sábado, 7 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25919: Verão de 2024: Nós por cá todos bem (10): 57.º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, dia 26 de setembro de 2024, quinta-feira, em Algés (Manuel Resende)



57.º CONVÍVIO DA MAGNÍFICA TABANCA DA LINHA

26-09-2024

RESTAURANTE: CARAVELA DE OURO (Algés)

Morada: Alameda Hermano Patrone, 1495 Algés - Telefone: 214 118 350

Estacionamento em frente tem sistema de "Via Verde Estacionar"



I N S C R I Ç Õ E S

Inscrições até ao dia 23 de Setembro de 2024

Manuel Resende: Tel - 919 458 210

manuel.resende8@gmail.com

magnificatabancadalinha2@gmail.com

dizendo "vou" ao convite no nosso grupo no Facebook

Estarei atento ao grupo do Whatsapp para quem se inscrever aqui.

Agradeço que só respondam os que puderem vir (não digam “talvez”).


+ + + E M E N T A + + +

Começamos com aperitivos e entradas às 12,30 horas

O almoço será servido às 13 horas.

APERITIVOS DIVERSOS

Bolinhos de bacalhau - Croquetes de vitela - Rissóis de camarão - Tapas de queijo e presunto

Martini tinto e branco - Porto seco - Moscatel.

SOPAS

Canja de galinha ou Creme de Marisco

PRATO PRINCIPAL

Lombinhos de pescada com arroz de marisco

SOBREMESA

Salada de fruta ou Pudim

Café

BEBIDAS INCLUIDAS

Vinho branco e tinto “Ladeiras de Santa Comba" ou outro

Águas - Sumos - Cerveja

PREÇO POR PESSOA ... 25.00€

(Crianças dos 5 aos 10 anos se aparecerem, pagam metade)

Peço que tragam a quantia certa para evitar trocos. Ajudem os organizadores.

Quem quiser pagar por Multibanco, vá ao Rés-do-Chão e, ao entrar para a sala, apresente o duplicado.

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Nota do editor

Último post da série de 31 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25899: Verão de 2024: Nós por cá todos bem (9): O amor mora em Queens: Vilma (esloveno-americana) e João (luso-americano) (Recorte do jornal "Dnevnik", 5 de julho de 2024)

Guiné 61/74 - P25918: Os nossos seres, saberes e lazeres (644): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (169): Igreja de Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino, não há mostruário de azulejo como este (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Aqui se completa a visita à Igreja de Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino, um deslumbramento de um tempo de grande dimensão e com um acervo azulejar fora de série. Tentei preparar-me para esta visita, saber um pouco mais sobre Santo Quintino, foi sede de freguesia porventura de 1385 e até 1836, a partir desta data foi integrada no concelho de Sobral de Monte Agraço. A freguesia era denominada por Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino e há referências em 1529 de que era uso e costume dizer-se "Igreja de Santo Quintino do Monte Agraço". Vem da noite dos séculos a crença piedosa do milagroso patrono da igreja, em especial para a cura de doenças dos ouvidos e dores de cabeça. O seu barretinho de seda vermelha colocada sobre a parte dorida tem aliviado muitos pacientes no decurso dos séculos, escreve Maria Micaela Soares no seu estudo "A Freguesia de Santo Quintino no Século XVIII". Um templo religioso excecional num concelho da região oeste que oferece muito ao visitante.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (169):
Igreja de Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino, não há mostruário de azulejo como este – 2

Mário Beja Santos

Dando sequência à visita deste belíssimo tempo religioso que é a Igreja de Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino, importa recordar que logo o pórtico é uma conjugação feliz entre os estilos manuelino e renascentista, guardando vestígios da igreja do século XIII; aliás, há sucessivas intervenções, já se chamou a atenção que a azulejaria ao fundo da capela-mor data do século XX (cópia do século XVII). No essencial, a igreja foi azulejada no século XVII, pode ver-se na parte superior da parede da entrada azulejos com o padrão de ponta de diamante. Quando se diz que o acervo azulejar se situa entre os séculos XVI e XVIII é para dizer que há sinais de azulejaria do século XVI, caso dos azulejos hispano-mouriscos na capela-mor e o silhar inferior é do século XVIII. Convém ao visitante que se detenha na capela-mor, nos azulejos do século XVIII figuram a Anunciação e a Visitação, sobre o altar encontra-se uma bela escultura de Nossa Senhora da Piedade.
Nas paredes laterais, duas das cinco tábuas quinhentistas estão atribuídas a Gregório Lopes ou ao chamado Mestre de Santo Quintino.
É merecedor de toda a nossa atenção o púlpito, situado do lado esquerdo da nave central, a decoração pictural representa os Evangelistas. No texto anterior falou-se do belo conjunto azulejar em que Cristo entrega as chaves a S. Pedro. Imprescindível é a visita ao batistério, o seu formato é inusual e no interior tem um painel de azulejos do século XVIII.
Circundar este templo religioso permite-nos ver uma porta lateral tardo-gótica e todo o conjunto que inclui a torre sineira e a abside. Vejamos agora alguns pormenores.

Temos aqui um mostruário de diferente azulejaria, o silhar inferior é do século XVIII e avista-se do lado direito o altar lateral
A Virgem e o Menino, uma extrema delicadeza do tardo-gótico
Na capela-mor temos esta entrada com enorme graciosidade
Nossa Senhora da Piedade, belíssima estatuária, mas ainda não chegámos ao Renascimento
O estilo manuelino sem equívocos
O singular púlpito da Igreja de Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino, estão ali representados os quatro evangelistas
Vista da nave central
De novo o belo pórtico e os vestígios da igreja do século XIII
Porta lateral da igreja, não deixa de nos tocar a singeleza
Vista lateral exterior da igreja
Ali perto temos a Quinta da Piedade, há casas recuperadas e muitas outras para recuperar, é o testemunho de que Santo Quintino foi terra de muita gente, ainda no século XVIII.
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Nota do editor

Último post da série de 31 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25898: Os nossos seres, saberes e lazeres (643): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (168): Igreja de Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino, não há mostruário de azulejo como este (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25917: Humor de caserna (72): Estragos no bananal (José Ferreira da Silva, autor de "Memórias Boas da Minha Guerra", vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 64/66)


Guiné > s/l > s/d > CART 1689 (1967/69) > O Zé Ferreira da Silva  (ao mei0, entre dois camaradas)em cima do "bagabaga" que, na Guiné, tinha quase esta forma fálica


Foto: © José Ferreira da Silva (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Há dois grandes mestres do humor de caserna no nosso blogue: um, o Jorge Cabral, o "alfero Cabral", que já deixou a Terra da Alegria, para grande tristeza nossa, em 2021, aos 77 anos; o outro, felizmente ainda vivo, mas por agora calado (e, espero, que apenas transitoriamente), o José Ferreira da Silva... 

