sábado, 12 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21351: Tabanca Grande (502): Carlos Arnaut, ex-alf mil art, 16º Pel Art (Binar, Cabuca, Dara, 1970/72): senta-se, no lugar nº 817, à sombra do nosso poilão


Carlos Arnaut, alferes miliciano de artilharia, 1970


Carlos Arnault: caderneta militar (1)


Carlos Arnault: caderneta militar (2)

Carlos Arnaut, foto atual

Fotos (e legendas): © Carlos Arnaut (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Carta de Nova Lamego (1957) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Dara, a leste de Nova Lamego, na estrada para Piche, a nordeste

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Mensagem de Carlos Arnaut, nosso novo membro da Tabanca Grande, com o nº 817

 
Date: sábado, 12/09/2020 à(s) 12:15
Subject: Inscrição no Blogue
 

Caro Luís,

Sou leitor do Blogue desde há vários anos, mas por preguiça irracional nunca me decidi a entrar "oficialmente" na Tabanca Grande.

Presumo que para oficializar esta adesão sejam necessárias as duas fotos da praxe, a recordação dos vinte e poucos anos, e a actual dum venerando ex-Alf Mil Art que completa 72 anos no próximo dia 22 de Setembro.

As fotos seguem em anexo assim como a minha caderneta militar com foto "à civil" recentemente desmobilizado.

A minha estadia na Guiné começou no pelotão de Obus 14 estacionado em Binar, onde fiquei cerca de três meses, tendo sido de seguida colocado em Cabuca a comandar o glorioso 16º Pelart,  durante cerca de treze meses.

Para protecção à distância de Nova Lamego, o pelotão recuou para Dara,  na estrada Nova Lamego Piche, onde fiquei até ao fim da comissão.

Em resumo, 24 meses e três semanas de suor, temperado a Johnnie Wallker Black Label e Basucas Sagres, com muitas estórias de permeio.

Por agora é tudo, espero que me aceitem à sombra do Poilão, um abraço e até breve.
Carlos Arnaut

2. Comentário do editor Luís Graça:

Caro camarada e doravante amigo, ou seja, camarigo Carlos:

(i) obrigado pelo teu pedido;

(ii) que é imediato deferido: passas a integrar a nossa Tabanca Grande, e o teu lugar é, por ordem cronológica, o nº 817, à sombra do nosso poilão:

(iii) não adianta invocar a "preguiça irracional", que é uma doença que nos atinge a todos, quando se trata de "abrir o livro da Guiné"; há uns mais "preguiçosos mentais" do que outros; 

(iv)... mas tudo tem um tempo, o seu tempo!; 

(iv) por uma razão ou outras, ou múltiplas razões, só um cada cem (, se não mesmo um em cada 150)  dos n0ssos camaradas bate aqui à porta para  se sentar connosco e partilhar as memórias (e os afectos) do nosso tempo da Guiné (1961/74);

(v) apareces "just in time", ou seja, mesmo a tempo de a gente de te poder cantar os "parabéns a você", no próximo dia 22, pelos 72 aninhos (, vou pedir ao nosso incansável e sempre prestável coeditor Carlos Vinhal para tomar boa nota do teu dia de aniverário e fazer mais um "cartanito", no seu período de horas extraordinárias não pagas):

(vi) haveremos ainda, se Deus e a gente quisermos, de ter tempo para nos conhecermos, em carne e osso, ao vivo e a cores, num dos próximos encontros, talvez para o ano, da Tabanca da Linha (que se reune em Algés) ou de outras tabancas, mais próximas, que integram a Tabanca Grande, a mãe de  todas as tabancas;

(vii) poucas vezes temos falado do destacamento de Dara; passa agora este topónimo da guerra a figurar na nossa agenda, com as tuas próximas histórias;

(viii) 24 meses e três semanas [de suor, e por certo também de sangue e lágrimas], é muito tempo, mais de 750 dias, muito mais semanas, horas, minutos, segundos, enfim, uma eternidade para quem, como nós, tem um vida finita!;

(ix) eras seletivo nas marcas do uísque e na cerveja, mas ficas a saber que a nossa tertúlia é pluralista e inclusiva, aqui há de tudo e bebe-se de tudo;

(x) enfim, costumamos dizer  que  o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

PS - Não tínhamos até agora nenhum representante do 16º Pel Art... Temos representantes da maior parte dos Pel Art, mobilizados para o CTIG. És, portanto,  duplamente bem vindo. (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 31 de janeiro de  2017 > Guiné 61/74 - P17007: Memória dos lugares (358): 85 tabancas, essencialmente fulas e mandingas, do Norte e do Leste, com água de fontenário e bombas solares (Patrício Ribeiro, Impar Lda, Bissau)


Vd. também  poste de 10 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21343: In Memoriam (370): José Ceitil (1947-2020), natural de Vila Franca de Xira, autor de "Dona Berta de Bissau" (Âncora Editora, 2013, 200 pp.), membro da nossa Tabanca Grande, nº 816, a título póstumo (Hélder Sousa / Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21350: Os nossos seres, saberes e lazeres (410): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Março de 2020:

Queridos amigos,
A vila de Ponte de Lima preza os jardins, aliás, vem na Rota das Camélias do Alto Minho, e não só. Num lugar chamado Arcozelo, passando a ponte da vila, por onde se veem locais e peregrinos a caminho de Santiago de Compostela há um lindíssimo parque temático com mostra de vários tipos de jardins, tudo num recato a contemplar maciços florais de azáleas e rododendros viçosos, estava a despontar a primavera, dentro de dias iria anunciar-se o Covid-19, por enquanto ninguém se assusta quando vê outro a passar bem rente. E regressou-se à vila sede de concelho melhor equipado de solares barrocos, o que interessava era mirar todo este casario quase todo reparado, sólido, que se ergue de um lajeado de pedra, parece ser uma natural erupção, são construções sólidas, como as fontes, as ruas apertadas, o casario com aparência de fortim adaptado às necessidades do conforto atual. Percebe-se o orgulho que os limianos põem no tratamento deste património que singulariza a vila mais antiga de Portugal por todos estes aspetos da presença da natureza, a corrente amena do Lima, as áreas frondosas, a Avenida dos Plátanos não tem rival e a solidez das construções com uma certa reminiscência que vai do Medieval ao Barroco.

O saudoso amigo por quem hoje fiz esta viagem, e que era um limiano que nada esquecera das suas origens, percebo agora, tinha carradas de razão em desvendar regularmente as saudades latentes que reprimia a tanto custo, viagens de retorno impossíveis de fazer, pois ele vivia cego, acalentado por uma memória prodigiosa. Bendita viagem que agora pude fazer, confirmo toda a legitimidade do seu orgulho limiano.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (6)

Mário Beja Santos

Inicia-se o percurso da manhã em demanda de um belo jardim de Ponte de Lima, chamado Parque Temático do Arnado. A vila resplandece de cor, num pré-aviso de primavera, há jardins no passeio ribeirinho, flores não faltam na Avenida dos Plátanos, no Jardim dos Terceiros, e quando aqui se arribou, perto do Largo Dr. António Magalhães, deu-se com o despontar floral, irá encontrar igualmente no Jardim Dr. Adelino Sampaio, quando se andou a visitar o belo e antigo edifício da autarquia. Atravessa-se a ponte, em direção de Arcozelo, dá-se de frente com a Igreja de Santo António dos Frades e ali bem perto a Capela do Anjo da Guarda. Este monumento nacional é de um gótico inusitado, lembra o vestígio de um elemento de fortim, mas é cobertura de um anjo e a vista que daqui se desfruta sobre Ponte de Lima, nesta manhã límpida e de temperatura morna é um bálsamo para os olhos.



