quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25913: Blogues da nossa blogosfera (195): "Portugal Portal," em neerlandês, de Henk Eggens: publicou em 19/7/2024 um artigo do José Saúde ("Een militair keert naar huis terug"/ "Uma soldado volta para casa")

 



Portugal Portal, de Henk Eggens, em neerlandês. Cópia da página de 19 de julho de 2024, "Um soldado volta para casa, de Henk Eggens e José Saúde.


1. Há uma página na Net que se chama Portugal Portal e que se publica em neerlandês, sendo editada por um amigo de Portugal e da Guiné-Bissau, o médico Henk Eggens, lusófono, por sinal casado com uma portuguesa... Merece ser conhecida...

Mas demos-lhe a palavra:

Henk Eggens conheceu Portugal quando começou a trabalhar na área da saúde nos antigos territórios ultramarinos: primeiro em Cabinda, Angola, poucvos meses depois da independente  (1976-'78;) e depois na Guiné-Bissau (1980-'84). 

Aí obteve uma visão especial de partes da cultura e da política portuguesas. Desde então faz regularmente férias para Portugal com a família, geralmente numa casa alugada perto do Rio Dão, no distrito de Viseu. 

Durante anos, viajou por vários países de África, Ásia e América Latina por curtos períodos de tempo para trabalhar, incluindo os países de língua portuguesa, Moçambique e Brasil. Desde 2013 que ele e a esposa passam muito tempo em Santa Comba Dão, distrito de Viseu; Henk está reformadeo, Maria de Jesús é consultora de controle de hanseníase. Tem, pois muito tempo para conhecer e apreciar melhor Portugal e os portugueses. Henk é editor do Portal Portugal desde meados de 2021.

2. Recentemente, em 28/08/2024, 16:34, o Henk Eggens escreveu ao nosso camarada José Saúde a agradecer-lhe a autorização dada para publicar um dos seus textos que veio no nosso blogue, em 20 de abril de 2023 (*). Na altura explicou melhor o seu interesse e disse quem era:

(....) Trabalhei na Guiné-Bissau como médico de 1980-1984. Os primeiros anos estava baseado na Fulacunda, Quínara. Vivi na casa do comandante no antigo quartel. Era o único médico na região, desde Tite até Empada. Sem hospital, com poucos recursos. Foi uma aventura valiosa.

Desde aquele tempo fiquei ligado mentalmente com Guiné-Bissau e o povo lá. Assim sigo o blogue de Dr. Luís Graça. Aparecem reflexões equilibradas sobre aquele tempo difícil, como o Senhor descreveu bem. (...)
3. O artigo do Zé Saúde, em holandês (ou melhor, neerlandês, como agora se diz),  saiu em 19 de julho passado:
 
De: Portugal Portal <mailportugalportal@gmail.com>
Data: 23 de julho de 2024 08:04
 
Caro Sr. José Saúde,

Queria informa-lhe que o seu artigo em holandês foi publicado no dia 19 de julho 2024. https://www.portugalportal.nl/een-militair-keert-naar-huis-terug/ (**)

Espero que o senhor tenha a possibilidade de ler a tradução.

Agradeço a oportunidade de poder publicar sua mensagem de memórias traumáticas no final de sua estadia na Guiné. Para o leitor holandês, longe das vossas experiências na tropa, dá, acho eu, para perceber melhor aquele episódio da história tão importante dos Portugueses e das Portuguesas.

Tudo de bom para o senhor!

Com os meus melhores cumprimentos,
Henk Eggens
Redactie Portugal Portal
Portugal Portal

 4, Aqui vai a versão portuguesa do artigo, com uma introdução do Henk Eggens (**):

Um soldado volta para casa
por Henk Eggens
Publicado em 19 de julho de 2024
AApós a Revolução dos Cravos em Portugal em 1974, foi rapidamente prometida a independência aos territórios ultramarinos. A luta entre os movimentos de libertação e o exército colonial cessou pouco depois do 25 de Abril. Os soldados portugueses em Angola, Moçambique e Guiné Portuguesa deixaram o campo de batalha e puderam finalmente regressar a casa.