 São ou foram dois dos nossos mais talentosos contadores de histórias pícaras ou brejeiras, o "alfero Cabral", mais "softcore", e o Zé Ferreira, mais "hardcore"... Ajuize-se por esta história, a seguir, que andava por aí perdida pelos matos e bolanhas do nosso blogue... (Avise-se os pais que é só para gente crescida, mal educada, de língua de carroceiro, que andou na tropa, esteve na guerra da Guiné e convive com os "bandalhos" do Norte, embora o autor seja do Centro)...

PS - O Cabral era incapaz de dizer uma asneira, uma palavrão, uma indecência, o Zé Ferreira chama(va)  os "bois pelos cornos", como nós chamávamos naquele tempo, em que tínhamos testosterona para dar e vender...(enfim, naquela idade ideal para procriar,mas também matar e morrer, a idade da tropa)... Um tempo, enfim,  em que a hipocrisia social (a começar no exército) havia feito do sexo um tabu.  (Há outros contistas de talento  que também cultivam muito bem o  humor como o Alberto  Branquinho, por exemplo.)





"Penisulfadê", pomada antivenérea (à base de penicilina), do Instituto Luso-Fármaco Lda, um fármaco hoje descontinuado (segundo sabemos). Ainda se vendia nas farmácias nos anos 80:  custava 100$00 (a preços de 1985 valeriam hoje, 2,27 euros). Fonte: cortesia de A Primorosa Coleção



Vol. III (Chiado Editora, Lisboa, 2019)


Vol II (Chiado Editora, Lisboa, 2017)



Vol. I (Chiado Editorta, Lisboa, 2016)


1. O Zé Ferreira, ex-fur mil op esp, "ranger", CART 1689/BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), passou pelos melhores "resorts" turísticos da Guiné do seu tempo, e não fugiu  ao pagamento, à Pátria,  do imposto de sangue, suor e lágrimas. 

Integra a nossa Tabanca Grande desde 8/7/2010. 
Tem mais de 170 referências no nosso blogue onde é autor de três memoráveis séries, que elevaram  o brejeiro,  o pícaro, o anedótico,  o trivial,  o caricato, o ridículo, o trágico-cómico... ao altar da arte de contar histórias (estão também publicadas em livro, "Histórias Boas da Minha Guerra", em  3 volumes, pela Chiado Editora).


Humor de caserna > Estragos no Bananal

José Ferreira da Silva


Ao fim da tarde, estávamos na galhofa a contar as novidades que iam surgindo no contacto diário, quando o básico Guisande se dirige ao Furriel Faria ("Berguinhas#), dizendo-lhe que o Capitão queria falar com ele.

− Dá licença, meu Capitão – pede o Berguinhas, ao mesmo tempo que entra no Gabinete.

 − Ouça lá, ó Faria, vejo aqui este pequeno papel trazido pelo cabo Maqueiro, para serem pedidas para Bafatá 300 embalagens de Penicilina e 400 de pomada Penisulfadê !!!

E continuou:

 
− Estamos aqui há pouco mais de uma semana e você pede uma quantidade destes remédios, que dava para meia dúzia de anos?

 − Pois é, meu Capitão −  diz o Enfermeiro, que continuou:

−  Tem toda a razão, mas não esqueça que metade da nossa Companhia anda com a p*ça esquentada. Deve haver mulheres na tabanca que estão com esquentamento na...

 
− O quê??? – interrompeu em grito alarmante o Capitão.

 Não me diga que ainda não reparou que a maior parte de malta anda de pernas abertas, que até parecem cow-boys? – perguntou o Faria.

− Estamos tramados! – exclamou o Capitão, que aproveitou para dizer:

− Ó Faria, você não sabe utilizar outras palavras como blenorragia, pénis, vagina e …

−  Ânus? – interrompeu o Faria, que acrescentou:

−  Ó meu Capitão, não vale a pena usar essas modernices. Sabe que a Companhia é toda do norte e, se eu falar assim, chamam-me p*neleiro em pouco tempo. E isso, nem pensar. Tenho uma promessa ao São Gonçalo de Amarante e quero ir lá cumprir com a minha patroa nem que seja no meio do milho. Os nossos soldados percebem bem o que é um esquentamento e p*ça e ca*alho e que c*na  é o p*to e que o cu é o cagueiro, a peida, o pacote, o traseiro etc, etc.. Essas outras palavras, não.

 
− Ó Alferes Clarinho, chegue aqui – berrou o Capitão de forma a ser ouvido para além da divisória.

− Diga, meu Capitão – disse o Alferes, ao chegar.

−  Não percebo nada disto. Você foi à tabanca, fez o relatório e não detetou que havia para lá problemas de saúde – disse o Capitão, ao mesmo tempo que apanhava umas folhas agrafadas. 

E continuou:

− Diz aqui: ”Sobre aspectos de saúde nada há a salientar. Apenas pequenos problemas de respiração ou de sinusite em algumas mulheres”. Ora, isto não justificava que mandasse os enfermeiros à tabanca. Então o Cipaio não lhe disse mais nada? É que o nosso pessoal está todo contaminado com blenorragia.


O Alferes, calmamente, pareceu fazer um esforço de memória antes de responder:

−  O Senhor Mamadú Baldé só me disse que havia “mulheres com problema di catota” ao mesmo tempo que encolhia os ombros e torcia francamente o nariz. Deduzi que tinham problemas nas vias respiratórias, talvez com sinusite e catotas no nariz.

