1. Caros leitores: dou conta que desde maio do ano passado que não têm aparecido no blogue as tradicionais sugestões gastronómicas dos nossos vagomestres (*)...
E, a propósito, por onde é que eles andam ? Há tempos pusemos um anúncio: "Vagomestres, precisam-se!"... Só apareceu um, o Aníbal José da Silva (**)...
Mas todos os dias a malta tem de comer, mal ou bem... Nas nossas "messes" e "ranchos"... Cada vez pior, diz o povo...E ele há coisas que vão desaparecendo das nossas mesas: caça, peixe, marisco, vitela, queijo e requeijão de Serpa... Quem é que lhe chega ?
O vagomestre, com a pandemia de Covid-19, habituou-se aos enlatados: atum com grão de bico, cavalas em óleo de girassol, sardinha em óleo picante com pickles, etc. E aos congelados...
Mas, feitas as contas ao quilo, até o raio das conservas de peixe estão pela hora da morte... E até os petiscos dos pobres passaram para o cardápio dos ricos, do bacalhau ao polvo, do berbigão à sapateira, do sável à lampreia...
Será que ainda se fazem as "iscas com elas" ? E ainda há quem faça "tomates de carneiro com ovos mexidos" ?...
O que desapareceu, do nosso tempo, foram também as tascas, com serradura no chão e pipos de tinto carrascão na parede, mesas de tampo de mármore e mochos de madeira em vez de cadeiras de plástico...
Mas estamos numa época boa para certos "petiscos" como as favas suadas, as casulas com butelo ou o sável frito com acorda de ovas... Foi o que a nossa "chef" Alice fez para celebrar os dois mesinhos da segunda neta, a Rosinha... Dizem os comensaios que foi comer e chorar por mais (o sável foi generoso, tinha dois quilos e meio e trazia as ovas...).
Era um "prato" que se comia à mesa dos pobres, na Quaresma, por várias razões que se podem enumerar pelos dedos:
- era a altura do sável (e da lampreia) subir o rio Douro para desovar (ainda não havia barragens);
- os pobres não compravam a bu(r)la ao senhor abade;
- os "rendeiros" não podiam comer carne mas precisavam de proteína para trabalhar os socalcos do seu "senhor e amo";
- o sável vendia-se de porta em porta, uma fiada enorme de peixe enfiado num longo varapau às costas do pescador de rio;
- tinha muitas espinhas, era preciso engenho, arte e paciência para o saber cortar fininho e fritá-lo em azeite...
Ele há coisas que não há no céu... E que não tèm preço. E que, por isso, não passam pelo estreito dos bilionários... E uma delas é, para além do "cebolinho do talho", seguramente a açorda de ovas com sável frito, com um toque muito especial do alho e do coentro (que era do Sul, dos ganhões, e que por isso não ia à mesa do rei)...
Tudo à moda da "Chef" Alice, segundo uma receita antiga da família da Quinta de Candeoz, que ainda é do tempo do extinto concelho de Bem Viver e das pesqueiras do rio Douro que tinham foral do senhor Dom Manuel , o Venturoso.
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Notas do editor LG:
(*) Último poste da série > 13 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25517: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (46): Viva o po(l)vo... da Lourinhã!
13 comentários:
Aqui, pela zona ribeirinha do Tejo, entre Azambuja e Póvoa de Santa Iria, há um slogan de uma campanha que diz "mês de Março, mês do sável".
E, de facto, é sável frito, com postas muito fininhas, acompanhado de açorda, não de "ovos" mas de ovas do peixinho....
Bom apetite.!
Comi há alguns anos na Cova da Piedade mas não fiquei fã. A açorda estava saborosa mas o peixe não tinha a fritura correcta e as espinhas incomodavam. O António Bartolomeu esse sim é amante do petisco Acho que a " chefe " Alice confecciona melhor o pitéu. Pelo menos as fotos são apelativas
Grande abraço
Eduardo Estrela
Todas as gralhas são irritantes...
Os ovos são gralhas...
...logo são irritantes!
Não e um ovo, é uma gema, crua...
Cortado muito fino, o peixe tem de ficar crocante. Não há espinhas!... É esse o segredo.
E como a lampreia ou se gosta ou se odeia.
João Crisóstomo, Nova Iorque
Ai, Ai, Ai, …. mas que coragem para nos fazer sofrer desta maneira !…
"sável frito, com postas muito fininhas, acompanhado de açorda, não de "ovos" mas de ovas do peixinho”….
Sim!,…. é tempo de Quaresma! E este post da série “ No Céu não há disto” fez-me lembrar um caso sucedido numa casa de "gente pobre” em Nova Iorque nos meus tempos de mordomo. Foi numa quinta feira e um amigo tinha-me pedido para o ajudar a servir um jantar na casa onde ele trabalhava como mordomo. O que sucedia frequentemente entre nós: quando na casa onde um de nós mordomos trabalhava havia um jantar que exigisse ajuda extra, chamávamo-nos-nos uns aos outros. No fim do dia, acabado o jantar e me preparava para ir embora, ouvi as instruções dadas pela “senhora" dessa casa à pessoa que pelos vistos, além de “gerente" da sua casa acumulava o trabalho de cozinheira:
“Amanhã vem cá almoçar o casal “xxxxx”. Como estamos na Quaresma e é Sexta Feira não se pode comer carne. Ainda não sei o que vamos dar para sobremesa, mas o primeiro prato será caviar e o prato principal será lagosta”….
João Crisóstomo, Nova Iorque ( ex- mordomo de profissão)
Eduardo, e os jaquinzinhos com arroz de tomate ? E o teu xarém ? Sou fã...
Jaquinzinhos ou petingas Luís.
E o tal xarém cortado às fatias depois de frio, passado por um fio de azeite e alho picado para acompanhar peixe ou carne grelhados. E os carapaus alimados. Uma delícia a juntar a todas as que a gastronomia portuguesa nos proporciona.gastronomia portuguesa
João, em todos os tempos e lugares, cá e nas Américas, os ricos e os poderosos sempre tiveram meios, arte, engenho, saber e poder, para dar a volta ao texto (e ao "tacho")... A história que contas é "deliciosa"... Merece figura na nossa série "Humor de caserna"... Quando eu era puto, e como não tínhamos lá em casa a tal "bula" (ou "burla", como diziam os anticlericais da terra...), não comíamos caviar e lagosta às sextas feiras da Quaresma, mas antes... "bacalhau com grão de bico"... Que enjoei!... Imagina que era caviar e lagosta!... Boas e santas páscoas para ti e família...Vão lá cima ao Norte!
Esta gente sabe trazer para aqui coisas boas e mais do que boas : lamreia, sável frito com açorda, jaquinzinhos, carapaus alimados...esqueceram-se dos chocos com tinta, das enguias e do rodovalho, todas elas comidas impecáveis e apropriadas às pessoas impecáveis durante a quadra pascal de rigorosos jejuns e abstinências.
Por favor, não me façam salivar mais.
Um grande abraço
Carvalho de Mampatá
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