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segunda-feira, 16 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26925: Notas de leitura (1809): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Aparece finalmente uma coletânea de depoimentos dos milicianos que intervieram entre 1973 e 1974, em convergência com os oficiais do quadro permanente, na formação e atividade do MFA da Guiné, são depoimentos que em alguns casos forçosamente se repetem mas há em muitos deles a singularidade do testemunho, um olhar lúcido sobre a evolução da guerra, a participação nas conversações com os quadros do PAIGC, muitos deles dão conta do anacronismo das pretensões de Spínola fazer um referendum na Guiné quando já houvera o reconhecimento internacional para um Estado soberano que terá a liderança do PAIGC. Esta obra, que se saúda pela pertinência dos testemunhos, tem o poder de complementar um acervo de depoimentos e análises do MFA da Guiné, em que constam nomes como Sales Golias, Duran Clemente, Carlos de Matos Gomes e António Duarte Silva.

Um abraço do
Mário



Os milicianos no MFA da Guiné (1)

Mário Beja Santos


Muito se tem escrito sobre a formação e atividade do MFA da Guiné, intervenientes como Sales Golias, Duran Clemente, Carlos de Matos Gomes, investigadores como António Duarte Silva, são algumas das figuras mais salientes desse fenómeno original de um movimento altamente sigiloso formado em 1973 e que ganhou vida própria. É facto que a presença dos milicianos não é descurada da narrativa, aparece sempre a figura do capitão José Manuel Barroso, mas quanto à competição do desempenho dos milicianos ainda não existia um conjunto organizado de depoimentos, e daí saudar-se esta obra coletiva intitulada "Guiné Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril", com doze testemunhos de participantes, e aonde não falta a lembrança daqueles que já partiram como José Aurélio Barros Moura, Luciano Avelãs Nunes, Jorge Cabral Ventura e Joel Hasse Ferreira, Âncora Editora, 2024.

O primeiro depoimento cabe a Álvaro Marques que dá ênfase à crise académica de 1969 e à incorporação nas Forças Armadas. Esteve em Mafra e em Santarém, aí conheceu Salgueiro Maia, é amnistiado em 1970, reincorporado em 1972, tem uma troca de palavras com Spínola, este convida-o para um jantar no Palácio, não esconde ao general que aquela guerra perdeu sentido, segue depois para Aldeia Formosa, recebe o convite do capitão José Manuel Barroso para vir para Bissau trabalhar no PIFAS, vai fazer parte do Núcleo de Luta Anticolonial, irão juntar-se, entre outros, Celso Cruzeiro, Barros Moura, Sacadura Botte, estes pretenderam ser advogados de Coutinho e Lima, que estava preso no Cumeré, a ira de Spínola não se fez esperar, Barros Moura foi despachado para S. Domingos; o núcleo alargou-se, vão assistir à criação do MFA em Portugal, o MFA da Guiné passa a ter estatuto próprio, incluindo o projeto de desencadear o golpe de Estado, caso falhasse o de Lisboa.

Os milicianos terão desempenho na criação do MAPOS, um movimento para a paz que em 1 de julho aprovou uma moção onde se repudiava qualquer solução local e unilateral que não fosse aceite pelo Governo central em Portugal, exigindo que fossem imediatamente reatadas as negociações com o PAIGC e, ponto curioso, “Apelar para que os militares portugueses encarem a sua presença atual e estrutura na Guiné como uma forma de prestar a sua cooperação desinteressada ao povo da Guiné, assim contribuindo para o pagamento da dívida histórica criada pelo colonialismo português.” Álvaro Marques refere o seu trabalho na publicação Voz da Guiné.

O segundo depoimento pertence a Amaro Jorge, que foi alferes miliciano no Batalhão de Intendência de Bissau, também esteve ligado à crise académica de 1969, pertenceu aos Serviços Auxiliares, assim chega à Intendência de Bissau, colocado na chefia da Secção de Reabastecimentos, dá-nos conta da delicadeza do que era organizar a listagem de bens, combustíveis e outros, havia sempre comida a estragar-se ou a desaparecer. Foi destacado da Intendência para o Palácio do Governo, para adjunto do Governador, tendo ficado com os assuntos do pessoal e das relações de trabalho. Regressou a Portugal em 1 de setembro.

O terceiro testemunho vem de Canhoto Antunes, foi capitão miliciano, este em Madina Mandinga, Nema e Empada. Estagiou na Guiné integrado na CAOP 2 (Gabu), voltou a Mafra, forma a CCAÇ 4944, conta por onde andou, a atividade operacional, incluindo em 26 de maio de 1974 que houve 10 feridos numa emboscada. Chegou a Empada em 4 de junho, estabelecem-se contactos com o PAIGC. Regressa a Lisboa em 28 de setembro, em plena manifestação da “maioria silenciosa”, o que os obrigou a vários stops nas estradas até casa, até pensou que saíra de uma guerra para entrar noutra.

O quarto testemunho pertence a Celso Cruzeiro, da chefia do serviço de Justiça do Quartel-General, redator do Voz da Guiné. Chamo a atenção para o reconhecimento que os jovens capitães cedo fizeram do papel desempenhado pelos milicianos, eles contribuíram para melhor compreender a guerra como fenómeno dependente dos interesses do poder económico e do sistema de influência geopolítica. Salienta a importância dos encontros na Guiné em 1973 entre os jovens oficiais do quadro permanente e o conjunto dos oficiais milicianos ali presentes, ao longo dos primeiros meses de 1974 foram-se estreitando os laços. Recorda o abaixo-assinado lançado no dia 28 de abril de 1974 e dirigido ao Presidente da Junta de Salvação Nacional, solicitando um cessar-fogo imediato e conversações prontas com o PAIGC; fará um historial das etapas subsequentes, as conversas havidas entre Fabião e Spínola, a importância dos Movimento para a Paz, à institucionalização do MFA da Guiné, a ira de Spínola que convocou para Lisboa vários oficiais do quadro permanente e milicianos e recorda, em jeito de conclusão, que a participação dos milicianos tinha a dupla preocupação de colaborar com o MFA no processo de descolonização da Guiné e, por outro lado, fornecer uma base mínima de politização ao contingente dos soldados portugueses. Não deixa de lamentar como o novo país independente vestiu rapidamente o manto dramático da tragédia em que permanece.
Gadamael, maio de 1974. A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento de Gadamael: Em primeiro plano, ao centro, o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Patrício); do seu lado direito está o comissário político do PAIGC, de cigarro russo na boca. Imagem retirada do nosso blogue
Pirada, primeiros contactos com o PAIGC, junto à fronteira do Senegal com o fim de combinar a "passagem de testemunho", dirigido pelo Comandante Jorge Matias, do BCAV 8323. Fotografia de António Rodrigues, com a devida vénia
China, Amílcar Cabral e o PAIGC: um namoro em três tempos Delegação do MPLA e do PAIGC na China, em Agosto de 1960, a convite do Comité Chinês de Solidariedade com África e Ásia. Imagem da Associação Tchiweka de Documentação

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 13 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26916: Notas de leitura (1808): Lembranças do que foi o Museu da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23918: In Memoriam (466): O Coronel Coutinho e Lima voltou para a sua terra Natal (Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista)

1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), com data de 23 de Dezembro de 2022:


Coronel Coutinho e Lima voltou para a sua terra Natal

No passado dia 23 de Dezembro de 2022 foi a enterrar na sua terra natal, Vila Fria – Viana do Castelo, Alexandre da Costa Coutinho e Lima, Coronel de Artilharia na reforma. Nasceu em 1935 e faleceu no dia 19 de Dezembro 2022.

Nomeado em janeiro de 1973 pelo sr. General António de Spínola, CMDT do COP 5 sediado em Guilege - Guiné.

Depois da missa de corpo presente, em homenagem, procedeu-se a uma salva de tiros por uma Secção da Escola de Serviços, Unidade do Exército aquartelada em Beiriz na Póvoa de Varzim, seguindo o féretro para a sua última morada.

