1. Texto do Zé Ferraz, nosso camarada da diáspora (*):
Na década de 80, quando era Zone service manager - para a América Central e Caraíbas - da divisão Detroit Diesel Allison da General Motors, ia muitas vezes ao Panamá.
Numa dessas visitas estava num almoço com os meus contactos locais quando o gerente da nosso representante me disse:
- Como és Português e estiveste em África, quero apresentar-te a um amigo meu.
- Ok, onde está ?
- Está para chegar porque te quer conhecer pessoalmente.
Passados ums minutos chega um tipo que à guisa de apresentação me diz:
- Corpo di bó ?
Fiquei espantado mais ainda quando soube o seu nome:
- Eu sou o Hugo Spadafora, médico.
Primeiro senti um ódio intenso, acalmei-me e durante a tarde ficámos na mesa do restaurante a falar dos nossos tempos na Guiné. Para mim, foi uma experiência catártica que fechou em mim o desejo de vingança que guardei comigo durante anos.
Posteriormente o Hugo foi morto (degolado), pelo que a gente diz, por ordem do ditador Noriega [e não Torrijos, como certamente por lapso escreveu o Zé]. Vox populi vox dei [, Voz do povo, voz de Deus].
Um forte abraço.
Zé.
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Notas do editor:
Born in Chitré, Spadafora was a doctor, graduated from the University of Bologna, in Italy. He served as a combat doctor with the independence guerrilla of Guinea-Bissau.
Originally a critic of the military regime headed by Omar Torrijos, he served as its Vice-Minister of Health. In 1978, he organized the Victoriano Lorenzo Brigade, formed by a group of Panamanian fighters to fight against the Anastasio Somoza Debayle regime in Nicaragua.
Concerned about the increased Soviet and Cuban influence in the Sandinista regime of Nicaragua and the delay of free elections, Spadafora joined the Sandino Revolutionary Front (FRS) alongside Edén Pastora ("Comandante Zero"), hero of the August 1978 seizure of Somoza's palace.
The rise of Manuel Noriega as authoritarian ruler of Panama compelled Spadafora to denounce Noriega's protection of drug trafficking. Spadafora was detained by Noriega's forces when entering Panama from Costa Rica in September 1985, and his decapitated body was later found stuffed in a post office bag. The autopsy later found Spadafora's stomach full of the blood he had ingested during the slow severing of his head.
He had also endured hours of severe torture, as is quoted in Gary Webb's book, Dark Alliance:
"His body bore evidence of unimaginable tortures. The thigh muscles had been neatly sliced so he could not close his legs, and then something had been jammed up his rectum, tearing it apart. His testicles were swollen horribly, the result of prolonged garroting, his ribs were broken, and then, while he was still alive, his head had been sawed off with a butcher's knife."
His head was never found. President Nicolás Ardito Barletta tried to set up a commission to investigate the murder but was forced to resign by Noriega, which increased suspicions that the military ordered the beheading.
It was not until the administration of President Guillermo Endara that a court found Noriega (in absentia) and other followers guilty of a conspiracy to murder Spadafora.
In 2010, the Spadafora family published a website on the life of Hugo Spadafora Hugo Spadafora Website (...). (***)
Tradução livre:
Hugo Spadafora nasceu em 1940, filho de uma família pobre, do sul de Itália, que emigrara para o Panamá. Formou-se em medicina, pela Universidade de Bolonha, em 1964. Entre 1965 e 1967, combateu nas fileiras do PAIGC. Foi talvez na Guiné que começou a ser conhecido como o "Che Guevara italiano"...
De regresso ao Panamá, foi vice-ministro da saúde sob o governo de Omar Torrijos (1968-1981). Em, 1978, formou a brigada panamiana Lorenzo Vitoriano para combater a ditadura de Somoza, no país vizinho, a Nicarágua.
Mais tarde, preocupado com a crescente influência soviética e cubana no regime sandinista da Nicarágua e com o atraso do processo eleições livres, Spadafora juntou-se à frente sul da Frente Revolucionária Sandinista (FRS), ao lado de Edén Pastora ("Comandante Zero"), herói do 25 de Agosto de 1978 (tomada de assalto do palácio de Somoza).
A ascensão de Manuel Noriega, em 1982, como ditador da Nicarágua, leva Spadafora a denunciar o tráfico de drogas e a proteção que beneficia por parte dos militares. Spadafora será foi detido pelas forças de Noriega ao entrar Panamá a partir de Costa Rica, em setembro de 1985. O seu corpo, decapitado, foi encontrado mais tarde escondido num saco de correios. A autópsia viria a descobrir que o estômago estava cheio de sangue, ingerido durante o corte lento de cabeça de Spadafora. O médico e guerrilheiro enfrentou horas e horas de tortura antes da sua morte infamante e horrorosa… A cabeça nunca chega a ser encontrada.
O Presidente Nicolás Ardito Barletta tentou criar uma comissão para investigar o assassinato, mas foi forçado a desistir por pressão de Noriega, o que veio fazer aumentar as suspeitas de que por detrás da ordem de decapitação estavam os militares. Só sob a administração do presidente Guillermo Endara é que um tribunal considerou Noriega (entretanto deposto e capturados pelos americanos em 1990) e outros seguidores, culpados de conspiração para assassinar Spadafora. No princípio de 2010, o último condenado no processo saiu da prisão, depois de cumprir uma pena de cerca de 20 anos. Nesse ano a família Spadafora abriu, na Net, um “site” sobre a vida de Hugo Spadafora, continuando a sua luta pela justiça... Noriega cumpre uma sentença de 30 anos nos EUA por crimes relacionados com o tráfico de droga...
(***) Neste "site" da família pode ler-se o seguinte sobre a atividade de Hugo Spadafora [, foto á direita, reproduzida com a devida vénia,] como médico e guerrilheiro na Guiné-Bissau, entre 1965 e 1967:
(...) Hugo nació el 6 de Septiembre de 1940 (...). Haciendo uso de la beca, Hugo decide ir a estudiar a la Universidad de Boloña en Italia donde opta por estudiar Medicina, graduándose en Noviembre de 1964. Luego de su graduación regresa al país [, Panama,] , donde realiza su internado de año y medio.
(...) Con la excusa de haberse ganado otra beca, pero esta vez para tomar un postgrado, viaja a El Cairo (Egipto), pero su verdadero propósito no era buscar una especialización o maestría si no enrolarse un movimiento revolucionario independista que en 1960 pululaban en África, allí en el Cairo, luego de varios intentos y cartas enviadas a los líderes revolucionarios independentistas logra hacer contacto con el movimiento de separación de Guinea Bissau y las Islas de Cabo Verde, luchas éstas lideradas por ese gran líder africano Amílcar Cabral.
Hugo se ofrece como voluntario, brindando sus conocimientos médicos, y es así como forma parte de ese movimiento revolucionario y los anales de ese país. Hoy independiente, con el nombre de la República de Guinea Bissau, existe una avenida con el nombre del médico panameño Hugo Spadafora.
En África Hugo lucha contra el colonialismo Portugués y luego después de dos años regresa a Panamá en 1967 y decide hacer su segundo año de internado. Allí lo sorprende el golpe de estado del 11 de Octubre de 1968 (...)
Comentário de L.G.:
Spadafora não tem a ver com os primeiros médicos cubanos que se juntaram ao PAIGC, em 1966. Faziam parte de um primeiro grupo de "voluntários", enviados por Fidel Castro. Eram todos cubanos, num total de 24. O grupo era composto sobretudo por instrutores. Os médicos eram três. Vd. depoimento do dr. Domingo Diaz Delgado, cirurgião, que chefiava a equipa médica (1966/67): Tinha 29 anos - nascera em 1936 - quando parte de Cuba... Mais velho, portanto, e com mais experiência clínica, decerto, do que o jovem italopanamiano Hugo Safadora, que parte para a Guiné, com 24 anos, acabado de se formar em medicina, em Bolonha... Seria interessante saber o que fez (medicina ? guerrilha ? ) e por onde andou este homem na Guiné, entre 1965 e 1967...
É a primeira vez que oiço falar do seu nome... Teve um destino trágico às mãos dos torcionários de Noriega, em setembro de 1985.