidade de versar ambientes ficcionados da Guerra Colonial (**). Aqui há uns meses convidou-me a ir ao seu estúdio ver os trabalhos que irá expor nas suas próximas exposições. Uma tem a ver novamente com fotografia, outra prende-se com aguarelas baseadas em temas da guerra.

Comoveu-me profundamente esta obra de arte derivada de uma fotografia que vem no Tigre Vadio e cujo autor é o nosso extremoso Humberto Reis. Pedi licença ao Manuel Botelho para publicarmos em primeira-mão esta imagem de um Unimog 411 destroçado. Estou comovido por sermos dignos da atenção de um grande pintor português, o querido Soares passa assim à posteridade nas artes plásticas.

Mas estou também comovido por que ele é um dos mortos da CCaç 12, camaradas de tantas andanças.

Recebe um grande abraço do Mário


____________

Notas de L.G.:

(*) Mário: froam duas minas, com um intervalo de duas horas... Manuel da Costa Soares, "morto na sequência de ferimentos em combate por rebentamento de uma mina em Nhabijões" [ou melhor, teve morte instantânea], no dia 13 de Janeiro de 1971, às 11h25, aos 20 meses de comissão... Era natural de Oliveira de Azeméis, concelho que perdeu doze filhos só no TO da Guiné. Era Sold Cond Auto da CCAÇ 2590, mais tarde CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971).

Vd. os seguintes postes:

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3451: O Nosso Livro de Visitas (43): A. Almeida da Liga dos Combatentes de Oliveira de Azeméis

19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2454: PAIGC - Instrução, táctica e logística (8): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VIII Parte): Minas III (A. Marques Lopes)

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)

(...) "O dia 13 seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos:

"(i) Às 5.45h o 1º Gr Comb detectou, durante a batida à região de Ponta Coli, vestígios dum grupo IN de 20 elementos, vindos em acção de reconhecimento aos trabalhos da TECNIL na estrada Bambadinca-Xime e locais de instalação das NT.

"(ii) Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C. O condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf Mil Moreira], 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917).

"(iii) Imediatamente alertadas as NT em Bambadinca, o Gr Comb de intervenção (4º, CCAÇ 12) recebeu a missão de seguir para o local a fim de fazer o reconhecimento da zona, enquanto outras forças acorriam a socorrer os sinistrados.

"Ao chegar junto da viatura minada, o Cmdt do 4° Gr Comb [Alf Mil Rodrigues] deixou duas praças a fazer a pesquisa, na estrada e imediações, de outros possíveis engenhos explosivos, no que foram apoiados por alguns elementos do destacamento, seguindo depois uma pista de peugadas recentes, detectadas nas proximidades, e que se dirigiam para a orla da mata.

"Aqui, a 50 metros da estrada, atrás duma árvore incrustada num baga-baga, encontraram-se vestígios muito recentes. Seguindo os rastos através da mata, foi dar-se à antiga tabanca de Imbumbe [um dos cinco núcleos populacionais de Nhabijões, agora transferidos para o reordenamento], mas nas proximidades do reordenamento (Bolubate) aqueles passaram a confundir-se com os do pessoal que trabalha na bolanha.

"(iv) Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur Mil Marques e Henriques] , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.

"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf Mil Rodrigues, o Sold Trms Pereira e os Sold Cherno e Samba" (...).

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

(...) "E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).

(**) 23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2875: Agenda Cultural (1): A Guerra Colonial na Pintura, Cinema e Literatura.

(***) Vd. Recortes de imprensa (Público > Guia do lazer > Exposições)

Aerograma

Depois de três grandes séries fotográficas dedicadas à Guerra Colonial, Manuel Botelho regressa ao desenho, sobre o mesmo tema. Até 14 de Abril na Galeria Fernando Santos, no Porto.

"Aerogramas" eram mensagens, cartas trocadas entre militares em serviço em Angola, Guiné e Moçambique e as respectivas mães, namoradas, esposas e madrinhas de guerra. Os desenhos desta nova série de Manuel Botelho (n.1950, Lisboa) conjugam texto e imagem - lemos excertos de "aerogramas" originais, como por exemplo, "casei-me pelo civil com uma fotografia que estava em cima da mesa".

Em 2008, Botelho apresentou em três locais distintos, na Lisboa 20 Arte Contemporânea, no Museu de Arte Contemporânea de Elvas e na Fundação EDP, uma extensa série de fotografias sobre a Guerra Colonial.