Fonte: Excerto de "Coisas de periquitos". In: José Ferreira da Silva -  Memórias Boas da Minha Guerra, vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 64/66.

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25814: Humor de caserna (71): O "Xelorico" (José Ferreira da Silva, autor de "Memórias Boas da Minha Guerra", vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 67/69)

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25916: Notas de leitura (1724): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873 e 1874) (19) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Ando a folhear cartapácios com uma literatura de mansidão informativa, já não se fala na crise europeia, aquelas guerras que fizeram abrandar os mercados coloniais, a documentação de Cabo Verde está polarizada nas questões de saúde pública e as notícias do Governador da Guiné muito tranquilizadoras, não há uma só referência ao que se passa no Forreá, absolutamente não há uma menção do cerco francês ao Casamansa, o que predomina são as questões da febre amarela, da cólera, de quem chega ao hospital ou se cura ou morre ou continua em tratamento. As tensões que se observam que se transmitem para a cidade da Praia têm a ver com o Churo ou com Geba. E não quero enfastiar o leitor com nomeações, autorizações para repouso numa das ilhas cabo-verdianas a quem está em serviço na Guiné, e não deixa de surpreender a publicação de listas dos degredados que arribam à região, ladrões, homicidas, desobedientes, muitos deles irão parar às praças e presídios da Costa da Guiné, já falta pouco para se tornar na Província da Guiné Portuguesa.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos de 1873 e 1874) (19)


Mário Beja Santos

Não deixo de me surpreender pela completa falta de notícias sobre todos os acontecimentos que se estão a passar no Casamansa, neste período em análise, as notícias do Governador da Guiné são as tensões no Churo, quanto ao mais a Guiné para estar numa perfeita normalidade. Folheando o Boletim Official, o tema nevrálgico são os problemas de saúde pública que existem em Cabo Verde, é impressionante o número de relatórios minuciosos que se vão emitindo com enorme regularidade, as informações sobre saúde quanto à Guiné são lacónicas, até parece que tudo estava bem com exceção de casos de febre amarela, malária, sífilis, varíola, tuberculose pulmonar e muito mais. A parte não oficial tende a crescer, então as páginas de necrologia, assumem uma escrita ultrarromântica. E pela primeira vez vejo a lista dos degredados que chegam à Província, do roubo à facada assassina há de tudo, são degredados e em muitos casos irão para as praças e presídios.

Continuamos em 1873. No Boletim n.º 23, de 7 de junho, publica-se o extrato das notícias recebidas do distrito da Guiné Portuguesa, vieram pela escuna Vila de Mindelo. O estado sanitário e alimentício da Guiné era regular, o comércio pouco animado no decorrer de maio, não se tinham registado alterações na segurança pública, à exceção de Cacheu, onde alguns gentios da tribo de Churo haviam disparado uns tiros contra os baluartes da praça. As autoridades tinham suspendido as relações com aquela tribo. Sabia-se, porém, que o régulo respetivo fazia diligências junto de outros que connosco mantêm boas relações para que servissem de medianeiros em ajustes de paz com a praça; contava-se que em breve essas boas relações seriam retomadas, pelo que o Governo do distrito deixou em Cacheu as coisas bem-dispostas e instruções convenientemente dadas, aguardando um bom desfecho. No mês de fevereiro próximo deve estar pronto para embarcar em Cacheu o carregamento de madeiras que dali irá seguir para o arsenal da Marinha de Lisboa. E ainda se dá informações relativas aos réditos alfandegários dos últimos meses.

O Boletim n.º 21, de 14 de junho, dá a informação de que o Governador Geral autorizou a construção de uma cadeia civil na vila de S. José de Bissau. Pelo Boletim n.º 29, de 19 de julho, o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira, informa o Governador Geral, enviou-lhe notícias pelo palhabote Furão: bom estado sanitário do distrito, é satisfatório o estado alimentício em todos os pontos, o comércio considera-se frouxo devido à falta de navios com sortimentos. A estação chuvosa tem sido regular, e se assim continuar prevêem-se boas colheitas. A tranquilidade pública não tem sofrido alteração em todo os distrito, o Governador junta cópias de informações que vieram de Cacheu e de Farim, eram ocorrências que deviam chegar ao conhecimento do Governador Geral. Assim, a administração do concelho de Cacheu esclarece que a comissão nomeada para tratar da paz com o gentio de Churo tem a expetativa que a reunião se realizará em breve. O chefe do presídio de Farim, Pedro Pereira Barreto, vem notificar que ali foram gentes do rei falar com ele, após debate disseram que a razão se achava do lado da parte portuguesa e prometeram fazer com que os Mouros em questão entregassem a nossa gente que eles haviam aprisionado, e nessa reunião eles entregaram um rapazinho que tinha sido presenteado ao rei local. O chefe do presídio respondeu a estes delegados do rei que lhes dissesse que enquanto não fossem restituídos todos os que tinham sido capturados, o régulo seria o único responsável. Dois dias depois, chegaram os homens grandes daquele território, mandados pelo seu rei para visitar o presídio. Também há notícia da administração do concelho de Cacheu, ele informa que duas das tribos do Churo têm guerreado ali entre si e que tem havido mortes de ambas as partes e que brevemente virão à praça para pedir a paz.

O Boletim n.º 34, de 23 de agosto, insere mais um extrato de notícias oficiais, estas recebidas da Guiné pelo palhabote Africano. Em síntese, em todo o distrito reinava a paz e tranquilidade pública, só nas vizinhanças do presídio de Geba uns gentios Fulas tinham agredido algumas mulheres e crianças das famílias Mandingas que ali residiam. O chefe do presídio havia mandado emissários ao régulo Donhá, que tem a soberania pelo território em que está situado no presídio, a pedir satisfação pelos insultos praticados pela sua gente para com os habitantes do presídio que vivem sob a proteção da bandeira portuguesa. O régulo recebeu prontamente os emissários, a quem deu satisfação cabal, mandando imediatamente matar o principal criminoso.

