
1. O nosso Camarada Manuel Godinho Rebocho, ex-2º Sargento Pára-Quedista da CCP123/BCP12, Bissalanca, 1972/74, (hoje Sargento-Mor na reserva), cedeu ao nosso blogue a publicação do seu livro “AS ELITES MILITARES E AS GUERRAS D’ÁFRICA”, o que muito agradecemos em nome dos editores e demais camaradas.
A publicação iniciar-se-á, no presente poste, com o currículo pessoal, os agradecimentos, a constituição do livro, nota do autor e prefácio:
Currículo Pessoal
Manuel Godinho Rebocho nasceu a 4 de Dezembro de 1949, numa aldeia próxima de Évora. Ingressou como voluntário nas Tropas Pára-Quedistas aos 18 anos. Efectuou o antigo 5.º ano dos Liceus durante a sua comissão de serviço na Guiné, entre 1972 e 1974. Preparou-se para os exames do antigo 7.º ano dos Liceus durante a sua prisão, resultante dos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975, de cujos actos foi judicialmente ilibado.
Por ordem do então Chefe do Estado-Maior da Força Aérea permaneceu em residência fixa até 1982, o que o impediu de ingressar na Academia Militar, em 1976. Como alternativa à Academia, e com a devida autorização judicial, ingressou na Universidade de Évora, em 1976.
É Eng.º Agrónomo, Mestre em Economia Agrícola e Doutorado em Sociologia (ramo Sociologia da Paz e dos Conflitos). É Sargento-Mor Pára-Quedista, na reserva, à qual passou por limite de tempo no posto (oito anos).
AS ELITES MILITARES
E AS GUERRAS D’ÁFRICA
Aos que, na Guerra de África,
Deram parte de si à Pátria
E a Pátria nada lhe deu
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer particularmente à minha mulher, Maria Jacinta, e aos meus filhos Cláudia Leonor e Nuno Miguel, o apoio e incentivo que me expressaram.
À Professora Doutora Maria José Stock, agradeço todo o apoio que me concedeu na estruturação e leitura do texto. Creio mesmo que, sem o seu apoio, não teria alcançado o meu objectivo, nem a qualidade da obra atingiria o patamar que julgo ter conseguido.
À Instituição Militar, particularmente ao Exército, agradeço a permissão para consultar os múltiplos arquivos militares, onde obtive a informação que sustenta a obra; sem essa consulta seria absolutamente impossível efectuar a investigação com a objectividade conseguida.
O livro tem a seguinte estrutura e sequência de anexos:
Título
Dedicatória
Índice
Prefácio (páginas 1 a 6)
I Capítulo (páginas 7 a 82)
II Capítulo (páginas 83 a 240)
III Capítulo - desdobrado em 4 anexos - (páginas 241 a 428)
III I (páginas 241 a 341)
III II (páginas 342 a 369)
III III (páginas 370 a 400)
III IV (páginas 400 a 428)
IV Capítulo (páginas 429 a 506)
V Capítulo (páginas 507 a 532)
VI Posfácio (páginas 533 a 548)
VII Bibliografia (páginas 549 a 596)
Currículo Pessoal
NOTA DO AUTOR
O trabalho de investigação que desenvolvi, ao longo de vários anos, cujo resultado final constitui a presente obra, teve como fontes de informação fundamentais a análise que efectuei sobre diversos documentos militares, a minha própria experiência e um vasto número de entrevistas a Oficiais do Quadro Permanente.
A investigação científica que realizei provou que, no decurso da Guerra de África, os Oficiais do Quadro Permanente foram-se progressivamente afastando do Comando Operacional, para se instalarem nas posições de gestão militar. Desta situação, inusitada, resultaria terem sido os Milicianos quem, de facto, comandou as Unidades de Combate, nos últimos e mais gravosos anos da Guerra.
Reconhecendo esta situação e dado não ter ouvido, na dimensão adequada, os graduados milicianos, nem lhes ter dado o destaque que justamente merecem, entendi, para corrigir este lapso, convidar um miliciano para prefaciar a presente obra, para além de ter igualmente convidado um miliciano de cada uma das suas classes: Capitães, Alferes e Furriéis, para escreverem livremente um depoimento sob a forma de posfácio, enfatizando particularmente a sua experiência enquanto combatentes. Presto, assim, o meu total reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelos Milicianos no seu todo, ao longo da Guerra de África.
