Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Guiné 63/74 - P3893: Tributo aos nossos Sargentos do QP que mantinham as contas em dia (TCor José Francisco Robalo Borrego)
Camarada e amigo Carlos Vinhal,
Envio-te, para publicação, por favor, mais um contributo da Guiné para o prestígio da nossa Tabanca Grande, fazendo um pouco de justiça ao saber e experiência da classe de Sargentos do Quadro Permanente que se revelou no apoio dado aos Oficiais e Sargentos Milicianos (Quadro Complemento), principalmente àqueles Oficiais que tiveram a enorme responsabilidade de comandarem Companhias e cuja experiência de comando era muito incipiente no que respeitava à vertente administrativa.
Os Primeiros-Sargentos que respondiam pelas Companhias eram responsáveis, perante o Comandante, de toda a administração, incluindo a panóplia dos materiais, sendo coadjuvados por um ou mais Segundos-Sargentos. Pertenciam às Armas Combatentes, mas como tinham formação administrativa e a média das idades andava pelos 40 anos eram nomeados (mobilizados) para tarefas administrivas e não operacionais. Era uma prática que estava institucionalizada no Exército.
Recordo que, em 1972, o senhor Capitão Miliciano que comandava a Companhia de Bajocunda me ter relatado que não tinha experiência nenhuma de comando. Que tinha embarcado para a Guiné como Alferes e desembarcado como Capitão, Comandante de Companhia, mas tinha tido a sorte de ter a seu lado um Primeiro-Sargento muito competente e fiável, que já estava na terceira comissão e que orientava com mestria toda a máquina administrativa sem ser necessário a sua intervenção era, por assim dizer, um descanso!
O mesmo senhor Oficial de quem guardo as melhores recordações, por ser um homem culto e muito humano no relacionamento, confidenciou-me que se tivesse algum problema administrativo na Companhia, resultante de má administração, que o pudesse afectar, quando fosse de férias à Metrópole já não regressava à Guiné, porque provavelmente desertaria para o estrangeiro, mas que tal não era necessário, porque tinha a certeza que o seu Adjunto Administrativo tinha tudo em boa ordem. É evidente que ninguém é perfeito e houve, com certeza, casos menos bons, mas na generalidade penso que estes combatentes não operacionais foram úteis no apoio que prestaram aos combatentes operacionais, aliás considerados, por muitos, como peças importantes na engrenagem militar.
Quero também dedicar uma palavra de apreço e estima a todos os outros Sargentos que não pertencendo às Armas Combatentes deram o seu generoso contributo para o esforço de guerra na Guiné e nos outros Teatros de Operações.
Caro Carlos Vinhal,
já que estou a falar de Bajocunda, aproveito para contar uma pequena história que me veio à memória e tem a ver com um comerciante branco que tinha o monopólio do negócio da mancarra (amendoim). Quando o dito comerciante saía do Aquartelamento para tratar dos seus negócios algures no Senegal (segundo se dizia), o Comandante da Companhia ficava preocupado, porque de certeza que nessa noite havia flagelação ao Quartel.
É espantoso como um único homem, ainda por cima civil, punha uma Companhia de militares com os nervos à flor da pele! o homem circulava à vontade entre Bajocunda e Pirada com o seu veículo sem que nada lhe acontecesse, contrastando com o azar das NT que, de vez em quando, sofriam emboscadas e detectavam minas. Mera coincidência? Ou algo mais...? Enfim, coisas da guerra!
Um abraço amigo e fraterno do
José Borrego
2. Comentário de CV:
Quero aproveitar este poste do Ten Cor José Francisco Borrego, para prestar a minha homenagem ao (no início da Comissão da CART 2732) Segundo-Sargento João da Costa Rita, homem competente e honesto que desempenhou as funções de Primeiro-Sargento da Companhia na ausência de um Primeiro que não chegou a embarcar.
Acabou por ser promovido a meio da comissão, continuando a desempenhar o seu cargo até à Comissão Liquidatária, já depois do nosso regresso.
Deixo uma transcrição da última página da História da Unidade CART 2732:
CITAÇÃO
Pela correcta elaboração das contas e ainda pelo respeito aos prazos superiormente determinados para o seu envio, verifica-se a boa colaboração prestada à CSCA/QG/CTIG por algumas subunidades.
Este procedimento, por prestigiante para essas subunidades e para o próprio CTIG, merece ser citado, motivo pelo qual se referem as seguintes:
.................................
.................................
Companhia de Artilharia n.º 2732
.................................
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 12 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3445: Tabanca Grande (96): Ten Cor José Francisco Robalo Borrego, ex-1.º Cabo do Gr Art 7 e Furriel QP do 9.º PELART (1970/72)
Guiné 63/74 - P3892: FAP (12): O Fur Mil Pil Mota, e as Enf páras Giselda e Natália, caídos no Como em 1973 e salvos pelos fuzos (Miguel Pessoa)
Fotos: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados.
1. Texto do Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, Bissalanca, BA12, 1972/74, hoje Cor Pilav Ref, casado com a Srgt Pára-quedista Giselda Antunes, seguramente o único casal do mundo atingido - cada um deles, separadamente, ocasiões diferentes, e em areonaves diferentes - , por um míssil SAM 7 Strela...
Acho que mereciam figurar no Guiness Book! Mas na nossa Tabanca Grande ficam seguramente melhor, e sobretudo melhor acompanhados pelos amigos e camaradas da Guiné. Giselda, sê bem vinda! Morcões, abram alas para receber, no nosso blogue, a primeira camarada da Guiné, tão combatente como qualquer um de nós!
É um privilégio para todos nós, Giselda, receber-te neste dia, 14 de Fevereiro, que por sinal até é dia dia dos Namorados... Jocastas chamava eu às enfermeiras pára-quedistas que conheci, de relance, no mato, no Vietname, longe de Bissau... Não aceitava que não levassem os nossos mortos, mas apenas os feridos. Hoje percebo porquê... E reconheço que não terei sido tão justo quanto o deveria ser, na minha apreciação do seu papel no TO da....
Também reconheço que todos nós temos uma dívida para com estas mulheres que, corajosamente, foram os anjos da guarda dos nossos camaradas, caídos ao nosso lado... Uma evacução Y na Guiné, em tempo recorde (20/30 minutos), podia significar a diferença entre a vida e a morte.
Foram também as primeiras mulheres a ingressar, contra tudo e contra todos os preconceitos, nas nossas Forças Armadas. Acho que o país não lhes fez ainda a homenagem que lhes é devida, em tempo útil. Aceita, Giselda, este pequeno gesto como um reparação de uma pequena injustiça (da minha parte) e sobretudo uma homenagem (da nossa Tabanca Grande), a ti, e às restantes camaradas enfermeiras pára-quedistas que serviram na Guiné e nas demais frentes da guerra do Ultramar.
(...) Esquecer a Guiné... por uma noite!
O Escriturário que toca acordeão
E faz tatuagens
Em troca de umas bazucas.
O terror das crianças balantas,
Nascidas no mato,
Ao ouvirem pela primeira vez
O roncar das GMC.
O soro correndo nas veias exangues,
Aos borbotões,
Enquanto a gente aguarda a evacuação Y
E o helicóptero
Com um anjo salvador, lá dentro,
Que tem um rosto de mulher.
A Jocasta que vem reclamar os seus filhos,
Os feridos, não os mortos.
O médico que manda receitar Valium 10
Para os cacimbados
E aspirina
Para os pretos.
As lâminas de aço dos rockets,
Esventrando os corpos.
O braço decepado, com a tatuagem
Em que ainda se podia ler
... Amor de mãe.
O nosso cabo, casado e pai de filhos,
Que há meses enfia no bucho,
Ao mato-bicho,
Uma bazuca e uma banana
Com a secreta esperança de,
Um dias destes,
Ainda poder ser evacuado a tempo,
Para Lisboa
Com uma hepatite qualquer
(A, B, C ou Z, tanto faz).
E quanto mais amarelo melhor,
Desde que apanhes uma doença,
Transmissível,
Infecto-contagiosa,
Irreversível,
Horrível,
Daquelas que vêm no cardápio
Dos serviços de saúde militar.
Que o hospital militar
De doenças infecto-contagiosas,
Em Lisboa,
E coisa boa,
É a melhor estância de férias do mundo!,
Garante o safado
Do nosso cabo enfermeiro Faleiro,
Num postal ilustrado da capital do Império.
Foi a nossa primeira baixa oficial,
Se não me engano.
Um herói, pouco ortodoxo,
Vítima da hepatite! (...)
Caro Luís:
Segue a história da queda da Giselda no Como (de que já tínhamos falado).
Junto umas fotos que poderão amenizar o texto - escolhe as que quiseres. Duas delas apresentam o piloto - Fur Ivo Mota - junto dos restos do avião.
Não tenhas pressa em publicar. Já sabes o fim da história - ela safou-se... E eu não gostaria de "ficar com a imagem desgastada" (como é costume dizer-se) e com o pessoal farto de ler os meus alinhavos, por serem seguidos (e provavelmente de qualidade duvidosa...)
Um abraço
Miguel Pessoa
2. UMA DO-27 NO CHARCO DO COMO
por Miguel Pessoa
Na manhã do dia 17 de Novembro de 1973 o Centro de Operações do Go1201, na BA12, recebe um pedido de evacuação, vindo de Catió, tendo de imediato destacado um DO-27 para efectuar essa missão. A equipa de alerta era constituída pelo Fur Ivo Mota, da Esq 121, e pela Enfª Paraquedista Giselda Antunes, e a eles se juntou a Enfermeira Paraquedista Natália Santos, acabada de chegar à Guiné e que, por ser pira, acompanhava as veteranas nas evacuações, para ganhar calo.
Estava-se já na época pós-Strela, que tinha trazido diversas restrições à navegação aérea. Entre a opção de subir para 10.000' [c. 3000 m], descendo depois à vertical do destino, o piloto optou pela outra opção possível, que era a de efectuar todo o voo a baixa altitude (50' a 100' sobre o terreno - o correspondente a 15 a 35 metros).
Para evitar zonas mais perigosas o Fur Mota decidiu então seguir ao longo da linha de costa, sobre a água, contornar a ilha de Como (refúgio do PAIGC), subir o rio Cumbijã e, atingido Cufar, dirigir-se em linha recta para Catió.
O voo decorria normalmente a baixa altitude; à passagem por Bolama tiveram a oportunidade de ver o navio que fazia o transporte de víveres e material, que se dirigia para sul. O DO-27 não parecia ressentir-se de qualquer problema resultante do incidente da véspera. O avião sofrera um choque com um pássaro que lhe tinha acertado no hélice, mas a inspecção feita ao avião no intervalo dos dois voos não tinha detectado qualquer anomalia.
Quando sobrevoavam os tarrafos ao lado da ilha de Como, o avião resolveu apagar-se - o motor parou repentinamente, obrigando o piloto a uma reacção rápida para preparar uma aterragem de emergência. Dada a baixa altitude a que seguiam, a única solução era poisar o estojo na direcção em que seguiam, em pleno tarrafo, o que o piloto fez - diga-se - com bastante êxito, pois o avião ficou atolado no lodo, mais ou menos direito, tendo os ocupantes saído ilesos desta aterragem (ou mais propriamente alodagem).
Quem esteve na Guiné sabe bem as diferenças no contorno das margens (no mar ou nos rios) entre a maré cheia e a maré vazia. Neste caso era hora da maré baixa e a água, tendo descido, deixara o tarrafo coberto de uma espessa camada de lodo.
Rapidamente, os ocupantes abandonaram o avião procurando, atascados no lodo, alcançar uma zona de águas mais profundas, onde pudessem, mergulhados, ficar menos expostos a olhares da margem e ser eventualmente pescados pelo navio que pouco antes tinham visto a navegar naquela direcção.
Ter-se-iam passado duas horas desde a aterragem forçada no local quando detectaram uma embarcação do tipo Zebro que se aproximava do local, atraída pela silhueta do DO-27 atolado. Desconfiados, continuaram metidos na água pois a distância não permitia uma identificação eficaz do pessoal que se aproximava. Com a aproximação do zebro puderam verificar que os tripulantes eram brancos, o que os levou a chamar a sua atenção. Rapidamente foram recolhidos e levados para o navio de guerra a que o zebro pertencia e que se aproximava entretanto do local.
Na BA12, entretanto, alertados pela falta de reportes do DO-27, tinham mandado descolar um Fiat G-91 que, seguindo o percurso mais provável voado pelo DO, veio rapidamente a localizá-lo no tarrafo. Imediatamente a Força Aérea pediu a colaboração da Armada, que deslocou uma segunda embarcação para o local.
Terá então havido aqui alguma falta de comunicação pois o segundo navio atarefava-se na busca do piloto no local quando este já se encontrava no primeiro navio. Mas mais vale a mais do que a menos...
O facto é que, depois de recuperada pela Armada, mesmo sem dispôr de material (perdido no acidente), a enfermeira Giselda ainda foi fazer a evacuação a Catió, num outro avião entretanto disponibilizado, que serviço é serviço...
No dia seguinte, uma LDG da Armada iniciou os trabalhos de recuperação do avião, aproveitando a fase da maré alta, que permitiu a aproximação ao local. A içagem do avião infelizmente não correu tão bem como se pretendia. Na primeira tentativa o DO acabou por cair novamente na água, ficando ainda mais danificado... Provavelmente foram maiores os estragos nessa altura do que na altura da queda! Não foi no entanto importante, pois o destino dele seria sempre a sucata. A deformação da estrutura e a corrosão da água do mar tinham provocado danos irreparáveis no avião.
Podemos imaginar que o fim feliz deste acontecimento se deveu a um conjunto de factores favoráveis que podiam muito bem não ter acontecido:
(i) O facto de o avião voar bastante baixo, não sendo observável das tabancas existentes;
(ii) A aproximação final do avião ao ponto de queda com o motor parado, não tendo, pelo seu silêncio, alertado ninguém próximo (detectou-se depois uma tabanca com população presumivelmente hostil a cerca de 700 metros);
(iii) A existência de um navio da Armada, em missão de vigilância próximo do local, o que permitiu a rápida recuperação dos ocupantes do DO-27.
Miguel Pessoa
_________
Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste da série > 14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3891: FAP (11): Jorge Caiano, ex-Melec/AV, BA12, 1969/70, reconhecido por Augusto Ferreira
Guiné 63/74 - P3891: FAP (11): Jorge Caiano, ex-Melec/AV, BA12, 1969/70, reconhecido por Augusto Ferreira
1. Reprodução do poste de 13 de Fevereiro de 2009 > 786 JORGE CAIANO. do blogue do Victor Barata Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74 (com a devida vénia...):
Augusto Ferreira
2º Srgt Melec/Av Tete
Coimbra
Assunto - O Jorge Caiano
(...) Amigo Victor, ao ler no nosso blog as notícias relacionadas com o acidente que vitimou, na Guiné, o nosso companheiro piloto Francisco Manso, pelo CAIANO (*), parei por uns momentos, pois o nome era-me familiar.
Mas inicialmemte era MMA pensei, não deve ser o mesmo que conheci. Mas quando foi feita a correcção pelo Luís Graça, de que era MELEC/AV, concluí que não estava errado. Estive com ele.
Em 1971 pertencemos á mesma secção eléctrica da BA7 – S. Jacinto-AVEIRO. Tanto quanto me lembro, ele vivia em Quintãs, na zona de Aveiro.
Era um jovem alto e bem constituído fisicamente. Estávamos lá na altura na secção, com 1º Srgt Agostinho, com o Lapa e eu, todos de Coimbra, juntamente com ele.
Cheguei a esta base (na altura de instrução de pilotagem ), no final de Maio de 1971, acabadinho de concluir, na BA2-Ota, a especialidade de Electricista de Aviões e Instrumentos e foi aí que utilizei, pela primeira vez, os meus conhecimentos da especialidade, nas dezenas de aviões T6G que lá estavam estacionados, também na companhia do nosso companheiro CAIANO.
Não sei se ele se recorda de mim, e espero não estar errado. De qualquer modo, de aqui lhe envio um forte abraço e o desejo de que seja muito feliz, no país que escolheu para viver e trabalhar. (...).
Até breve
Augusto Ferreira
_________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 12 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3879: FAP (9): Jorge Caiano, ex-1º Cabo Esp Melec, BA12, 1969/70, no Canadá desde 1974
Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)
Foi com enorme satisfação que recebi o teu mail dando-me conta da necessidade de voltar a escrever para luisgraçaecamaradasdaguine@gmail.com o que acabei de fazer mas... quase instantâneamente foi-me devolvida à guiza do que acontecia sempre...
Nesta conformidade vou aproveitrar esta via para fornecer os dados que me foram solicitados.
Fui Furriel Miliciano da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 que rumou depois do necessário IAO do CUMERÉ, para BISSUM/NAGA.
Aí nos mantivemos uns sete a oito meses para sermos apanhados na famosa operação do Cantanhez que implicou a ida de dois Grupos de Combate, (entre os quais o meu...) para CAFAL - BALANTA ficando adstritos à Companhia residente (que ali se encontrava apenas há dias...) vivendo em condições infrahumanas em buracos escavados no solo sem a possibilidade de protecção de "tecto" pois o homem do monóculo não autorizava senão panos de tenda e folhas de palmeira.
Esta parceria com Cafal durou uns três a quatro meses até à chegada do resto da minha Companhia que foi destacada para CAFINE (distando cerca de 2km dali...)
Então, já reunidos, passamos a viver em tendas de campanha até termos concluída a feitura dos reordenamentos consubstanciada em largas dezenas de habitações para a população. Só então procedemos à construção de mais algumas para serventia da companhia...
Foi um trabalho insano, mas que nos deu plena satisfação e que permitiu, estou certo, - a juntar ao episódio da captura algo fortuita de Rafael Barbosa, líder guinéu do PAIGC (em rota de colisão com os dirigentes caboverdeanos...) - a saída precoce da região, a título de prémio, creio bem...
Foram nove ou dez meses ali passados, naquela zona minguada de tudo menos de mosquitos e balas...
Dali fomos descansar para um local perto de Nhacra chamado DUGAL que dispunha de dois destacamentos, CHUGUÉ e FATIM onde aguardei até aos últimos quinze dias (de novo fomos para o Cumeré) antes do embarque final para Lisboa.
Sou licenciado em História e pretendo, se acaso me for facultado, óbviamente, enviar para a "tabanca" a história da minha Companhia em sextilhas (tenho-a também em prosa...) onde são respeitados os cânones desta vertente poética.
Relativamente ao envio das duas fotografias não me é possível fazê-lo
ainda, porquanto sendo debutante nesta tecnologia, terei ainda de colher informações que me levem ao cumprimentro do desiderato.
Um abraço.
2. Mas ainda no mesmo dia, o nosso novo camarada enviava as fotos da praxe.
Caro Vinhal
Graças ao meu filho foi possível enviar-te as fotografias.
Como temi que para o blog luisgraçaecamaradasdaguine@gmail, pudesse ser de novo devolvido tomei a liberdade de enviar para ti esperançado que seja possível fazeres o favor de as colocar no seu devido lugar.
Um abraço e o pedido de desculpas por usar o teu mail.
3. Comentário de CV
Caro camarada Manuel Maia, este poste é só para formalizar a tua apresentação à Tertúlia, porque já tens trabalho publicado no Blogue.
O texto que nos enviaste com o teu desejo de aderires à Tabanca Grande, é importante ser conhecido, para que te conheçamos melhor.
Justifico o meu destempo, dizendo que tinha um determinado alinhamento para apresentar dos diversos camaradas que tinha em espera, tendo o Luís entretanto publicado o teu trabalho do poste 3886(*).
Quanto ao utilizares o meu endereço, fizeste muito bem, porque ele está destinado aos assuntos do Blogue. Aliás se enviares as tuas mensagens para os dois endereços, mais certeza terás de que serão entregues. Tinhas um erro no endereço do Luís, (graça em vez de graca), não fosse teres recorrido a mim ainda não tinhas conseguido contactar o nosso Blogue.
Está tudo bem e isso é que é importante. Esperamos agora a tua colaboração na feitura da História da tua Unidade.
Deixo-te um abraço em nome da tertúlia.
__________
Nota de CV:
Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez
Guiné 63/74 - P3889: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (5): Jubi, ala poren, iauliredu... / Miúdo, avião, tem medo...
1. Continuação da publicação do Dicionário Fula/Português, organizado pelo nosso camarada Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72).
V (e última) parte da lista de vocábulos em idioma fula (e respectiva tradução em português) (*), recolhidos em resultado de conversas com o seu amigo Cherno Al Hadj Mamangari, que vivia em Cambor, a nordeste de Piche. Como já foi dito, o título Al Hadj é dado ao crente muçulmano, depois de regressar da sua peregrinação a Meca.
Obrigado, Luís Borrega, camarada e amigo! O teu esforço por tentar comprender o outro (neste caso, os fulas, que eram e são um dos principais grupos étnico-línguísticos da Guiné-Bissau) é, só por sim, um gesto de grande abertura de espírito, de recusa do etnocentrismo, e sobretudo de ternura. Bem hajas! Espero que a tua recolha (que não obviamente não tem a pretensão de ser um dicionário...) possa ser útil a muita gente, os nossos camaradas que voltam à Guiné em 'turismo de saudade', os nossos antigos camaradas fulas que vivem em Portugal, os seus filhos e netos, nascidos em Portugal (que estão em idade escolar, e que já não sabem ao idioma dos seus pais e avós)... Todos os idiomas do mundo fazem parte da riquíssima diversidade cutural da humanidade, diversidade que devemos conhecer, apreciar, manter e preversar... Por que só há uma terra, só há um raça humana... LG
___________Nota de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores desta série:
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...
26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...
1 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3827: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (4): Nhamo, nano... / Direita, esquerda...
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Guiné 63/74 - P3888: Estórias do Jorge Fontinha (4): O primeiro morto do 4.º GCOMB/CCAÇ 2791
Meu caro Vinhal
Isto é como as cerejas. Atrás de uma, vem agarradas outras. Como sabes, não deixo escapar nenhuma do Luís Faria, meu velho bom amigo e camarada, desde Tancos, Évora e por aí fora. Nos últimos Postes dele, factos que relatou, tiveram muito que ver comigo e como tal, a memória vem ao de cima. O caso de hoje, foi dos que mais me marcaram.
Aí vai mais um contributo para o Blogue.
Um abraço
Jorge Fontinha
O 1.º Morto da CCAÇ 2791 e do 4.º Grupo de Combate
No mês de Dezembro de 1970, foi o mês em que tudo nos aconteceu.
Começámos por ocupar o nosso sector de intervenção, efectuamos duas operações de grande envergadura, na qual ficámos com alguns feridos graves, inclusive, o Nunes do meu 4.º Grupo, sem uma perna.
Se tudo isto não bastasse, até um acidente de viação nos havia de calhar e no qual, dos 9 ocupantes do (Unimog burrinho do mato), só o motorista e eu próprio, saímos ilesos, ferindo-se dois soldados com muita gravidade, 4 com ferimentos menos graves e um morto, o Francisco Pereira CELESTINO.
É justo que passados estes anos todos, prestemos uma homenagem, embora singela mas que se impõe, nomeadamente da minha parte. O Celestino, conheci-o em Évora, quando lhe ministrei instrução na Especialidade, preparando-o nas tácticas de guerrilha e preparação física adequada. Lamento não ter tido na minha própria preparação, habilidade para ajudar a evitar acidentes de viação. Na época nem tinha ainda tirado a carta de condução.
Enquanto convivi com ele, cerca de 6 meses, sempre se mostrou um excelente rapaz. Voluntarioso, empenhado, colaborante e não tenho mais palavras para o recordar! Desde cedo se dedicou a seguir-me de perto, quando em serviço, na Guiné. Por vezes até eu próprio ficava um tanto encabulado, quando me apercebia que o Celestino havia arrumado as minhas coisas e inclusive limpo a minha G3, após o regresso de qualquer acção de patrulhamento ou operação no mato. Para além disso, coube-me a mim, escrever à família a quem mais uma vez, presto a minha homenagem. Descansa em paz Celestino!
Naquele fatídico dia, o 4.º Grupo de combate estava de Piquete. Quando tal acontecia e havia coluna para Bissau, o Grupo nomeado tinha entre várias atribuições, a protecção à referida coluna, no percurso entre Bula e a jangada, em João Landim. Daí regressando a Bula para outras eventuais intervenções. Razão por que todos os elementos do Grupo de Combate recebiam uma RAÇÃO DE COMBATE.
Contra o que normalmente acontecia, a minha Secção ia na viatura que fechava a coluna. No mato e em bicha de pirilau, era ao contrário, por razões que já contei numa das minhas anteriores Estórias. Eu, como era hábito, ia sentado, nas costas do banco ao lado do motorista e com o pé direito no parapeito junto ao pára-brisas. A cerca de 10 a 12Km do início do percurso, depara-se um buraco na estrada, ao qual o condutor ainda inexperiente tenta desviar-se, travando simultaneamente. Resultado: O condutor ficou sentado no seu lugar, agarrado ao volante. Eu protagonizei a queda mais aparatosa, sendo cuspido por cima do pára-brisas, vindo a cair de pé e em posição de combate (treino feito em Lamego, nos Ranger/s?)!... e nada me aconteceu. Isso sim a todos os ocupantes do banco traseiro. Sete homens espalhados pelo chão.
Pelo rádio, peço logo ao Alferes Gaspar que seguia na viatura da frente e levava o Cabo Enf. Silva, o regresso àquele local, para os primeiros socorros. De imediato se constata que o Celestino teve morte instantânea. De entre os outros feridos, o mais grave era o Cavaco, com a Fita da HK21 enterradas em parte da cabeça (cerca de um ano depois estava de regresso ao Grupo de Combate)!
A viatura regressou a Bula, de emergência, para os serviços médicos do Batalhão, onde já o Furriel Enf. Urbano, juntamente com o médico do Batalhão, recebeu os feridos e atestou o óbito do Celestino. A mim confortado pelo Sampaio Faria e pelo Urbano, restava dirigir-me à Secretaria da Companhia para fazer o resumo da situação. Só não esperava que a primeira pergunta do 1.º Sargento fosse esta:
- Fontinha, onde está a Ração de Combate do homem?
Na altura valeu o habitual sangue frio e bom senso do Sampaio Faria, para que as coisas tivessem ficado por ali.
Não seria justo deixar de mencionar os restantes companheiros de infortúnio. Confesso que me não recordo do nome do condutor, todavia todos os restantes e que para o Hospital de Bissau foram parar, uns por poucos dias, outros para além do Celestino, por períodos mais ou menos demorados. Foram eles: O Cabo Francisco Romão e os Soldados Manuel Matos, António Moreira, Armando Azevedo, Gabriel Monteiro e António Cavaco. Para todos eles, um grande abraço.
Na fila de cima:?; Furriel Castro; Furr. Fontinha; Furr. Chaves; Furr. Urbano. Na fila de baixo: Cabo Francisco Romão; ? ;? ; ?
Um abraço
Jorge Fontinha
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3743: Estórias do Jorge Fontinha (3): O meu Grupo de Combate (Jorge Fontinha)
Guiné 63/74 - P3887: Iniciativas da ADFA em Lisboa (Luís Nabais)
Caro Carlos:
Nós, ADFA, estamos e pensar fazer um almoço/homenagem aos antigos pilotos e mecânicos de aeronaves, que estiveram na Guiné.
Podes publicar, para saber se há interessados?
Pensamos que seja em Abril.
Abraço
2. Hoje, dia 13 de Fevereiro pedimos alguns elementos mais ao Luís Nabais.
Caro Luís Nabais
Claro que sim. Dá-me os elementos mais concretos que tenhas neste momento, como seja por exemplo o local, Lisboa, não?
Um abraço
Carlos
3. Eis a resposta:
Caro Carlos:
É nossa intenção fazê-lo em Lisboa na sede da ADFA.
O Chefe da Força Aérea vai estar lá também, e tenho já confirmados alguns nomes, alguns ex-comandantes da TAP (como o tempo voa, Carlos)!
A data ainda não está definida, embora apontemos para um sábado, como te disse, Abril.
Quero também informar que já temos mais um psiquiatra a trabalhar connosco (dois, agora), que poderão fazer consultas "particulares" (o preço será informado aquando da marcação, caso não tenham ADME), e também Clínica Geral.
Claro que, recordo novamente, não tendo ADM, a consulta será por inteiro, mas são 30€ (com estacionamento e almoço, agora a 4,50 €).
Estou/estamos a envidar esforços para ter muito brevemente estomatologia.
Tentaremos, logo que possível, acordos com ADSE ou outras entidades - não ainda -,infelizmente, mas garanto brevidade!
Abraço
Luis Nabais
4. Comentário de CV:
Realce-se a iniciativa da ADFA em homenagear os bravos pilotos e mecânicos que voaram nos céus da Guiné, que tão relevantes serviços prestaram aos (infantes) militares quem em terra se sentiam mais protegidos com a sua presença lá nos ares e, sabiam que em caso de emergência, aparecia sempre alguém para os evacuar.
Mais uma vez se lembra que os camaradas que apresentem algum sintoma de doença pós-traumática, podem e devem dirigir-se à ADFA para serem encaminhados às entidades competentes que os poderão ajudar.
Tanto os interessados em participar no Almoço de homenagem aos camaradas da Força Aérea, como os que pretendam aconselhamento médico, devem dirigir-se à ADFA ou comunicar co o nosso camarada Luís Nabais, e-mail nabais.luis@gmail.com
Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez
Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Os Lassas na abertura da estrada Cufar/Cobumba. Em Novembro/Dezembro de 1972, a 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72, de que o Manuel Maia, novo membro da nossa Tabanca Grande, era Fur Mil At, integra as forças de Spínola que vão tentar reconquistar e ocupar o coração do mítico Cantanhez: Cobumba, Chugué, Caboxanque, Cadique, Cafal, Cafine, Jemberém...
Foto: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.
1. O Manuel Oliveira Maia fez há dias uma primeira tentativa para entrar em contacto connosco e ser admitido na nossa Tabanca Grande. Não mandou fotos, por que ainda anda às voltas com estas novas tecnologias... É o que deduzimos, de resto, da leitura do seu blogue, MAMOM, aberto em Janeiro passado e contendo já vários postes sob o título "Evocação da Guiné". Diz ele, em jeito de apresentação:
"Tenho 58 anos, sou licenciado em História pela FLUP [Faculdade de Letras da Universidade do Porto] e só agora estou a começar a 'gatinhar' nas novas tecnologias. Por isso mesmo não consigo ainda dominar esta máquina que me tem baralhado. Com o tempo chego lá".
Pois é, Manuel, isso com o tempo (e a teimosia) a coisa vai. Tudo se aprende, haja força de vontade.
"Português dos quatro costados, apreciador de ditados populares, decidi tomar a nuvem por Juno e utilizar o conhecidíssimo 'quem cala consente', daí o atrevimento de escrever, de forma faseada, aquilo que tinha solicitado há dias e que dá o título a este mail, esperançado em que alguém da companhia possa lê-lo. Desde já o meu muito obrigado".
Pois é, Manuel, a gente não cala mas consente. Isto quer dizer que estás mais do que autorizado, tens luz verde para entrar na nossa Tabanca Grande e sentar-te à sombra do poilão. Com tempo e vagar, mandas-nos algunas fotos e conta-nos por onde andaste, com a tua 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 (já percebi: Bissum, na região de Bula, Cafine, Cafal Balanta., na região do Cantanhez / Cacine..).
E, olha, parabéns, pela arte e engenho de narrar, com humor, os feitos gloriosos dos Terríveis que ousaram penetrar no Santo dos Santos, que era, para o PAIGC, o Cantanhez. Furriel Maia, estás aprovado com 20 valores. São trinta e três sextilhas, ou seja, estrofes de seis versos de dez sílabas métricas. Não os revi todos, mas batem certo: são mesmo decassílabos... Ou não fosses tu um homem de letras, e quiçá um émulo de Camões.... O Camões do Cantanhez!
2. Assunto - HISTÓRIA EM SEXTILHAS DA 2ª CCAÇ BCAÇ 4610/72
2ª CCAÇ BCAÇ 4610/72, OS TERRÍVEIS
1. Da mais remota aldeia ou simples terra
chegaram aprendizes para a guerra,
à Eborina urbe alentejana.
Três meses lá passados chegou dia
do voo p´ra Guiné que ninguém queria,
p´ra trás ficava o Templo de Diana...
2. Corria o ano dois após setenta,
manhã dia antonino,calorenta,
em terra há corações despadaçados.
No voo baptismal p´ra maioria,
vai tropa dos Terríveis,que escondia,
seus medos peito adentro,bem fechados.
3. Pousada a nave,agreste é a paisagem...
em camiões Berliet se faz viagem
até ao Cumeré, p´ro I.A.O.
Em cada face há rios de suor
vincando esgares e rictos de estupor,
nas rugas desenhadas pelo pó...
4. No Cumeré surgiu nova instrução
com muitos pius saudando a comissão
que ora começavam, coitaditos...
De fardas novas, pele esbranquiçada,
são alvo da chacota e gargalhada
dos velhos que gozavam periquitos...
5. Desajustado,bronco e petulante,
republicano guarda é o comandante
do nosso batalhão de Bissorá.
Destino de Bissum foi libertário
livrando-nos do velho salafrário
a Bula, a administração nos ligará.
6. Bissum passou a ser morada nova
e os nervos aos Terríveis pôs à prova
daí as muitas noites mal dormidas.
Enquanto em casa a música (a) descansa,
no mato ,atirador faz segurança
travando assim as turras investidas...
(a) Pessoal que não ia ao mato
7. A sobreposição foi conseguida,
serena,com quem estava de partida,
de volta p´ra Lisboa, por Bissau.
Pintada fôra a manta com mil perigos
de ataques incessantes inimigos,
buraco...afinal nem era mau...
8. E desse tempo há coisas que ficaram,
partidas/praxe com que nos brindaram,
algumas bem gozadas,vejam bem...
Na messe à noite,em plena cavaqueira
connosco, bem bebido, em brincadeira,
alferes velho,ali,conta vantagem...
9. No mato, embrulhara manga deis...
(recorda pelo menos vinte e seis...)
nalguns sentira mesmo uns sustozitos...
Mostrava o seu galão,com arrogância
ao turra a quem cheirava, inda à distância,
julgando impressionar os periquitos...
10. Aterra no seu braço um vil mosquito
sem respeitar velhice, algo esquisito,
com tanto sangue pira,ali à mão...
A frase foi marcante pois lembrava
que a sua comissão se acabava
e a nossa, acabaria um dia,ou não...
11. Tainadas e petiscos, noite afora,
para empurrar o copo,sem demora
dos piras, p´ra cerveja ,sai a massa...
caçadas p´la velhice, são galinhas
do mato,algo enfezadas, mas durinhas...
que mais não são que abutres p´ra desgraça...
12. O tempo foi passando,devagar,
mais lento que a vontade militar,
até surgir primeiro fogachal...
falhada e curta fôra flagelação
que teve p´ros Terríveis o condão
de ensinamento p´ro perigo real...
13. Primeiro ataque há medo e confusão
que geram caricata situação,
no ar pairavam sustos, grande é o drama...
às quatro morteiradas do inimigo
Terríveis, responderam...do abrigo,
a tiro de espingarda e dilagrama...
14. As balas tracejantes da milícia,
p´ra quem ataque é óptima notícia,
à noite dão um ar de foguetório...
na messe, alto betão protege audazes,
Almeida e Maia,acalmam seus rapazes
formando o grupo frente ao refeitório...
15. Ao pânico de início seguiu logo,
a calma a analisar poder de fogo,
co´a ajuda da milícia sabedora.
Saído da tabanca,Eusébio(b) berra:
- Pára essa merda toda, acaba os guerra
mi misti poupa bala,cá põe fora!!!
(b) milícia
16. Do simples dilagrama, à morteirada,
angústia e raiva ali é despejada,
travado apenas foi grupo terceiro.
Enquanto no quartel,há confusão,
Almeida e Maia formam pelotão
havia que impor ordem no terreiro...
17. Às vezes,lembro aqueles fins de tarde,
a lavadeira ali,fazendo alarde,
dos dotes que lhe deu a natureza...
Bajuda prometida de milícia,
rasgado tem sorriso de malícia,
a torneada Quinta, uma beleza...
18. Coragem mostra ter milícia nova,
por actos de bravura que renova,
a cada compromisso para acção.
Nas notas p´ra Bissau, branca é chefia,
Inchunfla é comandado com mestria,
de cada vez que faz golpe de mão...
19. Milícia velha um dia, por ciúme,
da nova, p´ra quem ronco era costume,
fogueira quis fazer em pleno mato...
a ideia era atrair a turra gente
tomar as suas armas facilmente,
ganhar direito à fama, ao estrelato...
20. Coluna estava imóvel, faz bocado...
de trás, parti, semblante carregado,
à cata do porquê dessa inacção...
- Nós tem que ter fogueira furriel!
Faz frio, manga dele aqi nos pele...
pessoal pá,não guenta a situação...
21. Está a andar para o quartel,directamente!
Vais lá fazer um fogo que te aquente...
disse eu a Armando, o guia da secção.
- Pessoal tem de ir nos sítio dos bandido
se não vais lá, furriel, ficas fodido,
Armando...pá, faz queixa ao capitão...
22. Cantina foi o ponto de paragem
para aquecer gargantas da friagem
daquela madrugada quase ronco...
Suborno fôra a via que eu usara
travando,com cerveja,a sanha ignara
do pessoal de Armando,guia bronco...
23. Com Marcelino Mata, a lenda viva,
operação fizemos, punitiva,
às tropas inimigas do sector.
Sucesso retumbamte o resultado
do chefe militar, idolatrado,
que olhava os p´rigos, sempre sem temor...
24. Do mato após dois dias regressados,
sofridos, fartos já dos enlatados,
comida,banho e cama são anseios...
Jantar nos negam dando por razão
abono de combate com ração,
sabendo não haver ali mais meios...
25. Do peixe da bolanha e arroz/cimento
que havia alimentado o regimento,
notada foi a ausência do Caseiro.
Já fartos do menú que este dispensa,
Almeida e Maia encontram na despensa
o dito, a comer frango com casqueiro...
26. Com delicado pé, quarenta e cinco,
derruba Almeida a porta chapa/zinco,
com Maia,no apoio,do seu lado.
À guiza de castigo,fica então
contestatário Maia com missão
de vaguemestre,um mês, tendo agradado...
27. Deu frango, em quartos, com batata assada,
ração completamente inusitada,
e vacas extra em compra inolvidável...
A cada copo o preço era espremido,
cigarro tinha acção de lenitivo,
Rebenta Minas(c) fôra inigualável...
(c) Rodrigues
28. Rodrigues, ganadeiro,cá de fora,
que acolitava o Zé (d), a toda a hora,
manteve-se em funções por minha opção.
Provada foi justeza da medida
pois compra à populaça é conseguida
mercê dos seus recursos d´ocasião...
(d) Caseiro
29. P´la vaca são pedidos quatro contos,
cigarro e copo ali ganham descontos,
p´ra reduzir o preço ao animal.
- Mil e quinhentos peso é pouco, pouco...
dou mil,cigarro e copo,não sou louco,
está magra e foi roubada,por sinal...
30. Nos mapas expedidos p´ra Bissau,
Terrivel,capitão daquela nau,
seu nome apunha aos actos mais ousados,
daí governadora rapidez
de olhar o salvador do Cantanhez
em si e seu punhado de soldados...
31. Consolidada a imagem em Bissau,
João Terrível, tido um homem mau
´statuto VIP, granjeou de vez.
Monocular figura,quase mito,
ao empurrá-lo a sul teria o fito,
d´impor a paz na mata Cantanhez...
32. Cafal-Balanta asila meio cento,
garante-lhes espaço/sofrimento,
lugar junto à bolanha, em cova nua.
Dois dias p´ra aramar são preenchidos,
cansados dormirão,enfim,vestidos,
sem tecto,em colchão de ar,a olhar a lua...
33. Indescritível sensação de horror
com noites sem dormir, tal o temor,
desprotegido espaço nos calhara.
A urgência em aramar era ambição,
que todos partilhavam, pois então,
o medo já estampava cada cara...
Manuel Oliveira Maia
[Fixação/revisão do texto/edição: L.G.]
___________
Notas de L.G.:
(*) Vd. último poste desta série > 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3882: Tabanca Grande (117): Gumerzindo Caetano da Silva, ex-Soldado Condutor da CART 3331 (Cuntima, 1970/72), que nos lê na Alemanha
(**) Há muitas referências a Cafal no romance do Mário Fitas, já publicado em 'episódios': vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)
Guiné 63/74 - P3885: FAP (10): Obrigado, Tenente Piloto Aviador Pessoa (J. Casimiro Carvalho, CCAV 88350, Piratas de Guileje)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/74) > Março de 1973 > Inauguração do bar de sargentos . O major Coutinho e Lima, comandante do COP 5, está ao centro, de camisola branca, calções e ténis (assinalado com um círculo a vermelho); o Casimiro Carvalho, mais atrás, está de bigode "à Clark Gable" (assinalado a verde). (...). Data: possivelmente, 14 de Março de 1973. Em carta, sem data (presumivelmente, 15 de Março de 1973), o Carvalho escrevia ao pai: "Ontem inaugurou-se o bar de sargentos, muito bonito e acolhedor, com gira-discos e tudo. (...)" (*).
Fotos: © J. Casimiro Carvalho (2009). Direitos reservados.
1. Mensagem enviada ontem à noite pelo José Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Esp, CCAV 8350, Piratas de Guileje, 1972/74) ao Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, Bissalanca, BA12, 1972/74) (O nosso bom amigo e camarada Carvalho não nos levará a mal se a gente divulgar esta mensagem, que é também uma pequena homenagem à FAP e aos bravos de Bissalanca; e o Miguel também não levará a mal esta sobre-exposição... mediática a que ele é avessso: é que também somos um blogue de afectos):
Estou arrepiado. Nem acredito que estou a escrever para o homem que pilotava o Fiat e com quem o meu Cmdt, Cap Abel Quintas, falou através do AVP 1, canal dois, a indicar as saídas do canhão sem recuo (julgo), por parte do IN, e que finalizou assim (eu estava ao lado dele):
- Correcto, rumo 150 (Salvo erro)…
E você seguiu para não mais voltar.
Entretanto chegaram tropas pára-quedistas e o Marcelino da Mata. Eu falei com ele ("him self") e pedi-lhe para me levar e disse logo que sim. Pedi ao Cap Quinats e ele não me autorizou, não obstante o Marcelino da Mata lhe ter garantido que me trazia de volta, nem que fosse "às costas". [Vd. foto em formato pequeno do Carvalho ao lado do Marcelino da Mata, num dos 10 de Junho dos últimos anos, presumivelmente em Lisboa, em Belém].
Claro que a minha tropa (CCAV 8350) fez parte da operação de resgate. O que eu disse a seu respeito (*) foi o que me contaram depois de regressarsmos. Pois disseram que você disse que não se entregava. A farda e o armamento do [Grupo do] Marcelino eram do PAIGC, isso constatei ser verdade. Logicamente, o senhor pensou que fossem "turras". Daí a reacção.
Estive muito perto do local onde o senhor caiu mas não o vi, pois estava a manter segurança (talvez), mas estive lá.
Há uns meses disseram-me que tinha morrido, o que muito me entristeceu. Mas felizmente não é verdade. Fico com o meu coração um pouco mais preenchido, pois para mim você renasceu.
Vocês, para nós, os cá de baixo, foram sempre uns grandes heróis. Ainda me lembro, deppois, em Gadamael, um Fiat ter picado, como nos livros do Major Eduardo Cook Alvega, ter largado uma ameixa daquelas que abanavam os tomates e, para nosso gáudio, ter acabado com uma série de bombardeamentos por parte do IN, pelo menos naquele sítio.
Obrigado FAP, mais uma vez obrigado.
Tenente Pessoa, obrigado.
J. Casimiro Carvalho
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)
4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)
(**) Vd. poste de 28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3370: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão
(***) Vd. poste de 25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91
Guiné 63/74 - P3884: Poemário do José Manuel (26): O regresso a Mampatá, 35 anos depois...
Guiné > Bissau > 1974 > Cinco Furriéis da Companhia dos Unidos de Mampatá num bar em Bissau, a matar o tempo esperando um avião que demorou dois meses a chegar (29 Agosto de 1974)...
Da esquerda para a direita (segundo o Josema): (i) o José Manuel Lopes (Josema), (ii) o Martins, o alentejano vagomestre ("que só nos dava arroz com arroz") , (iii) o José Manuel Vieira, madeirense (que jogou futebol no Porto, Sporting e Benfica dos 15 aos 19 anoso), (iv) o Camilo, de Portalegre, (v) e o dono da ferrugem, o mecânico auto-rodas, o Nina, da Covilhã ("que namorou a mais linda Mampatense do nosso tempo" e que agora vai regresssar à Guiné, juntamente com o José Manuel e o António Carvalho, quer era o furriel enfermeiro, e que não aparece aqui neste grupo).
Fotos: © José Manuel (2008). Direitos reservados
1. Mensagem do José Manuel Lopes (*), com data de 6/2/09:
Boa noite, Luís:
Finalmente uma promessa com quase trinta e cinco anos vai ser cumprida. Dia 20 parto para a Guiné.
Em Agosto de 1974, 26 meses depois de ter chegado, era tempo de regressar.
Cerca de dois meses antes, em Buba, onde embarquei numa LDG a caminho de Bissau, Amadu a todo o custo queria vir connosco, os seus gritos no Cais de embarque só deixaram de se ouvir, quando a LDG se afastou rio abaixo. Sem qualquer hipótese de valer ao desejo do miúdo que durante dois anos viveu ao nosso lado, foi nosso criado, protegido, amigo e aprendeu a ler na Escola de Mampatá, onde o Furriel Simões e eu às vezes ensinávamos o AEIOU.
Quando o cais de Buba se perdeu de vista, tirei o bloco do bolso lateral das calças camufladas e escrevi (**):
É tempo de regressar
às minhas parras coloridas
e ver a água a gelar.
Esquecer mágoas e feridas
e a todos abraçar.
Olho por cima dos ombros,
vejo a mata, lembro Amadu.
E nem tudo são escombros,
há Susana, há Varela,
as ilhas de Bijagós
e a vida pode ser bela
se nunca estivermos sós.
Houve prazer e amor
em terras de Mampatá,
senti a raiva e a dor,
saudades do lado de lá,
a distância e tanto mar.
Mas não há ódio ou rancor
e um dia...vou voltar...
Graças à Tertúlia de Matosinhos, aos Veteranos de Coimbra e à sua Associação Humanitária Memórias e Gentes, vou realizar um sonho antigo. Os relatos do Velhinho Teixeira que nos precedeu em Mampatá e lá regressou o ano passado, me deixaram ansioso. Como ele foi recebido tanto tempo depois!!! As verdadeiras amizades nunca acabam e um pouco de nós ainda lá está.
Comigo vão o Carvalho e o Nina, furriéis da minha companhia e que sempre tiveram uma empatia muito grande com a população de Mampatá, o Carvalho era o estimado Dotô daquela gente, a quem sempre assistiu com muito carinho (***).
Assim dia 20, aí vamos nós. Na próxima semana irei a Lisboa levar uma encomenda de vinho e azeite para 3 Restaurante e dois amigos (clientes), se tiveres alguma lembrança para lá , com muita honra serei teu portador.
Um abraço
José Manuel
2. Comentário de L.G.:
Querido amigo: Encontramo-nos na próxima segunda-feira, conforme combinado. Tens o meu nº de telemóvel: 931 415 277. Não te esqueças do azeite e do vinho que te encomendei.
Bj e abraços para o teu clã. Luís
_____________
Notas de L.G.:
(*) Sobre o nosso camarada José Manuel Lopes, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)
O José Manuel Lopes foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, na CART 6250 (Mampatá, 1972/74). Natural da Régua, é um conceituado vitivinicultor, explorando a Quinta da Senhora da Graça, com sede em Senhora da Graça, 5030-429 Lobrigos (S. J. Baptista), concelho de Santa Marta de Penaguião, distrito de Vila Real, Telef. 254 811 609.
Tem vinhos premiados e partilha o seus néctares com os amigos e os clientes. Tem uma equipa de cinco estrelas: a esposa, Maria Luísa, e uma filha, ainda estudante, e um filho, o Vasco Valente Lopes, promissor énologo, com prémios já ganhos e estágio na Austrália. O nosso camarada faz também turismo rural. É membro da nossa Tabanca Grande desde finais de Fevereiro de 2008 e frequenta, religiosamente, às 4ªs feiras, a Tabanca de Matosinhos.
Vd. ainda o poste de 3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3165: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (6): Com o José Manuel, in su situ, um pé no Douro e uma mão no Marão (Luís Graça)
(**) Vd. último poste da série > 24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3787: Poemário do José Manuel (25): A Morte
Vd. também o postes de;:
21 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2868: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (7): Homenagem a um camarada, poeta e viticultor, o José Manuel
17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...
(**) Vd. alguns dos recentes comentários do António Carvalho, no nosso blogue, mostrando grande entusiasmo em relação à sua viagem de regresso à Guiné e à "sua Mampatá":
8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3853: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (3): Lágrimas no desarmamento dos milícias de Cumbijã, em Agosto de 1974
Caro Manuel Reis:
Estive em Mampatá, Cart 6250, entre 72 e 74. Inaugurámos Colibuía por volta de Maio de 73 e lembro-me de estar lá e ouvir os ataques a Guileje. Colibuía, Cumbidjã e Nhacobá são topónimos da Guiné que nunca esquecerei. Espero rever esses e outros lugares daquela região do Tombali, muito brevemente pois partirei para lá no dia 20 de Fevereiro. Muito gostaria que viesses almoçar com rapaziada da Guiné (ex-combatentes)no próximo dia 11 ou 18 ao restaurante Milho Rei a Matosinhos.
António Carvalho
TLM:919401036
8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3854: Tabanca Grande (112): Alberto Sousa e Silva, ex-Soldado de Transmissões da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70
Caro camarada Alberto Silva:
Muito grato fico àqueles que, como tu, escrevem sobre os locais da Guiné que também foram e são meus. Estive em Mampatá desde 29 de Julho de 1972 até 23 de Julho de 1974. Se Deus quiser, voltarei a esses locais onde passarei a primeira semana do próximo mês de Março.Se quiseres que leve um abraço para alguém fá-lo-ei por ti. Gostaria muito que viesses almoçar com os tabanqueiros da Guiné, a Matosinhos, numa quarta-feira qualquer. Um abraço. (...)
5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3842: Tabanca Grande (111): José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Guiné 1966/68
Caro Amigo José Brás:
Não te conhecia nem como ex-combatente 'tabanqueiro' nem como escritor de muito mérito. Bastou-me saber que também te castigaram aqueles calores e te sangrou a alma, por aquelas matas e capins de Aldeia Formosa, para ganhar um amigo. Bastou-me ler a análise que fazes daquele conflito, com a razão de quem pensa e a sabedoria de quem repensa, para perceber que estou perante alguém com quem me identifico. Eu ainda não li aquele livro do Coutinho Lima, sendo certo que,desde que comecei a aprender a aceder ao nosso blog, tenho lido tanta coisa sobre a guerra da Guiné que não sei se precisarei de ler o livro. ´
Depois, lembro-me muito bem de estar em Colibua e ouvir aqueles desgraçados a embrulhar uma semana seguida.É certo que se fala das nossas vitórias em Gadamael e Guidage mas, se foram vitórias, foram de Pirro. De facto puseste o dedo no ponto e, por outras palavras eu diria:a guerra não é nenhum projecto de engenharia e tem a ver com pessoas e com povos. Aguentar, sofrer, morrer...até ver quem ganha e quem perde! (...).
Guiné 63/74 - P3883: Fauna & flora (18): Um macaquinho principiante na arte do furto (José Brás)
Caros amigos
Para o que for... porque vale o que vale!
Uma pequena contribuição para o tema “macaco cão”.
Na estrada Buba – Aldeia Formosa, quer pela via directa, quer por Nhala, macaco cão era o que mais havia.
A mim dava-me gosto ver-lhes o destemor, a provocação, a dignidade com que nos arreganhavam o dente, a quase sensação de um ataque iminente, não apenas aos espaçados “picadores” que adiantavam as “carroças” (unimogues e gmc’s) mas mesmo a estas.
Por vezes, em trechos já picados, instalavam-se na frente das viaturas, indiferentes, num passo próprio e descuidado, como se a coisa não fosse com eles.
Em 95 (ou lá perto) estive de férias na Guiné, fiz o caminho de Mansoa, Bambadinca, Quebo, Buba, Catió e volta. Um pouco abaixo do cruzamento de Buba encontrei-me com um enorme grupo desse babuínos, armei de herói, pedi que parassem a viatura, andei 100 metros de câmara na mão, tentando convencê-los da nossa amizade antiga. Não “peguei” um único, apenas um susto valente (que não ficou na foto) porque “senti” que as coisas poderiam dar para o torto.
Uma vez… emboscados numa zona abaixo da Chamarra, dormindo e acordando à vez, como vocês sabem, a tropa esperava apenas que clareasse para voltar à Aldeia Formosa com a missão cumprida, cantando por dentro, vivinhos da silva, mais uma sem problemas.
Eu dormia e acordava em intermitência, julgando que o Sol se esquecera de subir.
A dada altura, o escuro da noite dera já num lusco-fusco que anunciava o astro, deitado na orla, dei as costas à zona de morte a inspeccionar o espaço meio-aberto atrás de nós.
Um macaquinho parara muito perto dos primos, hesitante, apalpando o terreno a ver no que davam os avanços curtos, pouco a pouco se chegando aos humanos distraídos, apenas eu, acho, a tentar adivinhar-lhe os objectivos.
Escolheu o vulto do Sargento X que jazia sob o poncho camuflado, vencido pelo sono de uma noite de alerta.
No lugar onde estaria a cabeça do Sargento, parou de novo, olhou, remirou o vulto ali à mão, e à volta sobre os outros vultos.
Quieto, eu, e maravilhado, seguro de que aquele macaco, pela idade pouca, ainda não tinha sido recrutado pelo PAIGC, esperava.
De repente decidiu-se. Vi-lhe nos olhos (ou imaginei que vi) o exacto momento da decisão. Rápido com um corisco, deitou a mão à dobra do poncho, tentando roubá-lo ao Sargento.
Em vão.
Primeiro… porque o poncho era mais pesado do pensara(?);
Segundo, porque Sargento assustado não é para macacadas, saltou, berrou, alertou a mata em redor, quebrando a quietude e o silêncio do sítio e da conveniência, ali, a bem dizer nas barbas do corredor.
E eu ria. Ria baixinho, quase para dentro, apenas. Queria parar e não podia, incapaz de atar a boca e a tensão que se desatava ali, na guerra do macaco e do Sargento.
Entretanto, junto uma (má) fotografia de um gatinho que cresceu nas matas de Mejo e que o caçador da foto agarrou na armadilha e “amansou” no mesmo dia.
A título de informação, informo que poucos dias depois foi o caçador caçado, literalmente cravejado de estilhaços (até na gaita, parafraseando o último texto do Branquinho) numa das flagelações ao lugar.
Não morreu e pouco tempo depois estava de novo em Mejo.
Abraços para todos
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3807: Fauna & flora (17): O macaco das Transmissões do Xime (Sousa de Castro)
Guiné 63/74 - P3882: Tabanca Grande (117): Gumerzindo Caetano da Silva, ex-Soldado Condutor da CART 3331 (Cuntima, 1970/72), que nos lê na Alemanha
Meus caros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote:
No último almoço que a minha Companhia (CART 3331) realizou em Peso da Régua em Junho de 2008, tive conhecimento deste grande e interessante Blogue e logo decidi que um dia viria também a enviar as duas fotos e falar um pouco de mim.
Encontro-me na Alemanha desde Abril de 1973, para onde emigrei passados 5 meses após a minha chegada da Guiné.
Com a minha simples 4.ª classe não podem esperar muito deste modesto Soldado Condutor, de nome Gumerzindo Caetano da Silva, natural de Albarrol, freguesia de Pousaflores, Concelho de Ansião.
Embarquei no Uíge no dia 6 de Março de 1971 e cheguei a Bissau no dia 11 à tarde. Depois de alguns dias no Cumeré e nos Adidos, embarquei num batelão civil, Cacheu acima, até Farim. Ali, esperei que uma coluna viesse de Cuntima para me levar até lá. Cheguei a Cuntima no dia 27 de Março de 1971 e ali permaneci até 19 de Novembro de 1972.
Passei por bons e maus bocados como todos quantos por lá passaram.
Um alfa bravo ao Virgínio, porque conhece muitíssimo bem Cuntima.
Fui recompletar a 3331 que já permanecia, desde Dezembro de 1970, na Guiné. Tive a sorte de voltar à então Metrópole com menos 3 meses que os meus camaradas.
Devo dizer que sou um assíduo leitor deste nosso Blogue desde que o conheci. Pena é que se fale pouco do nosso Sector (Farim). Em contrapartida temos do outro lado o Carlos Silva, incansável pelo trabalho que nos vai proporcionando com as histórias daqueles que por ali deambularam. Um bem haja.
Por hoje nada mais já que vos roubei imenso tempo.
Um abraço deste que silenciosamente vai dando conta de tudo.
Vista panorâmica de Cuntima. Uma povoação com gentes de várias origens (não faltavam os comerciantes libaneses).
Foto: © Vítor Silva (2008). Direitos reservados.
2. Comentário de CV
Caro camarada Gumerzindo Silva, bem-vindo à nossa Tabanca Grande. És mais um dos tertulianos que nos acompanha na diáspora. Sentimo-nos recompensados por chegarmos aos camaradas emigrados nos mais diversos pontos do Globo, graças a este mundo maravilhoso da Internete.
Nesta tua apresentação, ficamos a saber muito de ti, mas como te queixas de que neste Blogue se fala pouco do Sector de Farim, tens a oportunidade de tu próprio resolveres a situação. Não te importes com a tua simples 4.ª classe, utilizando as tuas palavras, e manda os teus textos e fotos que tenhas por aí.
Aproveito para te pedir que escrevas o que queres mandar para nós directamente no corpo da mensagem ou que mandes os anexos em formato Word (texto) para facilitar o Copy/paste. Desta vez, deste-me algum trabalho a copiar o teu texto à mão, para depois poder editar, uma vez que o mandaste em formato JPEG, destinado essencialmente a fotografias.
Entretanto podes ver um trabalho do teu camarada Vitor Silva, (ex-1º Cabo da CART 3331), para o que basta clicares em cima do endereço que indico em rodapé
Recebe um abraço da Tertúlia.
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Notas de CV:
(*) Vd poste de 17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2657: Cuntima nos tempos da CART 3331 (1970/72) (Vítor Silva)
Vd. último poste da série de 12 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3876: Tabanca Grande (116): José F. Moreira, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 2789/BCAÇ 2928 (Bula, 1970/72)
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Guiné 63/74 - P3881: Considerações sobre o P3853: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Vasco da Gama)
Camarada e Amigo Manuel Reis,
Sem qualquer ponta de ironia gostaria de te dizer que joguei durante muitos anos futebol e voleibol, mas nunca tive jeito para o ping-pong. Os primeiros são desportos de conjunto com todos os jogadores irmanados no mesmo objectivo e ajudando-se uns aos outros, o tal de pingue pongue é um jogo demasiado individualista para o meu gosto. Quero com isto dizer, que adivinhei alguma mágoa nas respostas que dás no teu Poste 3853, o que significa que as perguntas por mim colocadas poderiam ter ferido quaisquer susceptibilidades. Se te causei alguma mágoa, as minhas desculpas, se interpretei mal o sentido das tuas respostas no teu último poste, as minhas desculpas.
Digo que adivinhei alguma mágoa nas respostas, pois começas logo por afirmar:
1 - Não me recordo de estar contigo "nos teus territórios" de Cumbijã e Colibuia o que me intriga, pois estive lá até 19 de Agosto de 1974, data da entrega do aquartelamento ao P.A.I.G.C.
Duas pequenas observações:
a) - Nunca fui dono de nenhum território, mas tenho muito orgulho no que a minha Companhia fez. Exactamente, de um campo de minas fizemos o que tú vieste a encontrar e fizémo-lo em circunstâncias terríveis, com uma actividade intensíssima sob o ponto de vista operacional, já que saíamos para o mato todos os dias. Para todos os meus alferes, sargentos, furrieis, cabos e soldados o meu muito obrigado. Eu sei que a memória dos homens é muito curta, eu sei que o que foi feito por tantos de nós cairá rapidamente no esquecimento; os sacrifícios, os mortos, os feridos em combate, não passarão à história, mas pelo menos enquanto for vivo hei-de sempre reafirmar o que disse quando comecei a escrevinhar sobre a minha Companhia: Foi para mim uma honra enorme ter comandado tais homens.
b) - Como era possível teres recordações de mim no Cumbijã, se mais à frente no teu texto afirmas e passo a citar o que escreveste: "Durante o meu período de Cumbijã ( Junho, Julho e parte de Agosto de 1974). Tú próprio dás a resposta pois a minha Companhia veio para Bissau em Junho de 1974 e tú andaste por outras paragens, algumas com grande perigosidade, pois a protecção à engenharia na zona de Nhala na construção da nova estrada não era pêra doce. A minha Companhia enviava para lá, sem interrupção, um grupo de combate por peródos variáveis de dez a quinze dias. Recordo-me que conhecíamos muito bem o terreno, o que não impediu que em finais de Janeiro, penso que os Piratas também estavam, tivessemos embrulhado a parecer bem. Nós, Tigres, tivemos dois feridos, mas nesse dia houve um morto e seis feridos.
2 - Dos quatro Comandantes de Companhia que tiveram conheci três, sendo que dois deles estiveram sempre comigo no Cumbijã : O Cap. REIS e o Cap. Santos Vieira. Nenhum deles, e folgo agora ao ter a certeza absoluta, obrigaria a saír para o mato 11 homens, ainda por cima mal armados...
O Cap. Reis veio para o Cumbijã e lá se manteve, julgo que até meados de Março, tendo vindo em sua substituição o Cap. Vieira. Neste período de tempo tú devias estar em Colibuia.
3 - Sobre o B. da C., não me pronuncio pois o que aconteceu é do foro privado. Estou a par do assunto como dizes, pois fui incumbido pelo Comandante do Batalhão de o ir substituir e "apagar o fogo".
4 - Com toda a minha sinceridade, lamento profundamente e demonstrei-o na prática, aquilo a que chamas o estigma de Guileje e de Gadamael.
a) - Quando dizes que um camarada teu ainda por cima companheiro das lutas estudantis de 1969 te aconselhou a saír da sua mesa, na Messe de Oficiais em Bissau, porque a tua presença o podia comprometer, meu caro Reis, só tinhas que lhe dar dois murros no focinho. Juro-te que eu o teria feito.
b) - Eu tinha conhecimento das dificuldades que a Vossa Companhia foi obrigada a suportar e digo-o com toda a franqueza que tive algum receio da sua vinda para (cito outra vez) "para os meus territórios de Colibuia e Cumbijã". Falei com os meus homens e fiz-lhe ver que poderíamos ter sido nós a sofrer o que os Piratas sofreram; exigi-lhes que não houvesse qualquer tipo de provocação. Penso que os Piratas foram sempre respeitados "no meu território". e que as cenas de pugilato que dizes terem existido em Bissau foram substituídas por uma sã camaradagem e rápida integração no espírito de grupo que sempre reinou no Cumbijã. Era a nossa obrigaçao.
O Cap. Reis dormia no meu "quarto", os oficiais furrieis e praças tinham rigorosamente as mesmas instalações que os nossos até porque no mato há sempre lugar para mais um.
O nosso comum amigo Seabra diz no seu último escrito à Tabanca " Só tenho duas fotografias da Guiné, ambas no Cumbijã, gozando da hospitalidade do nosso amigo Vasco da Gama". Aproveito para lhe agradecer as palavras e dizer que não fiz mais do que a minha obrigação. O mato não tem a ver com Bissau, como os mapas nada têm a ver com os terrenos...
Quando se gosta das pessoas falamos/escrevemos durante mais tempo; foi o que me aconteceu caro Manuel Reis.
Termino, informando que vou anexar três fotografias.
P.S. Aparece. Eu não consigo guiar à noite. Tel.309892352
Um abraço para todos do camarada e amigo,
Vasco da Gama
Quase todos os oficiais das CCav 8350 e 8351, separados pelo Comandante do Batalhão de periquitos Ten Cor Ramalheira.
Também no Cumbijã, da esquerda para a direita, o Cap.Vieira, quarto comandante da CCav 8350, o Gama o Alf. Abundâncio e o Alf. Neto (Periquito, mas Tigre).
Cap.Reis e eu. Por trás um grupo de regresso da picada de Nhacobá. Distingo por trás de nós no chão o furriel da minha Companhia o meu querido amigo João Azambuja Martins.
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Nota de CV:
Vd. poste de 8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3853: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (3): Lágrimas no desarmamento dos milícias de Cumbijã, em Agosto de 1974