E assim chegamos a 1874 e, no Boletim n.º 6, de 7 de fevereiro, do título “Da Ordem à Força Armada de Janeiro”, é de destacar: tendo o capitão Manuel dos Santos Oliveira incumbido pelo Governado da Guiné Portuguesa de capturar os criminosos que no presídio de Farim praticaram atos de barbaridade contra alguns habitantes daquele presídio: manda Sua Excelência o Governador Geral louvar o mencionado capitão, pela bravura e zelo com que se houve no desempenho daquela missão.

No Boletim 17, de 25 de abril, vão notícias para a cidade da Praia no palhabote Experiência, comunica-se que o estado sanitário do distrito é bom, que é lisonjeiro o estado alimentício nos concelhos dependentes da Guiné; o comércio de Bissau e de Cacheu anda frouxo, muito animado anda o de Bolama, onde no mês de fevereiro último entraram no seu porto oito navios estrangeiros, sendo quatro franceses, um americano, dois austríacos e um italiano. Continuava a colheita da mancarra, suponha-se que a sua exportação iria atingir 800 mil busheles (medida que está hoje em desuso). O preço deste produto ainda se conservava na razão de 360 réis o bushel. A colheita de arroz, conquanto não fosse muito importante, não há receio que falte para o consumo. A tranquilidade pública não tem sido alterada salvo entre algumas tribos gentílicas, quem assina é o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira.
Suplemento ao Boletim n.º 7, 15 de fevereiro de 1873, notícia do falecimento da Imperatriz do Brasil, avó do rei D. Luís
Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796

(continua)

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Notas do editor

Vd. poste de 30 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25896: Notas de leitura (1722): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873) (18) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 2 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25904: Notas de leitura (1723): Breve história da evangelização da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25915: Nos...tal...gia(s): há 50 anos entregámos os nossos quartéis ao PAIGC e regressámos a casa (1): Buba, 4/9/1974 (António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72, Buba, 1973/74)



Foto nº 1 > A velhinha e ferrugenta LDG 105, NRP Bombarda... um "elo de ligação a Bissau", o que queria a dizer, "do cu de Judas a Bissau, porta de saída para casa", a três horas de avião, ou cinco dias de barco... 

Foto fantástica (de antologia!)  com a malta e a tralha  a acomodar-se e a aprontar-se para partir, enquanto um "djubi" espreita, do pontão de abicagem, aquele monstro de ferro que fez as maravilhas de muitos de nós...  antigos combatentes... Se há viagem que quase ninguém poderá esquecer, mais do que as dos Niassa, dos Uige, dos Ana Malfalda... foram as de LGG e LDM pelos rios da Guiné... (A 6 dias da independêcia do territ6ório, "de jure et de facto", aquele "djubi" não parece nada alvoraçado com a perspetiva galganizante e histórica da chegada dos "libertadores" do PAIGC...Antes, pelo contrário, ele parece querer gritar aos "tugas": "Eh!, nos furié Cruz, leva djubi no barco grandi!).



Foto nº 2 >  Outra fota fabulosa!... Os últimos soldados do império e os seus trastes velhos, amontoados na LDG 105 NRP Bombarda, de saudosa memória para muitos de nõs, com as instalações militares de Buba ao fundo...

Guiné > Região de Quínara> Buba > 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Bula, 1973/74)  


Fotos: © António Alves da Cruz (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


António Alves Cruz


1. "Guiné 04/09/74: Faz hoje 50 anos que foi entregue Buba ao PAIGC e o nosso regresso a casa", escreveu o nosso grão-tabanqueiro António Alves da Cruz na sua página do Facebook...   

Não foram tempos fáceis, os dos últimos soldados do império... Como eu entendo o amargo comentário do Cruz: 

"Tanto sofrimento,  para quê ?!,,, A  entrega de Buba ao PAIGC, o arrear da nossa bandeira nacional,  e o hastear da bandeira do PAIGC"...

 António Alves da Cruz (ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72, Buba, 1973/74) tem, no nosso blogue, o melhor álbum fotográfico sobre a Buba do seu tempo, incluindo a cerimónmia da desativação e entrega do aquartelamento ao PAIGC (*)

O dia 4 de setembro de 1974 foi  o último dia da sua estadia em Buba, na sequência da execução do plano de retracção do dispositivo e a desativação e entrega do aquartelamento ao PAIGC, de acordo com os compromissos assumidos no Acordo de Argel, assinado em 25 de agosto de 1974, e que fixou a independência da Guiné-Bissau em 10 de setembro desse ano.

Dois dias depois, a 6 de setembro de 1974, o António Alves da Cruz estava em casa (regresso de avião, através dos TAM - Transportes Aéreos Militares). Depois da "peluda", trabalhou na Lisnave. Desse tempo tem saudades, não da guerra,  mas dos seus verdes anos...Como todos nós.  E da sua "Lisnave". E do seu gato. E da Guiné só voltou a lembra-se quando se reformou. Como muitos de nós...

Há imagens que valem por mil palavras... Estas duas terão, obrigatoriamente, que figurar no álbum derradeiro da Tabanca Grande, que iremos organizar, quando um dia destes (não sabemos quando, mas esse dia há de chegar...) fecharmos de vez o nosso blogue... (Na realidade, vinte anos a blogar, é um quarto das nossas vidas, dez comissões na Guiné!)

Obrigado, Cruz, estas tuas duas fotos arrasaram-me, emocionalmente falando!... Para mais sempre detestei  o mês de setembro, o fim do verão, o fim das férias grandes, do "docle far niente", da irresponsabilidade, a estação terminal da alolescència,  a antecâmara do pecado, dos amores românticos e breves, das ejaculaçóes precoces, da vida adiada pela tropa e pela guerra, o adeus à casa paterna, a difícil aprendizagem da arte de ser homem, a descoberta da liberdade... 

Em contrapartida, as tuas fotos, a tua/nossa efeméride dos 50 anos das nossas "partidas derradeiras"... não vão para o lixo, para cesta secção do esquecimento... Pelo contrário, vão ser o ponto de partida para uma nova série dedicada à(s)  "Nos...tal...gia(s).  Também temos direito à nostalgia, à saudade, ao exorcismo, à catarse de emoções, sem temermos que nos acusem de... reacionários, saudosistas e outras palavras merdosas com que os portugueses adoram insultar-se uns aos outros, há pelo menos mil anos.
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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

29 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24896: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (13): cerimónia da desactivação e entrega do aquartelamento ao PAIGC, em 4 de setembro de 1974 - Parte I

30 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24902: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (14): Cerimónia da desactivação e entrega do aquartelamento ao PAIGC, em 4 de setembro de 1974 - Parte II

Guiné 61/74 - P25814: Humor de caserna (71): O "Xelorico" (José Ferreira da Silva, autor de "Memórias Boas da Minha Guerra", vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 67/69)


1. O Zé Ferreira, ex-fur mil op esp, "ranger", CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), passou pelos melhores "resorts" turísticos da Guiné do seu tempo, e não regateou à Pátria o pagamento do imposto de sangue, suor e lágrimas. 

Integra a nossa Tabanca Grande desde 8/7/2010. 
Tem mais de 170 referências no nosso blogue, onde é autor de três memoráveis séries, que elevaram  o brejeiro,  o pícaro, o anedótico,  o trivial,  o caricato, o ridículo, o trágico-cómico... ao altar da arte de contar histórias (estão também publicadas em livro):

  • Memórias Boas da Minha Guerra
  • Outras Memórias da Minha Guerra
  • Boas Memórias da Minha Paz
 
Das "Memórias Boas da Minha Guerra", e para matar saudades (já que ele, por razões de saúde, não tem podido ou querido parecido por aqui) fomos repescar um excert0 que é uma pequena obra-prima, que merece figurar na nossa série "Humor de caserna" (**)... 

São ínfímas histórias da nossa guerra com as quais nenhum historiador académico daqui a 50 anos irá gastar um minuto a ler, e sobre as quais muito menos irá escrever  uma linha... De qualquer modo, são histórias que não queremos descartar da nossa memória de antigos combatentes. 

Depois de inquietantes operações como a Inquietar II, voltávamos ao quartel mais próximo e, depois de um banho retemperador, entre uma bazuca ou uma garrafa de uísque, gostávamos de recapitular estes episódios burlescos,uns, dramáticos, outros, como forma de exorcizar os fantasmas dos nossos humanos medos e das nossas bravatas de semideuses... Aos 20 anos todos éramos imortais!


Humor de caserna > O “Xelorico”

por José Ferreira da Silva



O soldado José Ribeiro, minhoto de Celorico de Basto, foi mobilizado para a Guiné, integrado na nossa CART 1689 (1967/69). Para mim, que o seguia de perto, era um indivíduo inteligente, de comportamento exemplar e com características muito próprias, para além da pronúncia do nome da sua terra natal e de outras palavras idênticas.

Logo de início ficou marcado pelo nome de Xelorico. Quem o batizou (e martirizava) foi o Silveira,  de Matosinhos. O Ribeiro esforçou-se tanto para corrigir o seu falar, que já não aceitava essa “provocação” e passou a gabar-se de falar melhor que os gajos do Porto.

Quando fizemos a Operação Inquietar II, estivemos sob uma emboscada do IN durante mais de três horas. Durante esse tempo foram-se esgotando as munições sem que víssemos saída para a situação. O ambiente era de péssima expetativa e as esperanças de solução iam diminuindo à medida que o tempo passava. 

 Quando tentávamos avançar, logo obtínhamos resposta imediata e forte do IN, que nos obrigava a manter a mesma posição. Deitados pelo chão, cochichávamos com os mais próximos frases próprias de quem quer disfarçar o estado de espírito. O Silveira, acossado pelo remorso, diz para o Xelorico:

–  Ó Ribeiro, desculpa lá por ter gozado com a coisa do Xelorico. 

E, num tom mais comovido, adiantou:

– Se escaparmos desta, nunca mais te vou chatear com isso... Tás a oubir, morcom? 

O Celorico, encolhendo os ombros:

–  Afinal, não tens razão nenhuma, porque eu não falo assim.

Uns minutos depois, numa das reações do IN, veio uma granada  de LGFog, um “rocket”, embater contra uma árvore grande, que estava perto. Os estilhaços incandescentes espalharam-se em várias direções e um deles rasgou a bochecha do Ribeiro, do lado esquerdo e entrou-lhe na boca

O Ribeiro, com a sua habitual serenidade, abriu a boca e apanhou um estilhaço, ainda quente, com dois dedos da mão direita. Virando-se para o Silveira, mostrou o achado e disse, com o ar e a voz a fugir-lhe pelo buraco ensanguentado:

–  Flholda-lhe,  Slilbeila, flholalam-me cum stilhalho. Estlhou flholhilho.

O Silveira, que ficou bastante preocupado ao ver o ferimento e a sangrar, ia repetindo para o encorajar:

 Tem calma, Xelorico. Tem calma qu’ isso tapa-se. Bais ficar bom. Olha qu’ inda bais ficar a falar à moda de Lisbaua.

Fonte: Excerto de "Xelorico, um rapaz sui generus". In: José Ferreira da Silva -  Memórias Boas da Minha Guerra, vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 67/69.


(Seleção, fixação / revisão de texto, negritos : LG)

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Notas do editor:



(**) Último poste da série > 22 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25866: Humor de caserna (70): um "tuga"... (de)composto, ou uma estória pícara num almoço fula (Alberto Branquinho, autor de "Cambança final", 2013)

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25913: Blogues da nossa blogosfera (195): "Portugal Portal," em neerlandês, de Henk Eggens: publicou em 19/7/2024 um artigo do José Saúde ("Een militair keert naar huis terug"/ "Uma soldado volta para casa")

 



Portugal Portal, de Henk Eggens, em neerlandês. Cópia da página de 19 de julho de 2024, "Um soldado volta para casa, de Henk Eggens e José Saúde.


1. Há uma página na Net que se chama Portugal Portal e que se publica em neerlandês, sendo editada por um amigo de Portugal e da Guiné-Bissau, o médico Henk Eggens, lusófono, por sinal casado com uma portuguesa... Merece ser conhecida...

