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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27333: Notas de leitura (1853): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte IV: de Figo Maduro a Bissalanca "by air", e depois de LDG até Bolama para a estopada da IAO (Luís Graça)




Guiné > Zona Oeste >  Região do Cacheu , Có > 2ª C/BART 6521/72 (1972/74) > Messe da caserna do 2º pelotão. O autor em primeiro plano à direita. (Foto, com devida vénia, retirada da pág. 135 e reeditada por LG).



Crachá da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74)


Capa do livro 

1. Continuando a leitura do livro do Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025, il., 184 pp,) 
(ISBN 978-989 -33.7982-0) (*). (Revisão / fixação de texto:  J. Pinto de Carvalho.)


Com a especialidade de auxiliar de enfermeiro feita em Coimbra, no RSS (Regimento de Serviços de Saúde) (jan/mai 1972), o Luís é mobilizado para a Guiné, indo formar batalhão, o BART 6521/72, no RAL 5,  Penafiel (jun / set 1972). 

No seu livro de memórias (elaborado sem recurso a fontes em papel), ele começa por perguntar como se formara aquele batalhão. 

O Luís, chegado a Penafiel, com mais dois camaradas que vieram com ele do quartel da Carregueira, Sintra,  não conhecia mais ninguém. Os três, munidos da respetiva "guia de marcha", acabavam de se apresentar de manhã no RAL 5, a unidade mobilizadora do seu batalhão. 

Chegaram às 3h00 da manhã. Tinham saído da Carregueira  às 11h00 do dia anterior, num dia de junho de 1972. Claro, aproveitaram para pôr o sono em dia, até ao toque de alvorada.  A cama foi improvisada: foram as pedras da calçada, com o saco da roupa a servir de travesseiro.

(pág. 39)


Achámos piada ao termo da gíria de caserna, "atiruense", forma engraçada mas irónica de designar, afinal,  a grande maioria dos militares que iam para o CTIG. Em 1969/71, eram também conhecidos como "amanuenses de gatilho",  enfim a derradeira especialidade que o diabo quereria ter ali, naquele "cu de Judas", a Guiné (hoje, Guiné-Bissau). 

Por outro lado, repare-se na observação sobre o médico e os quatro auxiliares de enfermeiro que em princípio deveriam seguir na 2ª C/BART 6521/72. 

 Médico não havia, e dos quatro 1ºs cabos da secção sanitária só seguia o Luis e o Faleiro. A solução "ad hoc" encontrada,  mais tarde, chegados a Có, foi fazer dois auxiliares de enfermeiro, "de aviário", à pressa, para suprir as faltas. 

Enfim, mais um exemplo do "desenrascanço" à portuguesa (pág. 40).

Estava-se, de resto, numa época em que já ninguém  ligava à qualidade, mas à quantidade. Um país pequeno, com menos de 9 milhões de habitantes e forte emigração (um milhão e meio de portugueses, sobretudo jovens, vão sair de Portugal no período da guerra colonial, entre 1960 e 1975), e que já de si tinha fraca capacidade de recrutamento.

E a prova estava ali, o Luís vai conhecer os seus novos camaradas, os militares da 2ª C/BART  6521/72. Verifica que só tem um militar profissional, em 160 homens: é um graduado do QP (Quadro Permanente), o 1º srgt  António José do Ó, e que era de todos obviamente o mais velho (e respeitado, acrescente-se). 

Era o único, afinal, "que sabia das coisas da tropa" (pág. 42).

A maioria dos militares eram jovens, na casa dos 21/22/23 anos. O capitão nem sequer era do QP, era um miliciano,  com mais cinco ou seis anos do que os restantes. Todos, ao fim ao cabo, iam mal preparados (e por certo contrariados) para aquela guerra e aquele território, do capitão aos quatro alferes, dos furriéis aos cabos. 

Foram de autocarro, de noite, a caminho do aeroporto militar de Figo Maduro, em Lisboa. Para o autor, só podia ser intencional, por parte do exército, a opção pela viagem de noite.  Quase furtiva. "Iam acabrunhados nos seus bancos. antevendo as posições futuras nos seus abrigos de guerra na Guiné" (pág. 43).  Fizeram uma pausa em Pombal, na bomba de gasolina, para a malta se "aliviar". (Ainda não se falava em "áreas de serviço", e a estrada nacional nº 1 era um pesadelo.)

Foi a primeira viagem de avião que o autor fez na vida. Aqueles de nós que foram de barco para a Guiné,  não sabem, naturalmente, "o que perderam"... Em meia dúzia de linhas,  o Luís descreve, com um leve toque de ironia,  o ambiente que viveu nesse já longínquo dia 22 de setembro de 1973, por sinal uma sexta-feira.  Nem sequer iam de camuflado, levavam o uniforme de passeio, mais cinzento e discreto.

(pág. 449

O saco ou mala de viagem não podia ultrapassar os 25 kg. Lá teve que se desembaraçar de alguns livros, uma navalha de marinheiro e uma faca de mato. Em contrapartida, teve a sorte de viajar junto à janela. E, por pouco tempo embora,  conseguir desviar o seu pensamento, o "de que estava a caminho do mais perigoso palco de guerra que o nosso governo nos conseguira arranjar"  (pág. 45).

A meio da viagem , os passageiros especiais daquele Boeing 707 recebem ordens para despirem "o blusão de burel", que serviria para o próximo "desafortunado"  ou iria parar à Feira da Ladra.

A bordo teve direito a um copo de água.

A título de curiosidade, ficamos a saber que os dois Boeing 707 dos TAM, encomendados em 1970 e entregues em finais de 1971, "transportaram nos 3 anos seguintes cerca de 318 mil passageiros do Exército (78%), Marinha (7%) e Força Aérea (15%), além de muitas toneladas de carga. sem que tenham falhado uma missão". Uma história exemplar, os TAM, ao que parece.

Mas o Luís é sincero, quando  escreve, fazendo o resumo dessa viagem, nos TAM, que o pôs no mesmo dia à porta da guerra;

(...) "Gostei da sensação que senti quando o Boeing, de bico empinado, começou a ganhar altitude. (...) Gostei de me sentir por cima das nuvens (...). A viagem decorreu dentro daquilo que julgo ser normal; por mim, não tenho nada a assinalar e gostei tanto que estava prontinho para no mesmo avião fazer a viagem de regresso!" (...) (pág. 45).

Julgo que o Luís interpretava bem o estado de espírito dos restantes passageiros. Ia a "guerra do ultramar" no seu 11º ano...

Na chegada a Bissalanca, e com a abertura das portas da aeronave, o Luís não levou a tempo a dar-se conta de que estava nos trópicos: "entrou um bafo de tal modo quente que, de imediato, começámos a transpirar e a sentir o incómodo que nos iria acompnhar ao longo de dois anos - o tempo que durou a nossa comissão de serviço na Guiné" (pág. 46).

Além desta sensação de calor e humidade extremos,  que todos experimentámos à chegada a Bissau, o Luís dá conta de uma segunda experiência sensorial, "a intensidade dos odores da terra que resulta  das fortes chuvadas sobre os solos sobreaquecidos" (pág. 46).

Foi tudo muito rápido. e já temos os recém-chegados a caminho do Cumeré,  a 30 km a sudeste de Bissalanca. Com o batalhão completo, lá seguiriam,  três dias depois, em LDG, a caminho de Bolama para mais um período de instrução e de adaptação, a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional)... Enfim, estações do calvário por que todos (ou quase todos) tivemos que passar.

Sentado no chão da LDG, em cima dos seus pertences, o Luís faz um trocadilho que diz muito do estado de espírito daqueles jovens a caminho de um futuro incerto, e longe de pensar que a guerra teria um fim um ano e meio depois:

 (...) "saboreando as primeiras gotas de um fel que nenhum de nós na metrópole saboreara, ante os sonhos justos e devidos de mel que os jovens  (...) de 20 anos esperavam "(pág. 47).

Quatro horas de depois, de noite, "em mar chão e a maré cheia" (pág.47),  chegam a Bolama através do grande canal do Geba.

Vale a pena acompanhar a leitura deste livrinho, singelo e serôdio, mas nem por isso menos interessante (pela capacidade de ajudar a reavivar as nossas próprias memórias da tropa e da guerrra: "Os Có Boys: nos trilhos da memória".

(Continua)


Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça). 
É membro da Magnífica Tabanca da Linha. 
E esperemos que aceite o nosso convite para se sentar, connosco,
à sombra do poilão da Tabanca Grande

  • nasceu em 2 de março de 1950, mas só  foi registado  seis meses depois, em 4 de outubro;
  • de alcunha o "Beatle", quando jovem;
  • profissionalmente já estava ligado à restauração, antes de ir para a tropa,  tendo trabalhado em diversos estabelecimentos conhecidos da Linha, e nomeadamente em Cascais, a começar pelo famoso  Muchaxo (Guincho).
  • foi trabalhador-estudante;
  • na tropa e na guerra, foi 1º cabo aux enf, tendo sido mobilizado para o CTIG, integrado na 2ª C /BART 6521/72 (Có 1972/74);
  • o  batalhão estava sediado no Pelundo; regressaram a  casa já em finais de agosto de 1974;

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

_______________

Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 17 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27326: Notas de leitura (1852): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (2) (Mário Beja Santos)



terça-feira, 14 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27315: P27259: Notas de leitura (1851): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte III: de Leiria a Coimbra, e da Carregueira a Penafiel, a caminho do CTIG (Luís Graça)



Crachá da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74)


Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça)


1. Continuando a leitura do livro do Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025, il., 184 pp,) 
(ISBN 978-989 -33.7982-0) (*).

Oriundo co contingente geral, vamos encontrá-lo na recruta, no RI 7, Leiria, 4º turno de 1971 (out/dez 1971).

Fará depois a especialidade de auxilitar de enfermeiro, em Coimbra, no RSS (Regimento de Serviços de Saúde) (jan/mai 1972)

Irá de seguida  formar batalhão, o BART 6521/72, no RAL 5,  Penafiel (jun / set 1972). 

Daí partirá, de autocarro, em 22 de setembro de 1972, de noite, para o aeroporto militar de Figo Maduro,em Lisboa.  Embarcará num Boeing 707 para Bissau, onde chega no dia 26/9/1972 (uma pequena divergència quanto à data de chegada ao CTIG).

O exército levava quase um ano a formar um militar que depois seguia para o ultramar (Angola, Guiné ou Moçambique), em rendição individual, ou integrado num contingente. 

As suas observações críticas  (mesmo que "anedóticas"...) sobre o quotidiano da tropa naquela época merecem, só por si, uma nota de leitura à parte. O livro foi destinado, antes de mais, aos camaradas da sua subunidade,  tendo sido publicado (a 1ª edição) para comemorar, em 2/8/2024,  os 50 anos do regresso da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74).

Com 11 anos de guerra, em Angola e 9 na Guiné e em Moçambique, o serviço militar obrigatório era vista, pelos jovens portugueses de então, como um tempo completamente perdido das suas vidas, que se podia prolongar por 3 ou mais anos. Muitos desses jovens já tinham saído das suas famílias, trabalhando ou continuando a estudar fora das suas terras.

A qualidade da instrução militar (recruta e especialidade) ressentia-se da necessidade, sobretudo do Exército, em mobilizar e preparar rapidamente dezenas de milhares de jovens para um conflito de longa duração, a milhares de quilómetros de casa e  de baixa popularidade. Técnica, tática, física e culturalmente, os militares portugueses iam mal preparados para  uma guerra dita de contra-guerrilha (ou "contra-subversão"), num terreno difícil, de clima tropical.



Capa do livro 


2.  Luís da Cruz Ferreira é natural da Benedita, Alcobaça. Nasceu em 2 de março de 1950, mas só  foi registado  seis meses depois, em 4 de outubro. 

De alcunha o "Beatle", quando jovem, profissionalmente já estava ligado à restauração, tendo trabalhado em diversos estabelecimentos conhecidos da Linha, e nomeadamente em Cascais, a começar pelo famoso  Muchaxo (Guincho).

Na tropa e na guerra, foi 1º cabo aux enf, tendo sido mobilizado para o CTIG, integrado na 2ª C /BART 6521/72 (Có 1972/74). O batalhão estava sediado no Pelundo. Também foram dos últimos soldados do Império, tendo regressado a casa já em finais de  agosto de 1974. 

Antes da suas relativamente tranquilas  "peripécias" da Guiné (onde acabará pro ser sobretudo professor do Posto Escolar Militar nº 20, em Có), vamo ver o que ele nos conta sobre o seu tempo de recruta e instrução de especialidade, bem como de formação de batalhão. (Em Bolama, o batalhão haveria ainda de fazer, durante mais de um mês, a sua IAO -  Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, antes de ser colocado na zona oeste,  Sector 07, com sede em Pelundo e abrangendo os subsectores de Có, Jolmete e Pelundo.)

Comecemos pela distribuição do fardamento no RI 7, em Leiria;
 

Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pág. 9.


Num quartel gigantesco (que albergaria, segundo autor,  c. 1500 homens, um regimento), ficou aboletado  numa caserna para 30 recrutas, com camas duplas, em beliche. Tocou-lhe o 1º andar. Tinha direito a um cacifo com o respetivo cadeado. 

Em Leiria, um quarto dos recrutas do contingente geral eram cooptados para o CSM (Curso de Sargentos Milicianos). Com três disciplinas que lhe faltavam para acabar o 5º ano do liceu,  o jovem recruta, com 21 anos e 6 meses de idade (ou só 21 anos, segundo o registo civil), tinha algumas esperanças de ser um dos "eleitos"... Não o foi, alegadamente por não ter nenhuma "cunha",  revoltou-se mas depressa se resignou, a viver naquele espaço "onde tudo quanto mexia, (...) era de cor verde" (pág. 11).

Visto por um "extraterrestre", aquele era um espaço de segregação, destinado apenas a homens,  "onde não havia mulheres" (pág. 11), e onde esses homens,  com postos hierárquicos bem diferenciados, tinham de se saudar uns aos outros, quando se cruzavam:



Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pág. 11


Lembra os instrutores (cabos milicianos, furriéis, aspirantes...) que o tratavam com uma inesperada e desnecessária "rudeza". A instrução era dada "em passo de corrida". E havia a ideia de que um homem só era homem depois de ter ido à tropa, e de ter suportado, ci,m sucesso,  muitas privações, contrariedades, humilhações, afinal "demonstrações de coragem, destemor e capacidade  de sofrimento, além de muitas outras coisas inúteis" (pág. 11).



Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (ediçáo de autor, 2025), pág. 12


Havia "palestras" ou aulas ao ar livre. Mas o mais importante era o "exercício prático", com a omnipresente companhia da inseparável G3. Recorda a "ida à carreiro de tiro de Marrazes", onde cada recruta fez tiro a 100 metros, em várias posições, gastando cada um carregador de 20 balas... 

Equipara o RI 7 a uma "prisão", onde escasseavam os apoios sociais..Com tanta gente, beber um café na cantina, foi coisa que nunca conseguiu, e que muita falta lhe fazia. Estava habituado, na vida civil, a tomar, depois do almoço e do jantar, o seu "Tofa 404 e, mais tarde, o 505 embalado em vácuo" (pág, 13). Tal como era difícil comprar cigarros. Ir à cidade eram 2 km.  Com o tempo ameno, nesse outono de 1971,  ainda chegou a lá ir e ver nas esplanadas algumas meninas da sua terra, Benedita, Alcobaça, que estavam a tirar o curso do magistério primário. Capital de distrito, Leiria também tinha liceu.

Relembra ainda a semana de campo nas "matas de São Pedro de Moel" e "a tenda de quatro panos" que  ele e mais 3 recrutas montaram.  Passou o tempo doente, de amigdalite, na tenda, e de tal maneira que passou a odiar o campismo para o resto da vida.

Depois do juramento de bandeira, na parada do quartel, ficou a saber que lhe tinha calhado em sorte ir para Coimbra "tirar a especialidade de enfermeiro" (pág, 17).

De Coimbra, onde o colchão já era de espuma (em Leiria era de palha...), não guarda boas recordações da tropa, e muito menos do "rancho": tratavam os futuros enfermeiros "como presidiários com algumas precárias pelo meio para lavarmos a roupa que tínhamos bem suja à custa de nos fazerem ajoelhar, chafurdando nas terras enlameadas" (pág. 21).

Os transportes na época eram um pesadelo. Eram escassos, morosos e caros. Pouca gente ainda tinha carro. Aprendeu a andar à boleia, na estrada nacional nº 1. O célebre restaurante "O Bigodes", aberto 24 horas por dia, era paragem obrigatória, quer de camionistas quer dos militares que andavam à boleia. (Ainda hoje existe, IC2 / N 1 Km 81, 2475-034 Benedita),.

Um dia apanhou boleia até à Figueira da Foz, onde chegou às cinco da manhã. O comboio para Coimbra era só às sete. Com medo de chegar tarde à formatura, teve de ir de táxi, viagem que lhe custou uma pequena fortuna, 150 $00, o equivalente a 10 jantares (ou a 42 euros, a preços de hoje).

Comia-se tão mal no quartel, que era um antigo convento (e depois instalaçpes do RI 12 e, a oartir de 1965, do Regtimento do), que o Luís e um colega decidiram fazer, mesmo sem estarem desarranchados, as suas refeições por conta própria.

Quanto ao que aprendeu em Coimbra, 
entre janeiro e maio de 1972, foi muito pouco. E também ali não se falava do "conflito do ultramar"...



Fonte: Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025), pág. 25


Passou ainda pelo Hospital Militar Principal (HMP) na Estrela, em Lisboa, e pelo quartel da Carregueira. Ainda conseguiu fazer mais um disciplina do 5º ano, o inglês, faltando-lhe agora duas: fisico-químicas e matemática.

É pena que, passado mais de meio século, sobre o seu tempo de instrução de especialidade, em Coimbre e depois no HMP, à Estrela, haja poucas referências ao que ali aprendeu. Diz-nos apenas que foi pura perda de tempo. Mesmo assim, da sua passagem pelo "serviço de cirurgia plástica" do HMP, diz-nos que "através de observação, aprendi alguma coisa, não muito" (pag. 27).

Sabemos que o curso de especialidade para 1º cabo auxiliar de enfermeiro,   ministrado apenas em Coimbra, no Regimento do Serviço de Saúde (criado em 1965, poara responder às necessidades de pessoal sanitário nos 3 teatros de operaçóes. Os futuros furriéis enfermeiros, esses, tiravam a especialidade em Lisboa, no antigo quartel de Campo de Ourique,  onde  funciona a Escola do Serviço de Saúde Militar, a ESSM). 

O conteúdo era sobretudo prático,  devendo compreer matérias como: (i) noções básicas de anatomia e fisiologia; (ii) higiene e profilaxia de doenças tropicais (paludismo, disenterias, infecções cutâneas); (iiii) técnicas de enfermagem geral (curativos, injeções, soros, etc.); (iv) socorrismo em combate (estancar hemorragias, imobilizações, transporte de feridos, reanimação); (v) administração de medicamentos de rotina (quinino, cloroquina, antibióticos comuns); (vi) evacuação sanitária e triagem.

Portanto, o Luís deve ter recebido uma formação intermédia entre o socorrista civil e o enfermeiro profissional, com forte ênfase na autonomia e na  improvisação em condições adversas (recorde-se  que, na Guiné, tanto o furriel enfermeiro como o alferes médico, ambos milicianos, raramente saíam para o mato, sendo cada vez afetos, no tempo do gen António Spínola, aos serviços de saúde da província, prestando cuidados primários (e secundários) não só aos militares como à população civil.) (Os casos mais graves careciam de evacuação para o HM 241, em Bissau.)




Guiné > Zona Leste > Região de Gabu >  Nova Lamego > 1973 > CCS/ BART 6523 (Nova Lamego, 1973/1974)  > O 1.º cabo aux enf Alfredo Dinis, a "tratar de graves queimaduras do Filipe, resultantes da explosão de um gerador de energia, no quartel".

Foto do álbum de Alfredo Dinis (já falecido) – P6060, com a devida vénia. Ver, também, "Memórias de Gabú (José Saúde): Recordando o saudoso enfermeiro Dinis" – P14106.


E entramos na reta final, que foi o RAL 5, em Penafiel, distrito do Porto, onde se foi juntar ao BART 6521/72, que estava em formação. De Penafiel até tem boas recordações, mas não dos transportes para lá se chegar na época. Eram 3 enfermeiros que sairam da Carregueira com destino  a Penafiel:

(i) "por  volta das 11 horas meteram-nos numa camioneta de carga que era utilizada para fazer a ligação  entre o quartel e a estação do Cacém e lá nos largaram" (pág. 34);

(ii) em Braço de Prata, informaram-nos que tinham um comboio-correio para o Porto às 15h00, mas parava em todas as estações e apeadeiros;

(iii) chegaram ao Porto, Campanhã, seis horas e meia depois, às 21h3o;
 
(iv) foram dar um giro pelos arredores e "comer um bom bife com batas fritas a um preço acessível", mas acabando por perder o comboio da meia-noite;

(v) apanharam o das 2h00, chegaram a Penafiel às 3h00;

(vi) extremamente cansados, pousaram os sacos no chão, a servir de almofada,  e assim se ajeitaram para retemperar as forças, só despertando ao toque do corneteiro a anunciar a alvorada.

A manhã começaria com a azáfama própria de um quartel de mobilização de tropas para o ultramar. Nesse mesmo dia conheceu o seu futuro comandante, um jovem capitão miliciano, bem como o alferes, também miliciano, do seu pelotão.  Ficou então a saber que "pertencia ao 2º pelotão da 2ª companhia do Batalhão de Artilharia nº 6521" (pág. 38) (**).