O parque temático requer tempo para contemplar, comporta vários jardins, nesta altura é um deslumbramento de azáleas e rododendros, tudo cheio de viço, em tons fosforescentes. Deambula-se o jardim romano, segue-se para o jardim Labirinto, o Renascença e o Barroco. É um ambiente de paz, os visitantes são escassíssimos, ouve-se o trabalho dos jardineiros, à distância, a estufa está fechada bem como o Centro de Interpretação do Território, lamenta-se muito, ouviu-se dizer que é digno de menção o acervo de atividades agrícolas, festas, artesanato, mostra-se o trabalho da terra, a produção de linho. Enfim, fica para a próxima visita, não se deve deambular só ao acaso, só à espera de ser acicatado pelo imprevisto, há telefones, deles se deve fazer uso, como teria sido o caso.





Antes de regressar à vila propriamente dita, para-se diante do que já foi uma bela mansão e que merecia melhor tratamento. O concelho é possuidor de belos solares, tem delicado e valioso património em igrejas românicas, há vestígios do passado desde a cultura castreja a sepulturas medievais, há santuários e cruzeiros e diferentes pontes, mas os solares barrocos vão alçapremar Ponte de Lima numa posição única, já se referiu anteriormente, possui o maior conjunto existente em Portugal destes solares, passou-se à berma do Solar de Bertiandos, quando se foi visitar a lagoa com o mesmo nome. Outra visita que se regista para a próxima itinerância limiana.


Batemos na mesma tecla, sucedem-se as mostras de património dentro da vila, e quem não se limita a vir só de passagem e tem vários dias para ir pondo o pé noutros lugares do Alto Minho, passear dentro da vila e depois torcer para a margem direita e calcorrear os caminhos, saborear este rio Lima de águas serenas, sem a mínima convulsão, traz uma grande paz de espírito. Esta visita foi programada para homenagear um amigo do coração, o mais indefetível dos limianos que, sempre em Lisboa, nunca descurou as suas origens e a cultura do berço. Falava regularmente da Casa da Feitosa, foi lamentável ter desenhado este roteiro sem no mínimo cuidar sobre a existência desta casa. Mais um elemento a adicionar para a próxima visita. Vejam-se os pormenores escultóricos nas janelas, os brasões, a harmonia daquela escadaria que leva à Capela das Pereiras, casas que nos lembram autênticas fortificações e outras que estão harmoniosamente adossadas aos restos da muralha. Prossegue-se o passeio até à Casa de Nossa Senhora d’Aurora, o meu saudoso amigo tinha um grande afeto por Manuel Aurora e conhecia praticamente de cor os livros do 3.º Conde.







Leio numa brochura que me foi oferecida no Turismo: “Na Rua do Arrabalde, contemplamos a Casa de Nossa Senhora d’Aurora, a residência mais imponente e majestosa da vila brasonada, construída na primeira metade do século XVIII pelo engenheiro e arquiteto Manuel Pinto de Vila Lobos. A capela da casa, consagrada a S. João Baptista, alberga um gracioso retábulo barroco com representações escultóricas de Santo Elesbão e Santa Ifigénia da Núbia, santos negros de figuração rara”.

Chegou o tempo de amesendar, cresce água na boca por um bom caldo verde e uma posta de bacalhau, talvez assado, depois esmoer esta fartura um pouco à beira Lima, a tarde será destinada a Arcos de Valdevez.



(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21327: Os nossos seres, saberes e lazeres (409): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21349: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (5): A visita da Cilinha ao destacamento de Nova Sintra, em 1973...



Foto nº 1A


Foto nº 1

Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 2ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > A visita da Dona Cecília Supico Pinti, a "Cilinha" (Lisboa, 1921 - Cascais, 2011). 

A popular figura da  presidente do Movimento Nacional Feminino é acompanhada pelo alf mil Figueira, natural de Cabo Verde (, presumivelmemte o  que está à sua direita, de bigode, vestido á civil). Ela, sempre muita elegante nas suas calças à boca de sino. como então se usavam nesse tempo, blusa preta, um grande colar, óculos escuros, cabelo sobre os ombros, e mala ao ombro... Parece abrir os braços para uma criança da tabanca sobre a qual se debruça um militar, em tronco nu, que lhe dá instruções. Possivelmente a criança iria dar-lhe uma pequena lembrança ou uma flor. 

Espantosamente, nenhum dos militares que a aguardavam, à entrada do destacamento, quase todos em tronco nu, não parecem prestar-lhe qualquer atenção, tendo dirigido a vista para algo que estaria a acontecer por detrás do fotógrafo... O Carlos Barros não nos esclarece sobre o que se terá passado... O que vem adensar o "mistério"... 

A visita da "Cilinha" era sempre motivo para grande alvoroço nos nossos aquartelamentos...Tinha um carinho especial pela Guiné e pelos militares que aí "defendiam a Pátria", a avaliar pelas diversas vezes que visitou o território, a última das quais  já em março de 1974 (*)

Foto (e legenda): © Carlos Barros (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Nhala > 10 de março de 1974 > Visita da Cilinha > A Cilinha olha directamente para a objectiva, A seu lado o comandante de batalhão, ten cor Carlos Alberto Ramalheira, e o cap Braga da Cruz, comandante da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Nhala. (*)

 Foto (e legenda): © António Murta  (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Data: 1 set 2020 22h00
Assunto: Foto / documento histórico

Nova Sintra-Setor do Quínara-Guiné 1972/74
"Os Mais de Nova Sintra"
Bart 6520/72 - 2ª Cart


A Cilinha do Movimento Nacional Feminino, numa visita ao destacamento de Nova Sintra, em 1973

O Alferes Figueira, cabo-verdiano, grande amigo, acompanhou a visita desta "ilustre" personagem
ao nosso destacamento onde a guerra estava sempre ativa. (**)



Um abraço  Carlos Barros. ex-furriel miliciano (***)

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Notas do editor:

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21348: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (18): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Agosto de 2020:

