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terça-feira, 15 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26692: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (7): Coluna de Reabastecimento a S. João - Coluna a S. João em 08/12/69 e Colunas de reabastecimento a Lala

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


17 - COLUNA DE REABASTECIMENTO A S. JOÃO
Saída de uma coluna
Regresso da coluna
Chegada ao quartel

Sempre que estava presente em Nova Sinta e havia colunas de reabastecimento a S. João, eu fazia todas. As localidades distam cerca de dezoito quilómetros. Era sempre necessário picar a estrada para detetar e levantar minas e foram algumas que se conseguiram. Demorava algumas horas a percorrer a distância.

Numa dessas colunas chegamos a S. João ao final da tarde. Estacionamos as viaturas em local devido e preparamo-nos para comer a ração de combate. O alferes do destacamento veio falar comigo e muito gentilmente propôs para não comermos a ração e ofereceu uma refeição quente, nada mais nada menos que um bacalhau com batatas, com a promessa da minha parte de lhe devolver a quantidade de géneros utilizados. Oferta irrecusável. Lá arranjei dois cozinheiros improvisados e que estiveram à altura da tarefa. Depois da refeição o pessoal preparava-se para ir dormir num colchão muito duro. Nada mais nada menos que o estrado das viaturas, sem cobertores e sem mosquiteiros ficando à mercê dos mosquitos. Só nesse momento me apercebi que os alferes e furriéis do pelotão, tinham ido para Bolama atravessando o rio, bastante largo, num barco de fibra de vidro.

Eu lá fiquei a dormir junto dos soldados, naquele confortável colchão. O batelão que transportava a carga, estava previsto atravessar o rio, de Bolama para S. João, ao raiar da manhã. Creio que devido a questões de maré ou de segurança, a travessia foi antecipada. O alferes do destacamento recebeu uma mensagem de Bolama a informar o facto. Procurou-me e disse o que se estava a passar e que teríamos de ir fazer a segurança ao batelão. Acabou com o nosso repouso. Acordei os 1.ºs Cabos e estes os restantes soldados. Lá fomos para a beira rio montar o perímetro de segurança. Mais ou menos duas horas depois começamos a ouvir o motor do barco. Chegado a S. João mantivemos o plano traçado.

Aos primeiros raios de sol começamos a tarefa de descarga e a carregar as nossas viaturas. Do alferes e dos furriéis nada. Efetuada a tarefa e enquanto esperávamos por eles, a maioria do pessoal aproveitou para se banhar no rio. Depois de ter suado na trasfega da carga, comecei a suar muito mais, desta vez com o nervoso miudinho. Numa viatura sentado em cima dos caixotes, perguntava a mim mesmo o que fazer. Entretanto o alferes do destacamento veio informar, que o motor do barco que os levou para Bolama tinha avariado e que o capitão daquele quartel não autorizava a cedência do barco deles. Enviar uma mensagem para Nova Sintra a informar o que se estava a passar e pedir instruções? Isso iria de certeza criar problemas disciplinares aos fugitivos. Aguentei mais duas horas. Suava por todos os lados, até que ouvi o barulho do motor. Eram eles. Chegados, não houve tempo para conversas e iniciamos o regresso, sem que a estrada fosse novamente picada, o que era um risco muito grande. Chegamos bem ao destino. O alferes teve o bom senso de ir informar o capitão do que se tinha passado e o assunto morreu aí, salvo eventual raspanete.

Mas a história não acabou aqui, é que dois soldados também foram para Bolama e por lá adormeceram numa qualquer tabanca e ficaram. As férias antecipadas custaram-lhes sanções disciplinares


18 - COLUNA A S. JOÃO EM 08/12/69
Estrada Nova Sintra – S. João
Regresso à saída de S. João
Cais de S. João. Do outro lado é Bolama

A determinada altura a coluna parou. Foram verificados vestígios da passagem de elementos do PAIGC, tendo sido de imediato iniciada uma incursão na mata, para ver o que se passava. Ouviu-se um rebentamento. Fora acionada uma mina anti pessoal, por um soldado da CCAV 2482, cujo pelotão estava destacado, temporariamente, em Nova Sintra.

De imediato foi pedida a evacuação e iniciada a preparação para a sua efetivação e na qual participei. Foi encontrada uma clareira na mata, mas mesmo assim foi necessário desmatar à catanada, mais alguma vegetação.

O helicóptero começou a sobrevoar o local e o piloto exigiu que a clareira tinha de ser alargada e devidamente sinalizada. As catanas voltaram à ação. Como sinalização tive uma ideia que foi posta em prática. Coloquei no centro do local de aterragem, duas t-shirts brancas, uma que levava vestida e outra que levava na viatura para servir de pijama, que foram cravadas ao solo com umas pequenas estacas.

Assim o helicóptero pousou em segurança e consumada a evacuação.


19 - COLUNAS DE REABASTECIMENTO A LALA

Lala é um local situado à beira de um rio, sem qualquer tipo de cais de acostagem, onde só iam as LDM que quase escostavam à margem, tendo as descargas de ser feitas rapidamente, conjugadas com as marés, para evitar que na maré baixa ficassem essentes na terra, correndo o risco de serem flageladas.


No final do trabalho toda a malta aproveitava para dar uns mergulhos e braçadas no rio.

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 8 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26664: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (6): Pelotão de Caçadores Nativos 56 - Primeira vez debaixo de fogo e Emboscada virtual

Guiné 61/74 - P26691: História de vida (57): o fur mil vagomestre António Fonseca que acabou por ter uma morte trágica no Algarve, em Albufeira, com a toda a família em 2009 (Luís Dias, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74)



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L5 (Galomaro) > CCAÇ 3491 (1971/74) > Dulombi > "O ex-furriel mil vagomestre Fonseca é o segundo a contar do lado esquerdo (com o seu aprimorado bigode)". (Da esquerda para a direita, furriéis Almeida, Fonseca, Gonçalves, E.Santo, 1º srgt . Gama, cap Pires, alf Luís Dias e Parente,  furriéis Machado (já falecido), Rodrigues e Reis; em pé, da esquerda para a direita,  fur Baptista, os 2 impedidos da messe,  furriéis Nevado e Carvalho.