Mas demos-lhe a palavra:

Henk Eggens conheceu Portugal quando começou a trabalhar na área da saúde nos antigos territórios ultramarinos: primeiro em Cabinda, Angola, poucvos meses depois da independente  (1976-'78;) e depois na Guiné-Bissau (1980-'84). 

Aí obteve uma visão especial de partes da cultura e da política portuguesas. Desde então faz regularmente férias para Portugal com a família, geralmente numa casa alugada perto do Rio Dão, no distrito de Viseu. 

Durante anos, viajou por vários países de África, Ásia e América Latina por curtos períodos de tempo para trabalhar, incluindo os países de língua portuguesa, Moçambique e Brasil. Desde 2013 que ele e a esposa passam muito tempo em Santa Comba Dão, distrito de Viseu; Henk está reformadeo, Maria de Jesús é consultora de controle de hanseníase. Tem, pois muito tempo para conhecer e apreciar melhor Portugal e os portugueses. Henk é editor do Portal Portugal desde meados de 2021.

2. Recentemente, em 28/08/2024, 16:34, o Henk Eggens escreveu ao nosso camarada José Saúde a agradecer-lhe a autorização dada para publicar um dos seus textos que veio no nosso blogue, em 20 de abril de 2023 (*). Na altura explicou melhor o seu interesse e disse quem era:

(....) Trabalhei na Guiné-Bissau como médico de 1980-1984. Os primeiros anos estava baseado na Fulacunda, Quínara. Vivi na casa do comandante no antigo quartel. Era o único médico na região, desde Tite até Empada. Sem hospital, com poucos recursos. Foi uma aventura valiosa.

Desde aquele tempo fiquei ligado mentalmente com Guiné-Bissau e o povo lá. Assim sigo o blogue de Dr. Luís Graça. Aparecem reflexões equilibradas sobre aquele tempo difícil, como o Senhor descreveu bem. (...)
3. O artigo do Zé Saúde, em holandês (ou melhor, neerlandês, como agora se diz),  saiu em 19 de julho passado:
 
De: Portugal Portal <mailportugalportal@gmail.com>
Data: 23 de julho de 2024 08:04
 
Caro Sr. José Saúde,

Queria informa-lhe que o seu artigo em holandês foi publicado no dia 19 de julho 2024. https://www.portugalportal.nl/een-militair-keert-naar-huis-terug/ (**)

Espero que o senhor tenha a possibilidade de ler a tradução.

Agradeço a oportunidade de poder publicar sua mensagem de memórias traumáticas no final de sua estadia na Guiné. Para o leitor holandês, longe das vossas experiências na tropa, dá, acho eu, para perceber melhor aquele episódio da história tão importante dos Portugueses e das Portuguesas.

Tudo de bom para o senhor!

Com os meus melhores cumprimentos,
Henk Eggens
Redactie Portugal Portal
Portugal Portal

 4, Aqui vai a versão portuguesa do artigo, com uma introdução do Henk Eggens (**):

Um soldado volta para casa
por Henk Eggens
Publicado em 19 de julho de 2024
AApós a Revolução dos Cravos em Portugal em 1974, foi rapidamente prometida a independência aos territórios ultramarinos. A luta entre os movimentos de libertação e o exército colonial cessou pouco depois do 25 de Abril. Os soldados portugueses em Angola, Moçambique e Guiné Portuguesa deixaram o campo de batalha e puderam finalmente regressar a casa.

Durante a minha estadia em Portugal conversei com vários portugueses que viveram a guerra, a maioria deles na Guiné, mas também em Angola e Moçambique. A maioria eram recrutas e, após um rápido treinamento militar básico, foram transferidos para um país africano estrangeiro. Lá era esperado que eles defendessem a pátria contra os turras, os terroristas (eu os chamo de lutadores pela liberdade). Foram criados com a ideia de que o grande império português também tinha de ser defendido contra os comunistas noutras partes do mundo.


Muitos deles ficaram desmotivados durante a sua longa permanência em situações de guerra. A desmotivação levou à resistência contra a política portuguesa prevalecente. O resultado foi a revolta dos 'Capitães de Abril' que desencadearia a Revolução dos Cravos.

O slogan “25 de Abril começou em África” contém um fundo de verdade.


O 25 de abril nasceu na África
Foto Rui Landim no Twitter


Uma história pessoal, 

por José Saúde

José Saúde, que viveu o 25 de Abril de 1974 como militar proveniente de uma unidade de elite (Rangers), tendo feito a sua comissão militar em Nova Lamego (atual Gabu, Guiné-Bissau) e tem registado as suas memórias num blog de veteranos de guerra portugueses (Luís Graça & Camaradas da Guiné).






José Saúde, na Guiné Portuguesa, 1973. Foto José Saúde.


O dia 25 de Abril de 1974, dia em que foi proclamada a liberdade, tornou possível o regresso à pátria de camaradas acampados em Angola, Moçambique e Guiné (territórios onde a guerrilha não dava tréguas). Naquele momento sentiu-se que o sofrimento dos jovens enviados para as frentes de combate havia chegado ao fim.


Foi um Abril que “rejuvenesceu ao som de um cravo vermelho”. Jovens encantados com o sucedido e preparados para voltar rapidamente para casa. Era Abril, e seu cravo vermelho a renascer de um tempo onde proliferava a escuridão. Éramos filhos das longas manhãs de profundas indecisões, mas onde a esperança da liberdade permanecia permanentemente nos nossos corações. Fomos, também, filhos de gente humilde, que passou por um período difícil (HE: No texto original: que comeram o pão que o diabo amassou), mas de pais que nos criaram e que fizeram nós homens para um amanhã melhor.

Porém, os tempos sombrios impediram muitos dos nossos pais darem aos filhos o ensino secundário ou superior, porque os recursos financeiros da família eram demasiado limitados. Somos filhos de um regime totalitário, o Estado Novo, onde civis inocentes foram colocados sob ordens estritas enquanto muitas pessoas simplesmente pediam trabalho, mesmo que fosse apenas sazonal.


No Estado Novo

Os tempos eram diferentes! Tempos em que faltava liberdade para expressar opiniões pessoais e em que os mais destemidos eram enviados para ‘campos de férias’, onde as grades de uma prisão se apresentava como uma realidade inegável. Pessoas sérias e honestas, algumas com apenas a quarta classe do ensino primário, outras analfabetas, mas cuja coragem própria resultou em prisão política. Pessoas que estavam comprometidas de coração e alma com uma crença que consideravam justa e onde tinham em mente o bem-estar do seu povo. Mas, por outro lado, sempre existiram os agentes leais de um regime que não mostrou piedade para com o cidadão honesto.

Éramos crianças alegres, brincávamos na rua, jogávamos futebol em campos inóspitos, às vezes com bola de trapo ou com uma bexiga de porco e tantas outras brincadeiras que ainda hoje lembramos. Crescemos ouvindo falar de atrocidades onipresentes do regime, de agentes da PIDE que dominavam tudo ou quase tudo, conhecemos o sofrimento incalculável de famílias marcadas pelos mandamentos estritos de pessoas vestindo fatos caros, à Príncipe de Gales, e com gravatas de seda pura. 

Mas um dia vimos sinais de que o medo que nos oprimia por causa de um governo hostil estava, com o evoluir das eras, a tornar-se cada vez menos necessário. O 25 de Abril de 1974, a grande Revolução dos Cravos, abriu-nos as portas à liberdade e, sobretudo, ao conhecimento de novos mundos e de novas realidades. Pertencemos a uma geração que teve a oportunidade de conhecer reformas ou, em suma, gentes novas. Eram melhorias do destino que mudariam esta imensa esfera, chamada Terra.

Enviados para as frentes de combate

Assistimos à guerra colonial como muitos milhares de camaradas, no nosso caso em território guineense. O conflito começou em Angola em 1961 e estendeu-se a Moçambique e à Guiné, terminando com a queda do regime liderado pelos capitães de Abril. Nós, jovens rapazes, fomos enviados para o cenário de uma guerra onde os soldados, quando confrontados com a realidade guerrilha, ficavam enfurecidos, protestavam violentamente e proferiram, por vezes, maldições. A frustração levou-os a um quadro virtual onde estava escrita a simples frase: Matar para não morrer!

Sim, como sabeis camaradas, muitos perderam a vida no campo de batalha, outros em picadas, ou numa emboscada, outros nos seus quartéis em consequência de ataques noturnos inimigos e quando descansavam sobre um aparente aliviar de tréguas. Muitos ficaram mutilados; muitos outros portadores de doenças mentais crónicas devido às circunstâncias completamente inesperadas em que viveram.

Lar!

Quando rebentou a Revolução de Abril e soou o som do clarinete para nos reunir, este vosso camarada estava a cumprir a sua missão militar na Guiné, mais precisamente em Nova Lamego, hoje Gabu. 

Claro que todos nós aplaudimos esta fantástica aventura. Seguiram-se momentos de contacto com membros do PAIGC (HE: movimento de libertação), conhecemos os rostos daqueles contra quem havíamos lutado anteriormente, trocamos conversas e finalmente tomaram conta das nossas instalações.




O soldado José Saúde se despede dos companheiros em Novo Lamego, na Guiné Portuguesa. Foto José Saúde.


A população civil barafustou às portas do nosso quartel, sendo as suas expectativas quiçá incertas. Vinham em grupos e esperavam receber alguma coisa. Seus rostos irradiavam inseguranças reprimidas. Nós, entendemos isso. Mas, a nossa missão tinha chegado ao fim. Voltaríamos para casa em breve. Ficou o nosso grito de desabafo: Adeus, Nova Lamego!

Saudações deste velho camarada!

José Saúde

(O texto não foi revisto por nós: LG) 

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O Portal Portugal já prestou atenção aos soldados portugueses que lutaram na guerra colonial.

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Notas do editor:

(*) Vd. 20 de abril de 2024 > Guiné 61/74 – P25415: Os 50 anos do 25 de Abril (10): Até sempre, Nova Lamego! (José Saúde, ex-fur mil op esp/ranger, CCS / BART 6523, 1973/74)

(**) Último poste da série > 5 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25483: Blogues da nossa blogosfera (194): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte VII: mulheres pescadores do rio Cadique (foto de Ernst Schade)

Guiné 61/74 - P25912: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar: uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte IX: Testemunho 4: "Assumi a minha filha!" (Manuel Barros Castro,ex-fur mil enf, CCAÇ 414, Catió, 1963/64, e Cabo Verde, 196465)

 


(...) Era linda! Por ironia do destino não consigo lembrar-me do seu nome. Sei, e afirmava o povo com certezas absolutas, que era filha de um camarada, furriel miliciano, que anteriormente esteve em Nova Lamego. Era uma criança dócil. Meiga. Recordo que a sua mãe era uma negra, muito negra, com um rosto lindo e um corpo divinal. Conheci-a e verguei-me perante a sua sensibilidade feminina. Da menina, agora feita senhora, nunca mais soube.(...)  A menina foi, afinal, mais um dos “filhos do vento” que marcaram os conflitos em África. (*)

O Zé Saúde, alentejano de Aldeia Nova de São Bento, "ranger", jornalista  e escritor, foi o primeiro a levantar aqui, entre nós, a dolorosa e delicada questão dos "filhos do vento"... Temos uma centena de referências a esta temãtica ("filhos do vento" e "fidju di tuga").



SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal.

In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


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Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): 

(i) foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii) tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii) viveu em Angola até 1974; (iv) licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v) professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de desporto e cultura; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte; (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.

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1. Estamos a reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor), excertos do extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, sobre os 41 mortos do concelho de Fafe, na guerra do ultramar / guerra colonial. A última parte do capítulo é dedicada a testemunhos e depoimentos recolhidos pelo autor (pp. 67/82).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal [Excertos] 


Parte IX:  Testemumho 4: "Assumi a minha filha!" (Manuel Barros Caastro,ex-fur mil enf, CCAÇ 414, Catió, 1963/64, e Cabo Vderde, 1964/65) (pp. 75/77)





Testemunho 4


No seu relacionamento com a população nativa, quem deixou por lá os chamados “ filhos do vento” ou assumiu os filhos, perfilhando-os e trazendo-os consigo para a Metrópole?


Já perto do final da sessão, levantei esta questão pertinente, dirigindo-me aos presentes: "Quantos de nós deixaram por lá os, hoje, designados 'filhos do vento' 
 e não assumiram?"

Manuel Barros Castro,
ex-fur mil enf, CCAC 414,
 Catió, 1963/64,
e Cabo Verde, 1964/65)

Ato contínuo, o ex-furriel Castro, presente na sala, levanta imediatamente o braço e diz: "Eu assumi".

O Manuel Barros Castro /foto à direita, c. 1963) fez o favor de me relatar esta sua história de vida no 28 de novembro de 2013. É natural de Fafe, e deu-me autorização para publicar este texto, lido por si, previamente.

Esteve na Guiné e pertenceu a uma companhia operacional ndependente (atiradores) , CCAÇ  414, sediada em Catió, onde o pessoal se instalou em tendas de lona. Tinha a especialidade de enfermeiro.

Desembarcou em Bissau no dia 21.3.63 e regressou a Portugal a 4.5.1965.

Formou Companhia em Chaves e, esta, esteve mobilizada para Moçambique, sendo à última hora desviada para a Guiné.

Nas conversas que, entretanto, ele fez o favor de ter comigo (eu conhecia a filha, mas não conhecia o contexto que tinha gerado a situação), ao falarmos do nosso relacionamento com as mulheres africanas, disse, eu, a determinada altura: "Até por que havia algumas facilidades de relacionamento pelo facto de algumas se oferecerem para ser as nossas lavadeiras"

- Não. Ela não era a minha lavadeira. Houve empatia entre os dois. Eu, como enfermeiro, dava apoio à população, distribuía medicamentos e foi nesta circunstância que a conheci, disse, emocionado. Emociono-me, sempre, que falo neste período da minha vida.

A gravidez foi problemática e a jovem, apesar de ser acompanhada por dois médicos militares, teve que ir para Bissau, por falta de condições.

Em Bissau, para onde a companhia (CCAÇ 414) se tinha deslocado temporariamente, soube, por uma tia da jovem, que esta estava hospitalizada e, numa das vezes qua a visitou, perguntou-lhe se ela concordava em entregar-lhe a filha, ao que ela respondeu que só queria que ela fosse branca. Era uma jovem sem instrução que, embora não fosse católica, concordou em batizar a filha.

Após 18 meses no mato, a Companhia, em vez de ficar em Bissau como estava previsto inicialmente, foi parar a Cabo Verde, alterando os planos do Furriel Castro. Disse que já tinha tudo preparado para instalar a filha, conhecida já como “a menina da Companhia” e protegida da esposa do Comandante da Companhia.

A menina nasceu a 16 de maio de 1964 e foi-lhe dado o nome de Lurdes Maria Biai Barros Castro. A Mimi, para a família e amigos.

A Companhia esteve nove meses em Cabo Verde e durante esse tempo a Mimi esteve, primeiro, internada num orfanato em Bissau, por interferência do Bispo de Bissau, depois ao cuidado da madrinha, uma senhora nativa que era funcionária nos CTT de Bissau, para quem o Castro mandava mensalmente uma pensão.

Alguns anos depois (1969) de ter terminado a Comissão, a madrinha da Mimi veio a Portugal trazer a menina, cuja mãe, entretanto, falecera.

A Mimi fez o seu percurso escolar em Fafe, tal como os irmãos (um irmão e uma irmã), concluiu o Curso de Professores do 1.º ciclo e casou com um colega professor. 

Infelizmente, faleceu com 45 anos em setembro de 2009 de doença incurável, quando trabalhava numa escola do concelho da Póvoa do Varzim, Maceira da Lixa, deixando uma filha de 11 anos.

Disse-me, ainda, que sempre se revoltou contra a falta de responsabilidade daqueles camaradas de armas que não assumiram os filhos que deixaram por lá, e conheceu alguns casos, alguns de oficiais, tanto na Guiné como em Cabo Verde.

Contou-me um episódio, relativamente recente, em que uma mulher guineense a residir nos Estados Unidos, filha de uma situação ocorrida na sua Companhia e que tinha descoberto a morada do pai, fez questão de vir a Portugal encontrar-se com o pai no aeroporto, só para lhe dizer:  "Eu sou sua filha, aquela mulher ali é a minha mãe. Eu não quero nada de si. Vim só para o conhecer. Passe muito bem!"

Na última vez em que nos encontrámos, comentámos a mentalidade daquela época, dos preconceitos sociais em relação à “cor” da pele e à rejeição social, sobretudo nas aldeias do Norte e interior do país, em aceitar casos destes. 

Diz que sentiu bem os “olhares” quando a filha chegou. Aliás, quando se referiam à filha, perguntavam-lhe: "Então como vai a sua filha adotiva?"... E o Manuel Castro respondia, perentório: “Eu não a adotei. A menina é mesmo minha filha”.

Disse-me, ainda, que no dia do funeral da filha, a madrinha (de quem já falei) estava em Portugal e esteve presente. Acrescentou que as pessoas, ainda hoje “cochichavam ao ouvido” e perguntaram-lhe se ela não seria a mãe. Teve que esclarecer que a mãe já tinha falecido e que aquela senhora era a madrinha da Mimi.

Contou-me, também, que num dos encontros da Companhia, alguém (que ele identificou) lhe perguntou: "Trouxe a miúda, porquê?”.

Uma história de vida edificante, sem dúvida. É exemplar e merece ser conhecida.

A história do Manuel Castro está contada, por sua autorização, no blogue sobre a Guerra Colonial, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, onde pode ser consultada. Uma história exemplar. (**)

Agradeço-lhe publicamente o seu testemunho. Muito obrigado.

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 6 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12687: Filhos do vento (27): Manuel Barros Castro, natural de Fafe, fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65) teve uma filha, de mãe guineense, e que ele de imediato perfilhou, Maria Biai Barros Castro (1964-2009)... Uma história exemplar (Jaime Bonifácio Marques da Silva)