(Continua)

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terça-feira, 7 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27291: Notas de leitura (1847): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte II: "Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ?", perguntou-lhe o antigo patrão, o sr. António Muchaxo... (Luís Graça)


Cascais _ Praia do Guincho > Restaurante Muchaxo> c. finaisw dos anos 50 > Foto da página do Facebook da Real Vila de Cascais (com a devida vénia...)




Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça)


1. Estamos a ler este livrinho, de 184 pp., edição de autor (2ª ed. revista e aumentada), e que foi expressamente publicado para comemorar, em 2/8/2024,  os 50 anos do regresso da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74). 

Chegou-me às mãos, por intermédio do Joaquim Pinto de Carvalho, que também fez a revisão/fixação de texto, e é amigo do autor.

Conheceram-se na Guiné, o Luís e o Joaquim. Já pedi ao Pinto Carvalho para o convidar a integrar as nossas "fileiras" (*).

O Luís da Cruz Ferreira é natural da Benedita, Alcobaça. De alcunha o "Beatle", quando jovem, profissionalmente sempre esteve ligado à restauração, tendo trabalhado em diversos estabelecimentos conhecidos da Linha, e nomeadamente em Cascais: Muchaxo (Guincho), Casa Tirano (Alcabideche), Boca do Inferno (Cascais), Veleiro (Carcavelos), até criar o seu próprio negócio, o conhecido café Pão de Lis, Rua de Alvide, 89,  Fontaínhas, Cascais.

Na tropa e na guerra, foi 1º cabo aux enf, tendo sido mobilizado para o CTIG, integrado na 2ª C /BART 6521/72 (Có 1972/74). O batalhão estava sediado no Pelundo. Também foram dos últimos soldados do Império, tendo regressado a casa já em agosto de 1974. 

Além de enfermeiro, este "Có Boy" também foi "barman" e depois professor no Posto Escolar Militar nº 20, em Có.

São estas "peripécias" da sua vida que ele nos conta. Mas este livro é apenas um capítulo da autobiografia que está a escrever. Há anos. E que um dia há de ser publicada. 

Para já devemos estar-lhe gratos pela partilha, em livro (ISBN 978-989 -33.7982-0), das suas memórias deste período da sua vida, que coincide também com a de muitos de nós.

Nesta segunda nota de leitura (*), vamos acompanhar o autor desde a sua entrada para a tropa, com o início da recruta em outubro de 1971,  até à partida para o CTIG, em setembro de 1972, 11 meses depois.  Corresponde às páginas de 7 a 45:

  • Serviço militar obrigatório, RI 7, Leiria  (pp. 7/18)
  • Coimbra: Regimento do Serviço de Saúde (pp. 18/27)
  • Hospital Militar Principal (pp. 27/34)
  • Penafiel: formação do BART 6521/72 e partida para o CTIG  (pp. 34/45)

O Luís fez a recruta no RI7, em Leiria.  Era natural a sua ansiedade antes de entrar para aquela sua "nova vida". Todos passámos por isso. Mas, para ele,  não  era totalmente estranha. Três irmãos já tinham ido á tropa (e depois ao "ultramar"), com tudo o que isso representava, em termos de sacrifícios, nomeadamente para uma família pobre. Um esteve na Guiné, e outros dois em Angola. (Em famílias numerosas,  não era assim tão incomum haver 3, 4, ou até 5 e 6 filhos chamados para a tropa e mobilizados para um guerra que se arrastou de 1961 a 1974;  a família Magra é o exemplo mais conhecido.)

Mais de 50 anos depois é notável a forma como ele reconstitui com pormenor,  rigor e espírito crítico, esses onze meses de preparação para a guerra no ultramar. 

Nunca lhe passou pela cabeça ser refratário (e muito menos desertor). Mas aponta o dedo ao regime de então que obrigou toda uma geração a um tremendo sacrifício, sem contrapartidas:

"Só em ditadura se aceita a obrigatoriedade de cumprir, em média, três anos de serviço militar obrigatório, nas condições em que os mancebos o faziam" (pág. 13)...

(...) "Não tinha vontade de vestir a farda, de me sujeitar  aos maus-tratos, injustificados,  de pessoas mal preparadas para comandar e dar ordens " (pág. 7). 

No entanto,  "a (minha) obrigação para com o meu país era superior a toda essa grande mágoa" (pág. 8). 

Sabia, apesar de crítico em relação à ditadura que rejeitava, que "teria de ir à guerra (...) para poder viver em paz" (pág. 10). E, tal como acontecera aos seus três irmãos, tinha a certeza íntima que voltaria com vida e saúde.

Claro que havia a "cunha"... O factor C era, já era, sempre fora, uma "instituição" neste pequeno país clientelar. 

E, pior, em ditadura:  "Os ditadores também amigos" (pág.8), falsos ou verdadeiros: "Há quem os aprecie por conveniência, e quem os aplauda por ignorância" (...). Nunca fora tão verdadeiro o provérbio popular: "quem não tem padrinho morre novo" (pág. 8).

E a propósito, há um episódio delicioso (e edificante) que o autor nos  conta, e que se passou  quando ele se foi despedir dos antigos colegas do Restaurante-Estalagem Muchaxo, na famosa Praia do Guincho, Cascais (hoje Estalagem  Muchaxo Hotel, e cuja história remonta a 1944) (**)

(...) Neste interim (...), sou abordado pelo senhor  António Miguel Muchaxo ("o Pai Muchaxo" (...), que foi meu patrão, pai dos senhores Tony  e Miguel Muchaxo;
 
 −  Ó Beatle, queres mesmo ir para a Guiné ?!   −  perguntou-me  o senhor António Muchaxo.

Fiquei estupefacto com a pergunta que pressupus ser uma proposta de salvação da ida para a guerra.  Não sei se o mesmo já houvera feito semelhante proposta aos colegas que me antecederam nas mobilizações  anteriores (...).  

Se a mesma pergunta me tivesse sido formulada por qualquer outra pessoa que não o 'Senhor Muchaxo, pessoa que duas, três ou quatro vezes por semana recebia, na qualidade de anfitrião, o presidente da república e era também muito próximo dos presidentes do conselho de ministros  e de todos os ministros e outros que tais, eu diria logo que não queria ir para a Guiné, mas que gostaria de  terminar o meu serviço militar obrigatório, preferencialmente em Cascais.

Não fui capaz de responder, nesse momento" (...) (pág. 30).

E porquê ? O Luís ficou prisioneiro de um dilema moral: por um lado, era um dos funcionários da casa mais críticos (o que "mais ousava questionar os patrões"), mas também era um dos que vestia a camisola, e defendia aquela casa, considerando-a também sua "casa"  (...) "onde morava, trabalhava, estudava" e onde passara  alguns dos melhores tempos da sua juventude, "por escolha própria e por deferência do 'patrão' Tony Muchaxo".

(...) "Não demorei muito tempo a responder ao 'sr. Muchaxo'. Na verdade, eu não tinha nenhum interesse em ir para a guerra da Guiné. (...)  Contudo, a dívida de que ficaria suspenso todo o meu futuro,  era um hipoteca que jamais conseguiria resgatar. Não sou ingrato nem cuspo no prato onde comi!" (...) (pág. 31).

Ou seja, ao aceitar uma eventual cunha do sr. Muchaxo, para se safar da Guiné (ou, do mal o menos, para  ficar no "bem-bom" de Bissau...onde poderia fazer uns "extras" e ganhar mais algum "patacão" na restauração), ele  tinha consciência de que nunca não voltaria a ser o mesmo "Beatle"... Havia aqui uma questão de dignidade e de coerência. 

E lembra situações que ocorriam na época  ( ou pelo menos, eram faladas á  boca cheia nos quartéis):  gente com dinheiro que pagava a outros para irem por eles para o ultramar, a troco de pequenas fortunas...

Mas voltemos atrás, ao RI 7, Leiria. Ao Luís, trabalhador-estudante, faltavam-lhe três disciplinas para concluir o segundo ciclo dos liceus que lhe daria acesso ao CMS (Curso de Sargentos Milicianos).

  Tinha esperança de que,  em 1500 recrutas, ele acabasse por ser "repescado" para o CSM. Parece que havia 350 vagas (menos de 1/4).

O que é um dado revelador: em finais de 1971, havia já um défice sargentos e oficiais milicianos, tal como já havia de comandantes operacionais (alferes e capitães)... Daí o CMS ir 'pescar" gente ao continente geral; e o COM  "repescar" malta ao CSM.

A sua "primeira grande desilusão" da vida militar foi quando, em formatura, na parada, ouviu os nomes dos "sortudos", selecionados para frequentar o CSM. O seu nome não constava. Dos seus amigos, os que entraram todos tiveram "cunha". 

(...) "Recolhi às escadas de acesso ao 1º andar  onde se encontrava a minha camarata e chorei muito, para dentro de mim" (pp, 14/15). 

Acabou por ir tirar a especialidade de enfermeiro, em janeiro de 1972, no Regimento de Serviços de Saúde (RSS), em Coimbra (pp. 18/27), e passar pelo HM Principal (pp. 27/34), antes de ir formar batalhão em Penafiel (pp. 34/45).

As suas observações críticas  (mesmo que anedóticas"...) sobre o quotidiano da tropa naquela época merecem, só por si, uma nota de leitura à parte.

Continua)

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 A empresa proprietária é Muchaxo & Filhos, Lda, fundada em setembro de 1944.  

Em maio de 1945, foi inaugurado um pequeno restaurante/bar de praia chamado “A Barraca”, sobre a praia do Guincho, uma estrutura simples, de madeira, sem água corrente nem eletricidade,  inicialmente em chão de areia.

Com o crescimento do estabelecimento e da reputação, o empreendimento foi ampliado. O pai do "Tony",  o António Muchaxo (1900-1984) comprou uma fortaleza do século XVII (a Bateria da Galé) e construiu sobre ela o restaurante-estalagem. Manteve as muralhas.

Em 1964 foi feita a inauguração formal da Estalagem Muchaxo, com 17 quartos, restaurante e bar. Presença,  obrigatória, a do Presidente da República, o alm Américo Tomás, que foi cortar a fita.

Mais tarde, ao longo das décadas seguintes, o espaço foi sendo ampliado (nos anos 1990, por exemplo) para chegar aos mais de 60 quartos que tem hoje. Em 2011, passou a designar-se oficialmente Estalagem Muchaxo Hotel, com categoria de 4 estrelas, hoje "um ícone do turismo nacional".

O Muchaxo tornou-se, especialmente nas décadas de 50, 60 e 70, um ponto de encontro da elite portuguesa, incluindo membros do regime do Estado Novo, diplomatas, aristocracia exilada, personalidades do cinema, reis e chefes de Estado estrangeiros. Por exemplo, foi lá que se realizou o jantar de noivado de Juan Carlos da Espanha com a infanta Sofia da Grécia em 1962. Também foi lá realizada a boda do casamento do antigo presidente da República António Ramalho Eanes com a dra Maria Manuela Eanes.

"Tony" Muchacho, que fez tropa em Mafra, em meados dos anos cinquenta, é formado em economia e  tem amigos em todo o mundo, é considerado um "embaixador de Portugal". 




Cascais > Estrada do Guincho > Restaurante Oitavos > 20 de novembro de 2014 >  XVII Almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, o almoço (antecipado) de Natal. Reuniu 55 convivas, o dobro do habitual naquele tempo. Sem publicidade, sem alardes. O petisco foi o consagrado e aclamado arroz de marisco da casa (Restaurante e Casa de Chá,  "Oitavos").

A Tabanca da Linha reunia-se nesta altura neste restaurante (e casa de chá), na Guia, estrada do Guincho, que pertencia (e pertence)  à empresa Muchaxo e Filhos, Lda, dona do Restaurante-Estalagem Muchaxo. 

O nosso saudoso Jorge Rosales, régulo da Tabanca da inha e figura muito popular em Cascais / Estoril, era amigo  do "Tony" Muchacho. As duas famílias, os Rosales e os Muchaxos, eram de origem galega, segundo creio (a do Rosales, de Pontevedra). 

sábado, 27 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27259: Notas de leitura (1842): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)


 






Crachá dos "Có Boys" > Divisa: "Quatro Chapos e Bolinha Baixa"...


1. Chegou-me às mãos, por intermédio do Joaquim Pinto de Carvalho, este livrinho, de 184 pp., edição de autor, 2ª ed. revista e aumentada, e que foi expressamente feito para comemorar, em 2/8/2024,  os 50 anos do regresso da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74). 

Prometo fazer uma recensão da obra, que de 2024 para 2025 foi aumentada e melhorada, integrando preciosos comentários dos seus camaradas.

Para já quero fazer a sua apresentação sumária. E dar os parabéns ao Luís da Cruz Ferreira ( de alcunha, o "Beatle", antes da tropa"), natural da Benedita, Alcobaça.  Teve o posto de 1º cabo aux enf, mas também foi "barman" e depois professor do Posto Escolar Militar nº 20, na tabanca de Có, onde a companhia estava sediada.

"Os Có Boys" é o nome de guerra da companhia. Já de si, um achado. Mas atente-se na sua divisa: "Quatro Chapos e Bolinha Baixa"... Nada mais pícaro e irreverente (face ao RDM)!

É mais uma camarada que se sentiu na obrigação de cumprir a nobre função de "guardião da memória".  Vou convidá-lo a integrar as fileiras da Tabanca Grande. 

Não temos nenhum representante desta subunidade, embora o José Joaquim Martins Morgado, ex-sold cond auto, já tenha 2 referências no nosso blogue, e também está convidado para se juntar ao Luís. É  ele quem nos tem trazido notícias dos convívios dos "Có Boys".

O livro faz parte de um projeto autobiográfico mais vasto. Como diz o autor, é uma pré-publicação do livro que há de sair com a sua história de vida, e está é apenas a  parte que corresponde à tropa e à guerra ( 3 anos de vida). Para já cumpre a função de um roteiro de memórias desse  tempo.

Não tem um índice, mas podemos listar alguns dos principais tópicos abordados:

  • Serviço militar obrigatório, RI 7, Leiria  (pp. 7/18)
  • Coimbra: Regimento do Serviço de Saúde (pp. 18/27)
  • Hospital Militar Principal (pp. 27/34)
  • Penafiel: formação do BART 6521/72 e partida para o CTIG  (pp. 34/45)
  • Bissau e Bolama: chegada e IAO (pp. 45/59)
  • Có: as primeiras impressões, o quartel e a sobreposição (pp. 59/73)
  • A coluna de Teixeira Pinto: o batismo de fogo (pp. 73/85)
  • A rendição da CCAÇ 3308, os "velhinhos" (pp. 86/100)
  • De enfermeiro a "barman" (pp. 100/108)
  • De "barman" a professor (pp. 109/126)
  • Marcelino da Mata, uma referência (pp. 126/132)
  • Rancho, levantamento de rancho, ataque à messe, prepotências (pp. 133/152)
  • Um senhor negro vestido com uma "thobe" branco (pp. 153/156)
  • O ataque à coluna de Có + diversos apontamentos  (pp. 156/162) 
  • O 25 de Abril  que veio da Metrópole (pp.162/174)
  • O regresso a casa (pp. 174/179)
  • 50 anos depois (pp. 180/184).
O autor garante que escreveu esta parte da sua "brochura", de memória, sem ter tirado notas de nada... É "obra", tiro-lhe o quico!... Há quem, quando se pergunta sobre esse passado, responda: " Guiné ?Varreu-se-me tudo da memória?"... Não são casos de amnésia, mas de denegação... 

(Continua)
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 25 de setembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27254: Notas de leitura (1840): "O capelão militar na guerra colonial", de Bártolo Paiva Pereira, capelão, major ref - Parte I: Apresentação sumária (Luís Graça)

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27022: Convívios (1040): O pessoal da 2.ª CART do BART 6521/72 reuniu-se no passado dia 5 de Julho de 2025, em Rio Maior para comemorar os 51 anos da chegada da Guiné (José Morgado, ex-Soldado CAR)


1. Mensagem do nosso camarada José Joaquim Martins Morgado, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da 2.ª CART/BART 6521/72 (, 1972/74), com data de 12 de Julho de 2025:

Boa tarde Carlos Vinhal,
Na véspera da inauguração do memorial, tinha estado em Rio Maior em confraternização com a minha Companhia da Guiné, a comemorar os 51 anos do nosso regresso. São encontros que tenho promovido com a ajuda de alguns Camaradas, neste caso com os mais próximos do local do evento.
Para mim o processo é simples por estarmos informatizados quer no WhatsApp, quer na plataforma de comunicação Facebook.

Para divulgação, envio o texto e duas fotos do grupo.

Cumprimentos,
José Morgado

A 2.ª Companhia do BART 6521 com o cognome “Quatro Chapos e Bolinha Baixa” reuniu-se mais uma vez, este ano em Rio Maior no Restaurante O Talego.
Vários Camaradas vão faltando à chamada passados 51 anos do nosso regresso da Guiné, não como desertores, mas por dificuldades de locomoção e outras situações como transporte, outros ingressaram numa outra companhia para a qual todos nós iremos fazer parte mais tarde.
Por eles e por todos, foi guardado religiosamente um minuto de silêncio.

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Notas do editor:

Vd. post de 11 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27004: Efemérides (461): Foi inaugurado no passado dia 6 de Julho de 2025 um Memorial dedicado aos antigos Combatentes da guerra do ultramar da freguesia de Areias de Vilar, concelho de Barcelos (José Morgado, ex-Soldado CAR)

Último post da série de 12 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27006: Convívios (1039): Rescaldo do XLIV Convívio do pessoal da CCAV 2639, levado a efeito no passado dia 21 de Junho de 2025, em Azoia - Leiria (António Ramalho, ex-Fur Mil Cav)

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25814: Convívios (1005): Almoço/Convívio do pessoal da 2.ª CART / BART 6521/72 (Có, 1972/74), a levar a efeito no próximo dia 25 de Agosto no Restaurante Mosteiro do Leitão, na Batalha (José Morgado)

1. Mensagem do nosso camarada José Morgado, via Formulário de Contacto, com data de 5 de Agosto de 2024, com a notícia do almoço/convívio da 2.ª CART / BART 6521, (Có, 1972/74), na Batalha, no dia 25 de Agosto próximo:

2.ª CART do BART 6521

Na procura de alguns tresmalhados da minha Companhia - "Os Có Boys", (Có, 72/74) - 2.ª CART do BART 6521, vamos reunir as tropas num almoço de confraternização no Restaurante Mosteiro do Leitão, na Batalha, do próximo dia 25 de Agosto.

Para membros que não tenham conhecimento,
Contacto: 934 755 427

Saudações a todos Ex-Combatentes.

Cumprimentos,
José Morgado

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Nota do editor

Último post da série de 28 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25695: Convívios (1004): Almoço/Convívio dos antigos militares da CCAÇ 1494 / BCAÇ 1876, a levar a efeito no próximo dia 27 de Julho de 2024 em Leça da Palmeira/Matosinhos

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23492: Convívios (938): Almoço de confraternização do pessoal da 2.ª CART/BART 6521 (Có, 1972/74), dia 24 de Setembro de 2022 em Cacia - Aveiro (José Morgado)

1. Mensagem do nosso camarada José Morgado, com data de 3 de Agosto de 2022, dando notícia do almoço/convívio da 2.ª CART/BART 6521, (Có, 1972/74), em Cacia - Aveiro, no dia 24 de Setembro próximo:

2ª CART do BART 6521

Na procura de alguns tresmalhados da minha Companhia - "Os Có Boys", (Có, 72/74) - 2ª CART do BART 6521, e porque fazemos 50 anos que chegamos à Guiné, zona de Có, vamos reunir as tropas num almoço de confraternização em Cacia, Aveiro, no Restaurante Solar das Estátuas, no dia 24 de setembro.

Para membros que não tenham conhecimento,
Contacto: 934 755 427

Saudações a todos Ex-Combatentes.

Cumprimentos,
José Morgado

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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23407: Convívios (937): 37º encontro nacional do BENG 447, Caldas da Rainha, 25/6/2022, com 181 participantes (João Rodrigues Lobo, ex-alf mil, cmdt, PTE, Brá, 1967/71)

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16726: (De)Caras (52): Um bravo do meu pelotão, o 1.º cabo apontador Manuel Lucas dos Santos: evocando aqui uma delicada escolta a uma coluna que, em 16 de maio de 1973, foi do Pelundo a Jolmete resgatar 6 cadáveres (Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73)



Lisboa > Cais da Rocha Conde dfe Óbidos > 11 de outubro de 1973 > Regresso no T/T Niassa > Alguns dos  bravos do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73) > Da esquerda para a direita, (i) José Eduardo Alves, (ii) Gonçalo Garcia Pedroso (condutor da viatura Daimler, aqui referida nesta crónica), (ii)  David da Silva Miranda (1º cabo mecânico, de óculos escuros), (iv) Lino Pereira Barradas, (v) Manuel Lucas dos Santos (1º cabo, assinalado com um retângulo a verde, o protagonista da história que se conta a seguir, natural de Açor, Góis), e (vi) José Gabriel Caloira.


Lisboa > Cais da Rocha Conde dfe Óbidos > 11 de outubro de 1973 > Regresso no T/T Niassa > O resto dos bravos do pelotão, que acompanharam o seu comandante no regresso a casa: da esquerda para a direita, Manuel Teque da Silva, Ademar Peres Marques, Luís Soares da Silva e Fernando Cândido Silva.