Apresentámos condolências à sua esposa D. Isabel, quer em meu nome pessoal como também em nome da tertúlia da Tabanca Grande.

Vila Fria, 23 de dezembro 2023
A. Sousa de Castro



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Quem foi o Cor. Art.ª Ref. Coutinho e Lima:

Alexandre da Costa Coutinho e Lima nasceu em Vila Fria (Viana do Castelo), em 1935. Frequentou a Escola do Exército (hoje Academia Militar) sendo Oficial da Arma de Artilharia desde 1957, com a especialização de Observador Aéreo.
Como Capitão, fez duas comissões de serviço na Guiné:
- de JUL63 a AGO65, como Comandante de Companhia Operacional, em Gadamael (primeira tropa a ocupar esta localidade;
- de JUL68 a JUL70, como Adjunto da Repartição de Operações do Comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, sendo Governador e Comandante-Chefe o sr. General António de Spínola.
Promovido a Major, iniciou a sua terceira comissão, de novo na Guiné, em SET72. Em JAN73 foi nomeado, pelo Sr. General Spínola, Comandante do COP 5 (Comando Operacional n.º 5, com sede em Guilege. Na sequência dos acontecimentos narrados neste livro [A Retirada de Guileje - 22 Maio 1973 - A Verdade dos Factos], tomou a decisão de retirar de Guilege, o que resultou, sob o ponto de vista pessoal, na sua prisão preventiva durante um ano (menos 10 dias) e Auto de Corpo de Delito, que poderia terminar no seu julgamento em Tribunal Militar. Como consequência do 25 de Abril de 1974, os “crimes”, que supostamente tinha cometido, foram amnistiados pelo Dec. Lei nº. 19/74 da Junta de Salvação Nacional; os autos foram arquivados, não tendo, por isso, sido submetido a julgamento. Este livro constitui o esclarecimento objectivo e relata A VERDADE DOS FACTOS, até agora em ingrato esquecimento.

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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23901: In Memoriam (465): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022) - Não posso deixar de expressar toda a dor que me vai na alma pela sua partida e revelar o apreço e consideração que sempre tive por si (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23904: Documentos (41): "Diploma de Cobra", outorgado pelo cap inf Jorge Parracho, cmdt da CCAÇ 3325, "Cobras" (Guileje e Nhacra, 1971/72) ao seu amigo e camarada do tempo da Academia Militar, cap art Morais da Silva, cmdt da CCAÇ 2796, "Gaviões" (Gadamael e Nhacra, 1970/72)

 

Diploma de Cobra

Ao Capitão de Art António Carlos Morais 
da Silva como reconhecimento da CCAÇ 3325 pela
amizade e apoio incondicional que dispensou a esta 
unidade se outorga o grau de "Cobra" honorário.
E por ser verdade e como apreço da CCAÇ
3325,  lhe é passado o presente diploma que usurá
"in aeternum"

O Comandante
JSParracho
cap"

[ Cortesia do cor art ref Morais da Silva]




Foto nº 39



Foto nº 39A


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325, "Cobras de Guileje" (jan / dez 1971) > 1971 > Álbum fotográfico do cor inf ref Jorge Parracho > Foto n.º 39, sem legenda > O cap Jorge Parracho (o segundo a contar da direita, na foto nº 39A) com a malta do 5º Pel Art que era comandado pelo alf mil art Cristiano Neves... Operavam três peças de 11,4 cm, apontadas para a fronteira.

O primeiro militar, na primeira fila, a contar da direita para a esquerda, na foto nº 38B, é o alf mil médico Mário Bravo, nosso grã-tabanqueiro. Também passou por Bedanda (CCAÇ 6) e depois pelo HM 241, em Bissau. Os "Cobras de Guileje" estavam longe de imaginar o que aconteceria àquele aquartelamento, um dos melhores da Guiné, dois anos depois... Foi aqui, em 18 de maio de 1973 que começou a Op Amílcar Cabral... (em que o PAIGC mobilizou t0dos os seus meios para "varrer do mapa" o quartel e a tabanca (fula) de Guileje...

