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terça-feira, 25 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27463: Viagens à Guiné-Bissau: Amizade e Solidariedade (Armando Oliveira e Ricardo Abreu) (6): O Cais fluvial de Enxudé (Aníbal Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

1. Em mensagem de 20 de Novembro de 2025, Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), enviou-nos a sexta reportagem das "Viagens à Guiné-Bissau: Amizade e Solidariedade", levadas a efeito pelos nossos camaradas Armando Oliveira e Ricardo Abreu.


VIAGENS À GUINÉ BISSAU: AMIZADE E SOLIDARIEDADE

O CAIS FLUVIAL DE ENXUDÉ

As viagens à Guiné Bissau realizadas pelos camaradas Armando Oliveira e Ricardo Abreu, no âmbito da Amizade e Solidariedade, por razões afetivas, foram às localidades de Tite, Fulacunda e Nova Sintra. Para chegar a estes destinos por via fluvial, saídos do cais do Pidjiguiti, em Bissau, tiveram de aportar no Cais do Enxudé, na margem esquerda do rio Geba, distante 10 Km de Tite.

As fotografias anexas, a partir da terceira, dizem respeito à viagem de 2019, a penúltima, já que a última foi em 2024.

Cais do Enxudé da época da Guerra Colonial que foi desativado
Estacas que suportavam o cais antigo, distante 50 metros do atual, construído em betão pela empresa portuguesa Soares da Costa
Cais novo a servir de lota
Cais atual do Enxudé onde se comercializam os produtos da terra com os viajantes em trânsito
Aproximação do barco ao cais
O desembarque
Ricardo Abreu entre as autoridades militares. Um por cada localidade da região do Quínara
Posto de apoio ao cais
Início da estrada rumo a: Tite; Fulacunda; Jabadá; Nova Sintra; São João/Bolama e Buba.
Aglomerado de passageiros oriundos de diversas localidades da região do Quinara e o barco que os transporta até Bissau. Nos dias em que há barco, há também transporte rodoviário que percorre as diversas localidades.
Uma das viaturas que faz o transporte rodoviário
Um passageiro renitente a entrar a bordo

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 28 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27361: Viagens à Guiné-Bissau: Amizade e Solidariedade (Armando Oliveira e Ricardo Abreu) (5): Ruínas da Messe de Sargentos e do Quartel de Tite (Aníbal Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26859: Historiografia da presença portuguesa em África (483): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1921, começou a era de Vellez Caroço (37) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Na minha despretensiosa apreciação há três nomes de governadores, desde a criação da autonomia da Guiné até ao fim do primeiro quartel do século XX, que se impõem pela coragem das decisões tomadas, pela nobreza de espírito e um certo olhar visionário: Pedro Ignácio de Gouveia, Carlos Pereira e Vellez Caroço. Este último aparece na Guiné após os turbulentos acontecimentos da pacificação de Bissau em 1915 (que ainda hoje não estão verdadeiramente deslindados, importava à propaganda oficial exaltar o heroísmo de Teixeira Pinto e procurar pôr na sombra de atrocidades praticadas por Abdul Indjai e os seus irregulares), a penúria da guerra, o Sidonismo, a passagem meteórica de vários governadores, que se limitaram à rotina, e não havia dinheiro para o desenvolvimento. Vellez Caroço veio disposto a fazer obra, a impor a disciplina, a proibir a preguiça e a lançar as pedras de projetos indispensáveis para manter a economia da Guiné viável às exportações. Veremos adiante que Vellez Caroço encontrará muita contestação, sobretudo por parte das casas comerciais, é uma situação que eu já tinha detetado quando li os relatórios financeiros da delegação do BNU de Bolama. O que se pode dizer é que Vellez Caroço introduz um modo de liderança e de respeito pelas funções a que se obrigarão os governadores seguintes, caso de Leite de Magalhães ou Carvalho Viegas.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1921, começou a era de Velez Caroço (37)


Mário Beja Santos

O Governador Vellez Caroço é figura dominante do Boletim Oficial no ano de 1921. Até chegar, o que nos é dado a saber é uma pura rotina, parece estar tudo em conformidade dentro dos trâmites usuais. Com Vellez Caroço, ele assume-se como a voz do Governo, quer gestões sérias, vai atacar a indisciplina, enfrenta com rigor a sonolência burocrática. Logo no Boletim n.º 35, de 27 de agosto, aparecem duas portarias que são elucidativas de que quer seriedade nos negócios da administração e premeia os comportamentos exemplares. No primeiro caso, veja-se o que ele escreve:
“Tendo-se dado ultimamente nesta província alguns conflitos de caráter pessoal entre diferentes funcionários e entendendo que devo terminar com tão pouco edificantes exemplos, hei por conveniente mandar publicar:
Ao fazer a minha apresentação nesta província, e referindo-me à disciplina que desejo manter e manterei custe o que custar, declarei: ‘admito que se deem conflitos entre diferentes funcionários, no desempenho das suas funções, mas não posso tolerar, nem tolerarei, tanto nas participações de factos ou delitos, como na apresentação de queixas, se faça uso de uma linguagem despejada e se empreguem termos injuriosos para a dignidade pessoal seja de quem quer que for. Faça-se justiça mas guarde-se a compostura e o decoro.’

