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terça-feira, 25 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26615: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (4): Cantina - Encontros em Bissau e Entretenimento

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


8 - CANTINA
Sala do Soldado

Em setembro de 1969, por determinação do capitão Loureiro passei a assumir a gestão da cantina, acumulando com a do rancho geral.
O capitão ao assumir o comando da companhia, verificou irregularidades, creio eu por desleixo e falta de jeito do, então, gerente. Fiz-lhe ver que era muito trabalho para mim. É que não havia máquinas de calcular. As contas eram todas feitas à mão. Só havia uma máquina de somar com alavanca, obsoleta e que encravava com frequência, dando origem a erros. Soli
citei a colaboração de um ajudante tendo o pedido sido aceite.

Iniciei a recuperação de algum prejuízo verificado nas gestões anteriores e mantive a escrita em boa ordem até final da comissão sala do soldado


9 - ENCONTROS EM BISSAU
Rua do hotel Miramar
22/11/70 dia operação Mar Verde
Comendo as boas ostras da Guiné

Dos conterrâneos e amigos que encontrei em Bissau, para além do Camarinha e do André, recordo o Quim Marques que estava destacado em Farim, o Zé Pimpão e o Forte Rei. 

O Zé fazia parte da companhia de transportes e efetuava colunas de reabastecimentos para o norte da Guiné. Tinha uma casa alugada, próximo do quartel de Santa Luzia, que partilhava com outros furriéis. Nessa altura um deles estava de férias e convidou-me para ocupar a cama dele durante a minha curta estadia, o que aceitei de bom grado, pois assim evitava ir para o quartel de Brá, onde com toda a certeza me punham a fazer serviços da guarda e eu não queria.

O Forte Rei era gerente de messe de sargentos no quartel de Santa Luzia, onde o encontrei. Eu tinha tido alta do hospital militar e aguardava transporte para o mato. Após um forte abraço fitou-me e disse, é pá estás magro como um cão. Contei-lhe o que me tinha acontecido. De imediato levou-me para dentro da messe, no seu modo espalhafatoso. No seu local de trabalho chamou por alguém e ordenou: “Ó pá trata da fome a este gajo”.

Durante os três dias em que lá estive fui tratado como um príncipe.

Não era conterrâneo, mas alferes da minha companhia. Era um “ bon vivant” e cedo se percebeu que não queria estar lá por muito tempo. Engendrou uma úlcera no estômago, tendo sido evacuado para o hospital militar. Numa das minhas idas a Bissau encontrei-o na 5.ª Rep, designação dada a um café/cervejaria situado na avenida principal e da igreja.

Dizia-se até que era um local frequentado por elementos do PAIGC, procurando ouvir conversas dos nossos militares. E não é que vou encontrar o alferes a comer ostras e camarão e a beber umas canecas de cerveja. Perguntei: ”então meu alferes a beber cerveja tendo uma úlcera?“. E ele respondeu: “ó pá está calado, tenho de a alimentar senão ela morre“. 

O certo é que foi evacuado para a Metrópole tendo terminado a comissão.


10 - ENTRETENIMENTO
O Duo Ouro Negro
Fazer a barba com uma catana
O Russo, o Americano e o Português

Para além dos espetáculos que de vez em quando fazíamos entre nós, num palco montado no estrado duma camioneta mercedes, fomos brindados em datas diferentes com a presença do Duo Ouro Negro e do Show de Leónida Mendes.

Os nossos eram abrilhantados com o acordeão do furriel Azevedo. Inventávamos rábulas, sketchs, contavam-se anedotas e é claro as cantorias. Eu era como sou agora, tímido e pouco falador, não alinhando muito naquelas coisas, era só espetador atento. Mas um dia pregaram-me uma partida. O organizador disse que um alferes ou um furriel tinha de ir cantar. Colocaram numa saca quinze papéis, supostamente com o nome de todos, para efetuar um sorteio..E o contemplado fui eu ,pelo simples facto de em todos os papéis estar escrito o meu nome. E assim tive de ir cantar, tendo escolhido “ó rosa arredonda a saia “.

Foi um sucesso !...

No espetáculo do Duo Ouro Negro, improvisamos um palco no estrado de dois unimogs juntos, enfeitados com ramos de palmeira e um pano de fundo com a inscrição de “Olimpia de Nova Sintra”. O pessoal vibrou com todos os temas cantados, sobejamente conhecidos de todos.

Em junho de 1970 recebemos o espetáculo de Leónida Mendes, que se fazia acompanhar do locutor da emissora nacional Fernando Correia, da cançonetista Isabel Amora e duma senhora que tocava orgâo. Estava uma tarde muito ventosa. Os toldos que cobriam o palco estavam presos por uma pedra. Uma rajada de vento mais forte derrubou a pedra que caiu em cima do orgão e a senhora, já com alguma idade, borrou-se toda de medo, pois julgava que estávamos a ser atacados. Passado o susto o espetáculo foi retomado, só com a letra das canções, pois o orgâo foi para a sucata.

Esporadicamente ia lá um foto cine exibir filmes. Duma vez foi o furriel Martins, que estava há pouco tempo na Guiné e era a primeira saída que fazia e estava cheio de medo. O tempo de permanência seria de uma semana, mas acabou por ficar duas por falta de transporte. Então vimos filmes de todas as formas e feitios. O de cowboys foi inicialmente visto da forma normal e depois em reprise foi totalmente exibido de trás para a frente. O pistoleiro e o cavalo primeiro morriam e só depois era disparado o tiro.

“Não sou digno de ti” é o nome do filme romântico que foi exibido. O protagonista era o italiano Gianni Morandi. Nas cenas mais escaldantes, o pessoal exigia que o filme parasse por alguns momentos. A Tombó, nossa prisioneira em liberdade, não tirava os olhos de espanto do ecrã e comentava o filme à sua maneira. Dizia que o Giani Morandi era o juve (rapaz), a namorada a bajuda e a mansão a tabanca. Transportava o que via para a sua realidade e dizia, o juve vai à tabanca da bajuda.

Depois da primeira semana o Martins ambientou-se, estava mais adaptado e calmo.
Apanhou uma bebedeira de tal ordem, que eu estive quase a ser vítima do seu estado de embriaguez. 

Na altura eu tinha um bigode farfalhudo e o dele era muito incipiente. Como éramos naturais de freguesias próximas, alguém lhe disse se não tinha vergonha de ter um bigode tão enfezado relativamente ao meu. O Martins enraivecido andou atrás de mim para mo arrancar pelo por pelo e tive de andar a saltar de abrigo em abrigo fugindo dele. Alguém o agarrou, deitou-o na cama e amarrou-o. Depois de aplicada uma injeção tranquilizante serenou e dormiu que nem um justo toda a noite. 

Na manhã seguinte levantou-se ainda com os vapores do álcool e saiu do abrigo. Viu o capitão Loureiro a fazer a barba, pegou no pincel, meteu-o à boca e disse: “ meu capitão este gelado está bom e é de baunilha! “. 

No fim da segunda semana deixou-nos já com saudades. Nos anos 80 encontrava-me com ele no Porto, ao balcão do banco onde trabalhava e recordávamos os tempos da Guiné e muito nos ríamos e ameaçava: “ não voltes a aparecer aqui com o bigode, porque qualquer dia ficas sem ele “. Soube que estava doente, pelos vistos seriamente, tendo falecido.

(continua)

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Nota do editor

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2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Aníbal, parabéns pelo teu sentido de humor!...Desmanchei-me a rir com algunmas das tuas "cenas"... Temos que ri um copo na praia da Madalena...Na Páscoa vou ao Norte... E depois ligo-te.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Foi notícia no Sapo, há 5 anos...

Morreu a cantora Isabel Amora, do duo Elas
T.D.
13 jul 2020 09:55

(...) Isabel Amora, cantora que fez parte do duo Elas, morreu no passado sábado, dia 11 de julho (de 2020), aos 74 anos. A notícia foi confirmada por familiares nas redes sociais.

A artista portuguesa nasceu em 1946 e deu-se a conhecer em 1965 ao participar no concurso " Ié-Ié", no Teatro Monumental, em Lisboa.(...)