Durante a minha estadia em Portugal conversei com vários portugueses que viveram a guerra, a maioria deles na Guiné, mas também em Angola e Moçambique. A maioria eram recrutas e, após um rápido treinamento militar básico, foram transferidos para um país africano estrangeiro. Lá era esperado que eles defendessem a pátria contra os turras, os terroristas (eu os chamo de lutadores pela liberdade). Foram criados com a ideia de que o grande império português também tinha de ser defendido contra os comunistas noutras partes do mundo.


Muitos deles ficaram desmotivados durante a sua longa permanência em situações de guerra. A desmotivação levou à resistência contra a política portuguesa prevalecente. O resultado foi a revolta dos 'Capitães de Abril' que desencadearia a Revolução dos Cravos.

O slogan “25 de Abril começou em África” contém um fundo de verdade.


O 25 de abril nasceu na África
Foto Rui Landim no Twitter


Uma história pessoal, 

por José Saúde

José Saúde, que viveu o 25 de Abril de 1974 como militar proveniente de uma unidade de elite (Rangers), tendo feito a sua comissão militar em Nova Lamego (atual Gabu, Guiné-Bissau) e tem registado as suas memórias num blog de veteranos de guerra portugueses (Luís Graça & Camaradas da Guiné).






José Saúde, na Guiné Portuguesa, 1973. Foto José Saúde.


O dia 25 de Abril de 1974, dia em que foi proclamada a liberdade, tornou possível o regresso à pátria de camaradas acampados em Angola, Moçambique e Guiné (territórios onde a guerrilha não dava tréguas). Naquele momento sentiu-se que o sofrimento dos jovens enviados para as frentes de combate havia chegado ao fim.


Foi um Abril que “rejuvenesceu ao som de um cravo vermelho”. Jovens encantados com o sucedido e preparados para voltar rapidamente para casa. Era Abril, e seu cravo vermelho a renascer de um tempo onde proliferava a escuridão. Éramos filhos das longas manhãs de profundas indecisões, mas onde a esperança da liberdade permanecia permanentemente nos nossos corações. Fomos, também, filhos de gente humilde, que passou por um período difícil (HE: No texto original: que comeram o pão que o diabo amassou), mas de pais que nos criaram e que fizeram nós homens para um amanhã melhor.

Porém, os tempos sombrios impediram muitos dos nossos pais darem aos filhos o ensino secundário ou superior, porque os recursos financeiros da família eram demasiado limitados. Somos filhos de um regime totalitário, o Estado Novo, onde civis inocentes foram colocados sob ordens estritas enquanto muitas pessoas simplesmente pediam trabalho, mesmo que fosse apenas sazonal.


No Estado Novo

Os tempos eram diferentes! Tempos em que faltava liberdade para expressar opiniões pessoais e em que os mais destemidos eram enviados para ‘campos de férias’, onde as grades de uma prisão se apresentava como uma realidade inegável. Pessoas sérias e honestas, algumas com apenas a quarta classe do ensino primário, outras analfabetas, mas cuja coragem própria resultou em prisão política. Pessoas que estavam comprometidas de coração e alma com uma crença que consideravam justa e onde tinham em mente o bem-estar do seu povo. Mas, por outro lado, sempre existiram os agentes leais de um regime que não mostrou piedade para com o cidadão honesto.

Éramos crianças alegres, brincávamos na rua, jogávamos futebol em campos inóspitos, às vezes com bola de trapo ou com uma bexiga de porco e tantas outras brincadeiras que ainda hoje lembramos. Crescemos ouvindo falar de atrocidades onipresentes do regime, de agentes da PIDE que dominavam tudo ou quase tudo, conhecemos o sofrimento incalculável de famílias marcadas pelos mandamentos estritos de pessoas vestindo fatos caros, à Príncipe de Gales, e com gravatas de seda pura. 

Mas um dia vimos sinais de que o medo que nos oprimia por causa de um governo hostil estava, com o evoluir das eras, a tornar-se cada vez menos necessário. O 25 de Abril de 1974, a grande Revolução dos Cravos, abriu-nos as portas à liberdade e, sobretudo, ao conhecimento de novos mundos e de novas realidades. Pertencemos a uma geração que teve a oportunidade de conhecer reformas ou, em suma, gentes novas. Eram melhorias do destino que mudariam esta imensa esfera, chamada Terra.