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L5 (Galomaro) > CCAÇ 3491 (1971/74) > Dulombi > 1972 > "À porta da messe dos oficiais e sargentos: da equerda para a direita,  fur Fonseca (o nosso vagomestre), fur Batista (com a cara meio tapada), fur Gonçalves (só se vê a cara), fur Rodrigues (o nosso especialissimo mecânico auto rodas) e em primeiro plano o 1º srgt Raul Alves... Foto gentilmente cedida pelo camarada Manuel Rodrigues, ex-fur mil mecânico auto, que mantinha as nossas viaturas sempre operacionais".


Fotos (e legendas): © Luís Dias (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar de: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



~

Crachá da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro,  dez 71 - mar 74)




Luís Dias
1. Mensagem de Luís Dias, o nosso especialista em armamentp, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro,  dez 71 - mar 74), inspetor da Polícia Judicionária reformado (tem 107 referências no nosso blogue que integra desde 30/5/2008):


Data - domingo, 13/04/2025, 21:52
Assunto -  O nosso vagomestre António Fonseca 
 

Caro Luís Graça:


Na CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, que esteve na Guiné entre 24 de dezembro de 1971 e 28 de março de 1974, tínhamos como vagomestre o furriel miliciano António Fonseca. 

A CCAÇ 3491 foi colocada no Dulombi, Leste da Guiné, estando:

  •  isolada vários quilómetros da CCS (Galomaro - a cerca de 20km);
  • a sul,  a CCAÇ 3490 - Saltinho (não havia estrada ou picada para este aquartelamento, ida do Dulombi, pelo que a volta para lá chegar era ir através de Bambadinca, Xitole (150 km);
  • a norte,  ficava a CCAÇ 3489, com picada/estrada indo por Galomaro (40 km);
  • à nossa frente ficava o Rio Corubal (40 km), zona para a qual efetuávamos a maior parte das operações. 

Estávamos isolados. A comida não era e nunca foi grande coisa e estávamos sempre a apertar com o vagomestre (*). Ele raramente  participava nas colunas semanais que fazíamos a Bafatá e Bambadinca para ir buscar abastecimentos. 

Certa vez, um dos bidões de azeite, depois de abertos no quartel, estava adulterado por água (alguém "palmara" azeite e completara o bidão com água). Aliás houve também casos de adulteração de garrafas de uísque. Não se sabendo se a adulteração já vinha da metrópole ou era feita em Bissau. 

O capitão reagiu e passou a obrigar o  furriel a ir em todas as colunas de abastecimento para verificar os carregamentos. 

O furriel para se desenrascar teve de pedir alguns litros de fornecimento de azeite às outras companhias do batalhão, com a promessa de os devolver o mais breve possível. 

Houve um período, em 1972, em que devido às chuvas as colunas não conseguiam passar porque a picada ficou intransitável em vários pontos e também não se conseguiu largada de frescos pela aviação, pelo que houve que recorrer a rações de combate e até pagar a caçadores indígenas a compra de caça variada obtida.

Entretanto, a nossa companhia foi transferida praticamente toda para a sede do Batalhão, em Galomaro, isto em 9 de março de 1973 (quando era eu o comandante da mesma, porque o capitão estava de férias), deixando no Dulombi 2 pelotões de milícias e 13 elementos de apoio (1 auxiliar de enfermagem, pessoal de transmissões, cozinheiros, condutores, mecânicos, apontadores de morteiros 81 mm, professor da escola dos miúdos, etc.), comandados por um dos meus furriéis e tendo como adjunto o furriel de transmissões. 

Esta saída inopinada deveu-se a um forte ataque sofrido pela CCS, no dia 1 de dezembro de 1972 e depois de 2 ataques anteriores rechaçados muito bem no Dulombi e ter surgido o general, Comandante-chefe,  e o nosso comandante de Batalhão,  em visita inopinada ao Dulombi, onde tive de explicar a atividade operacional que realizávamos e os resultados obtidos.

Em Galomaro, a situação era diferente e passámos a depender, em termos de comida, da organização já montada para a CCS, pelo que o nosso furriel vagomestre foi enviado para Bissau, para ser o representante do Batalhão na administração de abastecimentos. 

A companhia a 3 grupos de combate (o outro grupo foi reforçar o batalhão de Piche) ficou a efectuar operações na zona de Galomaro e também na zona do Dulombi (ficámos com mais do dobro do território anterior). 

Depois de ser enviado com o meu grupo para Piche (onde se  comia muito bem - oficiais e sargentos, mas muito mal os soldados, o que me levou a ter problemas com o comandante), ainda estive a comandar o CIM de Bambadinca, depois fui para Nova Lamego, onde estava o meu grupo de combate e depois fui para Pirada, onde estive poucos dias, voltando a Nova Lamego. Nestes três últimos locais, em termos de comida, não posso dizer mal.

Em inícios de janeiro de 1974, recebi ordens de regressar ao Dulombi, onde voltei a reunir-me com a companhia (todos os elementos de apoio, onde estava também o furriel vagomestre, entretanto regressado de Bissau), porque os outros grupos de combate estavam 2 em Galomaro e 1 em Nova Lamego. 

Nesta altura fui incumbido de ser o responsável por realizar a parte operacional com os grupos de combate da nova companhia que vinha nos substituir (a 1ª CCAÇ/BCAÇ 4518).