Guiné  > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Janeiro de 1972 >  A “oficina” do Pelotão Rec Daimler 3089.  É visível o 1º cabo mecânico David Miranda que fazia o "milagre" de manter as viaturas sempre operacionais. O pelotão chegou  a ter duas ou três Daimlers, vindas da sucata de Bissau, para "canibalizar". Ao trabalho do Miranda muito ficou a dever o sucesso do Pelotão. O pelotão conseguia ter as cinco viaturas operacionais, do princípio ao fim da comissão, foi um ponto de honra para o seu comandante. Estavam equipadas com a metralhadora MG 42, e circulavam sem a torre giratória. O problema das Daimlers não era o motor mas o sistema de transmissão... A boa conservação das viaturas e das MG 42 era fundamental para a sua operacionalidade e fiabilidade...


Guiné  > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Fevereiro de 1973 > O 1º cabo apontador Manuel Lucas dos Santos, no regresso de uma viagm a Caió


Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73)

Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta crónica chegou-nos à caixa do correio em 6 de junho passado. Faz sentido publicá-la agora,  depois da edição do último poste relativo ao álbum fotográfico do autor, Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73). 

É um texto inédito, escrito a pensar no nosso blogue, a partir da reconstituição de memórias do ex-1º cabo cav, Manuel Lucas dos Santos. Datado de junho de 2016, não faz parte dos textos (poemas e crónicas) do  livro recente do Francisco Gamelas:  "Outro olhar - Guiné 1971-1973" (Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp.+ ilust; preço de capa 12,50 €). (*).

Entenda-se também este texto como uma homenagem a todos os camaradas da arma de cavalaria (Pel Rec, EREC...) que alinhavam com os infantes em  colunas  como esta, a seguir descrita, delicada, não isenta de riscos e com momentos de grande tensão (**).

Nesta crónica há uma referência ao condutor Pedroso, o Gonçalo Garcia Pedroso (vd. foto acima), outro dos bravos do Pel Rec Daimler 3089. Iam duas Daimlers na coluna, uma à frente e outra atrás.

Segundo esclarecimento adicional do autor da crónica, e depois de voltar a falar com o Manuel Lucas dos Santos, ele confirmou a data e acrescentou o seguinte:
(i) estas seis mortes (civis ou na maior parte civis), foram contados um a um por ele;
(ii) resultaram de um ataque do PAIGC ao aquartelamento no momento em que população e militares assistiam a uma sessão de cinema ao ar livre;
(iii)  o capitão da companhia de Jolmete foi depois transferido para a companhia africana (, a  CCAÇ 16, ) que estava em Bachile...

O Manuel Lucas dos Santos, há uns largos anos, encontrou-se com o antigo capitão de Jolmete, num casamento, e tiveram ocasião de recordar estes tristes acontecimentos. Acresce ainda dizer que o troço Pelundo-Jolmete era "picada", não era alcatroado, e estava-se já no início da época das chuvas...

Nessa altura estava no Pelundo o BART 6521/72:
(i) mobilizado pelo RAL 5 (Penafiel);
(ii) partiu em 22/9/1972 para o TO da Guiné;
(iii) regressou em 27/8/1974;
(iv) esteve sediado  no Pelundo;
(v) cmdt: ten-cor art Luís Filipe de Albuquerque Campos Ferreira.

Em Jolmete esteve a 3ª C /BART 6521/72 (de 27/9/19721 a 27/8/1974). Teve 2 cmdts: cap mil art Luís Carlos Queiroz da Silva Fonseca; e  cap mil inf  Edmundo Graça de Freitas Gonçalves. Na Tabanca Grande, temos poucos camaradas deste batalhão.

Desconhece-se, por outro lado, as razões que terá levado comandante de batalhão a integrar a coluna a Jolmete e pedir o apoio do Pel Rec Daimler 3089, que estava adido a outro batalhão, o BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73). (LG)


2. Sob o signo do medo

por Francisco Gamelas (com Manuel Lucas dos Santos)

Cedo, por volta das oito da manhã, acabados de regressar do pequeno almoço, depois de já termos feito a escolta da coluna que seguia para Bissau até ao Pelundo, entrou na caserna um mensageiro com uma convocação: o nosso Comandante [, do BCAÇ 3863,] requer a presença do 1º Cabo que substitui o Alferes Gamelas. 

Corria o dia 16 de maio de 1973. O nosso Alferes estava em Bissau à procura de peças para as Daimlers, no cemitério de viaturas semidestruídas que ali havia. Depois da saída do mensageiro, olhei os meus camaradas e comentei: quem é que andou a fazer merda ontem à noite? Ninguém se acusou. 

Respirei fundo, agarrei coragem e lá fui para o covil, como rês a caminho do matadouro. Boa coisa não seria. À porta semiaberta do gabinete, enquanto fazia a continência, pronunciei a fórmula da praxe: dá-me licença meu Comandante? O Tenente Coronel já se encontrava sentado à secretária, de semblante pensativo e preocupado. Não parecia zangado, apenas apreensivo, respondendo em voz baixa, como era seu timbre, mas de forma suave: entre nosso Cabo. Fique à vontade. 

Por detrás das lentes dos óculos os seus olhos miúdos começaram por me sondar durante alguns segundos. Deveria ser visível a minha inquietação e o Comandante ponderava as suas palavras. Ontem, no Jolmete, sede duma companhia do Batalhão do Pelundo, deu-se uma flagelação muito forte do inimigo. Houve vários mortos cujos corpos é preciso resgatar para seguirem para Bissau. 

Com uma breve pausa avaliou o efeito das suas palavras. Não sei o que viu no meu semblante, mas, depois da surpresa, uma inquietação, filha do medo, ia tomando conta do meu espírito. O Comandante continuou. O Senhor Comandante do Pelundo solicitou-me ajuda para ir ao Jolmete resgatar os cadáveres. Perguntou se haveria possibilidade das Daimlers poderem fazer parte da escolta. Pareceu-me bastante preocupado, nosso Cabo

A preocupação dele era visível. Fez outra pausa para me olhar bem nos olhos espreitando uma reacção. Desde quando estes gajos gastavam tanto latim para darem as suas ordens? Nosso Cabo, tenha prontas duas Daimlers para integrarem a escolta ao Jolmete dentro de vinte minutos, seria tudo quanto era necessário para que a ordem se cumprisse sem mais delongas. 

Estas falinhas mansas eram como facas afiadas a penetrarem de mansinho pelo ventre da minha inquietação. Permaneci calado. O nosso Cabo não acha que os devemos ajudar? Perguntou, sem parar de me fitar. Desta vez, o tom já foi mais incisivo, ainda que permanecesse dentro do cordial, mesmo com uma certa dose de intimidade, o que me desconcertava. O Comandante estava a fazer de mim alguém suficientemente importante para ter voto na matéria, o que me inquietava porque nunca tal tinha acontecido, nem seria normal acontecer. Não era este o ADN do relacionamento comando versus subordinados. 

O cerco apertava-se e não tinha como fugir a dar uma resposta. Quem sou eu, meu Comandante, para fazer avaliações. O Pelotão Daimler fará o que o meu Comandante determinar. Um muito leve sorriso acompanhou uma pequena, mas visível descompressão do seu semblante. Estava satisfeito com o evoluir da situação, o mesmo será dizer, que estava satisfeito com os resultados da sua estratégia de abordagem. O Senhor Comandante do Pelundo [, BART 6521/72,]  pode então contar com a ajuda das Daimlers na deslocação ao Jolmete? 