PREFÁCIO
O dado fulcral, que faz da obra de Manuel Rebocho um caso singular, escorado basicamente em procedimentos metodológicos da “nova” sociologia, a observação-acção, ou melhor a observação empenhada, como dela disse Adriano Moreira durante a discussão académica, é o ponto de partida do investigador: foi a sua participação e envolvimento directo na guerra que, anos depois, viria a despoletar o seu interesse sociológico no tema, a ponto de a estudar e de apresentar a escrutínio doutoral os resultados a que chegou.
Não espanta, por isso, que, uma vez e muitas, se pressinta alguma dificuldade de “afastamento” e “isenção” do autor face ao real que analisa. Mas isso não menoriza ou empobrece a qualidade científica do trabalho, antes o valoriza: afinal foi feito por quem, com instrumentos da ciência social, se debruça sobre o que viveu e sofreu. Este trabalho, no essencial da obra, deve ser, por isso, entendido como portador de uma parcela autobiográfica, como uma “história de vida”, como sublinhou Maria José Stock, orientadora do novel Doutor.
Se é verdade que a Guerra Colonial demorou alguns anos a tornar-se tema ficcional, já hoje há obras bastantes, particularmente testemunhos pessoais mais ou menos ficcionados, que permitem uma visão global sobre a vida no teatro de operações. O mesmo não pode dizer-se quanto a estudos académicos sobre o interior da instituição que fez a guerra, as Forças Armadas. Este trabalho de Manuel Rebocho vem iluminar zonas das nossas últimas Campanhas em África que até agora se mantinham na sombra.
A radical mudança política operada em Portugal em 1974, protagonizada, aliás, pelas Forças Armadas que triunfando sobre a ditadura abriram, “ipso facto”, caminho à sua “derrota” na Guerra Colonial, não propiciou, por isso, condições facilitadoras do estudo do processo “Guerra Colonial”.
Ao rastrear os “curricula” e a formação dos oficiais, particularmente após 1959 – ano da criação da Academia Militar –, quando se tornara imparável e acelerado o movimento independentista dos territórios africanos administrados por potências coloniais e, face à intransigente política “ultramarina” de Salazar, a guerra era inevitável. Manuel Rebocho concluiu que a Academia Militar passou então a preparar a elite não para o comando operacional, mas sim para funções técnicas e administrativas.
Em vez de comandantes operacionais, os militares do quadro permanente, na sua esmagadora maioria e nos mais diversos escalões, tornaram-se, progressivamente, ao longo dos treze anos que a guerra durou, “administradores” da logística e gestores da estratégia dos três teatros de operações.
A guerra no terreno, na frente de combate, assente numa quadrícula à base da companhia e realizada quotidianamente a nível de meia companhia ou, mesmo, de pelotão, essa, passou a ser feita quase exclusivamente, por capitães e alferes milicianos que enquadravam furriéis milicianos e praças do serviço militar obrigatório – essa foi, de facto, a “guerra” em que eu combati, no norte de Moçambique, e foi a conclusão generalizada a que chegou Manuel Rebocho. Chamou-lhe, ele, a milicianização da guerra.
Sem a triagem quantitativa que este estudo nos aporta, já outros, antes, tinham chamado à atenção para este aspecto da gestão cirúrgica do pessoal; Diniz de Almeida refere que “acentuadas diferenças de colocação dos oficiais, quer do Q. P. (Quadro Permanente) quer do Q. C. (Quadro de Complemento), determinavam ainda a vida particular e profissional dos militares originando, assim, um novo quadro de injustiça a corrigir. Deste modo, em função das mais diversas motivações, eram normalmente colocados em funções burocráticas ou em quartéis de cidade, os oficiais afectos ao regime. Quanto aos restantes, menos identificados com o regime, aguardavam-nos, regra geral, os postos longínquos e incómodos do mato.”
Após dez anos de guerra, no dia-a-dia, os pouquíssimos militares profissionais (Quadro Permanente e Serviço Geral) que estavam na frente de combate “nunca” saíam para o mato, ficando no “arame farpado” em funções de comando, colheita e coordenação de informações, planeamento de operações e apoio logístico; na picada e no mato andavam os capitães, alferes e furriéis milicianos e os cabos e soldados do serviço militar obrigatório. A estes juntavam-se, no mato, mais ou menos regularmente segundo as dificuldades do teatro de operações, companhias de comandos, de fuzileiros e de pára-quedistas, nas quais, aí sim, os soldados eram enquadrados por sargentos e oficiais do quadro permanente.
Foi essa realidade vivida na “frente” que Manuel Rebocho veio, agora, com números “arrasadores”, constatar: no Leste de Angola, de 1971 a 1974, das 68 companhias só 3 tinham capitães oriundos da Academia Militar; em Moçambique, em 1973, das 101 companhias apenas 1 era comandada por um capitão do Quadro Especial de Oficiais, e esse estava lá “por castigo”!
Reflexos dessa forma de administrar sabiamente “os riscos”, colhem-se, ainda hoje, quando se analisam as listagens de sócios da Associação dos Deficientes das Forças Armadas: o padrão médio indica-nos que cerca de 92% eram militares do Serviço Militar Obrigatório.
A gestão do pessoal afecto à guerra, feita pelas chefias militares, em seu benefício e salvaguarda, foi possível, sem escrutínio do poder político, porque o regime não permitia que, sequer, se questionasse a sua existência, nem mesmo na campanha eleitoral da “primavera marcelista”. O Ministro do Ultramar, Silva Cunha, era muito claro quanto a isso, dizendo que “o Governo não ia dizer (...) às Forças Armadas como combater” porque “a questão militar estava à parte do Governo, e a responsabilidade cabia ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas”.
Ao considerar a “Guerra do Ultramar” como desígnio patriótico, inevitável e inegociável, porque culpa do “outro” e dos ventos da história, a ditadura remetia, implicitamente o seu êxito ou inêxito para a esfera militar, tanto mais que garantia na Metrópole, na retaguarda, as condições ideais para o êxito das nossas tropas, ao não permitir que a opinião pública a contestasse, a condenasse. Tal situação até dispensou, em última análise, o poder político de apetrechar as frentes com condições logísticas e de material de combate capazes de potenciar as hipóteses de êxito militar.
Até ao fim da Guerra, uma vara ou uma cana de bambu a que se atava uma ponteira de aço afiada, era o nosso detector de minas – o que explica o número “indecoroso” de amputados e de cegos que a guerra produziu.
Por isso, às vezes, ainda acordo a meio da noite, quando não devia, no estertor de um pesadelo.
Manuel Joaquim Calhau Branco
Licenciado e Mestre em História
Ex-Alferes Miliciano; deficiente das Forças Armadas.
Textos, fotos e legendas: © Manuel Rebocho (2010). Direitos reservados
(continua)
2. Nota de Luís Graça, editor principal do blogue:
De férias, esperando um Agosto calmo como as águas da enseada da minha Praia do Paimogo ou suave como a brisa que sopra no planalto das Cesaredas, nos pedrogosos caminhos calcorreados por Pedro e Inês entre Moledo e Serra d'El-Rei, protagonistas da mais trágica paixão de amor da nossa história, sou surprendido com o início de uma mais uma polémica bloguística, em que dois antigos camaradas da Guiné (o Manuel Rebocho e o Morais da Silva) já estão a ser utilizados, de novo, como armas de arremesso em guerras que não são as do nosso blogue e para eventuais ajustes de contas que não são da nossa conta.
Comecemos por esclarecer a decisão do editor de serviço, Eduardo Magalhães Ribeiro (EMR), ao publicar este poste. Diz ele que que o nosso camarada Manuel Rebocho, membro de longa data da nossa Tabanca Grande, "cedeu ao nosso blogue a publicação do seu livro 'Elites Militares e a Guerra de África', o que muito agradecemnos em nome dos editores e demais camaradas"... E logo a seguir escreve: "A publicação iniciar-se-á, no presente poste, com o currículo pessoal, os agradecimentos, a constituição do livro, nota do autor e prefácio" (...).
Acontece que eu não tenho conhecimento da mensagem do Manuel Rebocho (que pode ter sido enviada por mail apenas para a caixa do correio do EMR) e, portanto, não posso avaliar os termos e as comdições em que ele autoriza a (re)publicação do seu livro... Como eu sou, legalmente, o responsável do blogue, e esta alegada cedência de direitos de autor tem implicações legais, tenho que esclarecer algumas questões prévias: a) o detentor dos direitos de publicação não é (ou não é apenas) o Manuel Godinho Rebocho: b) o livro foi publicado pela Editora Roma, que tem direitos legais sobre a obra; c) sem uma autorização expressa, por escrito, da Editora Roma, não podemos reproduzir, no nosso blogue, a obra que, de resto, tem mais de 500 páginas (com anexos).
Por outro lado, por muita estima que eu tenha pelo camarada Manuel Rebocho (e meu confrade da academia) (como tenho por todos os membros deste blogue, meus camaradas da Guiné), não posso compromerter-me a publicar a obra na "íntegra"... Não faz sentido, por várias razões: a) o nosso blogue publica, de preferência, inéditos (o que não é o caso); b) o livro é um trabalho académico, resulta de uma tese de doutoramento em sociologia, a parte teórico-metodológica (Cap I, pp. 45-85) só pode interessar uma público mais restrito; c) Apenas o Cap III (A guerra de África e o desempenho das elites militares, pp. 220-375) tem mais directamente a ver com o 'core business' do nosso blogue; d) Tal não quer dizer que o Cap II (A formação base das elites militares, pp. 87-213) não seja importante para o debate oficiais QP/Milicianos; e) Quanto ao Cap IV (As elites militares no pós-marcelismo, pp. 375-440), é matéria que extravasa, em muito, o âmbito do nosso blogue; f) Por fim, e não menos, importante a publicação integral do livro "Elites Militares e a Guerra de África" teria um efeito de "Caixa de Pandora": de futuro, ficaríamos comprometidos a reproduzir, no blogue, todos os livros de todos os nossos camaradas, escritores, o que não me parece razoável e, sobretudo, significaria a morte (já tantas vezes anunciada...) do nosso blogue que deve ser de todos e para todos...
O livro do nosso camarada Manuel Rebocho pode e deve merecer um lugar de destaque na literatura da guerra colonial, no domínio das obras de ensaio, de investigação académica ou outra. Como aliás, já teve, na devida altura, na sessão de lançamento do livro. Eu próprio me comprometi a fazer uma recensão crítica do livro, prometida para as leituras de férias... Terei então a oportunidade, agora em Agosto,. de usar excertos, mais extensos, da obra, em nosso poder, em suporte digital... A publicação, não das 500 páginas, mas de algumas das partes mais significativas da obra, terá que ser negociada e acordada por mim, com o autor (e com o EDITOR!!!, uma vez que não se trata de uma edição de autor).
Falei com o EMR, também a caminho de férias, na Nazaré ("onde vai pôr ao sol o bacalhau"), procurando esclarecer alguns destes pontos... Ele próprio já me tinha tentado contactar, em vão, para me dar conta desta oferta, generosa, do nosso camarada, e da sua iniciativa (dele, EMR), algo prematura, de "iniciar a publicação de uma obra", correndo (sem se dar conta) do risco de clara violação da lei sobre proprieddae intelectual. Fê-lo, como sempre, com a melhor das intenções de assegurar o pluralismo do blogue e de colmatar alguma falta de materiais nesta altura do ano...
Com votos de boa continuação de férias para os nossos leitores, colaboradores e editores. Cuidado com o stresse térmico! Luís Graça (Lourinhã, 1 de Agosto de 2010, 16h30).
Adenda (2 de Agosto de 2010, 17h):
O EMR acabou de telefonar da Nazaré (onde fazer 15 dias de férias) a explicar as circunstâncias em que se encontrou, em Évora, almoçou com ele e ele teve a gentileza de lhe oferecer um CD com o conteúdo do livro... Não terá posto quaisquer exigências ou pedido contrapartidas (, publicitárias ou outras): "Aqui tens o livro em suporte digital, utiliza-o como quiseres, no blogue"... O EMR agiu, de motu proprio, com a melhor das intenções, mas esquecendo que um livro é um "produto comercial" e que o autor, quando edita um livro através de uma editora comercial (ou pulica um simples artigo numa publicação periódica, jornal ou revista) , "vende ou cede os seus direitos de autor"...
___________
Notas de M.R.:
Vd. postes relacionados desta série em:
A investigação desenvolvida e necessária para redigir a presente obra nunca seria possível sem que um elevado número de pessoas e instituições me tivessem concedido o seu apoio. Os dados estão dispersos, uns disponíveis em suporte de papel, outros constando apenas da memória de quem os viveu, deles ainda se recorda e se disponibilizou para os relatar. A todas estas pessoas e instituições, sem qualquer excepção, expresso o meu mais profundo agradecimento.