As fotos de Jorge Parracho foram disponibilizadas à ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, em 2007, no âmbito do projecto de criação do Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Não traziam legendas, vinham apenas numeradas. Foram por sua vez partilhadas com o nosso blogue pelo nosso saudoso amigo Pepito, o engenheiro agrónomo Carlos Schwarz Silva  (Bissau, 1949-Lisboa. 2014), então diretor da ONG AD e principal promotor do projecto museológico de Guileje. A legendagem é da responsabilidade do editor L.G, que recorreu às informações já aqui publicadas pelo Orlando Silva sobre a CCAÇ 3325].

Foto: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]



1. "Diploma de Cobra" foi um singelo docmnento que me chegou às mãos,  enviado, oportunamente, em 4 de junho de 2022, pelo cor art ref Morais da Silva, na sequência de um mail quem entretanto,  enviara a um grupo de camaradas que tinham passado por Guileje, Gadamael e Bedanda. 

Tinha a intenção de o publicar como prova dos fortes laços de amizade e camaradagem que se criaram, na altura, entre as NT, no TO da Guiné, a par do sentido de humor de caserna que a guerra também cria e alimenta...

Publico, hoje, na série "Documentos" quando se volta a falar de Guileje, com a morte do cor art ref Coutinho e Lima (Viana do Castelo, 1935-Lisboa,2022). Acrescentava na altura o cor art ref Morais da Silva, à laia de legenda:

"A CCaç Ind 2796 (que comandei em Gadamael) e a CCaç 3325 (Jorge Parracho- Guilege) coabitaram a mesma zona durante 1 ano. O Jorge é do meu curso da AM (veterano) e somos amigos e companheiros de canseiras na Guiné. Dele recebi esta prova de estima e reconhecimento quando terminou a comissão."

Sei que o Jorge Parracho é natural de Mafra e o Morais da Silva é de Lamego. Aos dois deixo publicamente o meu agradecimento e os meus votos de Bom Natal e Melhor Ano Novo de 2023.
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(**) Último poste da série > 24 de maio de 2022 > Guiné 61/74- P23287: Documentos (40): A conferência do cor inf Hélio Felgas, proferida na Academia Militar, sem papas na língua, em 10/4/1970 (e depois publicada como artigo na Revista Militar, nº 4, abril de 1970, pp. 219-236), que o Amílcar Cabral leu e achou lisonjeiro para si e o seu Partido, citando-o no Conselho de Guerra de 11/5/1970

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23901: In Memoriam (465): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022) - Não posso deixar de expressar toda a dor que me vai na alma pela sua partida e revelar o apreço e consideração que sempre tive por si (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Augusto Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74) com data de hoje, 20 de Dezembro de 2022:

Caro amigo e camarada Coutinho e Lima
Partiste.


Não posso deixar de expressar toda a dor que me vai na alma pela sua partida e revelar o apreço e consideração que sempre tive por si. Destaco a sua coragem em situações de guerra muito difíceis, mas cuja perceção não esteve ao alcance de todos os seus camaradas. Foi a vítima escolhida, para outros exibirem os seus troféus de glória e se vangloriarem. Os homens que comandou da CCAV 8350, fazem aqui eco de tudo o que de bom fez por eles.
E foi muito. Eles não esquecem.

Recordo aqui um dos momentos mais difíceis da sua vida e da vida de todos nós. Guileje encontrava-se numa encruzilhada de vida ou de morte. Ataques contínuos de armamento, avançado para a época, iam destruindo todas as instalações que se encontravam ao nível do solo. Permaneciam intactos os abrigos, de betão, onde se abrigavam 200 militares e 317 elementos da população. Muita gente para pouco espaço o que, com o avançar do tempo, transportou problemas de saúde.

Tudo começou com uma emboscada, preparada com minúcia, onde as NT tiveram 2 mortos e 11 feridos, a 18 de Maio de 1973. Uma semana antes, o Comandante Chefe preparou-nos para a situação que se avizinhava e garantiu-nos que nenhum ferido deixava de ser evacuado.

