segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21332: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (4): A cabrinha Inha...


Guiné > Região de Bolama > Nova Sintra > 1972 > Entrada do quartel dos Duros de Nova Sintra, a CART 2711, 1970/72... É possível que este pórtico, "Rancho dos Duros", tenha sido inspirado pelos vizinhos, mais antigos, do "Rancho da Ponderosa", destacamento de Ualada, subsetor de Empada, ao tempo da CCAÇ 1587 (1966/68).

Foto (e legenda): © Herlander Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagen complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Gabu > Piche > Foto nº 112/199 do álbum do João Martins > 1968 > Uma mulher fula amamentando, com o leite do seu próprio peito, a "sua" cabrinha (ou cabritinho ?), provavelmente um dos bens mais preciosos do seu escasso património familiar... Uma ternura de foto do álbum do nosso camarada João Martins, já célebre nas redes sociais.... Era mais fácil aos fulas vender-nos uma vaca do que um cabrito...

Foto: © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Carlos Barros, Esposende


1. Mais um pequena história do Carlos Barros, um de "Os Mais de Nova Sintra", 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974:


A cabrinha Inha

por Carlos Barros (*)
 

Os militares da 2ª Companhia de Nova Sintra, com reforços de pelotões de Jabadá (1ª C/BART 6520/72) e Fulacunda (3ª C/BART 6520/72) estiveram envolvidos na abertura da estrada Nova-Sintra –Fulacunda, em 1973.

Ao rasgar essa estrada, por entre mato denso, iriamos ter problemas com o inimigo , o que se veio a verificar já que fomos emboscados algumas vezes, tentando obstruir a nossa progressão porque esse acesso a Fulacunda não interessava militarmente ao PAIGC.

O furriel Barros estava com o seu grupo de combate na segurança da estrada, com outro grupo, e estavam homens e mulheres africanas envolvidas na descapinagem do estradão.

Verifiquei, por mero acaso, que uma indígena tinha apanhado uma cabrinha à mão que se tinha perdido da mãe e perguntei-lhe o que iria fazer com o animal. Prontamente me respondeu, dizendo que a ia matar e depois comê-la!

Abeirei-me dela e pedi que ma vendesse por 50 pesos , o que concordou perante a minha alegria, vendo que o animal não seria morto. (**)

No regresso ao destacamento, trouxe a cabrinha para o quartel, arranjei e adaptei um biberão e comprava leite na cantina e assim a Inha era alimentada por mim com todo o carinho e protecção.

Foi crescendo, dormia debaixo da minha cama na caserna e na parada do destacamento seguia-me para todo o lado.

O Capitão Cirne queria comprar a Inha mas confesso que não a vendia por dinheiro nenhum porque gostava muito do animal. A cabrinha era acarinhada pelos soldados do meu grupo, sendo a coqueluche da companhia e passeava por todo o lado, sem ninguém a molestar.

Tinha chegado a hora do jantar e, quando começávamos a comer o arroz com salsichas, vieram os soldados Cruz , Barros e Lurdes à messe e um deles disse-me:

- A Inha “adormeceu”…

Levantei-me a correr para a caserna e encontrei já morta a minha Inha, perante o meu desgosto…

O que aconteceu?

Um dos soldado deu-lhe cascas de manga e, provavelmente, teve uma congestão,  já que só se alimentava de leite e não vi outra razão…

Perdi a vontade de jantar e peguei n cabrinha, enterrei-a junto à caserna e depois coloquei uma cruz com uma lápide com os dizeres: “Aqui jaz a INHA”…

Foi um dia triste para mim e para os meus companheiros do pelotão e, nesse mesmo dia, morreu à mesma hora, uma gazela selvagem que tinha sido apanhada pelos militares e que se encontrava num galinheiro, “Gazeleiro,  improvisado….Triste coincidência…

Nunca mais desejei nenhum animal comigo, já que eles querem viver em liberdade, como todos nós seres humanos,  que, felizmente, só a conseguimos obtê-la no dia 25 de Abril de 1974.

Nova Sintra, maio de 1973,

Carlos Manuel de Lima Barros

____________

Notas do editor:

(*) Último postes da série > 4 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21325: Guiné 61/74 - P21319: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (3): As ratazanas (e o PAIGC) ao ataque em Gampará


5 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21142: O nosso livro de visitas (206): Carlos Barros, natural de Esposende, ex-fur mil at art, 2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1973/74)

(**) Vd, poste de 9 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18393: Fotos à procura de... uma legenda (102): Uma mulher fula a amamentar a "sua" cabrinha!... Ainda em tempo, celebrando o Dia Internacional da Mulher (Foto de João Martins, Piche,1968)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É verdade, alguns de nós tinham, no TO da Guiné, animais de estimação, que em geral eram adoptados por mais camaradas, próximos (do pelotão, do quarto, do abrigo, da companhia)... Alguns de nós tinham macacos-cães, e até chimpanzés (!)... Periquitos, cães, gazelas... Uma cabritinha, é a primeira vez que ouço falar...

Em Bambadinca, ao tempo da CCAÇ 12 e do BART 2917, por volat de meados de 1970, havia um cão, o "Chichas", que nos era tremendamente dedicado... Teve um fim cruel...


10 DE JULHO DE 2008
Guiné 63/74 - P3044: Estórias avulsas (3): Os cães de Bambadinca (Alberto Nascimento, CCAÇ 84, 1961/63)