Nessa preparação havia o cuidado de verificar se na nossa zona da frente (lado de onde normalmente partiam os ataques do PAIGC) havia material que tivesse ficado por explodir, para o neutralizar.

Aqui chegado, devo referir que o amigo António Fonseca tinha muito "respeitinho", direi mesmo receio,   de alinhar na parte operacional, o que se compreende, porque não lhe competia. Deste modo, se houvesse uma coluna de abastecimentos de 10 viaturas ele seguia na décima, se fosse de 3 ou 4 viaturas ele seguia sempre na última, com o justo receio de que podia apanhar com alguma mina A/C.

Tinha detetado,  a cerca de 100 metros do nosso arame farpado, uma granada de morteiro 81 mm GEGP que fora disparada num dos ataques que o quartel sofrera e que não explodira. 

Escavei uma defesa de terra, em relação ao quartel, coloquei um petardo de TNT 100g, com detonador eléctrico, junto à granada, sem lhe tocar e estendi o fio até ao quartel e coloquei-me por trás do edifício do comando e avisei as torres de sentinela, bem como o pessoal da companhia para que se protegesse e acionei o detonador. 

Deu-se a explosão e pronto, estava feito. De repente, reparo que,  em frente à messe de oficiais e sargentos, estava o nosso amigo vagomestre com a mão na cabeça e olhar incrédulo. Então não é que o furriel, em vez de se esconder por trás do edifício, ficou, sem proteção,  a ver a explosão, não tendo ligado às instruções que eu dera ?!...

O furriel António Fonseca, um recatado militar, que punha todos os cuidados quando era obrigado a sair em coluna, ficou de peito feito a ver o que acontecia. 

A sorte protege os audazes e foi o que aconteceu. A cabeça da granada de morteiro veio de lá, e caiu a cerca de 2 metros dos seus pés. Passado quase uma hora ainda estava quente, um pouco mais e tinha atingido o nosso vagomestre, e podia-lhe ter tirado a vida.

Os anos passaram e a companhia voltou a reunir-se em convívios, 25 anos após a nossa chegada à metrópole. Contávamos histórias, episódios acontecidos e lá vinha sempre à memória o que podia ter acontecido ao furriel vagomestre e dizíamos que "sorte tiveste". 

Contudo, uma horrível notícia, referia uns anos depois, que na Praia da D. Luísa, um grupo de pessoas tinha ficado debaixo de uma arriba que desabou. O infortúnio tinha acontecido, o nosso amigo e companheiro furriel António Fonseca, juntamente com a sua esposa e filhas,   eram algumas das vítimas do funesto desastre (**).

Que possam as almas desta família estar no eterno descanso.
Abraço
Luís Dias

_____________

Notas do editor LG:

(*) Último poster da série > 13 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26681: Histórias de vida (56): Berta de Oliveira Bento, a Dona Berta da Pensão Central, Bissau (1924 -2012)

(**) Vd. poste de Blogue > Histórias da Guiné 71-74: A CCAQÇ 3491, Dulombi > Sábado, 29 de agosto de 2009 > Morte trágica de um camarada

(...) Caros Camaradas: cumpre-me a dolorosa missão de vos informar da morte trágica do camarada José Batista Mota Fonseca,  o nosso ex-furriel vagomestre. O Fonseca perdeu a vida juntamente com a sua esposa e as duas filhas, na derrocada que se deu no passado dia 21, na Praia da Maria Luisa, em Albufeira, onde se encontrava a passar férias.

Este triste acontecimento foi-nos participado pelo nosso camarada ex-furrriel Carvalho.
À família enlutada as nossas sentidas condolências.
Descansa em paz,  querido amigo.

Luís Dias (...)
 

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26675: (In)citações (265): Obrigado ao vagomestre Vieira que das tripas fez coração... e ao Noratlas da FAP que, de vez em quando, nos largava uns frescos de paraquedas ( Ramiro Figueira e Carlos Barrros, 2ª CART / BART 6520/72, Nova Sintra, 1972/74)72, Nova Sintra, 1972/74)


 








Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > >2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74) > Largada de frescos e correio, de paraquedas, através do Noratlas. Fotos do álbum de Ramiro Figueira


Fotos (e legenda): © Ramiro Figueira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > CART 2711 (1970/72) > s/d > Largada de frescos e correio, de paraquedas... Foto do álbum de Herlânder Simões, ex-fur mil d"Os Duros de Nova Sintra", de rendição individual, tendo estado no TO da Guiné, em Nova Sintra e depois Guileje, entre maio de 1972 e janeiro e 1974.


Foto (e legenda): © Herlânder Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de Ramiro Figueira, médico na situação de reforma, que foi Alf Mil Op Especiais na 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74); membro recente da Tabanca Grande (desde  23 de junho de 2022), tem 9 referências no blogue.


Data - domingo, 23/03/2025, 18:25
Assunto - Vagomestres, precisam.se! (*)


Boa tarde

Como sabem, não fui vagomestre em Nova Sintra, estas funções eram desempenhadas pelo
furriel Vieira, um homem da zona de Leiria. Não me lembro do pessoal se queixar do vagomestre, lembro-me sim das inúmeras queixas sobre a comida, mas toda a gente sabia que o vagomestre fazia o que podia com o que lhe enviavam.

Os frescos constituíam um problema realmente, mas não passou, felizmente, por “excursões” a Bissau em busca de alimentos embora algumas vezes se levantasse a questão o que acabou por nunca acontecer.



O lendário Noratlas da nossa gloriosa FAP... Fonte: Wikipedia (com a devida vénia)


Os frescos chegavam-nos do ar, literalmente…
como uma periodicidade de que não me lembro. A Força Aérea enviava um Nortlaas que os largava de paraquedas no quartel espalhando-os um pouco por todo o lado, sobretudo na pista improvisada que servia o quartel.

