domingo, 1 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25902: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (33): "Na senda do poema azul"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


Na senda do poema azul

Cruzaram as portas, correram os campos das árvores novas e os olhos de trabalhar não cederam ao sono nem triangularam o medo nem cavaram rugas no solo imponente das alamedas sombreadas de tílias.

Nesse dia, demorou um pouco mais o beijo que ele habitualmente depunha na sua face sedosa e apertou-a levemente contra o peito. Era uma mulher cheia de ternura e singularmente bela, uma daquelas belezas que roubam tudo o que se é no curto instante em que os olhos se cruzam.

Não se erguem pedestais de peso vazio, nem mulheres de vitrina são granito de amor ou seara ondulante que o vento não quebra, ou lágrima doce de criança com cheiro a alecrim.

Anos mais tarde, abraçou-a longamente e apertou-a fortemente, tentando beijá-la, mas ela cruzou o dedo sobre os seus lábios. De ambos, era apenas a poesia seu único elo de ligação.

Força centenária nunca inventada, criada dia a dia na cultura do percurso, na perenidade do ser, na alegria renascida da memória revisitada sem mágoa num espelho de lágrimas pode, um dia, o amor renascer e ganhar flor na miragem do deserto.

Tempos depois, beijou-a sofregamente e disse que tinha de fazer amor com ela, pois morreria se tal não acontecesse.

- Nem pense, respondeu. Não porque também o não desejasse ardentemente, mas não conseguiria ultrapassar a barreira que a impedia. Não… não eram os vinte anos a menos, mas o facto de ser casada.

Na posse de um presente incerto, de nada valem carismas de futuro nem linguagem detergente, nem jogos de vitrina nem letras ficcionais de reinvento externo, encenando convulsas narrativas de amor eterno.

Um dia, ela veio. Veio firme e decidida. Os cabelos caídos, a beleza amadurecida pela idade e por um lindo rosto ardendo de fogo. Beijou-o suavemente na testa, roçou os lábios pelos seus e espetou o dedo indicador no sítio onde o beijara, avisando com firmeza: “A primeira e última vez, nunca mais.”

O amor, naturalmente estético, não faz profecias nem confere paradigmas de futuro nas assimetrias das almas, o amor triunfa na força de ser fraco, na doçura decisória do dilema, na transparência da lágrima, na equação matemática da razão, que reduz harmoniosamente o tempo e o espaço a uma alma louca de paixão.

Sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés e começou a voar, estonteado pelos céus vibrantes da emoção, quando ela começou, delicadamente, a despir-se.

Abraçou-a pela cintura como chama escaldante e os dois ajoelharam num fino tremor que lhes atravessava o corpo como prenúncio de terramoto. Ela apertou-lhe a face entre as mãos e colou a sua boca à dele numa avidez devoradora. Abriu as entranhas num vulcão de lume e, a um passo do céu, sentiram um novo tempo a eternizar a vida.

Uma hora depois, seus corpos jaziam abraçados no chão, envoltos num pegajoso manto de suor. Um sorriso doce caía dos olhos semicerrados e dos lábios ligeiramente entreabertos dessa eterna imagem que nunca mais haveria de libertar-se do Poema Azul. O poema, onde a luz de sempre, que a noite amanhece, muda o espaço, inverte o tempo, descobre o sonho. E no mais fundo do ser, a dimensão aparece.

Uma hora mais até que os corpos se descolassem, e uma profunda tristeza começasse lentamente a invadirlhes a alma à medida que o sangue arrefecia e o coração insistentemente repetia: Nunca mais, nunca mais!

Voltou a vê-la, dois anos depois, num cruzar de olhos e quatro anos mais tarde, quando ela lhe ofereceu a face e um sorriso, onde umas finas rugas se inscreviam e diziam: Nunca mais!

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Nota do editor

Último post da série de 25 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25879: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (32): "Ciência e poesia"

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