O funcionalismo, tanto o militar como o civil, deve impor-se à consideração pública pela sua extrema correção, pela sua delicadeza e fina educação; deve ser um exemplo frisante de altas virtudes cívicas, do mais acendrado patriotismo, do respeito aos poderes constituídos de dedicação à instituições.
Infelizmente, para a disciplina, para o bom nome de alguns funcionários, que ocupam posições de destaque, e para a ordem social pela qual, eu, por dever do cargo, tenho de velar, têm-se ultimamente dado factos que em absoluto se afastam deste ponto de vista.

A bem de todos, e mais uma vez, como manifestação de benevolência e espírito de conciliação, previno e chamo a atenção dos funcionários sobre a forma como encaro este problema de ordem e como interpreto as minhas funções de primeira autoridade da província, na manutenção da disciplina: podem todos ter a certeza que não me afastarei uma linha só que seja do cumprimento dos meus deveres e que, fiel executor das leis, igualmente aplicarei sem tergiversar o rigor dos regulamentos.”


Noutra portaria, Vellez Caroço louva os altos serviços prestados pela guarnição do rebocador Bissau, louvando particularmente o chefe da missão geoidrográfica, o imediato do rebocador e um conjunto de sargentos e praças. E o Boletim Oficial começa a publicar decisões que espelham o que acima o governador advertiu. É o caso do despacho publicado no Boletim Oficial n.º 35, estávamos em 27 de agosto:
“Conformo-me com a opinião do sr. Tenente-Coronel Araújo Júnior, por mim nomeado para proceder às averiguações sobre a queixa apresentada pela Casa Pereira Neves, de Bissau, contra o procedimento do Administrador do Concelho, sr. dr. Francisco Augusto Regala. Não pode invocar-se nem se estabelecer precedente de cada um fazer justiça pelas suas mãos. É contra os mais elementares princípios de justiça e revela inclusivamente uma falta de confiança nas autoridades encarregadas de velar pela ordem.

Por este Governo serão dadas as instruções a todas as autoridades administrativas para que tais factos se não repitam, instaurando com escrupuloso cuidado o processo de investigação e enviando-se a Juízo, devidamente testemunhado, o respetivo auto de notícia. Em harmonia com esta doutrina, oficie-se desde já ao sr. Administrador do Concelho de Bissau para que proceda às devidas investigações sobre os crimes de furto praticados na Casa Pereira Neves e que remeta em seguida o respetivo auto de notícia ao tribunal competente.”


No mesmo Boletim publica-se o despacho do governador quanto a um processo de inquérito mandado proceder aos atos do administrador interino da 6.ª Circunscrição Civil (Papéis):
“Em face do processo de averiguações e respetivo relatório, apresentado neste Governo pelo sr. Tenente-Coronel Araújo Júnior, e referente ao Administrador Vitorino António Casse Mendes, verifica-se que são caluniosas as acusações produzidas contra o referido administrador, que era acusado de condenar os indígenas ao pagamento de multas excessivas e injustificadas e de aplicar-lhes bárbaros castigos corporais.
Folgo de ter ocasião de manifestar a minha satisfação por não se terem confirmado tais acusações, pois embora entenda que os administradores de circunscrições, isolados e sem força pública que os possa apoiar, precisam por vezes de empregar meios enérgicos para manter a disciplina, merecem-me a maior reprovação os exageros e os castigos corporais aplicados como sistema.

Encontrarão sempre as autoridades desta província em mim o maior apoio na defesa do seu prestígio, quando injustamente agravado: não regatearei louvores a quem os merecer; mas, se procedendo assim cumpro simplesmente com os deveres do meu cargo, correlativamente é-me imposta obrigação de fazer justiça, punindo os que se desmandarem.
É com esta orientação que, concordado com as conclusões do relatório do sr. Tenente-Coronel Araújo Júnior, por mim nomeado para proceder a averiguações sobre os atos praticados pelo administrador de Bor, aprovo o seu procedimento enviando a Juízo e exigindo responsabilidade aos indivíduos que falsamente acusaram o referido administrador de faltas tão graves.”


Em outubro, Vellez Caroço faz publicar as propostas orçamentais para 1921-1922, aqui se publica um extrato:
“A Província da Guiné tem as suas finanças equilibradas e tem havido inclusivamente saldos orçamentais, mas, devemos confessá-lo, isso tem sido principalmente devido a não se fazerem melhoramentos com a largueza de vistas que o desenvolvimento comercial e agrícola da província exigem; a ter um constante défice de funcionários, porque poucos são os que querem vir para esta província, onde, a par de uma vida caríssima, verdadeiramente incomportável para quem não negoceia ou não tem que vender, há a suportar as agruras de um clima quase inóspito, e ao qual, só rodeado de comodidades e de um relativo bem-estar, o europeu pode resistir; à incidência de uns direitos excessivamente pesados sobre a exportação das oleaginosas, principal riqueza da Guiné, dificultando-lhe assim a livre concorrência nos mercados (…)
Assim, em breve regulamentaremos o trabalho indígena, melhoraremos os portos de Bissau e Bolama, terminando a construção do cais acostável do Pidjiquiti e consertando a ponte, que ameaçava ruína para as embarcações de maior tonelagem; terminaremos as obras da ponte acostável de Bolama (…)
Somos absolutamente contrários à orientação até agora seguida de terem imobilizados os saldos da colónia, que atingem uma quantia superior a mil contos, sem vencimento de juro algum, quando esses fundos só à colónia pertencem. Como início deste programa e para criar receitas compensadoras que permitam ao orçamento da Guiné comportar o aumento das despesas, onde principalmente avultam o acréscimo dos vencimentos aos funcionários civis e militares, proponho à consideração das entidades competentes as seguintes propostas orçamentais.”