Recordo-me de uma das vezes um paraquedas caiu em cima dos telhados de zinco provocando um enorme barulho que simulou o rebentamento de granadas que levou a algumas corridas às valas….


Abraço
Ramiro Figueira



2. Mensagem do Carlos Barros, ex-fur mil arm pes inf, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra".

Data - Quarta, 2/04/2025, 18:01
 

O Vagomestre de Nova Sintra, da 2ª C/BART 6520/72,  era o nosso querido e amigo Vieira sempre pronto a servir-nos bem, dentro da rotineira ementa- arroz com salsichas, salsichas com arroz...- e quando havia caça - javali/gazela...- era momento de júbilo no seio dos comensais. 

Muitas vezes, os vagomestres eram criticados por todos nós todavia, eles faziam o possível dentro do orçamento exigido pelos comandantes , do Batalhão ou da Companhia.

Devo realçar, que em Nova Sintra, em 1972/74, nunca passamos fome, isto na essência da palavra, a alimentação era pouco nutritiva e os legumes eram algo que raramente víamos. Chegámos a estar 3 meses sem ver um único legume ou hortaliça...

Um dia, implantamos um "projeto rudimentar de plantação de tomates" e mal nasciam, eram logo surripiados e nunca atingiam a adolescência...

Pensamos em cultivar alfaces , um sonho que o calor abrasador da Guiné não nos permitia sonhar com esse "luxo leguminoso" e o nosso Vieira, lá fazia de "tripas coração" para satisfazer as nossas exigências. 

Este amigo continua a ir aos nossos encontros, vamos no 50º e sempre foi uma pessoa maravilhosa e só pedimos desculpa das insinuações que fazíamos aos vagomestres , acusados de pouco honestos e todos nós sabemos do que se passava dentro dos quartéis ou destacamentos onde a seriedade estava em "crise" e eles, algumas vezes, levavam por tabela!.

Obrigado, Vieira, pela tua prestação como vagomestre em Nova Sintra e, se tiveste falhas, também nós tivemos e estamos todos perdoados!... (**)

Carlos M. Lima Barros
Ex-furriel dos "Mais de Nova Sintra" 
"Armas Pesadas" - sempre alinhou , quase diariamente, no mato.
2ª CART / Bart 6520/72 (Nova Sintra, Tite, Gampará, 1972/74)

3. Comentário do editor LG:

No passado 21/03/2025, às 22:02, tinha mandado para a caixa de correio de  cerca de quatro dezenas de grão-tabanqueiros uma mensagem sob o título "Vagomestres, precisam-se!"... Poucos me responderam. Um deles foi Ramiro Figueira, hoje médico, bem como o Carlos Barros, professor reformado, ambos da 2ª C/BART 67520/72, 

 O teor da minha mensagem era o seguinte (*):

Camaradas, grão-tabanqueiros:

Uma das coisas intrigantes da Tabanca Grande é que há uma enorme escassez de... vagomestres!...

Pelas minhas contas, assim de cabeça, vivos, temos o João Bonifácio (vive no Canadá, era da CCAÇ 2402, do nosso histórico Raul Albino, já falecido) e agora Aníbal José da Silva (que foi do CCAV 2383, Nova Sintra, 1969/0)... Temos ainda o Vitor Alves, da CCAÇ 12 (2ª geração), já falecido,,, (E já me esquecia do António Tavares (ex-fur mil SAM, CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72).

No blogue e ao fim de 20 anos temos 40 referências à figura do vagomestre (2 por ano em média!)... Mas, bolas, foram nossos camaradas e ajudaram-nos a não morrer de fome...

O que se passa com eles ? Não têm boas recordações da Guiné, como todos nós temos ? Bolas, foi o tempo mais divertido das nossas vidas!

Vamos lá a comentar este bem humorado poste, escrito por uma vagomestre que já mereceu honras de Tabanca Grande!... Vocês estão a imaginar o pobre do Aníbal a carregar às costas (e a suar em pinga!) uma carcaça de vitela (!) do táxi à avioneta dos TAAG, em Bissalanca, para matar a malvada aos seus camaradas de Nova Sintra ? E, se calhar, nem recebeu um simples louvor no fim da comissão! (*)

Cinquenta anos depois, camaradas, digam lá qualquer coisinha sobre os ossos queridos vagomestres que fizeram das tripas coração!... Sem ironia!...

Bom fim de semana... E alimentem o blogue, que também tem "barriga".... Um Ab, Luís

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


(**) Último poste da série > 4 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26653: (In)citações (264): Morreu Roberta Flack aos 88 anos, a mesma Roberta Flack que acompanhava as noites do medo no mato da Guiné... (Ramiro Figueira, ex-Alf Mil Op Especiais)

terça-feira, 8 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26664: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (6): Pelotão de Caçadores Nativos 56 - Primeira vez debaixo de fogo e Emboscada virtual

