1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Setembro de 2012:
Queridos amigos,
O Sargento-Mor Paraquedista Manuel Godinho Rebocho tem uma versão muito peculiar das razões subjacentes ao 25 de Abril. Houve para ali como que uma luta surda de classes entre oficiais do conforto, gente do quadro permanente, e oficiais milicianos com provas dadas no terreno, na génese de uma guerra corporativa que foi ultrapassada pelo turbilhão das frentes da Guiné e Moçambique, as duas fações coligaram-se para apoiar a solução política anunciada por Spínola.
Tudo quando se passou ao 25 de Abril tem o rastilho dessa luta surda de classes onde se moveu e saiu triunfante a malta emocionalmente impreparada para as guerras de África e genericamente responsável por tudo quanto ali se passou.
Por favor, leiam “Elites Militares e a Guerra de África” para fundamentarem a vossa opinião sobre o 25 de Abril até agora desconhecido.
Um abraço do
Mário
A “milicianização” da guerra (3)
Beja Santos
Chegámos a um ponto crucial das teses enunciadas pelo doutor Rebocho na sua prova de doutoramento que vieram a ser publicadas com o título “Elites Militares e a Guerra de África”. Os postulados são os seguintes. Estamos a caminhar a passos largos para os acontecimentos do 25 de Abril. Ele dá-nos o contexto: a partir de 1973, a guerra tornou-se mais violenta do que nunca; os oficiais do quadro permanente afastaram-se do teatro de operações, confinaram-se à gestão militar, a ministrar instrução, entregues à burocracia nas repartições. Os capitães milicianos tornaram-se na matéria-prima essencial, eles e os alferes milicianos, sobretudo, mas há que contar também com os furriéis milicianos. Por esta altura, o quadro especial de oficiais já não pode ser ignorado. Estala uma tensão profunda entre os operacionais que se mostram mais abertos à descolonização e os oficiais do quadro permanente a favor da presença portuguesa em África. E cita Dinis de Almeida: “A iminência de uma derrota na Guiné, criara condições para uma melhor implantação e influência do MFA que encontrava no estrato miliciano alguns dos seus mais sólidos aderentes (aí já se chegara mesmo ao ponto de entregar quase em exclusivo aos oficiais milicianos o comando das companhias operacionais).”. E documenta com a ira dos colonos da faixa central de Moçambique, profundamente desorientados com a morte da mulher de um fazendeiro europeu, em Vila Manica, distrito de Vila Pery. A comunidade branca apedrejou a messe de oficiais, esta comunidade branca, segundo o doutor Rebocho, era o alvo das seguintes quadras: "Vai para o mato,/ Chico malandro./ Por tua causa,/ É que eu aqui ando./ É que eu aqui ando./ É que eu aqui ando./ Estou farto deles,/ Da chicalhada./ Só mandam vir,/ E não fazem nada./ E não fazem nada./ E não fazem nada”.E seguem-se os números: “Ao apreciar a lista de antiguidades dos oficiais do Exército do quadro permanente, reportada a 1 de Janeiro de 1974, verifica-se que existiam 1566 capitães de carreira, dos quais 938 da Escola do Exército e destes 471 eram de Infantaria, 183 de Artilharia e 105 de Cavalaria, os restantes eram de Armas e serviços não combatentes. Além destes, existiam 74 capitães do QEO, o que perfazia 833 capitães cujas funções deveriam ser as de comandante de companhia. No início de 1974, existiam no conjunto dos três teatros de operações, 410 companhias operacionais (…). Os capitães das armas combatentes eram mais do dobro das companhias existentes na guerra de África. Se todos os capitães comandassem companhias, função para efetivamente existem, e se permanecessem na Metrópole durante o mesmo período de tempo que no comando de companhias em África, todas elas poderiam ser comandadas por capitães de carreira. Mas não seria de exigir tão grande esforço, consideremos apenas metade, o mesmo é dizer que metade das companhias operacionais em África deveriam ser comandadas por capitães de carreira, o que não aconteceu. Ao contrário, formavam-se anualmente 260 capitães milicianos, ou 520 durante os 2 anos de uma comissão normal”.
E assim chegamos ao 25 de Abril, o último ato, segundo o autor do Decreto-Lei nº 353/73, de 13 de Julho, que criara condições para o ingresso dos capitães milicianos no quadro permanente. Revogada a legislação, as movimentações de caráter corporativo entraram numa espécie de luta entre os puros (os do quadro permanente) e os espúrios (milicianos). Spínola irá aparecer como o protetor dos milicianos e Costa Gomes o dos do quadro permanente. O manto diáfano das manifestações era a procura de uma solução política para a guerra de África. E depois o autor disserta sobre as particularidades dessas movimentações, matéria largamente conhecida mas que leva o doutor Rebocho a uma nova espiral de descobertas: o golpe de Estado militar teve à frente Andrade Moura, proveniente dos milicianos, e não Salgueiro da Maia, do quadro permanente. E está ali bem escrito, para que o leitor não entre em equívocos: “O capitão oriundo de miliciano, Andrade Moura, e o sargento Silva Brás, foram os homens decisivos do golpe militar, sem o contributo dos quais tudo se teria desmoronado”. Andrade Moura deu esclarecimentos sibilinos ao doutor Rebocho: “A arma de cavalaria não estava com a Comissão Coordenadora do MFA, mas com Spínola”. Costa Gomes, vem escrito, teve um procedimento caviloso, nem o Cardeal Richelieu se lembraria disto: “Costa Gomes sabia que, pelo menos por algum tempo, o poder ficaria nas mãos dos militares. Com a nomeação de uma Comissão totalmente fiel, preferiu liderar as forças armadas através do cargo de CEMGFA, lugar que reservou para si. Foram estes dois momentos, a nomeação da Comissão e a do CEMGFA, passados na noite de 25 para 26 de Abril, que derrotaram Spínola, provocando todos os acontecimentos seguintes, e definindo não só o futuro de Portugal, como dos territórios africanos”. Como não podia deixar de ser o golpe Palma Carlos, o 28 de Setembro, o 11 de Março e o 25 de Novembro foram altamente condicionados pelas tensões existentes entre os que acreditavam nas teses de Spínola e os que se escudavam atrás de Costa Gomes.
Chegou a hora das conclusões, depois de tanta investigação científica. Fica-se a saber o seguinte: a formação dos quadros combatentes à base de milicianos (oficiais e sargentos) constitui o maior erro praticado na condução da guerra de África, as autoridades tinham sido prevenidas e até andou por Portugal o Marechal Montgomery que alertou para a obrigação dos generais portugueses comandarem tropas; aquela guerra para ser ganha, ou ter um destino diferente da que teve, requeria oficiais com capacidades pessoais, com inteligências específicas (caso da inteligência emocional) e não só os conhecimentos adquiridos no curso para oficial; os oficiais do quadro permanente afastaram-se da guerra, muitos deles por falta de vocação e motivação profissional.
Tudo somado e conjugado, chegámos ao ponto alto da tese: “Acontecimentos motivados não por razão de ordem social, mas pelas qualidades do desempenho da guerra de África, o que determinou que os oficiais operacionais, do quadro e milicianos, seguissem o general António de Spínola, enquanto os oficiais ‘básicos’ seguiram o general Costa Gomes. As designações de esquerdistas, comunistas, moderados, direitistas e fascistas, não correspondiam assim, em minha opinião, aos comportamentos substantivos dos militares. Conforme demonstrei, os conflitos intramilitares tiveram basicamente as suas origens nas vocações e motivações que determinaram a qualidade do respetivo desempenho e o comportamento demonstrado, por sua vez derivado dos erros do processo de formação militar”.
O doutor Rebocho despede-se do leitor com o desejo que a sua investigação suscite novos trabalhos e possa contribuir para conhecer melhor a instituição militar e ajudar à elevação da sua eficácia e da sua dignidade, através de processos de seleção, recrutamento e formação consequentes com os valores que devem presidir à existência e continuidade das Forças Armadas.
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Notas de CV:
Vd. postes anteriores desta recensão de:
26 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10727: Notas de leitura (432): "Elites Militares e a Guerra de África", por Manuel Godinho Rebocho (1) (Mário Beja Santos)
e
30 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10740: Notas de leitura (433): "Elites Militares e a Guerra de África", por Manuel Godinho Rebocho (2) (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 2 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10752: Notas de leitura (435): "Amílcar Cabral Revolutionary leadership and people's war", por Patrick Chabal (2) (Francisco Henriques da Silva)


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