Queridos amigos,
O episódio já tem barbas, apareceu, mais desenvolvidamente, no primeiro volume do meu Diário. Mas fazia todo o sentido fazer-se a revisitação, Paulo Guilherme vai enviando cronologicamente alguns dos episódios para ele mais salientes da guerra que ele viveu. Dentro de uma trama que funciona como as bonecas russas, abre-se um episódio e encontra-se nova porta, emerge desta pseudo correspondência uma relação cada vez mais estreita, pesa a intimidade dos episódios, um tanto caleidoscópicos, que organizam a imagem afetuosa destes dois cinquentões que vivem em pleno deslumbramento, onde o passado de ambos adquire uma nova imagem, um quase cabedal de sabedoria que os prepara para enfrentar o futuro em radiante felicidade.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (18): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon amoureux Paulo, a reunião no Parlamento terminou cedo, vim rapidamente para casa, limitei-me a fazer umas compras imperativas no Delhaize, tinha uma volumosa carta tua no correio, és sempre mais importante que as artes da culinária, sentei-me na sala, estava imenso calor, servi-me de uma cerveja Orval, em tua homenagem, sei muito bem que é a tua cerveja predileta. Davas-me conta do primeiro grande drama, um patrulhamento perto de uma antiga povoação chamada Chicri, será a primeira que tu matarás um ser humano, num recontro com população rebelde, e virá então um episódio do maior dos sofrimentos que tu intitulas “O Presépio de Chicri”, observando que se acaso o romance for por diante tudo aquilo que aqui se escreve será dele parte integrante. Começas por referir o encontro com Paulo Ribeiro Semedo, vocês não se viam há mais de 31 anos, e impressiona-me muito os elementos que tu pões na escrita, tudo numa toada de conversa, tu vais reviver o que foi o sofrimento do Paulo:
 “A 19 de dezembro de 1968, tomei a decisão de partirmos a 22 para patrulhar Chicri, aproveitando a missão de vigilância em Mato de Cão, fora anunciado que passaria um comboio de embarcações civis ao amanhecer, saí de Bambadinca para Bissau.
Precisei de meses para me aperceber da importância estratégica de Missirá e Finete, e bem patrulhei a região até aos limites da sensatez, nunca procurei o contato direto indo com um grupo que não excedia 30 homens. Mas as provas da presença dos rebeldes no Cuor eram por demais evidentes. Os guerrilheiros de Madina do Cuor abasteciam-se atravessando o Geba em dois pontos: perto de Samba Silate, que fora até ao princípio da guerra a mais populosa tabanca de todo o Leste; ou em Mero, a Oeste, atravessando o Geba estreito, em região habitada por Balantas. Dizia-se, mas eu não o podia comprovar, que na região de Ponta Varela o PAIGC atravessava o Geba com a sua artilharia pesada e munições.
Visitei várias vezes esta região de Chicri, possuía um esplendoroso palmar, antes da guerra pôr a terra próspera, agora restavam umas estacas ainda espetadas no ar e subindo um pouco um declive pedregoso a vista era bafejada por um Geba refulgente, serpenteando entre o Xime e Bambadinca. E na última visita detetámos um trilho, houve o cuidado de o flanquear, para não deixar marcas. A 22 seria o patrulhamento para reconhecer o itinerário rebelde.

Paulo, provavelmente estará esquecido, mas a 19 de dezembro, contemplando aquele anfiteatro, tu disseste-me: ‘Chicri não parece um presépio?’. E pediste-me para ir a Bafatá comprar figurinhas de barro, querias fazer um presépio em Missirá, não me surpreendeu, tu eras cristão de Geba, usavas o fio ao pescoço com a Cruz de Cristo. Nessa madrugada do dia 22, tu já tinhas deixado armado na messe o presépio com as figuras principais, ornado de uma bela vegetação. Percorremos lamaçais, atravessámos, um tanto tolhidos pelo cacimbo, as pernas encharcadas pelo capim orvalhado, eram cerca de sete horas com muita humidade naquele dia a despertar. Avistado o trilho, confirmada a presença recente pelos vestígios de uma fogueira, restos de caju e peixe e uma patorra bem desenhada na areia, desta vez sem qualquer hesitação internamos a floresta fechada, à frente Quebá Soncó, Cibo Indjai, eu e o José Jamanca, íamos dentro do trilho, o importante era detetar se havia uma base rebelde entre Madina e Chicri. Quebá, sempre com aquele seu ar assustado e receoso, a rogar uma marcha mais lenta, um sol brutal escoava-se entre a ramaria e assim progrediu aquele caminhar quase sonâmbulo, sem se ouvir o piar das aves. Como se fosse hoje, tu vieste de mim pedir um cigarro, desaconselhei, não se fuma em terra de combate.
E de repente, na curva da picada, Quebá Sonco e Cibo Indjai atiram-se para o chão, tenho a pouco mais de cinco metros de mim um homem fardado de caqui amarelo, um estranho cofió, olhamo-nos estuporados e confusos. Levantámos as armas, foram dois tiros num só eco. Aquele homem que eu nunca vira levou a mão ao ombro direito, revolteou e quem seguia atrás dele tomou conta de um corpo ferido. Seguiu-se o tiroteio caótico, o estoiro das granadas, tu estrondeavas o temível dilagrama, os guerrilheiros abandonaram o terreno que ficou juncado de despojos. Cibo Indjai exibia triunfante uma Simonov, arma que nunca me passara pelas mãos. E nisto ouviu-se um urro medonho, e eu só me lembro de ver numa rodilha de carne dilacerada, feridas de onde saíam golfadas de sangue. Logo que se percebeu o que tinha acontecido, tinhas misturado os cartuchos especiais para dilagrama com balas reais, preparavas a tua condenação. Pressentiste um fim doloroso, estava ajoelhado diante de ti, impotente tu a pedires para te dar um tiro de misericórdia. Tu estavas muito mal, o braço esquerdo todo rasgado, buracos no peito, estilhaços nas pernas, pensei mesmo que tinhas perdido os dois olhos.

Havia que retirar prontamente, tentar um helicóptero para a tua salvação. Vieste nas minhas cavalitas, pernas e pés presos com cordões, resvalavas como um peso morto, ajudava-me Mamadu Djau que te elevava pela rabada. Paulo, encurtemos estes pormenores dolorosos, chegámos a Bambadinca e uma Dornier levou-te para Bissau. Ficaste muito sinistrado, mas para mim era muito importante que resistisses a tanto sofrimento, bem digo a tua sobrevivência.
Regressámos a Missirá, entreguei no comando de Bambadinca os principais despojos, confirmei o que todos suspeitavam quanto a corredores de abastecimento.
E assim chegou a noite de Natal, organizou-se uma festa para a população, mas tu não podes imaginar a frialdade no meu coração. Perto da meia-noite, o Teixeira das Transmissões foi chamar-me. No nosso refeitório, tal como tu o deixaste enfeitado, iluminava-se o presépio. Estávamos todos com um nó na garganta, brindámos às tuas melhoras.
Estou a falar-te pausadamente, Paulo, é só para calar a emoção, são memórias de quem assistiu ao teu corpo a estropiar-se. Estamos no Natal, e ter-te aqui, à minha frente, 31 anos depois, é uma incomensurável alegria. Perdi o teu paradeiro, não me comportei bem contigo, quando a guerra acabou dei primazia aos estudos, à vida familiar, ao trabalho. Sabia que os meus sinistrados viviam em Portugal, concentrei-me em Fodé Dahaba, ele era a minha fonte de informações. Os anos passaram, eu sentia-me intimidado em rever-vos, então ganhei coragem, obtive moradas e números de telefone, e aqui estou hoje a pedir perdão, tenho uma declaração muito importante: tu sobreviveste para lembrar aos homens da tua pátria e da minha que há muitos presépios de Chicri perdidos ou esquecidos. E muito importante para mim trago-te as figuras de barro que compraste em Bafatá e que resistiram a todas as inclemências do tempo. Não seja esta noite igual às outras noites, vamos hoje celebrar um Natal há tanto tempo adiado”.