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


14 - PELOTÃO CAÇADORES NATIVOS 56

Quando chegamos a Nova Sintra não houve sobreposição com a companhia que lá estava, a CART 1743. Nós chegamos e eles partiram. Ficou o Pelotão de Caçadores Nativos n.º 56, constituído por quinze a vinte elementos. Foram eles que nos ensinaram a andar no mato, a conhecer trilhos e picadas e a indicar locais perigosos. Era malta fixe, de etnias diversas, com muitos anos de guerra.
Em reconhecimento da lealdade, o capitão Bernardo um dia chamou-me e lançou o repto de passarmos a dar-lhes alimentação gratuita. Disse-lhe que só fazendo uma experiência durante uma semana. Até essa altura adquiriam os géneros de que precisavam pagando-os.
Feita a experiência e as contas, verificamos que era possível e assim foi feito. A empatia entre nós subiu. O porta-voz deles era o Ansumame que tinha alguma formação escolar, veio ter comigo pedindo que eu fosse o fiel depositário do dinheiro de todos eles. Na secretaria havia um cofre pequeno que não estava a ser utilizado. Com a devida autorização superior passei a usá-lo. Criei envelopes individuais onde colocava o dinheiro e uma folha de conta corrente onde registava as entradas e saídas. Passei a ser banqueiro.
Aproximava-se a data prevista para nos deixarem e ir para outras paragens. Na véspera da partida, à noite, o Ansumame veio convidar-me para ir ao abrigo deles para a despedida. Quando lá cheguei, aqueles que não bebiam álcool, os muçulmanos, estavam sóbrios mas as outros nem por isso. Tive de os acompanhar ao beber um wisky e um copo de Drambuie.
No dia seguinte lá foram eles.



15 - PRIMEIRA VEZ DEBAIXO DE FOGO

O nosso batismo de fogo foi na noite de 22 de Março de 1969. Pela primeira vez ouvimos o matraquear da famosa costureirinha, espingarda automática com carregador redondo, bem como as granadas de morteiro e canhão sem recuo, que assobiavam ao sobrevoar o quartel e a rebentar para os lados da bolanha. Eles deviam estar, talvez a 1,5 klm de distância, mas na nossa ideia estariam a entrar pelo arame farpado. Dentro dos abrigos, através das friestas disparávamos a torto e a direito, o cheiro a pólvora e o fumo eram enormes. Passados alguns minutos começamos a ouvir o nosso capitão, percorrendo os vários abrigos, a berrar ordenando o cessar fogo. Provavelmente nessa noite ninguém dormiu receando nova investida.
Recordo que nesta data, dois conterrâneos faziam anos, a D. Maria Lucas e o Tonecas, tendo horas antes escrito ao amigo desejando um bom aniversário.
Nos vinte meses de permanência em Nova Sintra, fomos flagelados por dezoito vezes.
Abrigo do morteiro 81
A metralhadora Breda do 2.º pelotão
Cunhetes de munições do PAIGC


16 - EMBOSCADA VIRTUAL

No regresso de uma coluna a S. João a dado momento ouviu-se uma rajada. De imediato o pessoal saltou das viaturas e deitados na berma da picada, tomamos posição para ripostar.
Mais um fogachal dos diabos. Eu estava deitado ao lado do Bicho e os invólucros que saíam da sua G3 batiam na minha cara e sentia o quente do metal. Passados poucos minutos o alferes que comandava a coluna, apercebendo-se que o fogo era só nosso, mandou cessar fogo. Afinal o que se tinha passado? Só no quartel viemos a saber. O Xabregas afirmou que a tal rajada partiu da sua arma. Em cima da viatura com a arma destravada e com o dedo no gatilho, levou com um ramo de uma árvore na cara, provocando-lhe desequilibrio e o apertar do gatilho. Felizmente que a rajada foi na direção da mata, se fosse para o interior da viatura poderia ter atingido alguém.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 1 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26636: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (5): Jogos de futebol e voleibol - Natal e Fim de Ano de 1969 e Hotel Miramar e Pensão Xantra

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26644: A nossa guerra em números (28): Ainda a nossa 'adorável' ração de combate, nº 20...(que dava 3 refeições para um homem, por dia, no mato)


Caixa (em cartão) da Ração Individual de Combate nº 20, Tipo E, que era distribuída aos militares do Exército quando em operações no mato. Ainda não sabemos o significado da classificação "Tipo E" (seria  E de Especial ?).


1.  Temos ainda relativamente poucas referências à famosa "ração de combate", diabalolizada por uns, incensada por outros...  Merece mais algumas informações adicionais (*).

O Exército (que tinha muito pior alimentação que a Força Aérea e a Marinha) dispunha de três tipos de rações (**):

(i) a ração de combate propriamente dita (RC nº 20): era a que se usava em operações, fora do aquartelamento;

(ii)  a ração de substituição (RS nº 30), que tinha mais produtos e podia ser consumida no aquartelamento, quando não era confeccionada refeição quente;

(iii) havia havia ainda a Ração de Bolacha (140 gramas, por refeição e por homem, num total 420 gramas por dia): substituia o pão quando este não era distribuido com a RC nº 20 ou a RS nº 30.

2. Cada ração (RC nº 20 e RS nº 30) estava pensada, para um homem, para as 24h / três refeições.

(i) Pequeno almoço: leite condensado | queijo | pão ou bolacha (140 gramas);

(ii) Almoço: caldo de carne | conmserva de peixe | carne de vaca | nougat c/ amendoím | ccncreto de fruta | pão ou bolacha (140 gramas);

(iii) Jantar: canka de galinha c/ aletria | carne de porco assada | doce de fruta | marmeladfa | concreto de fruta | pão ou bolacha (140 gramas).





Conteúdo da Ração Individual de Combate (RC) nº 20 , Tipo E (Europeu) - Ementa 1 

Como complementos, a RC continha ainda: (i) papel higiénico9: (ii) caixa de fósforos; (iii) drageias toni-hidratantes ("sempre que se beba qualquer líguido, deve tomar-se uma ou mais drageias de preferência antes das refeições").

A bolacha (140 gr. por refeição) era uma alternativa ao apão, quando este não podia ser distribuído. 

Este impresso correspondia à RC nº 167 334.




A RC era fornecida pela Manutenção Alimentar: o seu reecheio variou com o tempo, mas no essencial seguia sempre a mesma tipologia: conservas de carne (porco, vaca), conservas de peixe (atum, sardinha), leite condensado, concreto de fruta, doce de fruta, bolachas...