Foi uma pergunta a meio caminho duma afirmação. Limitei-me a articular o óbvio: o meu Comandante sabe que o Pelotão Daimler só está ao serviço deste Batalhão. Contudo, se o meu Comandante entender prestar uma ajuda solidária ao nosso Comandante do Pelundo, o Pelotão Daimler está pronto para cumprir a sua parte.

Desta vez o sorriso foi franco e a descompressão evidente. Óptimo, nosso Cabo. Vou então dizer ao Senhor Comandante do Pelundo que pode contar com duas esquadras dentro de uma hora no Pelundo - e levantou-se para dar por terminada a conversa. 

Ainda arranjei coragem para articular: o meu Comandante desculpe, mas gostaria de fazer um pedido... E ele: Diga lá nosso Cabo. O tom permanecia cordial.  Pretendia que o Senhor Comandante do Pelundo nos garantisse um rebenta-minas a abrir a coluna. Ser uma Daimler a fazer esse papel não seria justo e era um desperdício de uma metralhadora, em caso de problemas. O Comandante, já de pé, olhou-me como que admirado e retorquiu: Compreendo. Tem toda a razão. O nosso Cabo pode contar com a viatura rebenta-minas. 

Fiz a continência, e, de novo, articulei a fórmula aplicável: o meu Comandante dá-me licença que me retire? Resposta:  Dentro de uma hora esteja pronto para partir para o Pelundo, nosso Cabo. Por instruções do nosso Capitão das Informações, que teve a “gentileza” de me informar que era provável haver contacto com o inimigo, a Daimler da frente – a minha - foi reforçada com uma segunda metralhadora e respectivas fitas de munições, para além de mais umas quantas granadas. Que não fosse por falta de fruta que perdêssemos a contra-dança. 

Chegámos ao Pelundo cerca das dez e trinta, onde já nos esperava, no meio da parada, o Tenente Coronel Comandante do Batalhão, que imediatamente se acercou de nós. Obrigado por terem vindo nosso Cabo. E a estupefacção continuava. Este comportamento não era nada normal. Já almoçaram? Perguntou o Comandante. Às dez e meia da manhã ainda ninguém almoçou, pelo que, meio a sorrir respondi: não meu Comandante, viemos com ração de combate. Retorquiu: Vou já mandar preparar um bom almoço para vocês,

E assim foi. Dentro de umas dezenas de minutos, estávamos todos a almoçar, como raramente tivemos oportunidade de o fazer ao longo de toda a comissão. Contudo, a inquietação era mais que muita. Todos os sinais indicavam que a deslocação iria ser bastante perigosa. Se tivermos que morrer, morreremos de bandulho cheio, comentei sarcástico. 

Cerca do meio dia, começámos a organizar a coluna. Ao deparar com o Comandante, perguntei-lhe pela viatura rebenta-minas, que, essa sim, era a minha grande preocupação. O Comandante, apontando com o braço, disse sorridente: olhe ali nosso Cabo. Lá estava uma Berliet atulhada de sacos de areia até acima. Até aqui tudo bem. Siga a marinha e alma até Almeida. Percebi que o Comandante também iria integrar a coluna, o que, por não ser comum, somava alguns pontos a seu favor. 

Pusemo-nos em marcha pelas doze e trinta. Connosco, seguiam na coluna mais seis unimogs com soldados armados. Entre eles seguia o Comandante do Pelundo. A ligação ao Jolmete fazia-se por uma sequência de picadas, em alguns percursos apenas visíveis nos trilhos das rodas das viaturas, onde o vermelho da terra se deixava ver. Nesses trilhos elas seguiam sozinhas, sem necessitar do volante. O resto era vegetação, com capim da altura de um homem a roçar nas laterais. Digamos que poderíamos ser “pescados à mão”. Pedroso, deixa a Berliet afastar-se um bocado, disse para o camarada condutor quando iniciámos a marcha - a nossa Daimler seguia em segundo lugar na coluna. Se houver merda, teremos, assim, mais algumas hipóteses de reagir. 

O trajecto era de cerca de vinte e cinco quilómetros, que foi percorrido debaixo de uma enorme tensão, a baixa velocidade. O que nos corria nas veias era pura adrenalina. Sem qualquer peripécia no percurso, lá chegámos ao nosso destino em pouco mais de uma hora.

O cenário que encontrámos era desolador: destruição e caos, com semblantes fantasmáticos a espreitar pelos cantos. Os seis corpos já estavam alinhados nas macas à nossa espera. Vim a concluir que a Berliet, afinal, não carregava só sacos de areia, também trazia as "salgadeiras" para os cadáveres. Mau sinal. Não iríamos ter rebenta-minas no regresso, quase de certeza. Não seria lógico que a viatura com os corpos voltasse a fazer de rebenta-minas. Foi o que aconteceu. 

Depois dos caixões fechados e do Comandante ter terminado a observação do local e falado com os seus oficiais, regressámos ao Pelundo. Desta feita já não vai haver viatura rebenta-minas, nosso Cabo, teve a “gentileza” de me informar o Comandante. Pedroso, sempre a abrir. Quem quiser que nos siga. Apesar do repto, demorámos a chegar quase o mesmo tempo que tínhamos gasto na ida. A Berliet não poderia acompanhar um ritmo mais enérgico. 

Por volta das cinco e meia estávamos em Teixeira Pinto, sãos e salvos, já depois do grosso da coluna ter ficado no Pelundo. Agora, era só esperar que os níveis de adrenalina descessem, que a serenidade possível recuperasse os seus níveis normais. Entretanto, no que respeita ao horrendo observado no Jolmete, não houve borracha eficaz que o apagasse. Até hoje.

Quanto aos “estranhos” comportamentos dos Comandantes, continuam a fazer-me cócegas nos neurónios. Digamos que, com o medo à mistura, comum a todos nós, a alma humana tem destes comportamentos desalinhados.

Aveiro, junho de 2016
Francisco Gamelas
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Comentário do autor

Este episódio foi-me contado pelo então 1º Cabo do meu Pelotão Daimler Manuel Lucas dos Santos – o narrador da crónica - que, na minha ausência, assumia o seu comando (o meu 1º Sargento estava destacado no Cacheu com duas esquadras do pelotão). 

Durante estes últimos anos, em que, quase sempre, nos nossos almoços anuais este episódio vinha à baila, comecei a dar-lhe alguma importância, mas, sem verdadeiramente compreender as motivações do comando para os seus tão incomuns comportamentos. Até que parei para reflectir.

Será que as Daimlers seriam solicitadas se o Tenente Coronel do Pelundo  [BART 6521/72] não integrasse a coluna?  Obviamente que não: nunca o foram, assim como a enormidade de seis unimogs com tropa armada. Nas minhas colunas para o Cacheu e para Bissau, iam dois.

 E a atitude do Tenente Coronel de Teixeira Pinto [BCAÇ 3863], como se explica? No caso de existirem sarilhos graves com as Daimlers e os seus ocupantes, eles teriam que constar no relatório da acção e alguém em Bissau [leia-se: o gen Spínola] iria perguntar o que é que as Daimlers estavam lá a fazer. Não acredito que fosse a decisão favorável de um 1º Cabo em participar na escolta que ilibasse o Comandante de sérias responsabilidades.

Visto deste prisma, o episódio passa a ter algum interesse, pelo que aqui to deixo à tua apreciação para eventual publicação no teu blogue. (**)
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Notas do editor: