Foto nº 1
Foto nº 2
Foto nº 3
Foto nº 4
Foto nº 5
Foto nº 6
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Piche > Ponte sobre o Rio Caium > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte Caium, guarnecido pelo 3º grupo de combate, "Os fantasmas do leste", de que fazia parte o nosso amigo e camarada Jacinto Cristina, natural de Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, 72 anos, feitos no passado dia 14 (*).
Soldado atirador de infantaria, foi mobilizado para a Guiné, casado e pai de um filha pequena, foi um "sem-abrigo", viveu um ano e tal em cima de um tabuleiro da Ponte Caium, com a G3 a seu lado...
É membro da nossa Tabanca Grande desde 24/9/2010, tem cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue. Vive em Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, reformado de padeiro e viúvo.
Fotos: © Jacinto Cristina (2010). Todos Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O que é feito deste camarada (**) que ficou "famoso" por bater o recorde de permanência no destacamento da Ponte de Caium ?
A ponte, a padaria e o padeiro... O forno foi construído na parte inferior da ponte... Como o espaço era acanhado, tudo se aproveitava... O forno e a cozinha ficavam do lado esquerdo, no sentido Piche-Buruntuma (Foto nº 1)...
De costas, em tronco nu, vê-se o Manuel da Conceição Sobral (que vive hoje em Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém), e era o ajudante de padeiro. O Jacinto Cristina, o padeiro, está a enfornar (Foto nº 1)...
No destacamento da ponte de Caium (Foto nº 6) estava um grupo de combate, à época pertencente à CCAÇ 3546 (Piche, 1972/74). O Sobral e o Cristina faziam reforço das 4 às 6 da manhã. Por volta das 5h/5h30, um deles ia amassar a farinha (12 kg / dia)... O outro ficava de reforço até às 6. Depois das seis, até às 8h/8h30, ficavam os dois a trabalhar. Às 9h já havia pão fresco...
Todos os dias coziam. Tinham um stock de farinha que dava para um mês. Faziam uma média de 30 pães de 400 gramas, por dia. Como bons tugas, os camaradas que defendiam a ponte, adoravam pão!... O resto do dia os padeiros descansavam, ou jogavam à bola, ou brincavam no rio, quando levava água... Tabanca só havia a 3 km dali.
O Sobral era o apontador do morteiro 81 e o Cristina o municiador. Portanto, uma parelha completa!... Depois na "padaria", trocavam de papeis...Também havia um morteiro 10,7, ao cuidado do Pinto e do Algés. O 81 ficava do lado direito, à saída da ponte, no sentido de Buruntuma. O 10,7 ficava no lado esquerdo, junto ao paiol, também no sentido de Buruntuma... Mais à frente estava o 1º cabo Torrão, apontador da HK 21 (irá morrer na emboscada de 14 de Junho de 1973, na estrada Ponte Caium - Piche). Também havia o morteiro 60 e a bazuca 8,9.
O Cristina (eu trato-o sempre por Jacinto, pai da minha querida amiga Cristina Silva, enegenheira e empresária, e sogro do meu querido amigo, o médico madeirense Rui Silva, não o posso tratar por "doutor" que ele vai aos arames...) tornou-se de tal maneira imprescindível (por causa do "pão nosso de cada dia") que, além de municiador (e apontador, quando necessário) do morteiro 81, ficou na ponte de Caium 14 meses!!!... (Em rigor, 13, se descontarmos o glorioso mês de férias, em abril de 1973, em que veio a casa para estar com a mulher e a filha; com ele, de férias, vieram também o Pinto, o Charlot e o Algés; no avião da TAP, uma alegria!...Já não se lembra de quanto pagou... Uma fortuna para um soldado, para mais casado e pai de filha..."Seis contos, para aí", diz-me ele.)
Diziam que o pão da dupla Cristina-Sobral era o melhor casqueiro da Zona Leste... Na foto nº 2, o Jacinto está varrer e a limpar o forno... Na foto nº 3, está a fazer um petisco, ou não fosse ele um alentejano dos quatro costados... Na foto nº 4, está a barbear-se... Mesmo com o metro quadrado mais caro da Guiné, nas "suites" da Ponte Caium não faltava nada (Foto nº 5)... O chuveiro era um bidão de 200 litros, furado...
Terrível foi aquele período de um mês (entre meados de maio e junho de 1973) em que o destacamento esteve sem reabastecimentos, sem farinha, sem pão... Por que a fome era negra, meteram-se a caminho de Piche, no Unimog, a 14 de junho de 1973, tendo sofrido uma brutal emboscada (que não era paraceles..
) e em que morreram o 1º cabo apontador de metralhadora David Fernandes Torrão, e os soldados atiradores Carlos Alberto Graça Gonçalves ("Charlot"), Hermínio Esteves Fernandes e José Maria dos Santos...
Disse-me o Jacinto Cristina (que ficou na ponte a tomar conta do seu morteiro 81), que os corpos foram cortados em quatro, com rajadas de Kalash... O bigrupo do PAIGC (onde foram referenciados cubanos) levou cinco armas (incluindo a do furriel que foi projectado com o impacto do RPG7, juntamente com o sold cond auto Rocha, o Florimundo ).
Uns meses antes, em 19 de Fevereiro de 1973, tinha morrido o fur mil op esp Amândio de Morais Cardoso, na sequência da desmontagem de uma armadilha de caça. Essa cena passou-se debaixo dos olhos do Cristina que se salvou por um triz, ao pressentir o perigo.
Na foto nº 5, vê-se o tabuleiro da ponte por onde passava a estrada Piche-Buruntuma,,, A padaria ficava em segundo plano do lado esquerdo... A foto deve ter sido tirada no dia dos anos do Sobral, em março de 1973, a avaliar pelos dois cabritos que estão junto ao "burrinho" (o Unimog 411)... Tinham sido comprados na tabanca fula, que ficava a nordeste da ponte, a 3 km, e onde residiam as lavadeiras...
Soldado atirador, o Cristina era, como já dissemos, municiador do morteiro 81. Mas, uma vez que Piche ficava longe e era preciso fazer pão todos os dias, aprendeu a arte de padeiro (que depois seria o seu ganha-pão, em Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, onde vive, hoje já refiormado; durante anos, teve um negócio próprio na área da panificação; passei várias vezes pela casa e padaria, e trazia para Lisboa o seu pão feito na hora; pude, pois, comprovar que o seu "casqueiro" era, de facto, o melhor da região).
Como se percebe pelas fotografias, as estruturas da ponte foram aproveitadas ao milímetro...
Na foto nº 6 (s/d, tirada na época seca, em 1973), o destacamento é visto da margem esquerda do Rio Caium, a sul da estrada, no sentido Buruntuma-Piche. Segundo o Carlos Alexandre (, de alcunha, "Peniche"), ao examinar melhor uma imagem destas que lhe mandei, com maior resolução, vê-se que, à entrada do tabuleiro, estão dois camaradas que parecem ser o Cristina e o Sobral.
Um novo troço da estrada Piche-Buruntuma estava então em construção, a cargo da Tecnil. De Nova Lamego a Piche já se ia, há muito, em estrada asfaltada. Daí talvez este desvio, contornando a pontes. O desvio é visível (parcialmente, em primeiro plano) na foto nº 6.
Na foto nº 7, pode-se ver um aspecto dos pilares da ponte... O Cristina, mais um camarada, na "hora do recreio" (ele não se recorde do nome)... Ali no rio Caium, naquela improvisada jangada, poderiam dar largas à sua imaginação de marinheiros e aventureiros... Na época seca, o rio levava pouca água... O abastecimento de água era feito mais longe, de Unimog, com segurança,
Na época seca, o rio Caium ficava seco (ou reduzia-se a um pequeno charco à volta da ponte). Este rio é um afluente do Rio Coli, que fica a sul da estrada Nova Lamego-Piche-Buruntuma e serve de linha fronteiriça entre a Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri. (***)
Entre o destacamento e a fronteira era "terra de ninguém" mas onde o PAIGC podia movimentar-ser à vontade.
Foto nº 8
Foto nº 9
Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 2021 > O Jacinto Cristina, agora reformado, ainda vai fazendo pão para a a família e os amigos... Fotos da sua
página no Facebook.
Fotos (nºs 8 e 9): © Jacinto Cristina (2021). Todos Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto nº 10
Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 14 de novembro de 2021 > O Jacinto Cristina e o genro, o médico Rui Silva....A foto nº 10 foi tirada pela filha, a engª Cristina Silva (que aparece na foto a seguir, nº 11.). Uma família feliz... Filha e genro vieram de propósito do Funchal para fazer uma surpresa no 72º aniversário do Jacinto...
Fotos (nºs 10 e 11): © Rui Silva (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
2. Há já uns tempos (, uns anos bons,) que o não vejo nem lhe falo ao telefone... Mas não nos esquecemos de lhe dar todos os anos os parabéns pelo seu aniversário, a 14 de novembro...
Este ano eu estava no Funchal quando a filha, Cristina Silva (, membro da nossa Tabanca Grande), e o genro, Rui Silva, se preparavam para vir fazer-lhe, na sua casa em Figueira de Cavaleiros, uma surpresa!... E que surpresa!...
Eu fiz questão de me associar à festa, e o Rui Silva teve ocasião de lhe ler a mensagem e os versinhos que escrevi para o Jacinto... E que reproduzo aqui, mesmo já com duas semanas de atraso. (Apesar de sermos camaradas, ele é um pouco formal comigo, tratando-me por professor e por você... Fiz questão agora de começar a tratá-lo por tu, esperando que ele faça o mesmo comigo...)
Mensagem para o Jacinto Cristina, no seu dia de aniversário
Camarada Jacinto, os bravos da Guiné tratam-se por tu...E em dia de aniversário eu venho aqui desejar-te o melhor da vida. Sei que já não te apanho, muito menos no teu centenário.. E ainda pro cima de canadianas.Mas quero que sejas muito feliz e tenhas boa saúde e o amor e a estima da tua família e dos teus amigo. Trata-me sempre muito bem as tuas princesas, a Cristina e a Sara [, a neta, a estudar em Inglaterra ]. E es um sortudo por teres arranjado um genro como o Rui Silva que tem um coração maior do que a terra dele. Felicidades tambémpara a tua companheira que eu ainda não conheço.
Gostava de te voltar a ver em Figueira de Cavaleiros, em Lisboa ou na Lourinhã. Ou até no Funchal. Pode ser que um dia destes calhe...Para alegrar a tua festa, viu-te mandar uns versinhos que fiz no avião Lisboa-Funchal para a Cristina ou o Rui lerem...
Tanto tempo sem te ver,
Meu camarada Jacinto,
Já saudades de ti sinto,
'Tá na hora d'aparecer.
'Tá na hora d'aparecer.
Sempre foste hospitaleiro,
De Caium o milagreiro,
Qu'a muitos deu de comer.
Qu'a muitos deu de comer,
Lá na ponte de Caium,
Não faltando a cada um
O que todos queriam ter.
O que todos queriam ter,
Era o casqueiro p'la manhã,
Mesmo sem manteiga haver,
Lembrava o pão da mamã.
Lembrava o pão da mamã,
O teu Alentejo querido,
Na alma vieste dorido,
Da guerra em terra pagã.
Da guerra em terra pagã,
Resta a camaradagem,
Mas p'ra próxima viagem,
Tens que vir à Lourinhã.
Daqui do Funchal bebemos um copo à tua saúde,
e dos teus queridos que estão aí à tua mesa.
Luís (e Alice), 14 nov 2021.
Comentário do Rui Silva:
Lindo! Obrigado...E missão cumprids. O seu gentil texto e o poema comoveram o Jacinto,
como se pode apreciar nas fotos que vos enviei por Whatsapp. Deram um toque muito pessoal e amigo a esta singela festa... Ele adorou, bem haja, uma vez mais... Rui
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 14 de novembro de 2021 >
Guiné 61/74 - P22717: Parabéns a você (2004): César Dias, ex-Fur Mil Sapador Inf da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883 (Piche e Camajabá, 1972/74) e Maria Arminda Santos, Ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/1970)
(***) Vd. poste de 24 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7033: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (1): O melhor pão da zona leste...