Fonte: Adapt. de Albino Silva (20925) (**)


3. Em 1974, com a "crise do petrólero",  os preços dos produtos alimentares dispararam, o que se tornou um bico de obra para a Manutenção Militar (e para o Ministério das Finanças).  

Por outro lado, numa das duas listagens de existèncias de géneros em Nova Lamego, citadas pelo José Saúde, sabemos que havia uma grande diferença de  preço por unidade das rações:

  • Ração de combate nº 20: 43$00 por unidade  (havendo 680 unidades em stock no dia 18/7/74):
  • Ração de substituição nº 30: 14$54 por unidade (em stock (250).

Por norma e por razões de segurança, na Guiné tinha de haver uma reserva de:


(**) Vd. postes de:~


(****) Vd. poste de 8 de junho de  2016 > 
Guiné 63/74 - P16177: Memórias de Gabú (José Saúde) (63): O “ventre” de um espólio raramente conhecido. Passagem de bens alimentícios em armazém.


terça-feira, 1 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26636: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (5): Jogos de futebol e voleibol - Natal e Fim de Ano de 1969 e Hotel Miramar e Pensão Xantra

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


11 - JOGOS DE FUTEBOL E VOLEIBOL

Equipa dos graduados
Alinhados perante a tribuna
Bandeirola fiscal linha feita ramo capim
Entrada em campo dos graduados
Fase do jogo na área dos graduados

Sempre que a actividade operacional permitia, bem como as tarefas diárias dentro do quartel jogávamos à bola. Equipa de oficiais e furriéis contra soldados, pelotão contra pelotão, os do Porto contra os de Lisboa era pretexto para um joguinho. Recordo bons jogadores, o Aníbal Oliveira, o Cardoso , o Brito e furriel David Moreira que fora guarda redes do Tirsense. Nos primeiros três meses de comissão, enquanto tivemos a companhia do Pelotão de Caçadores Nativos, os jogos eram arbitrados por um dos seus elementos, o José Pedro da Silva que tinha o sonho de ser arbitro oficial. Como eu também era conhecido por Silva, o Zé Pedro conjugando os Silvas, dizia que era meu primo. O certo é que a minha equipa era normalmente favorecida. Eu era conhecido por Nóbrega, à época jogador do FCP e o Jardim por Humberto Coelho pois era benfiquista.
Menos vezes, porque havia menos aderentes, também jogávamos voleibol. Numa das vezes em pleno jogo foi iniciada uma flagelação ao quartel. Estávamos em campo aberto e a reação imediata foi correr e aterrar dentro dum abrigo de morteiro que estava desativado.
Resultado, cabeça contra cabeça, hematoma aqui e ferida acolá, mas nada de grave.
Voltando atrás, também no futebol por três vezes o jogo foi interrompido. De futebol passou a atletismo ao correr para as valas.

Fase dum jogo de voleibol. É só estilo
Equipa de graduados


12 - NATAL E FIM DE ANO 1969
Noite de consoada 1969
Convívio pós ceia
As morteiradas da meia noite 31/12/69

Ao jantar de Natal não podia faltar o bacalhau com batatas, mas sem legumes. Bolo rei, rabanadas e outras guloseimas nem vê-las, a não ser para aqueles que receberam encomendas da família. Tivemos pessoal em patrulha noturna. Dentro do quartel estivemos vigilantes e a jogar às cartas, sendo a lerpa o jogo dominante. Nesta noite a saudade da terra e da família é mais forte.
Na passagem do ano pouco há a referir a não ser que ao bater da meia noite mandamos para o ar na direção da bolanha três morteiradas.



13 - HOTEL MIRAMAR E PENSÃO XANTRA

Quando ia a Bissau, para não ficar a fazer serviços da guarda no quartel de Brá, ficava alojado no hotel Miramar ou na pensão Xantra. O primeiro ficava próximo da marginal do rio Geba. Hotel só de nome, nem pensão era, era sim uma espelunca. Mas como o nome Miramar me era afeto, por ser o nome duma localidade da minha freguesia natal, habitualmente ficava lá. As refeições fazia-as na mesa de um civil, que fora tropa lá e que se estabeleceu com uma oficina de automóveis. O empregado que servia às mesas era lento muito lento. Dizia o civil: “este gajo só tem três velocidades, devagar, devagarinho e parado “. Os quartos eram uma desgraça, havia a cama, duas cadeiras para pendurar a roupa e mais nada. O quarto de banho, melhor dizendo a retrete era única. As portas não tinham chaves. Uma das vezes fui para entregar documentos e dinheiro na Intendência. Levava uma pasta de cabedal embrulhada em jornais e amarrada com fios para desviar atenções. A repartição onde devia fazer a entrega já estava fechada.
Tive que a levar para a espelunca. Sem chaves na porta do quarto e com medo de ser assaltado, tive uma ideia. Retirei as notas da mala, meti-as num saco de plástico, esvaziei o autoclismo da sanita e coloquei lá dentro o saco. Tive o cuidado de colocar um papel dizendo “avariada”. Dormi com alguma preocupação. Na manhã seguinte refiz o embrulho e lá fui fazer a entrega.
Na pensão Xantra, estive lá duas vezes, ambas acompanhado pelo inseparável furriel Lima, quando chegamos a Bissau para ir de férias à metrópole.
Numa delas chegamos à hora do almoço esfomeados. Comemos que nem uns alarves. Tal como as cobras, depois de saciada a fome, fomos dormir uma valente sesta. No final da tarde com a digestão feita e descansados, prepararmo-nos para ir à baixa da cidade. Fomos impedidos de o fazer. A dona da pensão, a dona Xantra convidou-nos para a banquete de casamento duma das filhas que horas antes dera o nó com um alferes aviador. Convite imediatamente aceite e sem qualquer reserva. Voltamos a encher o bandulho e depois sim fomos até à baixa caminhando para fazer a digestão. Na manhã seguinte fizemos a viagem para Lisboa e depois para o Porto.