Foram assim os primeiros meses da governação de Vellez Caroço.

O anúncio da chegada do Tenente-Coronel Jorge Frederico Vellez Caroço
Tenente-Coronel Vellez Caroço
Aldeia Fula, 1910
O Geba em Bafatá

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 21 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26827: Historiografia da presença portuguesa em África (482): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, estamos em 1920 (36) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26849: Notas de leitura (1801): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
É extensíssima a bibliografia que António Duarte Silva incorpora neste seu primeiro volume, quando o escreveu não era propriamente um recém-chegado ao mundo da investigação, possuía também tarimba universitária, fora assistente do ISCTE e da Faculdade de Direito de Lisboa, assistente da Escola de Direito e assessor científico da Faculdade de Direito de Bissau, possuía escritos sobre Direito Constitucional, Direito Colonial e Descolonização. 

Estruturado de uma forma singular, este seu primeiro livro faz desenvolver uma narrativa que se prende com o gérmen nacionalista até à fundação do PAIGC, como Amílcar Cabral foi o dínamo da estratégia, da formação, da abertura à comunidade internacional para a sensibilizar quanto às razões que assistiam às lutas do PAIGC, sempre entremeando o direito, a política e a luta militar, esta obra de referência levar-nos-á até ao contexto que foi reconhecida a Guiné-Bissau e a sua admissão nas Nações Unidas. O autor estava assim a preparar a maturação de uma tese sobre o pensamento e a ação de Cabral que agora está traduzida numa nova obra de referência e que se intitula Amílcar Cabral e o FIm do Império.

Um abraço do
Mário



A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (1)

Mário Beja Santos

António Duarte Silva [na foto à direita] é indiscutivelmente o investigador com mais créditos no estudo no pensamento e ação de Amílcar Cabral, no direito e política, abrangendo o seu centro de investigação, a independência da Guiné-Bissau e o processo jurídico-político da descolonização da Guiné-Bissau, toda a sua obra maneja com alta perícia estes domínios. 

O seu primeiro livro é exatamente o que vamos analisar, A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, Afrontamento, 1997, um trabalho de longo fôlego, assente em quatro partes: 

  • colonialismo e nacionalismo na Guiné; 
  • o ato inédito no direito internacional da declaração unilateral de independência; 
  • como se processou a descolonização portuguesa; 
  • e, igualmente, como teve lugar a formação do Estado.

Como é obrigatório, o autor apresenta a pequena parcela da Costa da Guiné explorada pelos portugueses a partir do século XV, como se foi modelando, à escala universal, o sentimento de mudança (de colonização para descolonização), assistiu-se à quebra das amarras das potências coloniais e dos povos tutelados; como se deu o despertar do nacionalismo em terras da Guiné, apareceu o Partido Socialista da Guiné, que pouco fez e pouco durou, irrompe a figura de Amílcar Cabral, a importância dos contactos que ele estabeleceu em Lisboa com outros estudantes africanos de colónias portuguesas, a sua presença como engenheiro na Guiné, onde, um ano depois de ele ter regressado a Lisboa, se tentou se criar um Movimento para a Independência Nacional da Guiné (MING), que Rafael Barbosa, que será figura fundamental do PAIGC até 1962, comentará que não passou de um campo de experiência.

Tudo irá mudar em 1959, mas no ano anterior um conjunto de nacionalistas decidiu formar um Movimento de Libertação da Guiné. A 3 de agosto de 1959, dão-se os trágicos acontecimentos do Pidjiquiti, haverá mortos de número indeterminado, tem lugar a 19 de setembro de 1959 uma reunião em Bissau, em que está presente Amílcar Cabral, em que se tomam importante decisões: deslocar a ação para o campo, mobilizando os camponeses, preparar-se para a luta armada e transferir parte da direção para o exterior. 

Ainda hoje não está historicamente aclarado a formação do PAI, dada como ocorrida em 1956. Entretanto, tem lugar a formação pelos movimentos nacionalistas da criação de organizações unitárias contra o colonialismo português, o autor dá-nos o quadro de toda esta construção, e assim chegamos à Conferência de Túnis em que em declaração pública Cabral fala da motivação da luta de libertação nacional; estamos em 1960, o líder do PAIGC passa a viver em Conacri, Rafael Barbosa é o condutor da mobilização de jovens guineenses que são encaminhados para a República da Guiné; em janeiro de 1961 partem dez militantes do PAIGC com destino à Academia Militar de Nanquim, China, irão tornar-se os principais comandantes de guerrilha, caso de Osvaldo Vieira, João Bernardo Vieira, Constantino Teixeira, Domingos Ramos ou Francisco Mendes.

Nos primeiros dias de outubro de 1960, o ainda PAI realizará em Dacar uma reunião de dirigentes, é nesse evento que foi adotada definitivamente a sigla PAIGC, aprovados os programas dos partidos, que tinham sido elaborados por Cabral, escolhida a bandeira do PAIGC, também por sugestão de Cabral; enviada uma vez mais ao Governo português a proposta de abertura de negociações, e a não haver deferência por parte do Estado português, teria início a luta armada. 

O quadro ideológico em que se irá mover Cabral irá diferir do proposto por outros intelectuais, líderes políticos ou líderes revolucionários. Embora sensível a paradigmas internacionais, Cabral irá cimentar o seu pensamento, no dizer de Mário de Andrade, pela convergência quanto à identidade cultural, ao nacionalismo, à identidade nacional, à guerra popular de longa duração, a uma nova ordem social, à natureza e ao controlo do futuro Estado independente.

Desde muito cedo que o líder do PAIGC busca apoios nesta altura fundamentalmente em África, URSS e países não alinhados. No início, Moscovo temia que o PAIGC estivesse dominado por tendências para os chineses. Conacri gera facilidades e dá ajuda concreta. 1962 é o ano em que Rafael Barbosa é preso na Guiné, é desmantelada a organização do PAIGC em Bissau e desencadeada a sublevação nas regiões do Sul. 

A luta armada propriamente dita inicia-se em janeiro do ano seguinte. O Ministro da Defesa, general Gomes de Araújo, numa entrevista a um jornal em julho de 1963 refere a preponderância do PAIGC no Sul, dizendo que tinham penetrado numa zona correspondente a 15% da superfície da província. 

Em meados desse ano, a guerra atingiu as florestas do Oio, tudo se vai complicar na zona Centro-Norte, é uma comoção demográfica impressionante com populações fugidas, tabancas abandonadas e destruídas, a vida administrativa e a atividade comercial profundamente afetadas.

 Nesta fase da luta, o PAIGC ainda tem um concorrente, a FLING, irá diluir-se a partir de 1965. O autor explica como Cabral procurou defender a sigla da unidade Guiné-Cabo Verde.

O período de 1964 a 1968 corresponde à unificação do poder civil e militar, Arnaldo Schulz é simultaneamente Governador e Comandante-Chefe, vai seguir e intensificar uma manobra de disposição de destacamentos e povoações em autodefesa, foi uma tentativa de agrupar a população que não quis expressamente ficar na órbita da guerrilha, se bem que no decurso de toda a guerra tenha vindo a avultar a problemática do duplo controlo. 

Neste período, consolida-se a posição do PAIGC no Sul, na região do Morés, os grupos do PAIGC atuavam praticamente no Sul abaixo do Geba e a Oeste do Corubal; Schulz e os seus comandos militares pronunciavam-se a favor do recurso às tropas de elite, ao reforço do poder aéreo e naval, foi favorável à africanização da guerra constituindo pelotões de caçadores nativos e pelotões de milícias, mais tarde companhias de caçadores , os efetivos militares metropolitanos foram crescendo, isto enquanto o PAIGC ia ganhando uma certa superioridade no armamento, na capacidade de flagelação, minagem das estradas e de muitos trilhos, obtendo um certo êxito na paralisação da atividade económica em certas regiões.

Nos cinco anos do Governo seguinte, tendo à testa Spínola, este pretendeu alterar significativamente a estratégia portuguesa, despachou para a metrópole um bom punhado de quantos militares, remodelou o dispositivo fazendo retirar a presença portuguesa sobretudo em áreas do Sul e na região Leste, no Boé. 

Pretendeu desde a primeira hora que se fizesse um esforço de contra penetração nas zonas fronteiriças, numa extensa ação psicológica fez lançar empreendimentos a que se deu o nome de reordenamentos populacionais, abriu caminho para os chamados Congressos do Povo, uma hábil forma de auscultação e uma simulação de democracia direta, iremos ver proximamente em que contexto dominante se foi montando uma estratégia conducente que levasse à independência, as iniciativas de Spínola para se chegar a um entendimento de autodeterminação, como se chegou à operação de declarar unilateralmente a independência e o apoio internacional imediato ao que se passou algures no leste da Guiné em 24 de setembro de 1973.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 26 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26847: Notas de leitura (1800): "Gil Eanes: o anjo do mar", de João David Batel Marques (Viana do Castelo: Fundação Gil Eanes, 2019, il, 131pp.) - Parte I: A história do navio-hospital da frota bacalhoeira (Luís Graça)

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25803: Notas de leitura (1714): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (14) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Está a findar o ano de 1869, a questão dominante destes números do Boletim Oficial prende-se com temíveis casos de saúde pública, não param as epidemias e as condições de vida em Cabo Verde estão abaladas pelas fomes e penúrias. A Guiné não conhece novo regulamento para a sua organização, há poucas novidades, o distrito tem dois concelhos, aparecem juntas municipais e define-se a magistratura administrativa; o governador deve visitar em cada ano, duas vezes pelo menos, a praça de Cacheu, e uma vez os presídios e povoações do distrito. Há uma junta consultiva que tem o governador como presidente, os Grumetes têm a sua própria administração, a fazenda também tem o seu próprio regulamento e o mesmo se dirá da organização militar. E ficamos a saber que houve missionação no Sul da Guiné e 90 batismos.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (14)


Mário Beja Santos

O que mais impressiona as informações que o Boletim Official acolhe neste ano de 1869 prende-se com o estado de saúde deplorável de Cabo Verde, um noticiário sobre a Guiné continua a ser residual, mas abrir-se-á uma exceção com a publicação do regulamento para a organização administrativa da Guiné, procurava-se dar um salto e melhorar a presença portuguesa.

No Boletim Official n.º 19, de 8 de maio, temos um extrato das notícias da Guiné recebidas pela escuna Bissau, o estado sanitário era bom, excelente o alimentício, animado o comercial e quanto à segurança pública não se lhe conheciam alterações; a Alfândega de Bissau rendeu nos meses de janeiro, fevereiro e março 9:379$339 reis, e a de Cacheu, nos meses seguintes, 1:735$447 reis; em janeiro, havia-se efetuado em Geba a paz com os Mandingas de Gófia, e em março, com os Mandingas de Teligi, eles tinham atacado o presídio de Geba, haviam sido rechaçados denodadamente e perseguidos até longa distância pelos Grumetes do presídio. Em Bissau, continuava a reconstrução o Forte do Pidjiquiti e em Cacheu haviam terminado consertos dos baluartes; os pagamentos aos funcionários públicos estavam em dia.

Neste mesmo Boletim Official, na secção dos avisos, pode ler-se que por participação do Governador da Guiné Portuguesa, em ofício n.º 37, de 13 de abril, consta que em data de 7 de março do corrente ano aportou no ponto da colónia de Rio Grande um escaler conduzindo cinco náufragos pertencentes à barca da americana Gem, propriedade de Charles Hoffman de Salena, nos Estados Unidos, capitão Miller, naufragado nos bancos da ilha de Orango no dia 3 do mesmo mês. Havia aquele barco saído de Rio Nunes com destino ao porto de Bissau com nove pessoas de tripulação e carga de várias mercadorias. Logo depois de encalhado, e abandonado pela população, o navio incendiou-se em consequência da explosão de uma porção de pólvora, que fazia parte do seu carregamento. Os náufragos, incluindo o capitão foram recebidos a bordo do patacho Btomac pertencente à mesma Casa Hoffman.

Passando agora para o Boletim n.º 22, de 29 de maio, o fundamental do seu conteúdo tem a ver com o regulamente da organização administrativa da Guiné Portuguesa. Importa salientar os dados que podem ser tidos como mais relevantes: a Guiné Portuguesa constitui um distrito dividido em dois concelhos, o de Bissau e o de Cacheu, e cada um destes em Praças e Presídios; o concelho de Bissau compõe-se da vila de S. José ou Praça de Bissau, do Presídio de Geba, da colónia do Rio Grande de Bolola e mais território desta dependência, e da ilha de Orango; o concelho de Cacheu compõe-se da Praça deste nome, dos presídios de Farim e Ziguinchor, e das povoações de Matta, Bolor e outras desta dependência. O distrito é administrado por um governador e os concelhos são regidos por administradores. Os presídios, a colónia e as povoações dependentes dos concelhos por chefes. Há um título do regulamento dedicado às juntas municipais e outro aos magistrados administrativos. Insere-se matéria sobre a organização da fazenda, dizendo-se que a fazenda pública é administrada na Guiné Portuguesa por uma delegação fiscal, composta do Governador do distrito, como presidente, e também pelo subdelegado do procurador da Coroa e fazenda em Bissau, do diretor da alfândega da vila e do primeiro escrivão da mesma alfândega. Outro dado importante é o regulamento para a organização militar. A Guiné Portuguesa constitui um distrito militar sujeito ao governo da província de Cabo Verde. O distrito é divido em dois comandos militares: o de Bissau e o de Cacheu, sendo o de Bissau exercido pelo governador do distrito, e o de Cacheu pelo comandante da força militar ali estacionada. Há na praça de Bissau um corpo de infantaria de segunda linha e na de Cacheu uma companhia, tendo à frente o capitão.

Neste mesmo Boletim fica-se a saber quais as escolas de instrução primária na Guiné: Nossa Senhora da Candelária e Nossa Senhora da Purificação (não se sabe se ambas em Bissau ou Bissau e Cacheu), S. Francisco Xavier (Bolor), Nossa Senhora da Graça (Farim e Geba).

No Boletim nº23, de 5 de junho, constam as instruções para o registo dos libertos, a cada pessoa que registar o seu liberto se dará para seu título certidão conforme um modelo assinado pela comissão e entregue no ato de ser feito o registo.

É de ter atenção de que nestes boletins referentes a este ano, além da febre amarela, fala-se em casos de varíola e sarampo.

No Boletim n.º 30, de 24 de julho, informa-se que continuam os trabalhos de beneficiação no Forte de Belchior e estão a ser tomadas medidas idênticas para instalações na praça de Bissau. Neste mesmo Boletim vêm notícias da Guiné Portuguesa, escreve-se o seguinte: Em Bargny, Rufisque, Dacar, Goré, Gâmbia e outros portos vizinhos reinava o cólera asiático, tendo já feito imensos estragos. O governador do distrito, ouvido o respetivo delegado da Junta de Saúde, havia tomado as necessárias e convenientes providencias para evitar a introdução ali do terrível flagelo.

No Boletim n.º 33, de 14 de agosto, informa-se que era regular o estado sanitário do distrito e bom o alimentício, continuando inalteráveis a ordem e a tranquilidade públicas. Por participação do chefe da colónia do Rio Grande constava que o cólera asiático grassava em Carabane, ponto no rio Casamansa vizinho a Cacheu; e, por participações extraoficiais, constava grassar também aquela epidemia em Mansoa Camancó, ponto próximo do presídio de S. Belchior. Em Geba, segundo participa o chefe naquele presídio, havia sido feita a paz com os gentios Mandingas de Ganadu e Mansomini, que a haviam solicitado. Era bastante animado o comércio, tendo sido abundante a colheita de cera.

Em Farim, reinava o sossego, havendo as melhores relações de amizade entre os génios daquelas paragens e o presídio. Continuavam as plantações e sementeiras de milho, mandioca, batata, arroz, mancara, etc.

No Boletim n.º 34, de 24 de agosto, anuncia-se a visita do cónego missionário Joaquim Vicente Moniz que percorreu o Sul da Guiné e batizou 90 gentios. Estamos a chegar ao final do ano e, como vemos, é a saúde deplorável que é alvo do maior número de informações.
Este suplemento ao n.º 14 do Boletim Official do Governo Geral da Província de Cabo Verde e da Costa de Guiné, de 5 de abril de 1869, anuncia a chega do novo Governador, o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque, conferiu-lhe posse o seu antecessor, o Excelentíssimo Senhor Conselheiro José Guedes de Carvalho e Menezes
Rua da Alfândega, Bissau
Ponte-cais de Bissau, construída pelo governador Carlos Pereira na década de 1910
Ponte-cais Correia e Leça, Bissau, cerca de 1890
Ilustração de Augusto Trigo representando um aldeamento em manual colonial português

(continua)

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Notas do editor:

Post anterior de 26 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25779: Notas de leitura (1712): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (13) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 29 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25789: Notas de leitura (1713): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 7 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25722: Facebook...ando (60): Fotos do A. Marques Lopes (1944-2024): viagem no T/T Niassa, e chegada a BIssau, em maio de 1968, para a segunda parte da comissão, (CCÇ 3, Barro, 1968/69)

 

 
Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Ponte-cais > Maio de 1968 > A. Marques Lopes e outros alferes milicianos qie vieram, em rendição individual,  da metrópole no T/T "Niassa" (ao largo, na foto).



Foto nº 2 > Guiné > Bissau > Ponte-cais > Maio de 1968 >  Em primeiro plano, o draga-minas NRP  "Faial" (?)  e,  fundeado no estuário do Geba,  o N/M "Niassa"


Foto nº 3 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 >  O A. Marques Lopes, acabado de chegar no N/M "Niassa"; ao fundo, o porto de Bissau, a ponte-cais (*).



Foto nº 4 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > N/M Niassa > Transbordo de tropas, em LDM (1)


Foto nº 4A > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > N/M Niassa > Transbordo de tropas, em LDM (2)


Foto nº 5 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > Final da Av da República (hoje, Av Amílcar Cabral). A estátua que se vê , era a de Nuno Tristão (de costas para o rio Geba e instalações portuárias, e ao fundo o N/M "Niassa"), erigida por ocasião do 5º centenário do seu desembarque em terras da Guiné (1446).
(Não confumdir com estátua de Diogo Gomes, que estava na praça com o mesmo nome, entre  a fortaleza da Amura  e a ponte-cais.) (*)



Foto nº 6 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > O A. Marques Lopes no "jardim ao pé do porto de Bissau"


Foto nº 7 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > Forte da Amura (1)


Foto nº 8 > Guiné > Bissau >  Maio de 1968  > Forte da Amura (2): o A. Marques Lopes, à civil


 
Foto nº 9 > Guiné > Bissau >  Maio de 1968  > Cais do Pidjiguiti... Ao fundo, do lado direito, o ilhéu de Rei


Foto nº 10 > Guiné > Bissau >  Maio de 1968  > Arredores da cidade: o A. Marque Lopes à civil... "Calmamente", acrescenta ele, na legenda.


Foto nº 11 > Guiné > Bissau >  Maio de 1968  > Arredores da cidade... Ao fundo, descortina-se a catedral de Bissau, na Av da República (que vinha da Praça do Império até ao rio).



Foto nº 12 >  Lisboa- Guiné  >  A bordo do N/M "Niassa" > Maio de 1968  > Um grupo de oficiais milicianos, entre eles o A. Marques Lopes (o segundo à direita)



Foto nº  12A > Lisboa- Guiné  >  A bordo do N/M "Niassa" > Maio de 1968  >  Um grupo de oficiais milicianos acabados de chegar (pormenor). UM deles parece ser capitão, e mais velho (o primeiro da direita)


Foto nº  12B >   Lisboa-Guiné > A bordo do T/T "Niassa" > Maio de 1968  >  Um grupo de oficiais acabados de chegar (pormenor)


Grupo de oficiais que viajaram com o A. Marques Lopes (o segundo a contar da direita, de óculos escuros e um livro debaixo do braço).  Entre eles o Almodôvar (o quarto a partir da direita), amigo do Torcato Mendonça e do Paulo Raposo (**). O Marques Lopes regressava do Hospital Militar Principal, em Lisboa. Depois de ter estado, em Geba, em 1967, na CART 1690, onde foi ferido, acabou o resto da sua comissão em Barro, na CCAÇ 3.

 Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Agora que o nosso amigo e camarada A. Marques Lopes (Lisboa, 1944-Matosinhos, 2024) nos deixou para a "derradeira viagem" (a que não tem retorno: "adeus, mas não há regresso!"..., terão sido as suas últimas palavras!), deu-nos uma saudade imensa, e fomos "revisitar" a sua página no Facebook (***)...

E antes que essa página desapareça,  fizemos uma seleção das fotos do seu álbum: em princípio, as que reproduzimos serão todas de maio de 1968, quando ele voltou à Guiné, pela segunda vez, para ser colocado na CCAÇ 3 (Barro, 1968/69), ainda mal recuperado de uma grave ferimento com uma mina A/C. Será na região do região do Cacheu que ele acabará a sua comissão.

Regressará a Lisboa, no N/M "Uìge", em março de 1969 (****)

PS - Não temos a certeza se as fotos são todas da mesma época, maio de 1968 (nomeadamente, as nº  7, 8, 9, 10 e 11)


(****) Vd. poste de 23 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15401: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (4): No regresso a Lisboa, em março de 1969, no N/M Uíge: 1246 passageiros, distribuídos pela 1ª (n=57), 2ª (n=133) e 3ª classes (n=1056)

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24731: Notas de leitura (1622): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Esta obra de Valentim Alexandre é um portento de rigor, não se conhece estudo mais exaustivo quer para a génese do movimento anticolonial quer para estes tão profundamente documentados três primeiros meses dos acontecimentos angolanos de 1961. E não hesito sequer a dizer que todo este trabalho de História Colonial que cronologicamente o autor abriu com o seu monumental Contra o Vento - Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960), em 2017, e que agora tem os seus primeiros capítulos que garantem não só uma leitura palpitante e esclarecedora como um acervo documental único. E o distanciamento, pedra angular dos historiador, fica suficientemente comprovado para tornar todo este corpo de investigação uma pedra angular da História de Portugal Contemporâneo.

Um abraço do
Mário



O início da guerra em Angola, os três primeiros meses (1):
Uma surpreendente obra de referência sobre a génese da convulsão anticolonial


Mário Beja Santos

Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril), por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021, marca o regresso de Valentim Alexandre à história colonial, de que possuí extenso e brilhante currículo, ainda há escassos anos nos ofereceu outra obra de referência, Contra o Vento – Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960), também publicado em Temas e Debates/Círculo de Leitores, que pode ser encarada como a primeira peça de algo que se afigura vir a ganhar corpo como a História da Guerra Colonial (1961-1975), empreendimento de grande dimensão, que até hoje nenhum investigador nem nenhuma equipa se acometeu, tal a grandeza da tarefa e o distanciamento que impõe.

Logo na introdução o autor equaciona os propósitos da obra a partir do momento em que o movimento de descolonização se pôs em marcha em vários continentes. As incidências no sistema político português tiveram uma resposta lenta, mesmo com a crise de Goa e os primeiros sinais das independências africanas, em 1958. 

O Estado Novo procurou responder com uma muita prudente reforma das Forças Armadas, uma certa preparação em contraguerrilha, o envio a conta-gotas de unidades militares para África e a criação de delegações da PIDE. Mesmo no crescendo de informações inquietantes, nada de significativo se tinha alterado na Guiné e em Angola, os locais onde se previa que viesse haver turbulência, com independências à volta. 

É nesse contexto que irrompem três grandes convulsões angolanas, a revolta da Baixa de Cassange, de janeiro a março; o assalto às prisões de Luanda, em fevereiro; e a insurreição no Norte do território a partir de 15 de março, o autor dar-nos-á uma empolgante, metódica narrativa dos acontecimentos e protagonistas. 

E teremos o repositório dos efeitos da crise angolana, torna-se percetível que velhos aliados se posicionem prudentemente à distância. É uma narrativa que entreabre as portas para uma guerra de 13 anos, este período do primeiro trimestre de 1961 é de grande turbulência, sangrento, timbrado para acontecimentos horríveis onde não faltam corpos desmembrados a execuções sumárias e bombardeamentos aéreos arbitrários.

Com o rigor que pauta sempre os seus trabalhos, Valentim Alexandre aborda os prenúncios e avisos dirigindo-se exatamente para o local onde era suposto haver o primeiro incêndio, a Guiné. Em 1958, é enviada uma missão militar à Guiné, constata que ainda não havia qualquer ação ativa, mas não deixou de se referir que já se fazia sentir uma “pressão insidiosa” que poderia “causar dificuldades num espaço de tempo relativamente curto”, não se ignorava que os dirigentes dos novos países independentes eram manifestamente anticoloniais e revindicavam a retirada dos europeus. 

Por esse tempo há um relatório de Silva Cunha assinalando o significado da independência da Guiné-Conacri e anotando um “sentimento geral de descontentamento” que começava a verificar-se nas camadas de nativos mais evoluídos, principalmente em Bissau […] quanto à sua situação social. E Silva Cunha não dourava a pílula, acusava “Portugal de não cuidar suficientemente de proporcionar aos nativos da Guiné meios de progresso cultural, social e político equivalentes aos que se encontravam nos territórios vizinhos”.

No ano seguinte, ocorreram os acontecimentos de 3 de agosto de 1959, no Pidjiquiti, de que resultou um número elevado de mortos e feridos. Uma comissão militar presente na colónia ajuizava a natureza do incidente devido aos baixos salários pagos pela Casa Gouveia e Sociedade Ultramarina. 

A propaganda de Conacri fazia-se sentir a partir das transmissões de rádio, proponham-se medidas, desde a neutralização desta propaganda até à ocupação em superfície do território, dizia-se mesmo que o interior se encontrava completamente desguarnecido. Boa parte destas recomendações só anos mais tardes serão aplicadas, o poder central limitou-se a remeter um chefe de brigada e seis agentes da PIDE, um destacamento de paraquedista com cerca de 30 homens e por mar partiu uma companhia de caçadores que chegou a Bissau em 18 de agosto.

Passamos agora para Angola, o grande abalo no continente e na política mundial veio do Congo Belga, estamos em 1959 quando se inicia a crise congolesa que o autor explica ao pormenor. Nesse mesmo ano os colonos do distrito do Congo (Angola) reclamavam que lhes fossem fornecidas armas para sua defesa pessoal, pressintam que a convulsões batiam à porta. 

O autor dá-nos a situação no Norte de Angola, a importância do Reino do Congo, cuja existência independente voltava a ser reclamada pelos autóctones, que eram um perigo sentido pelo Ministério do Ultramar investiram o novo Reino do Congo; há agitação política a que a campanha presidencial de 1958 deu algum folgo, dado o impacto que teve em Angola a candidatura de Humberto Delgado, formam-se vários movimentos anticoloniais, cresce a concertação entre movimentos independentistas provenientes das colónias portuguesas, formara-se em 1957 o MAC – Movimento Anticolonialista, que agregava, entre outros, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Lúcio Lara e Eduardo Santos, com antenas no exterior, tentava-se obter apoio dos países africanos já independentes, iniciativa que se revelou frustrante. 

No fim da década de 1950, o MAC transformou-se na FRAIN – Frente Revolucionária para a Independência das Colónias Portuguesas, o MPLA e o PAI (futuro PAIGC) são acolhidos em Conacri; o MLG – Movimento de Libertação da Guiné, de Rafael Barbosa, incorpora-se no PAIGC, os são-tomenses criam o seu próprio movimento de libertação. 

O autor procura dar-nos um quadro da génese do MPLA e da UPA, ideologias e influências. Este contexto da deterioração da situação na Guiné e em Moçambique não é ignorado pelos departamentos oficiais portugueses, ademais o cenário internacional modifica-se com a chegada dos países independentes à ONU, as resoluções anticoloniais surgem umas atrás das outras.

E temos a rebelião da Baixa de Cassange, tudo bem contextualizado por Valentim Alexandre, ficamos a saber como trabalhava a Companhia Geral dos Algodões de Angola (COTONANG), de nacionalidade portuguesa, com capitais luso-belgas, uma exploração miserável, com descarado trabalho forçado, temos um quadro da rebelião, as influências externas e até religiosas, a resposta foi brutal, logo os bombardeamentos com metralha e bombas por parte da aviação. As autoridades portuguesas tudo farão para que não se fale desta revolta onde a força motriz, de acordo com os factos documentais existentes, teve a mão declarada da UPA. 

Os militares portugueses no terreno não se escusaram a dizer a verdade do que viam: os castigos corporais, caso das chicotadas, as sovas dos capatazes que aplicavam arbitrariamente multas a torto e a direito, os roubos no peso e no pagamento e na qualificação da fibra, a corrupção impetrada pela COTONANG às autoridades administrativas que recebiam envelopes com quantias avultadas para fecharem os olhos aos abusos. Valentim Alexandre também releva o caráter messiânico na contestação ao poder colonial. E chegamos assim a fevereiro de 1961, os assaltos às prisões de Luanda.

(continua)

Imagens da reportagem de James Burke para a LIFE Magazine em 17 de fevereiro de 1961
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24719: Notas de leitura (1621): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (2) (Mário Beja Santos)