Enviados para as frentes de combate

Assistimos à guerra colonial como muitos milhares de camaradas, no nosso caso em território guineense. O conflito começou em Angola em 1961 e estendeu-se a Moçambique e à Guiné, terminando com a queda do regime liderado pelos capitães de Abril. Nós, jovens rapazes, fomos enviados para o cenário de uma guerra onde os soldados, quando confrontados com a realidade guerrilha, ficavam enfurecidos, protestavam violentamente e proferiram, por vezes, maldições. A frustração levou-os a um quadro virtual onde estava escrita a simples frase: Matar para não morrer!

Sim, como sabeis camaradas, muitos perderam a vida no campo de batalha, outros em picadas, ou numa emboscada, outros nos seus quartéis em consequência de ataques noturnos inimigos e quando descansavam sobre um aparente aliviar de tréguas. Muitos ficaram mutilados; muitos outros portadores de doenças mentais crónicas devido às circunstâncias completamente inesperadas em que viveram.

Lar!

Quando rebentou a Revolução de Abril e soou o som do clarinete para nos reunir, este vosso camarada estava a cumprir a sua missão militar na Guiné, mais precisamente em Nova Lamego, hoje Gabu. 

Claro que todos nós aplaudimos esta fantástica aventura. Seguiram-se momentos de contacto com membros do PAIGC (HE: movimento de libertação), conhecemos os rostos daqueles contra quem havíamos lutado anteriormente, trocamos conversas e finalmente tomaram conta das nossas instalações.




O soldado José Saúde se despede dos companheiros em Novo Lamego, na Guiné Portuguesa. Foto José Saúde.


A população civil barafustou às portas do nosso quartel, sendo as suas expectativas quiçá incertas. Vinham em grupos e esperavam receber alguma coisa. Seus rostos irradiavam inseguranças reprimidas. Nós, entendemos isso. Mas, a nossa missão tinha chegado ao fim. Voltaríamos para casa em breve. Ficou o nosso grito de desabafo: Adeus, Nova Lamego!

Saudações deste velho camarada!

José Saúde

(O texto não foi revisto por nós: LG) 

—————-

O Portal Portugal já prestou atenção aos soldados portugueses que lutaram na guerra colonial.

______________

Notas do editor:

(*) Vd. 20 de abril de 2024 > Guiné 61/74 – P25415: Os 50 anos do 25 de Abril (10): Até sempre, Nova Lamego! (José Saúde, ex-fur mil op esp/ranger, CCS / BART 6523, 1973/74)

(**) Último poste da série > 5 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25483: Blogues da nossa blogosfera (194): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte VII: mulheres pescadores do rio Cadique (foto de Ernst Schade)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O que é que este "Portugal Portal" nor fornece (em holandês ou neerlandês) )

Informatie en verhalen over en uit Portugal
Voor vakantiegangers, overwinteraars, immigranten en emigranten. Voor iedereen die iets met Portugal heeft. Portugal Portal schrijft over landverhuizen en over bezienswaardigheden. Over praktische zaken en over geschiedenis. Over wandelen en over eten. Over de Algarve en over de Serra da Estrela. En natuurlijk ook over Lissabon en over Porto.


Tradução Google / LG:

Informações e histórias de (e sobre) Portugal
Para turistas de verão e de inverno, imigrantes e emigrantes. Para todos os que têm algo a ver com Portugal. Portal Portugal escreve sobre percursos e pontos turísticos . Sobre questões práticas e sobre história. Sobre itininerários e sobre comida. Sobre o Algarve e sobre a Serra da Estrela. E claro também sobre Lisboa e Porto.

Joaquim Costa disse...

Este mesmo postal, por iniciativa da mesma personalidade, publicou no mês de julho uma crónica uma crónica do meu último livro sobre a importância das mercearias / tabernas nos anos 50/60 em Portugal, na publicação de Julho. Prova que é um leitor assíduo do nosso blogue. Contactou-me, pediu autorização e traduziu todo o texto.

Anónimo disse...

Achei piada a esta retroversão do texto do Zé que viajou de Portugal para a Holanda ( ou Países Baixos) com regresso a Portugal... Parece que andámos "acampados" em África estes todos... O que em muitos casos foi verdade... Eu vivi quase dois meses em Contuboel num bivaque, em tendas, que eram autênticos fornos de assar cabritos... Mas houve quem vivesse muito pior nos diversos "hotéis de muitas estrelas com piscina" da Guiné...Valha-nos, ao menos, o humor negro (uma expressão que agora também é racista, imaginem!...)