(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 25 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26615: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (4): Cantina - Encontros em Bissau e Entretenimento

quinta-feira, 27 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26623: No céu não há disto: Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (47): Um prato duriense, que se comia na Quaresma, "sável frito com açorda de ovas" (e que vai bem com o "Nita", da Quinta de Candoz, um DOC verde, branco, colheita selecionada, 2023, diz a "Chef" Alice)




Alfragide > 23 de março de 2025 > Um prato duriense, "sável frito com açorda de ovos", que vai bem com o "Nita", branco, verde, da Quinta de Candoz, colheita selecionada (2023)... A sugestão é da "Chef" Alice...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Caros leitores: dou conta que desde maio do ano passado que não têm aparecido no blogue as tradicionais sugestões gastronómicas dos nossos vagomestres (*)...

 E, a propósito, por onde é que eles andam ? Há tempos pusemos um anúncio: "Vagomestres, precisam-se!"... Só apareceu um, o Aníbal José da Silva (**)...

Mas todos os dias a malta  tem de comer, mal ou bem... Nas nossas "messes" e "ranchos"... Cada vez pior, diz o povo...E ele há coisas que vão desaparecendo das nossas mesas: caça, peixe, marisco, vitela, queijo e requeijão de Serpa... Quem é que lhe chega ? 

O vagomestre, com a pandemia de Covid-19, habituou-se aos enlatados: atum com grão de bico, cavalas em óleo de girassol,  sardinha em óleo picante com pickles, etc. E aos congelados... 

Mas, feitas as contas ao quilo, até o raio das conservas de peixe estão pela hora da morte... E até os petiscos dos pobres passaram para o cardápio dos ricos, do bacalhau ao polvo, do berbigão à sapateira, do sável à lampreia...

 Será que ainda se fazem as "iscas com elas" ?  E ainda há quem faça "tomates de carneiro com ovos mexidos" ?...

O que desapareceu, do nosso tempo, foram também as tascas, com serradura no chão e pipos de tinto carrascão na parede, mesas de tampo de mármore e mochos de madeira em vez de cadeiras de plástico...

Mas estamos numa época boa para certos "petiscos" como as favas suadas, as casulas com butelo ou o sável frito com acorda de ovas... Foi o que a nossa "chef" Alice fez para celebrar os dois mesinhos da segunda neta, a Rosinha... Dizem os comensaios que foi comer e chorar por mais (o sável foi generoso, tinha dois quilos e meio e trazia as ovas...). 

Era um "prato" que se comia à mesa dos pobres, na Quaresma, por várias razões que se podem enumerar pelos dedos:

  • era a altura do sável (e da lampreia) subir o rio Douro para desovar (ainda não havia barragens); 
  • os pobres não compravam a bu(r)la ao senhor abade;
  • os "rendeiros" não podiam comer carne mas precisavam de proteína para trabalhar os socalcos do seu "senhor e amo";
  • o sável vendia-se de porta em porta, uma fiada enorme de peixe enfiado num longo varapau às costas do pescador de rio; 
  • tinha muitas espinhas, era preciso engenho, arte e paciência para o saber cortar fininho e fritá-lo em azeite...

Ele há coisas que não há no céu... E que não tèm preço. E que, por isso, não passam pelo estreito dos bilionários... E uma delas é, para além do "cebolinho do talho",  seguramente a açorda de ovas com sável frito, com um toque muito especial do alho e do coentro (que era do Sul, dos ganhões, e que por isso não ia à mesa do rei)... 

Tudo à moda da "Chef" Alice, segundo uma receita antiga da família da Quinta de Candeoz, que ainda é do tempo do extinto concelho de Bem Viver e das pesqueiras do rio Douro que tinham foral do senhor Dom Manuel , o Venturoso.

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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 13 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25517: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (46): Viva o po(l)vo... da Lourinhã!

(**) Vd. poste de 18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação

terça-feira, 25 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26615: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (4): Cantina - Encontros em Bissau e Entretenimento

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


8 - CANTINA
Sala do Soldado

Em setembro de 1969, por determinação do capitão Loureiro passei a assumir a gestão da cantina, acumulando com a do rancho geral.
O capitão ao assumir o comando da companhia, verificou irregularidades, creio eu por desleixo e falta de jeito do, então, gerente. Fiz-lhe ver que era muito trabalho para mim. É que não havia máquinas de calcular. As contas eram todas feitas à mão. Só havia uma máquina de somar com alavanca, obsoleta e que encravava com frequência, dando origem a erros. Soli
citei a colaboração de um ajudante tendo o pedido sido aceite.

Iniciei a recuperação de algum prejuízo verificado nas gestões anteriores e mantive a escrita em boa ordem até final da comissão sala do soldado


9 - ENCONTROS EM BISSAU
Rua do hotel Miramar
22/11/70 dia operação Mar Verde
Comendo as boas ostras da Guiné

Dos conterrâneos e amigos que encontrei em Bissau, para além do Camarinha e do André, recordo o Quim Marques que estava destacado em Farim, o Zé Pimpão e o Forte Rei. 

O Zé fazia parte da companhia de transportes e efetuava colunas de reabastecimentos para o norte da Guiné. Tinha uma casa alugada, próximo do quartel de Santa Luzia, que partilhava com outros furriéis. Nessa altura um deles estava de férias e convidou-me para ocupar a cama dele durante a minha curta estadia, o que aceitei de bom grado, pois assim evitava ir para o quartel de Brá, onde com toda a certeza me punham a fazer serviços da guarda e eu não queria.

O Forte Rei era gerente de messe de sargentos no quartel de Santa Luzia, onde o encontrei. Eu tinha tido alta do hospital militar e aguardava transporte para o mato. Após um forte abraço fitou-me e disse, é pá estás magro como um cão. Contei-lhe o que me tinha acontecido. De imediato levou-me para dentro da messe, no seu modo espalhafatoso. No seu local de trabalho chamou por alguém e ordenou: “Ó pá trata da fome a este gajo”.

Durante os três dias em que lá estive fui tratado como um príncipe.

Não era conterrâneo, mas alferes da minha companhia. Era um “ bon vivant” e cedo se percebeu que não queria estar lá por muito tempo. Engendrou uma úlcera no estômago, tendo sido evacuado para o hospital militar. Numa das minhas idas a Bissau encontrei-o na 5.ª Rep, designação dada a um café/cervejaria situado na avenida principal e da igreja.

Dizia-se até que era um local frequentado por elementos do PAIGC, procurando ouvir conversas dos nossos militares. E não é que vou encontrar o alferes a comer ostras e camarão e a beber umas canecas de cerveja. Perguntei: ”então meu alferes a beber cerveja tendo uma úlcera?“. E ele respondeu: “ó pá está calado, tenho de a alimentar senão ela morre“. 

O certo é que foi evacuado para a Metrópole tendo terminado a comissão.


10 - ENTRETENIMENTO
O Duo Ouro Negro
Fazer a barba com uma catana
O Russo, o Americano e o Português

Para além dos espetáculos que de vez em quando fazíamos entre nós, num palco montado no estrado duma camioneta mercedes, fomos brindados em datas diferentes com a presença do Duo Ouro Negro e do Show de Leónida Mendes.

Os nossos eram abrilhantados com o acordeão do furriel Azevedo. Inventávamos rábulas, sketchs, contavam-se anedotas e é claro as cantorias. Eu era como sou agora, tímido e pouco falador, não alinhando muito naquelas coisas, era só espetador atento. Mas um dia pregaram-me uma partida. O organizador disse que um alferes ou um furriel tinha de ir cantar. Colocaram numa saca quinze papéis, supostamente com o nome de todos, para efetuar um sorteio..E o contemplado fui eu ,pelo simples facto de em todos os papéis estar escrito o meu nome. E assim tive de ir cantar, tendo escolhido “ó rosa arredonda a saia “.

Foi um sucesso !...

No espetáculo do Duo Ouro Negro, improvisamos um palco no estrado de dois unimogs juntos, enfeitados com ramos de palmeira e um pano de fundo com a inscrição de “Olimpia de Nova Sintra”. O pessoal vibrou com todos os temas cantados, sobejamente conhecidos de todos.

Em junho de 1970 recebemos o espetáculo de Leónida Mendes, que se fazia acompanhar do locutor da emissora nacional Fernando Correia, da cançonetista Isabel Amora e duma senhora que tocava orgâo. Estava uma tarde muito ventosa. Os toldos que cobriam o palco estavam presos por uma pedra. Uma rajada de vento mais forte derrubou a pedra que caiu em cima do orgão e a senhora, já com alguma idade, borrou-se toda de medo, pois julgava que estávamos a ser atacados. Passado o susto o espetáculo foi retomado, só com a letra das canções, pois o orgâo foi para a sucata.

Esporadicamente ia lá um foto cine exibir filmes. Duma vez foi o furriel Martins, que estava há pouco tempo na Guiné e era a primeira saída que fazia e estava cheio de medo. O tempo de permanência seria de uma semana, mas acabou por ficar duas por falta de transporte. Então vimos filmes de todas as formas e feitios. O de cowboys foi inicialmente visto da forma normal e depois em reprise foi totalmente exibido de trás para a frente. O pistoleiro e o cavalo primeiro morriam e só depois era disparado o tiro.

“Não sou digno de ti” é o nome do filme romântico que foi exibido. O protagonista era o italiano Gianni Morandi. Nas cenas mais escaldantes, o pessoal exigia que o filme parasse por alguns momentos. A Tombó, nossa prisioneira em liberdade, não tirava os olhos de espanto do ecrã e comentava o filme à sua maneira. Dizia que o Giani Morandi era o juve (rapaz), a namorada a bajuda e a mansão a tabanca. Transportava o que via para a sua realidade e dizia, o juve vai à tabanca da bajuda.

Depois da primeira semana o Martins ambientou-se, estava mais adaptado e calmo.
Apanhou uma bebedeira de tal ordem, que eu estive quase a ser vítima do seu estado de embriaguez. 

Na altura eu tinha um bigode farfalhudo e o dele era muito incipiente. Como éramos naturais de freguesias próximas, alguém lhe disse se não tinha vergonha de ter um bigode tão enfezado relativamente ao meu. O Martins enraivecido andou atrás de mim para mo arrancar pelo por pelo e tive de andar a saltar de abrigo em abrigo fugindo dele. Alguém o agarrou, deitou-o na cama e amarrou-o. Depois de aplicada uma injeção tranquilizante serenou e dormiu que nem um justo toda a noite. 

Na manhã seguinte levantou-se ainda com os vapores do álcool e saiu do abrigo. Viu o capitão Loureiro a fazer a barba, pegou no pincel, meteu-o à boca e disse: “ meu capitão este gelado está bom e é de baunilha! “. 

No fim da segunda semana deixou-nos já com saudades. Nos anos 80 encontrava-me com ele no Porto, ao balcão do banco onde trabalhava e recordávamos os tempos da Guiné e muito nos ríamos e ameaçava: “ não voltes a aparecer aqui com o bigode, porque qualquer dia ficas sem ele “. Soube que estava doente, pelos vistos seriamente, tendo falecido.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série d18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação