sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24731: Notas de leitura (1622): "Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril)", por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Esta obra de Valentim Alexandre é um portento de rigor, não se conhece estudo mais exaustivo quer para a génese do movimento anticolonial quer para estes tão profundamente documentados três primeiros meses dos acontecimentos angolanos de 1961. E não hesito sequer a dizer que todo este trabalho de História Colonial que cronologicamente o autor abriu com o seu monumental Contra o Vento - Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960), em 2017, e que agora tem os seus primeiros capítulos que garantem não só uma leitura palpitante e esclarecedora como um acervo documental único. E o distanciamento, pedra angular dos historiador, fica suficientemente comprovado para tornar todo este corpo de investigação uma pedra angular da História de Portugal Contemporâneo.

Um abraço do
Mário



O início da guerra em Angola, os três primeiros meses (1):
Uma surpreendente obra de referência sobre a génese da convulsão anticolonial


Mário Beja Santos

Os Desastres da Guerra, Portugal e as Revoltas em Angola (1961: Janeiro a Abril), por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2021, marca o regresso de Valentim Alexandre à história colonial, de que possuí extenso e brilhante currículo, ainda há escassos anos nos ofereceu outra obra de referência, Contra o Vento – Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960), também publicado em Temas e Debates/Círculo de Leitores, que pode ser encarada como a primeira peça de algo que se afigura vir a ganhar corpo como a História da Guerra Colonial (1961-1975), empreendimento de grande dimensão, que até hoje nenhum investigador nem nenhuma equipa se acometeu, tal a grandeza da tarefa e o distanciamento que impõe.

Logo na introdução o autor equaciona os propósitos da obra a partir do momento em que o movimento de descolonização se pôs em marcha em vários continentes. As incidências no sistema político português tiveram uma resposta lenta, mesmo com a crise de Goa e os primeiros sinais das independências africanas, em 1958. 

O Estado Novo procurou responder com uma muita prudente reforma das Forças Armadas, uma certa preparação em contraguerrilha, o envio a conta-gotas de unidades militares para África e a criação de delegações da PIDE. Mesmo no crescendo de informações inquietantes, nada de significativo se tinha alterado na Guiné e em Angola, os locais onde se previa que viesse haver turbulência, com independências à volta. 

É nesse contexto que irrompem três grandes convulsões angolanas, a revolta da Baixa de Cassange, de janeiro a março; o assalto às prisões de Luanda, em fevereiro; e a insurreição no Norte do território a partir de 15 de março, o autor dar-nos-á uma empolgante, metódica narrativa dos acontecimentos e protagonistas. 

E teremos o repositório dos efeitos da crise angolana, torna-se percetível que velhos aliados se posicionem prudentemente à distância. É uma narrativa que entreabre as portas para uma guerra de 13 anos, este período do primeiro trimestre de 1961 é de grande turbulência, sangrento, timbrado para acontecimentos horríveis onde não faltam corpos desmembrados a execuções sumárias e bombardeamentos aéreos arbitrários.

Com o rigor que pauta sempre os seus trabalhos, Valentim Alexandre aborda os prenúncios e avisos dirigindo-se exatamente para o local onde era suposto haver o primeiro incêndio, a Guiné. Em 1958, é enviada uma missão militar à Guiné, constata que ainda não havia qualquer ação ativa, mas não deixou de se referir que já se fazia sentir uma “pressão insidiosa” que poderia “causar dificuldades num espaço de tempo relativamente curto”, não se ignorava que os dirigentes dos novos países independentes eram manifestamente anticoloniais e revindicavam a retirada dos europeus. 

Por esse tempo há um relatório de Silva Cunha assinalando o significado da independência da Guiné-Conacri e anotando um “sentimento geral de descontentamento” que começava a verificar-se nas camadas de nativos mais evoluídos, principalmente em Bissau […] quanto à sua situação social. E Silva Cunha não dourava a pílula, acusava “Portugal de não cuidar suficientemente de proporcionar aos nativos da Guiné meios de progresso cultural, social e político equivalentes aos que se encontravam nos territórios vizinhos”.

No ano seguinte, ocorreram os acontecimentos de 3 de agosto de 1959, no Pidjiquiti, de que resultou um número elevado de mortos e feridos. Uma comissão militar presente na colónia ajuizava a natureza do incidente devido aos baixos salários pagos pela Casa Gouveia e Sociedade Ultramarina. 

A propaganda de Conacri fazia-se sentir a partir das transmissões de rádio, proponham-se medidas, desde a neutralização desta propaganda até à ocupação em superfície do território, dizia-se mesmo que o interior se encontrava completamente desguarnecido. Boa parte destas recomendações só anos mais tardes serão aplicadas, o poder central limitou-se a remeter um chefe de brigada e seis agentes da PIDE, um destacamento de paraquedista com cerca de 30 homens e por mar partiu uma companhia de caçadores que chegou a Bissau em 18 de agosto.

Passamos agora para Angola, o grande abalo no continente e na política mundial veio do Congo Belga, estamos em 1959 quando se inicia a crise congolesa que o autor explica ao pormenor. Nesse mesmo ano os colonos do distrito do Congo (Angola) reclamavam que lhes fossem fornecidas armas para sua defesa pessoal, pressintam que a convulsões batiam à porta. 

O autor dá-nos a situação no Norte de Angola, a importância do Reino do Congo, cuja existência independente voltava a ser reclamada pelos autóctones, que eram um perigo sentido pelo Ministério do Ultramar investiram o novo Reino do Congo; há agitação política a que a campanha presidencial de 1958 deu algum folgo, dado o impacto que teve em Angola a candidatura de Humberto Delgado, formam-se vários movimentos anticoloniais, cresce a concertação entre movimentos independentistas provenientes das colónias portuguesas, formara-se em 1957 o MAC – Movimento Anticolonialista, que agregava, entre outros, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Lúcio Lara e Eduardo Santos, com antenas no exterior, tentava-se obter apoio dos países africanos já independentes, iniciativa que se revelou frustrante. 

No fim da década de 1950, o MAC transformou-se na FRAIN – Frente Revolucionária para a Independência das Colónias Portuguesas, o MPLA e o PAI (futuro PAIGC) são acolhidos em Conacri; o MLG – Movimento de Libertação da Guiné, de Rafael Barbosa, incorpora-se no PAIGC, os são-tomenses criam o seu próprio movimento de libertação. 

O autor procura dar-nos um quadro da génese do MPLA e da UPA, ideologias e influências. Este contexto da deterioração da situação na Guiné e em Moçambique não é ignorado pelos departamentos oficiais portugueses, ademais o cenário internacional modifica-se com a chegada dos países independentes à ONU, as resoluções anticoloniais surgem umas atrás das outras.

E temos a rebelião da Baixa de Cassange, tudo bem contextualizado por Valentim Alexandre, ficamos a saber como trabalhava a Companhia Geral dos Algodões de Angola (COTONANG), de nacionalidade portuguesa, com capitais luso-belgas, uma exploração miserável, com descarado trabalho forçado, temos um quadro da rebelião, as influências externas e até religiosas, a resposta foi brutal, logo os bombardeamentos com metralha e bombas por parte da aviação. As autoridades portuguesas tudo farão para que não se fale desta revolta onde a força motriz, de acordo com os factos documentais existentes, teve a mão declarada da UPA. 

Os militares portugueses no terreno não se escusaram a dizer a verdade do que viam: os castigos corporais, caso das chicotadas, as sovas dos capatazes que aplicavam arbitrariamente multas a torto e a direito, os roubos no peso e no pagamento e na qualificação da fibra, a corrupção impetrada pela COTONANG às autoridades administrativas que recebiam envelopes com quantias avultadas para fecharem os olhos aos abusos. Valentim Alexandre também releva o caráter messiânico na contestação ao poder colonial. E chegamos assim a fevereiro de 1961, os assaltos às prisões de Luanda.

(continua)

Imagens da reportagem de James Burke para a LIFE Magazine em 17 de fevereiro de 1961
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24719: Notas de leitura (1621): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... Manuel Valentim Franco Alexandre (nasc. 09Abr1942 em Lisboa): em 12Mai1962, sendo estudante universitário, foi pela 1ª vez detido pela PIDE em consequência de arruaças no 'campus' do Campo Grande; em Dez1964 volta a ser detido (com outros oito estudantes contestários da "guerra colonial"); em 1967 conclui na Universidade de Coimbra a licenciatura em Direito; em 29Ago1969 ingressa como cadete no curso de técnicos especialistas da Escola Naval, findo o qual promovido a 2Tn TE/RN seguiu para a Província Ultramarina da Guiné, colocado no ComDefMarG; e em Abr1972 passou à situação de licenciado. Quanto ao seu afã "anticolonialista": é vasta e muito conhecica a bibliografia daquele indivíduo que, desde 1979, com conhecidos apoios de sectores oriundos do PREC, tem publicado sempre com o mesmo propósito doutrinário.
É pois, rotundamente FALSA a sua alegada "currícula antifascista", segundo a qual «passou três vezes pela prisão, foi mobilizado para a Guerra Colonial, desertou e exilou-se na Suíça».
* [escrito em 13Set2021]

... não querendo ser 'desmancha-prazeres', o mencionado "autor" é um (meu) velho conhecido nas lides da passadista historiografia antisalazarista, anticolonialista & outras coisas "anti". P.ex, leia-se ou releia-se "Origens do Colonialismo Português Moderno - vol.III" (Sá
da Costa, 1979), daquele mesmo autor. Formado (ou deformado?) na perspectiva do materialismo histórico, tão caro aos marxistas da velha guarda "antifascista" que moem e remoem contra a missão que ao Povo Português coube realizar no Além-Mar, aquele "jubilado investigador" do ICS/UL, para melhor entendimento do 'who's who', está mais ou menos aparentado com o endoutrinamento que FRosas e comandita produziu por meio do 'campus'. Por minha parte, tal recente título nem me vai merecer pecúlio na aquisição e como tal motiva-me desinteresse em sinopses ou recensões: é mais do mesmo, do que antes e pós-25A tem vindo a ser servido, requentado, "ao povo". Aliás, quer o título, qb derrorista, quer o subtítulo, a ninguém pretendem enganar.
* [escrito em 13Set2021]

... sobre a epigrafada janela temporal "1961-Janeiro a Abril": para quem tenha paciência de (me) ler, seguem-se ligações electrónicas para
dois documentos em formato pdf, os quais desde há mais de dez anos estão disponíveis à borla e 'online', nos seguintes sítios >
https://ultramar.terraweb.biz/AbreudosSantos/Rumores_de_Guerra_Cassanje-e-Luanda.pdf
e
https://ultramar.terraweb.biz/AbreudosSantos/Rumores_de_Guerra_nos_Dembos.pdf

Com os melhores cumprimentos, de um não-académico "que fez a tropa no Ultramar".
* [escrito em 13Set2021]