Mon amoureux, que ternura, que texto tão íntimo e convincente! Às vezes penso que há dimensões da realidade que extravasam a ficção. E quando rememoro que estávamos nós sentados à mesa numa cantina de uma instituição da Comissão Europeia e me pediste ajuda para forjares um romance em que era preciso haver uma relação poderosamente afetiva que justificasse estas memórias, ainda mais feliz me sinto por ser a zeladora de medonhos acontecimentos que fizeram de ti o homem em que eu revejo o meu futuro. Vou agora preparar o meu jantar e pode até dar-se o caso de o telefone tocar e a boa notícia que me breve estarei dentro dos teus braços...

(continua)

 Pôr-do-sol na ilha de Bubaque, bilhete-postal enviado de Bissau para Lisboa, 1991

 A equipa de futebol de Missirá veio a Bambadinca perder 1-11

A despedida de Bambadinca, a guerra acabou. Ao fundo, à esquerda, o major Anjos de Carvalho, ao centro, o meu sucessor, Nelson Wahnon Reis, o tenente-coronel Domingos Magalhães Filipe, e de sorriso bem largo o Abel Maria Rodrigues, agosto de 1970

Paulo Ribeiro Semedo, o grande sinistrado e principal personagem dos acontecimentos de Chicri, Natal de 1968

Os CTT de Bambadinca, imagem de 1997, pertence ao blogue

O rio Geba junto a Porto Gole, imagem que pertence ao nosso blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21323: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (17): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21347: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (33): O Honório [Augusto Brito da Costa] que eu conheci (Esteves Oliveira, ex-alf mil, CTIG, 1963/65)



Honório Augusto Brito da Costa (1941-1993): caricatura do livro de fim de curso, 1961/62, da Escola de Regentes Agrícolas de Santarém, hoje Escola Superior Agrária de Santarém.

Nascimento: 29 Ago 1941, Praia, Santiago, Cabo Verde
Companheira: Lina da Silva Soares (de quem  teve uma filha, Tatiana Soares Brito da Costa, nascida em 1982)
Óbito: 29 Ago 1993, Praia, Santiago, Cabo Verde com 52 anos de idade. (Terá morrido de AVC.)
Sepultura: Ago 1993, Praia, Santiago, Cabo Verde
Honório também usou o nome Honoriozinho.

Fonte: Genealogia dos cabo-verdianos com ligações de parentesco a Jorge e Garda Brito, a seus familiares e às famílias dos seus descendentes (com a devida vénia...) 


1. Mensagem do nosso leitor e camarada E. Esteves de Oliveira, autor do blogue A Sopa dos Pobres, natural de Angola, antigo alferes miliciano no CTIG, 1963/65:
 
Date: sexta, 11/09/2020 à(s) 13:07
Subject: O Honório que eu conheci   

Recentemente, a passear pelas páginas do vosso / nosso blog, descobri que escreveram sobre o piloto aviador Honório Augusto Brito da Costa. (*)

Foi durante a minha primeira passagem pela estância de férias da Guiné (1963-1965) que conheci o Honório, formidável figura que merecia ser descrita num livro. 


Para a malta rasteira era um santo, o piloto que nunca nos deixava mal, o inimigo temia-o, voava com qualquer tempo se fosse preciso - chegou a levantar voo à noite, contra ordens, para acudir a um aquartelamento cercado e debaixo de fogo cerrado, a simples presença do T-6 foi suficiente para o ataque terminar; os budas de Bissau queriam dar-lhe uma porrada exemplar, o relatório e os empenhos da malta do mato fizeram que a coisa ficasse por uma ensaboadela que lhe atrasou a promoção a sargento-ajudante.

Os oficiais superiores (majores, tenentes coronéis e coronéis) detestavam voar com ele, desistiam da viagem se fosse ele o piloto do avião-correio... Lembro-me de uma vez em que partilhei como passageiro com o ten cor,  comandante do batalhão de Buba,  um DO-27 pilotado pelo Honório, foi um festival! Descolagem STOL extrema, subida a pique, quebra repentina para o Rio Grande de Buba sobrevoado a uns metros da água, abaixo das copas das árvores, as curvas do rio dadas a rapar, até chegarmos à foz - assim, evitámos ser atingidos pelo eventual fogo antiaéreo do inimigo, explicou o Honório ao petrificado Luizinho das Perguntas, "como o senhor coronel sabe, eles estão por todo o lado...". 


Daí até Bissau foi um voo normalíssimo, a altitude de cruzeiro, dava para ver a paisagem, o enorme estuário do Geba e o casario de Bissau, onde aterramos sem percalço pouco depois. O ten cor saiu do avião de fininho, sem uma palavra, direito ao WC mais próximo, o Honório e eu fomos beber uns copos para celebrar mais uma vitória contra a hierarquia... 

São muitas as recordações do Honório como piloto militar, na Guiné e em Angola, onde o vim encontrar mais tarde, muitas vezes, já desmobilizado e a voar aerotáxis e aviões de fumigação. 

A notícia da sua morte deixou um buraco enorme no meu acervo de amizades e memórias. (**)

2. Comentário do editor LG:

Confirmo, mais uma vez, que o camarada Esteves de Oliveira, antigo alferes miliciano no CTIG, 1963/65, acompanha com maior ou menor regularidade o nosso blogue e já tem feito mais comentários.

E reitero o que já aqui escrevi: é uma pena não estar "formalmente" integrado na nossa Tabanca Grande, o mesmo é dizer, poder estar sentado à sombra do nosso mágico e fraterno poilão... Para mais conheceu a Guiné nos anos de chumbo (1963/65), além dos TO de Angola e Moçambique...

O convite continua de pé: só precisamos das 2 fotos da praxe...
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 10 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21344: Notas de leitura (1303): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte II (Luís Graça)

(...) Não menos calorosa foi, num outro dia, a saudação que veio do ar, do na altura furril mil pil Honório Brito da Costa. Eram já amigos um do outro, do tempo da Escola de Regentes Agrícolas de Santarém. Um angolano, outro cabo-verdiano. Nas férias, em Lisboa, encontravam-se no Café Palladium, nos Restauradores, ou na Suíça, no Rossio. E tinham por hábito, ir a pé até à Portela de Sacavém, tomar uma bica na varanda do 1.º andar do aeroporto, só para "ver... os aviões".

Quis o destino que se encontrassem na Guiné, na mesma altura... mas sem o Honório saber onde estava o amigo... Até que o descobriu e fez-lhe uma surpresa... Numa manhã, o aquartelamento de São João foi sobrevoado, em voo rasante, por um T6 Harvard, pondo a tropa em sobressalto. Pela rádio, ouviu-se o piloto a pedir para chamar o furriel Inocentes. Finalmente, em contacto via rádio, o Honório em fúria desanca no Inocentes: "Cabrão, cabrão, cabrão! Ando doido à tua procura! Não sabias dizer onde estavas ?"... E deu-lhe um abraço "by air" que se ouviu em toda a Guiné... e em Bissalanca.

Claro que o Honório deve ter levado uma porrada... Mas esta é uma das histórias deliciosas que o Inocentes nos conta, e que eu resumo aqui para os nossos leitores. (...)

Guiné 61/74 - P21346: Notas de leitura (1306): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", livro de Adriano Miranda Lima (edição de autor, Mindelo, 2020, 241 pp.): a história escrita com paixão, memória e coração (José Martins)


Cabo Verde > Ilha de S. Tiago > Praia > Junho de 1941 > O 1º cabo Feliciano Delfim Santos, da 1ª companhia do 1º batalhão expedicionário do RI 11 [Setúnbal], na linha da frente, é o terceiro a contar da direita para a esquerda. (*) Este batalhão foi  colocado na Ilha do Sal, integrado no RI 24. 

Foto do álbum do pai do nosso camarada e grã-tabanqueiro Augusto Silva dos Santos (que reside em Almada e foi fur mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete,  1971/73). 

Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Mindelo >  Praia da Matiota > RI 23 > c. 1943/44 >  Foto do álbum do 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, pai  do nosso camarada Hélder Sousa [ex-fur mil Trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72), e que deveria pertencer ao 1º Batalhão Expedicionário do RI 7 (, proveniente de Leiria), estacionado no quartel de Chã de Alecrim. (**)



Cabo Verde > São Vicente > MIndelo > RI 23 > 1º Batalhão Expedicionário do RI 7 (Leiria) > 10 de setembro de 1944 > Chão de Alecrim > O 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, recordação da despedida de Cabo Verde, com dois 2ºs cabos nativos, seus amigos. (**)

Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cabo Verde > São Vicente > Regimento de Infantaria 23 > Hospital Militar Principa de Cabo Verde > O sold aux enf, Porfírio Dias, de joelhos, em primeiro plano, à porta de um enfermaria, om outros camaradas enfermeiros e com o allferes médico (o que não tem bata branca). (***)

Foto do álbum do pai do nosso camarada Luís Dias [ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872,´Dulombi e Galomaro,1971/74]

Foto (e legenda): © Luís Dias (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





José Martins, nosso colaborador permanente;
ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos" (Canjadude, 1968/70);
profissionalmemnte foi revisor oficial de comtas, 
vive em Odivelas, 

1. Mensagem.com data de ontem, José Martins,   ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos" (1968/70), nosso colaborador permanente:

Proposta de leitura do livro "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", da autoria de Adriano Miranda Lima (edição de autor, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 2020, 241 pp.) (****)

Se me fosse proposto resumir, numa simples frase, o livro “Forças Expedicionárias a Cabo verde, na II Guerra Mundial”, seria:

A história escrita com paixão, memória e coração.

Cabo-verdiano de nascimento e nabantino ou tomarense por opção, Adriano Moreira Lima, coronel da situação de reforma e nosso camarigo, transmite-nos, ao longo das quase duas centenas e meia de texto e fotografias da época, a forma de vida e sentimentos de dois povos: o metropolitano, na medida em que foi representado pelos militares que para o arquipélago foram destacados; e o povo cabo-verdiano, nas populações que tão bem souberam receber os que ali aportaram.

No início dos anos quarenta do século XX, com o eclodir da II Guerra, numa atitude dissuasiva do governo português, apesar da neutralidade declarada, enviou para as ilhas atlânticas milhares de militares, não deixando de continuar a embarcar para África – Angola e Moçambique – destacamentos de reforço às guarnições locais.

            O maior contingente foi destinado ao arquipélago dos Açores, com cerca de 30.000 militares, sendo o envio para a Madeira de uma força de mais ou menos 1.000 militares, como reforço das unidades recrutadas localmente.

            Cabo Verde foi o destino de quase 6.000 militares, a serem distribuídos pelas ilhas de S. Vicente, cerca de 3.000; para o Sal, em número de mais de 2.000; e para Santo Antão, mais de 700 militares.

            Não podemos esquecer que a plataforma continental poderia ser, aliás como se veio a provar, pretendida não só pelos espanhóis como pelos alemães, para expansão do território no primeiro caso, apesar da Tratado Ibérico, e na segunda hipótese, para obstar o desembarque, de forças inglesas, nas costas de Portugal.

            Caso algum desses cenários se verificasse, o governo português rumaria para os Açores, mas havia que assegurar um efectivo militar que activasse o retardamento das tropas invasoras, quer pela destruição de estradas e pontes com utilização de explosivos, pela engenharia, quer pela utilização de forças combinadas, infantaria e artilharia, em acções de emboscadas 

[Ver Rós Agudo, Manuel –  A Grande Tentação, Os Planos de Franco para Invadir Portugal - Casa das Letras, Setembro de 2009, páginas 228 e 328 a 333, e «https://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Felix» (consultado em 10/09/2020)].

No aspecto social, não há duvida alguma do impacto que a chegada dos militares teve na vida das populações. A população da ilha de São Vicente, estava estimada em cerca de 15.000 habitantes; com a chegada de 3.000 militares, houve uma alteração demográfica, ainda que temporalmente, de mais 20% dos habitantes.


Capa do livro de Adriano Miranda Lima: Preço de capa (incluindo portes
 de correio: 12 €). Pagamento através de transferêmcia bancária: 
IBAN PT50 0035 0813 00010554900 36 

Pedidos ao autor: endereço de email:
 limadri64@gmail.com

Como indica no texto, inicialmente, Adriano Lima, tinha em mente descrever a acção do seu RI 15, mas acaba por fazer menção às outras unidades, a tal ponto que, tendo eu investigado sobre o batalhão do RI 7 (Leiria), acabarei por encontrar mais elementos e fotos que, ou me escaparam ou não me “empenhei” tanto quanto devia, apesar da minha investigação não ser só sobre o período de 1941 a 1944. Há referências aos batalhões de infantaria saídos de Tomar (RI 15), Caldas da Rainha (RI 5), Leiria (RI 7), Setúbal (RI 11) e Abrantes (RI 2), assim como de outras armas, mormente artilharia, que foram guarnecer Cabo Verde.

No serviço de saúde, que além de servir a população militar foi estendida à população civil, havia além das enfermarias regimentais, Hospitais Militares em São Vicente e Sal, tendo como Hospital de retaguarda, o Hospital Militar da Estrela, para onde seriam enviados os militares que necessitassem de cuidados mais especializados ou prolongados.

            Os que morreram devido a doença ou acidente, e que foram inumados nos cemitérios locais, lá estão todos enumerados. Porem o número de baixas mortais poderá ter sido superior, pois pode ter havido casos de morte nos evacuados para o .HMP [, Hospital Militar Principal, Lisboa].

Os “protagonistas” deste livro, é a geração imediatamente anterior â nossa. Daí haver entre os combatentes, que fazem parte da Tabanca Grande, membros cujos pais ou tios, estiveram nesta expedição.

O livro refere que não há muita informação, oficial ou oficiosa, que nos permita estudar a presença de militares portugueses nesta expedição. Tal facto pode resultar da destruição ou extravio da documentação gerada nesse período, Os batalhões expedicionários ao serem constituídos, passavam a ter “Ordens de Serviço” autónomas às dos regimentos; por outro lado, no caso da infantaria que era para ser constituída em “Comando de Batalhões”, evoluiu para a constituição de dois Regimentos de Infantaria, os números 23 (São Vicente) e 24 (Sal), agregando as forças dos batalhões, originando nos arquivos militares, novas cotas.

   Faço votos para que, com o aparecimento deste livro, os descendentes destes militares – nós, os nossos filhos/sobrinhos e netos – recuperem dos baús da memória, e óptimo seria com fotos com legendas, a documentação que “está ali” à espera de uma oportunidade para ver a luz do dia. Sim, porque memórias na primeira pessoa já não deve haver, mas há, ainda, quem se recorde de factos contados nas reuniões de família, ou naquelas alturas em que vinham à memória “as mornas de Cabo Verde”, e a saudade «falou para os mais novos», na altura.

Apesar de ter sido esse a solicitação do Luís Graça, por não estar tão envolvido nestes factos como o Luís pois, os seus escritos e o acervo fotográfico foram, sem dúvida, uma “mais valia” para o texto que nos é apresentado, sendo também, uma homenagem a quem, até ao fim dos seus dias, sempre recordou a sua passagem por aquelas paragens agrestes.

Não me achei com a capacidade de escrever a recensão do Livro (*****), mas tão só uma pequena nota a incentivar a leitura do mesmo. E não estou tão “longe ou afastado” deste tema, apesar de não ter tido familiares à época, em condições de ser mobilizado. Porém, as “buchas” que introduzi neste apontamento, são fruto, de alguma forma, devidas, ao estudo da matéria em questão.

O livro “Forças Expedicionárias a Cabo Verde”, reúne e amplia alguns textos do blogue “Praia do Bote”, assim como se suporta no excelente espólio de “Luís Graça e Camaradas da Guiné” através da rubrica “Meu pai, meu velho, meu camarada”.

Resumindo: Dentro de vinte anos comemorar-se-á o centenário desta expedição.

A História Militar deste país pouco tem sobre a matéria, mas os homens que escreveram estas páginas de glória, não podem ficar no esquecimento.

Esperemos que as entidades militares e civis, unam esforços, recuperando nos arquivos que existem – ordens regimentais, cadernos de recenseamento, processos individuais – o nome de quem foi para as ilhas atlânticas, e se possa dar à estampa, novos factos e nomes de Portugal.

 José Martins
10 de Setembro de 2020 
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Guiné 61/74 - P21345: Parabéns a você (1867): Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Guiné, 1970/72) e José Parente Dacosta, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 1477 (Guiné, 1965/67)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21342: Parabéns a você (1866): Rui Baptista, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3489 (Guiné, 1971/74) e Tony Grilo, ex-Soldado Apont Obus 8.8 do BAC 1 (Guiné, 1966/68)

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21344: Notas de leitura (1305): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte II (Luís Graça): a importância de se ter uma máquina fotográfica e um bloco de notas...


Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite (1955) > Escala 1/50 mil >  Posição relativa da Ponta de Jabadá,  na margem esquerda do Rio Geba.  Da ponta de Jabadá, o PAIGC flagelava a navegação do Geba. Até que esta posição foi conquistada pelas NT, em 1965,  e montado lá um destacamento. O Gonçalo Inocentes conta como foi (pp. 76-79). Pertence à região de Quínara (ou Quinará, mas não Quinhará...)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)



Capa do livro de Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (Vila Franca de Xira, ModoCromia, 2020, 126 pp, ilustrado).



Guiné > Bissau > Brá > c. 1964/65 > Fur mil at cav Gonçalo Inocentes, de rendição individual, tendo passado pela CCAÇ 423 e pela CCAV 488, entre 1964 e 1965.

Foto (e legenda): © Gonçalo Inocentes (20w0) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da apresentação do último livro do Gonçalo Inocentes (Matheos), membro nº 810 da nossa Tabanca Grande: foi fur mil at cav, CCAÇ 423 e CCAV 488 / BCAV 490, de rendição individual (1964/65), tendo passado por Bissau, Bolama, S. João, Ponta de Jabadá,  e Jumbembem... Nasceu em 1940, em Nova Lisboa (hoje, Huambo, Angola). Está reformado da TAP e vive em Faro. 

Este é o tipo de livrinho de memórias que todos gostaríamos de poder escrever e publicar em papel, reportando-nos à nossa experiência como militares na Guiné, entre 1961 e 1974. O que o nosso camarada Gonçalo Inocentes fez foi fazer uma seleção das fotos do seu álbum, tendo em conta o conteúdo temático e a qualidade da imagem... Ele é dos que acham que uma imagem vale muito, mas só por si não chega: é preciso uma legenda, uma data, um local, uma pequena história... 

Damos alguns exemplos das suas pequenas crónicas, ilustradas por um grupo de imagens com valor documental... A ordem, sequencial, é meramente exemplificativa. De resto, o autor não apresenta nenhum índice:

(i)  Quartel da CCAÇ 423, em São João , região de Quínara]  (p. 21);

(ii) O batptismo de fogo (pp. 32.34);

(iii) Rendição (ao cansaço) (pp. 38-39);

(iv) Aerograma (pp. 42-43);

(v) Os tornados (pp. 56-57);

(vi) Minas e fornilhos (pp. 60-61);

(vii) Os guias (pp, 66-67);

(viii) Nova Sintra- Serra Leoa (pp, 71-73);

(ix) Ponta de Jabadá: os dias difíceis (pp. 76-77);

(x) Os chefes dos residentes, Malan Cassamá e Secu Camará (pp. 78-79);

(xi) Capitão Monroy (pp. 81-82);

(xii) O médico [, dr. Torcato Adriano Serpa Pinto, natural do Porto] (pp. 86-88);

(xiii) Dia negro (pp. 89-90);

(xiv) A grande bolanha (pp. 92-93);

(xv) Alegria de viver (pp. 95-96);

(xvi) A despedida (da CCAÇ 423) (pp. 99-100);

(xvii) Com a marinha (pp. 103-105);

(xviii) CCAV 488 (pp. 106-107);

(xix) João Landim (pp. 108-109);

(xx) São Vicente (p. 110);

(xxi) Eu vi um banho na Guiné (pp  111-113);

(xxii) The end (pp. 115-118);

(xxiii) Cruz Potenteia (pp. 122-123).


A técnica é simples e está ao alcance de todos: basta pegar em lápis e papel (ou no teclado do computador) e passar à escrita o turbilhão de memórias que ainda temos na cabeça: memórias dos lugares, das pessoas, da geografia, da a fauna e da flora, das peripécias da tropa e da guerra, etc., à mistura com os sentimentos (, de alegria, de tristeza, de medo, de euforia, de descoberta, de revolta, de esperança, de amizade, de camaradagem, etc.) que todos experimentámos, ao longo de quase três anos, envergando a farda do exército português naquela "terra verde-rubra"... Depois, todos temos algumas notas escritas, nas fotos, nos aerogramas, em cadernos, em diários, etc.

O título do livro pode (e deve) basear-se numa imagem ou ideia fortes: por exemplo, o som das "costureirinhas", servindo de fio condutor à narrativa...

No caso do Gonçalo Inocentes, julgo que ele aproveitou bem o confinamento imposto pela pandemia de covid-19, e teve também o nosso blogue como auxiliar de memória, recorrendo por exemplo aos mapas do território, que disponibilizamos "on line". As suas memórias são muito importantes, até por que se trata de um camarada, nascido em 1940, e que ainda é  do tempo da farda amarela (o camuflado veio depois) e do início da G3... Chegou à Guiné em abril de 1964, num altura em que os "periquitos" ainda eram "maçaricos"...


2. Mas retomando o fio à meada (*), vemos o nosso camarada, com dois anos de tropa passados em Santarém, na Escola Prática de Cavalaria,  e um 12 de nota final do CSM, o curso de sargentos milicianos, ser mobilizado para o TO  da Guiné, em rendição individual, ser metido num DC6, aterrar em Bissalanca, ficar uma noite em Brá, e partir, no dia seguinte, de barco, para Bolama e, depois, para São João, seu destino final  (pp. 16-21).

Pormenor delicioso: durante a viagem, no DC6 (,carregando "carne para canhão",  homens para a guerra no mato, mas também senhoras de graduados que iam para as "intermináveis sessões de canasta" de Bissau), o Gonçalo Inocentes conhece um outro angolano, o capitão 'comando' [Maurício] Saraiva, que não está com meias tintas, quando sabe o seu destino, e lhe dispara: "Estás fodido, pá. Tem um capitão que é uma merda e já tem uma mão cheia de mortos"... Referia-se à CCAÇ 423, que estava em São João...

Não sei se o autor confirmou esta impressão à chegada à sua nova unidade, "sua nova morada e nova família" (p. 19)... Mas as fotografias que publica na pág. 21 são elucidativas; aquilo não era um quartel, era um "bidonville tropical"... E a sua receção está de acordo com as NEP: 

"Na varanda da única casa existente. estava o capitão Nuno Basto Gonçalves, sentado, com uma toalha ao pescoço e era barbeado por um soldado. Tinha a seu lado sentada uma mulher chinesa. À volta era um quartel de lata (...). Apresentei-me, como é norma no exército. O capitão com aquela secura que é própria dos capitães, apenas me disse: 'Está apresentado'. Nem mais uma palavra" (p. 20).

E mais à frente uma estendal improvisado, com roupa ímtima feminina estendida... E havia uma impedido para tratar da roupa da senhora...

Não menos  calorosa foi, num outro dia, a saudação que veio do ar, do na altura furril mil pil Honório Brito da Costa. Eram já amigos um do outro, do tempo da Escola de Regentes Agrícolas de Santarém. Um angolano, outro cabo-verdiano. Nas férias, em Lisboa, encontravam-se no Café Palladium, nos Restauradores, ou na Suíça, no Rossio. E tinham por hábito, ir a pé até à Portela de Sacavém, tomar uma bica na varanda do 1.º andar do aeroporto, só para "ver... os aviões".

Quis o destino que se encontrassem na Guiné, na mesma altura... mas sem o Honório saber onde estava o amigo... Até que o descobriu e fez-lhe uma surpresa... Numa manhã, o aquartelamento de São João foi sobrevoado, em voo rasante, por um T6 Harvard, pondo a tropa em sobressalto.  Pela rádio, ouviu-se o piloto  a pedir para chamar o furriel Inocentes. Finalmente, em contacto via rádio, o Honório em fúria desanca no Inocentes: "Cabrão, cabrão, cabrão! Ando doido à tua procura! Não sabias dizer onde estavas ?"... E deu-lhe um abraço "by air" que se ouviu em toda a Guiné... e em Bissalanca. 

Claro que o Honório deve ter levado uma porrada... Mas esta é uma das histórias deliciosas que o Inocentes nos conta, e que eu resumo aqui para os nossos leitores. 

Mas há mais (p. 24):  meses depois, com o Inocentes de férias, em Bissau, ele e o Honório foram ao baile dos finalistas  do Liceu Honório Barreto [, lapso: eram da Escola Técnica de Bissau...], na "inesquecível noite de sábado do dia 5 de junho de 1965"... Ambos entram sem convite porque o Honório era... um senhor e era cabo-verdiano!... Mas ao Virgínio Briote e outros comandos foi-lhes barrada a entrada!... Acabou tudo à pancadaria, como sabemos (**).

Falando do Honório (***) "como senhor", o seu amigo acrescenta: 

"(...) O Honório ficou conhecido por toda a Guiné. Era o único furriel que tinha entrada na messe de oficiais  da marinha, onde a discriminação  de 'ranks' era pior que racismo"(p. 24).



Guiné > Bissau > Associação Comercial, Industrial e Agrícola > 5 de junho de 1965 >O baile dos alunos finalistas da Escola Técnica de Bissau. Imagem da revista "Plateia", de julho de 1965, digitalizada e gentilmente cedida pelo Virgínio Briote. 

(Continua)
_________


(**) Vd. postes de:


Guiné 61/74 - P21343: In Memoriam (370): José Ceitil (1947-2020), natural de Vila Franca de Xira, autor de "Dona Berta de Bissau" (Âncora Editora, 2013, 200 pp.), membro da nossa Tabanca Grande, nº 816, a título póstumo (Hélder Sousa / Luís Graça)


Guiné-Bissau > Bissau > Pensão Central > 2010 > Da esquerda para  a direita:  Marta Ceitil, Dona Berta (1930-2012) e José Ceitil (1947-2020)


s/l, s/d > Marta (filha) e José Ceitil (pai)


1. José Ceitil - Homenagem

por Hélder Sousa


O José Ceitil deixou-nos! Notícia dilacerante…. Escreveu um amigo comum, o Joaquim Pedrosa, meu colega de curso na EICVFXira, mais tarde jogador de futebol no Sporting e Académica, dirigente da UDV (União Desportiva Vilafranquense) e também sócio do Ceitil num espaço de Bar chamado “Varinaice”.

Quando uma pessoa morre há tendência para nos elogios fúnebres aparecerem inúmeras virtudes. No caso do Ceitil isso não seria forçado pois as suas múltiplas qualidades e áreas por onde se moveu contribuíram para uma “história de vida” bem multifacetada e recheada de notas interessantes.

De tal modo que será difícil nesta pequena recordação/homenagem fazer referência a todas elas.

De uma entrevista concedida ao jornal “O Mirante” em 2011, e do portal livreiro Wook,  retiro algumas notas biográficas: 

(i) o Ceitil nasceu e cresceu em Vila Franca de Xira em Março de 1947 e eu em Outubro de 1948; é, portanto, cerca de ano e meio mais velho que eu;

(ii)  neto de varinos, também brincava à borda d’água desse rio Tejo como muitos outros; 

(iii) 
na sua terra, fez a escola primária; frequentará, mais tarde, o Liceu Passos Manuel e terminará o secundário na Escola Industrial e Comercial da sua terra natal;

(iv) na EICVFXira tirou o curso de formação de serralheiro, começando depois a trabalhar, aos 16 anos, como desenhador na Câmara Municipal:

(v) foi futebolista do Vila-franquense desde as "Escolas" até aos "Veteranos";

(vi) na Secção Cultural do clube, à época, um espaço de liberdade, estudo e debate de ideias, iniciou-se na militância cívica, aos 15 anos, como colaborador e participante nas atividades que aí tinham lugar:

(vii) fez, como voluntário,  4 anos de tropa na Força Aérea;

(viii) depois da tropa, viajou até  Londres para desenvolver o inglês; aí trabalhou onde era possível (na época os portugueses, italianos e gregos estavam “destinados” a fazer trabalhos domésticos) e assim foi empregado de mesa num restaurante dum hotel, porteiro de discoteca, chefe de uma brigada de limpeza num colégio;

(ix)  entretanto, cerca de nove meses depois, recebeu carta da TAP onde se tinha inscrito após o serviço militar, passou os testes, entrou na Empresa onde esteve por mais 36 anos.

(x) desse tempo ele recordava, em vida,  as situações mais difíceis, como comissário de bordo, da ponte aérea nos tempos da descolonização, em que algumas vezes em Angola esteve perto da morte; considerou que nessa época a capacidade de resposta de Portugal para transportar pessoas para a “metrópole” foi exemplar e que se pode dizer que se trata de um dos grandes feitos da capacidade lusa de resolver problemas.

(xi) em 1974 foi fundador do Cineclube Vila-franquense;

(xii) foi fundador, dirigente e colaborador da APTCA (Associação Portuguesa de Tripulantes de Cabine), onde se iniciou na escrita para as revistas Voo e Aérius;

(xiii) publicou o seu primeiro livro em 2007, a novela "Vidas Simples Pensamentos Elevados", e em 2008 o ensaio "Sejam Felizes".

Ao longo dos anos as nossas vidas foram sendo vividas com pontos de contacto de que mais se destacam as colaborações no Clube da nossa terra, fosse no campo desportivo (ele mais no futebol onde tinha méritos e eu mais ligado ao hóquei em patins) fosse na estreita colaboração na Secção Cultural da UDV, sendo que ele também fez parte Direcção do Cine-Clube Vilafranquense.

Anos mais tarde, agora já no século XXI, houve um apelo ao ressurgimento e assim alguns amigos então retomaram em mãos as rédeas da UDV para tentar recuperar, resgatar e reerguer a colectividade.

É desse tempo que foi criada uma comissão para produzir um “Manifesto da Memória da Secção Cultural da UDV”.

Numa das nossas sessões de trabalho notei que ele estava pensativo, até apreensivo, e após algumas “inquirições” fiquei a saber que isso se devia ao facto da sua filha mais nova, a Marta, ter decidido incorporar um programa de formação e voluntariado na “nossa” Guiné. 

Claro que na ocasião todos os conceitos e preconceitos sobre a Guiné, problemas reais e também alguns empolados, lhe causavam angústia, mas não queria interferir nas decisões que a filha tinha tomado. Tivemos então algumas conversas, procurei relativizar as coisas, deixei algumas indicações sobre como chegar à ONGD AD, do nosso amigo Pepito (1949-2014),  em caso de necessidade.

As coisas foram correndo, geralmente bem, de modo que depois da missão inicial a Marta repetiu e também depois continuou com outras tarefas, que lhe influenciaram de tal modo que ainda hoje se refere à Guiné como a “segunda Pátria”.

O Zé, “intrigado” com tal estado de espírito resolveu ir ver “in loco” e então rumou a Bissau. Deve também ter bebido “água do Geba” pois tendo ficado na “Pensão Central” acabou por escrever um livro dedicado à “Dona Berta de Bissau” (2013).



Capa do livro "Dona Berta de Bissau",
Lisboa, Ãncora Editora, 2013, 200 pp.


Capa do livro do livro "Clube de Futebol Os Belenenses: 
100 Anos de História", Âncora Editora, 2019 , 454 pp.


Capa do livro "Sejam Felizes!"... 
Edição: Tecto de Nuvens, 2008, 152 pp.


Capas de alguns dos livros do José Ceitil, 
disponíveis no portal livreiro Wook (, com a devida vénia...)


Não se poderá dizer que se trata de um escritor de grande produção mas escreveu vários livros, para além desse da Dona Berta, nomeadamente: (i) uma história de “Os Belenenses” de que era simpatizante e associado; (ii)  um livro a que deu o título de “Vidas Simples Pensamentos Elevados”, como que uma orientação para uma conduta séria e responsável, título esse que foi como que uma homenagem a um outro amigo comum entretanto falecido, o Carlos Macieira, que costumava dizer essa frase mas antecedida por “Luta Dura”: (iii. também escreveu um outro livrinho, simples mas muito profundo, como que um legado antecipado às suas filhas, intitulado “Sejam Felizes” e que foi utilizado no passado domingo aquando das cerimónias fúnebres.

Para terminar, que já vai longo, atrevo-me a repetir aqui as palavras que a Marta entendeu por bem colocar no seu “Face” e que se trata duma pequena mas significativa memória do Zé Ceitil.  Escreveu ela:

“Minha filha, a procura do sentido da vida não é para todos. A maioria ou não sabe o que isso é, ou vive tão mal que nem tem tempo para pensar, ou então limita-se a sobreviver sem questionar nada. Agora, como estás a descobrir, a vida nem sempre parece fazer muito sentido! A questão do poder e o seu exercício por oligarcas defensores de interesses particulares sobrepõe-se à organização da sociedade de forma a satisfazer as necessidades essenciais dos povos. Sei que acreditas demasiado nas pessoas e no bem… e isso preocupa-me porque sei que vais sofrer… mas mil vezes assim do que seres céptica. Sem abandonares os valores em que acreditas, os sonhos e as utopias, tens que aprender a viver com estas realidades”

Trata-se da resposta do Zé Ceitil à então consternação e profunda tristeza pela qual a Marta estava a passar pela sua “terra do coração” quando se estava perante a tentativa de golpe de estado (mais um) na Guiné-Bissau em 2010.

Fico por aqui nesta minha homenagem/recordação a este meu amigo.

Hélder Sousa

  

2. O José Ceitil tinha já, à data da sua morte, uma meia dúzia de referências no nosso blogue, nomeadamente como pai da Marta Ceitil,  amigo do Hélder Sousa e autor do livro "Dona Berta de Bissau".

 Não conheci pessoalmente o Zé Ceitil. Mas,  pelo que já antes havíamos publicado no nosso blogue, é um típico representante da nossa geração: um bom homem, uma pessoa que se fez a si mesma, um cidadão proativo, um amigo do seu amigo, e que, além disso, por amor da filha Marta,  se tornou também um amigo da Guiné e do povo guineense.

Agradeço ao Hélder Sousa a bela e justa evocação que faz do seu grande amigo, conterrâneio e colega de infância. De resto, ele lembra-nos que "o Zé Ceitil foi colega do Zé Brás como comissário de bordo da TAP e acho que também ainda foi contemporâneo do João Sacôto".

Apresento à Marta e demais família Ceitil os nossos votos de pesar pela perda do pai e parente. E por tudo o que aquilo que já aqui foi dito, tomo a liberdade de propor a integração deste nosso amigo, o José Ceitil,  na Tabanca Grande, a título póstumo. O seu lugar é o nº 815. O  seu exemplo de vida inspira-nos e honra-nos.

Foto da preparação da candidatura à Direcção da UDV para 2009-2011

 

Foto da Mesa na apresentação pública do “Manifesto da Memória da Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense” em 2011

Fotos (e legendas): © Hélder Sousa (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legedagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editor: