Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Guiné 63/74 - P3870: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (14): As minas e o seu poder destruidor
1. Mensagem de Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2009:
Aqui vai mais um texto da CCaç 2402 a iniciar os relatos da sua permanência no Olossato. Vai dividido em duas partes para ser mais rápida a sua leitura e não se tornar pesado, mas fica ao vosso critério parti-lo em dois posts ou não.
Um abraço para vós editores e um bom fim de semana.
Raul Albino
História da CCaç 2402 durante a sua permanência no Olossato
Julho de 1969 - Minas e seu Poder Destruidor (GMC)
Figura 1 – Picagem em terreno firme. A viatura rebenta-minas vem atrás.
Figura 2 – Picagem em terreno alagado. Parece que estão à pesca. E, de facto estão, só que não é de peixe.
Figura 3 – Mina AP (antipessoal) de petardo único e detonador, feita em madeira. Esta, por acaso, está bem conservada. Agora imaginem um objecto destes enterrado em terreno húmido há já algum tempo, meio apodrecida ou semi-decomposta pelo efeito das célebres formigas dos baga-bagas. Removê-las, mais do que um acto de coragem, é um acto de loucura.
Figura 4 – Mina AC (anticarro) semi-apodrecida. Como estará ela por dentro? Já não rebenta de todo ou estará prestes a rebentar.
As minas utilizadas na Guiné pelo inimigo, quer fossem anticarro ou antipessoal, eram, quase na sua totalidade, feitas de madeira, com um ou mais petardos de trotil no seu interior, accionadas por um detonador local. Tudo muito simples, barato e eficiente.
Uma mina AP era pequena (figura 3), do tamanho da palma da mão, só tinha um petardo no interior da sua caixa de madeira, mais do que suficiente para destruir uma perna a quem a pisasse, como foi o caso do nosso Major do BCaç 2851 em Mansabá.
A mina AC (figura 4) era maior como poderão ver nas fotos que acompanham este artigo e o seu poder destruidor variava entre seis a doze vezes o poder de uma AP.
A principal dificuldade que se nos deparava com estas minas era que, sendo elas feitas de madeira, não possuindo qualquer peça de metal na sua construção, os detectores de minas existentes na época não conseguiam detectá-las, tendo as nossas tropas de recorrer a métodos tão primitivos como as próprias minas, ou seja, efectuar uma picagem como a que vemos nas fotos, à frente das viaturas, esperando dar com elas antes da passagem dos camiões, neutralizando-as ou levantando-as após a sua detecção. Podem observar a dificuldade acrescida da sua detecção na época das chuvas.
O levantamento de uma mina AC tinha ainda um risco acrescido, é que ela podia estar armadilhada para que, quem tentasse levantá-la, causar com esse acto o seu rebentamento. Isto só deveria ser feito por pessoal especializado, como acontecia na generalidade.
A outra consequência deste tipo de minas, era fazer com que uma coluna de camiões se deslocasse à velocidade com que a equipa de picagem progredia, ou seja, muito lentamente e sem uma garantia absoluta da eficiência da picagem.
Por essa razão a viatura da frente da coluna, devia ser um veículo pesado, reforçado com sacos de areia para aumentar o seu peso, de modo que, em caso de rebentamento, o veículo não fosse projectado pelo ar, causando danos superiores aos causados se o veículo permanecesse no solo.
Esse veículo deveria transportar de preferência só o condutor, para em caso de acidente não causar muitas baixas. Era chamada a viatura rebenta-minas. A primeira fotografia deste artigo parece contradizer tudo aquilo que eu acabei de afirmar, porque a viatura vem cheia de militares empoleirados na cabina do condutor, a substituir os sacos de areia. Um bom exemplo daquilo que não se deve fazer, mas por vezes a necessidade, a escassez de transportes, ou inconsciência e falta de autoridade de quem chefia a coluna, pode estar por detrás de casos destes.
Muitas vezes o azar dita as suas leis mesmo aos mais cautelosos e o rebentamento duma mina pode ser accionado pela segunda viatura ou terceira e não pela primeira.
A 4 de Julho de 1969, coube a uma coluna de reabastecimento da nossa companhia, a infelicidade de accionar uma dessas minas AC causando a destruição completa de uma viatura GMC como podem observar pelas fotografias anexas.
Em termos de baixas humanas a nossa sorte não podia ter sido maior. O condutor da viatura, segundo o relato dum camarada de armas, era o Cabo Lopes, que sofreu ferimentos ligeiros, possivelmente por ter sido cuspido da cabina. Não posso precisar se mais alguém terá sido ferido.
A escolha do condutor da viatura rebenta-minas era feita por lista entre todos os condutores operacionais, porque, como é óbvio, não havia voluntários.
Neste mesmo dia e cerca de mil metros à frente do local onde rebentou a mina que desfez a GMC, foi encontrada outra mina que a imagem abaixo apresenta.
Como podem ver não existe nada de mais rústico, mas extremamente destruidor para as nossas viaturas em particular. Se considerarmos que naquela altura as nossas tropas possuíam poucos camiões operacionais, sempre sujeitos a avarias, com grande dificuldade de obtenção de peças de reparação, podemos imaginar o drama que nos causava estes incidentes.
Nesta foto que vemos acima, está a mina instalada no local onde o inimigo a colocou. Deparava-se-nos duas opções para resolver o problema: rebentar a mina no local ou removê-la da posição em que se encontrava.
Possivelmente porque a solução de rebentá-la no local, sempre a primeira opção a considerar, não se mostrou adequada à situação, foi tomada a decisão de levantar a mina, missão essa que coube ao Alferes Silva, que nesse dia integrava a protecção à coluna e possuía a especialidade de Minas e Armadilhas, tal como o narrador, que sou eu.
Na fotografia abaixo, vemos o Alferes Francisco Silva, também conhecido por Alferes Chico, em plena actividade de remoção da mina, após uma pesquisa prévia da existência ou não de armadilha anti-levantamento, utilizando neste caso a faca de mato para sondar.
Para quem não acompanhou os meus relatos sobre a CCaç 2402, é relevante informar que este meu companheiro de armas, Francisco Henriques da Silva, veio mais tarde a desempenhar a função de Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau num período particularmente conturbado da vida deste jovem País.
Como podemos ver nesta fotografia, temos pelo menos um espectador curioso a cerca de um metro do Alferes Silva.
Mais uma vez o bom senso e obediência às regras de segurança foi escamoteado. A destruição da GMC acontecida poucos minutos antes, não foi o suficiente para vencer a curiosidade e inconsciência deste mirone militar. Terá ele sequer imaginado o que lhe aconteceria se a mina tivesse rebentado durante a sua remoção? Vimos como ficou a GMC, não é difícil calcular como ele ficaria. Se ele estivesse a ajudar nalguma coisa, mas não, estava simplesmente a observar.
A única baixa aceitável, num hipotético rebentamento, era o elemento encarregado da remoção por inerência da sua especialidade, qualquer outra baixa a existir, implicaria sérias responsabilidades para o comandante da coluna.
Imagens da destruição da GMC
__________
Nota de CV
Vd. último poste da série de 30 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3156: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (13): Actividade da CCAÇ 2402 em Mansabá
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2 comentários:
Camaradas sortudos,
Raramente o IN armadilhava uma mina. No entanto, se vos recordais, a armadilha podia ser através de controle à distância, ou, mais vulgarmente, com recurso ao disparador por descompressão, o "rato". Ora, com este disparador colocado numa basee de areia, com instabilidade, qualquer manuseamento por baixo da mina podia ser fatal. Mas podia sê-lo, também, para quem colocava a mina.
Assim, era meu costume levar uma corda resistente, que atava nas faces da mina, posta lateralmente a descoberto, no sentido de a fazer movimentar. Nunca levantei uma mina por outro processo.
Façam o gosto de beber à sorte que tiveram.
Abraços fraternos
José Dinis
Camaradas sortudos,
Raramente o IN armadilhava uma mina. No entanto, se vos recordais, a armadilha podia ser através de controle à distância, ou, mais vulgarmente, com recurso ao disparador por descompressão, o "rato". Ora, com este disparador colocado numa basee de areia, com instabilidade, qualquer manuseamento por baixo da mina podia ser fatal. Mas podia sê-lo, também, para quem colocava a mina.
Assim, era meu costume levar uma corda resistente, que atava nas faces da mina, posta lateralmente a descoberto, no sentido de a fazer movimentar. Nunca levantei uma mina por outro processo.
Façam o gosto de beber à sorte que tiveram.
Abraços fraternos
José Dinis
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