Recusadas as evacuações, o Major Coutinho e Lima procurou uma saída. A picada para Gadamael estava bloqueada e a única escapatória era um pequeno riacho, a 5 km de distância, onde a Companhia se abastecia de água e que, naquele momento, estava desimpedido, o que não aconteceu no dia seguinte. Os mortos e feridos, acompanhados pelo Major Coutinho e Lima, dirigiram-se a Cacine, em botes, e posteriormente para Bissau.

Coutinho e Lima relata a situação que se vivia em Guileje, numa reunião pedida para o efeito e solicita o apoio de uma companhia de Comandos ou Paraquedistas. É recusado o apoio e humilhado... Siga para Guileje e será substituído!
Entra no aquartelamento no dia 21, debaixo de fogo, recusando permanecer na mata sob a proteção de um grupo de combate de Gadamael.

Faz o ponto da situação:
- Substituto não aparece. Encontrava-se perto, em Gadamael.
- Instalações destruídas
- Falta de qualquer apoio, apenas a Força Aérea sinalizava a nossa presença. A sua incapacidade era notória, a presença de mísseis Terra-ar era limitadora da sua atividade.
- A artilharia estava desarticulada com a troca inoportuna dos obuses, apenas um obus 14 funcionava, sem estar regulado.
- O acesso à água estava cortado.
- O moral dos militares era diminuto, agravado pela insalubridade dos abrigos, onde permaneciam bastante crianças.

Guileje está perdido. Ficar ou retirar?
Ficar significava um massacre, com mortos, feridos e prisioneiros, com elevada probabilidade. A mata em Guileje era impenetrável na maior parte das zonas e qualquer saída do aquartelamento estava condicionada ao insucesso.
Retirar de modo ordenado, antes do nascer do sol, por um trilho que só a população conhecia era a hipótese menos arriscada.

O Major Coutinho e Lima depara-se com este problema: Durante a noite a decisão de retirar ou não, altera-se. Só às 3 da manhã, decide definitivamente retirar, perante a presença de um representante da população. Desabafa que a sua vida militar terminou ali!
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Abril de 1973 > CCAV 8350 (1972/73) > O Alf Mil Manuel Reis junto ao monumento erigido à memória do Alf  Mil Victor Lourenço, dos "Piratas de Guileje", morto em 5 de março de 1973, na explosão de uma armadilha.

Descansa em Paz camarada e amigo.
Os meus pêsames à família.
Manuel Reis

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Nota do editor

Poste anterior de 20 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23900: In Memoriam (464): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022), ex-Cap Art, CMDT da CART 494, Gadamael (1963/65), ex-Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné (1968/1970) e ex-Major Art, CMDT do COP 5, Guileje (1972/73)

Guiné 61/74 - P23900: In Memoriam (464): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022), ex-Cap Art, CMDT da CART 494, Gadamael (1963/65), ex-Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné (1968/1970) e ex-Major Art, CMDT do COP 5, Guileje (1972/73)

 

Amadora > Auditório da Academia Militar > Sessão de lançamento do livro "A Retirada de Guileje" (Lisboa, DG Edições, 2008), do cor art ref Continho e Lima, em 13/12/08, 17h. O livro foi apresentado pelos, jornalista Eduardo Dâmaso e general Loureiro dos Santos. 
  
Coutinho e Lima (1935-2022) ex-cap art cmdt CART 494, Gadamael (1963/65),  ex-Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné (1968/1970) e ex-major art, cmdt  do COP 5, Guileje (1972/73) 

Foto (e legenda): LG (2008)


1. Chega-nos, de manhã, através de uma mensagem enviada ao Carlos Vinhal, a triste notícia da morte de mais um camarada nosso, aos 87 anos, Alexandre Coutinho e Lima (Viana do Castelo, 15 de setembro de 1935 - Lisboa, 2022).

Mas na passada segunda feira, já  tínhamos recebido um mail, às 22h12, da Maria Isabel Lima, com a triste notícia e que só agora li por estar acamado:

Sr. Professor: eu sou a M. lsabel Coutinho e Lima. Quero comunicar-lhe, que meu marido, depois de algum sofrimento desde o dia 25 de Setembro, faleceu hoje, cerca das 18horas

O Carlos já mandou  à viúva, D. Maria Isabel Courinho e Lima, por email os pêsames da Tabanca Grande:

"Lamentamos profundamente a perda do marido. Sabíamos que estava a passar menos bem mas não esperávamos esta triste notícia.  A tertúlia deste blogue associa-se à sua dor e envia-lhe as mais sentidas condolências, extensivas a toda a família.  Pedimos o favor de nos enviar, quando souber, os pormenores das exéquias fúnebres.  Ao dispor,  Carlos Vinhal".




Alexandre Coutinho e Lima - A retirada de Guileje: 22 de maio de 1973: a verdade dos factos (rev. texto Maria Filomena Folgado. - 4ª ed. - Linda-a-Velha : DG Edições, 2010. - 473 pp.)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 22 de Maio de 1973 > A retirada, dramática mas ordeira, das tropas portuguesas, por decisão, à revelia do Comando-Chefe, do major Coutinho e Lima, comandante do COP5. Segundo informação do Nuno Rubim (de quem não notícas "há séculos" !) a primeira unidade a ir para Guileje foi um Grupo de Combate reforçado da CART 494, em jan / fev de 1964. A Companhia estava a instalar o quartel em Gadamael. Só mais tarde é que um grupo da CART 495, em final de fevereiro desse ano, foi reforçar a guarnição até à chegada das primeiras forças da CCAÇ 726, em 31 de Outubro, permanecendo ainda algum tempo em sobreposição.

A CART 494 era comandada pelo então Capitão Coutinho e Lima, "que assim fica para sempre ligado ao início e fim de Guileje" (sic) ...  

Foto de origem desconhecida, editada por nós, e gentilmente cedida pelo Pepito, fazendo parte do acervo fotográfico do Projecto Guiledje ( © AD - Acção para o Desenvolvimento ).

A decisão, à revelia do Com-Chefe, gen Spínola, de retirar Guileje, em 22 de maio de 1973, foi a decisão mais dramática e porventura mais difícil da sua vida. E destruiu a sua carreira militar. Estebe um ano preso em Bissau. Depois de passar à situação de reforma, Coutinho e Lima fez questão de contar, por escrito, a sua versão os factos, o que fez com coragem, frontalidade e dignidade.  O seu livro, lançado em 2008, teve pelo menos 4 edições.

Dos muitos postes publicados no nosso blogue, chamo a atenção para o poste P267 (dois vídeos e 25 fotos) em que a população de Guileje, trinta e cinco anos depois (por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje, em março de 2008),  homenageou  o Cor Art Ref Coutinho e Lima 

O Coutinho e Lima tem mais de uma centena de referências no nosso blogue. Era uma pessoa afável e um bom minhoto. Gostava de me convidar, a mim e à Alice, para jantar no dia dos seus anos, a 15 de setembro. Ele tinha casa em Benfica, éremos quase vizinhos.  E a esposa, Maria Isabel,  era (é, felizmente está viva) simpatiquíssima. E tinha muito orgulho na decisão do marido de salvar centenas de vidas, em 22 de maio de 1973. Ainda fomos a um ou dois jantares de aniversário. Mas a altura não era das mais convenientes para nós: estávamos  habitualmente na Lourinhã, em setembro. Às vezes falávamos ao telefone. Disse-me há tempos que andava a escrever a história da sua 
CART 494 (Gadamael, 1963/65).  Com a sua morte, perdemos também um manancial de memórias sobre a Guiné do tempo da guerra de 1961/74.

À família enlutada, esposa, filhos e netos  endereçamos os nossos votos de profundo pesar. 

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2. Entretanto, cerca das 23 horas do dia, recebemos uma mensagem da senhora Dona Maria Isabel Lima com os pormenores das cerimónias fúnebres do seu malogrado marido.

As cerimónias religiosas meu marido decorrerão na próxima quinta-feira, dia 22. Da parte da tarde haverá uma missa de corpo presente pelas 17h00 na Capela da Academia Militar, em Lisboa, na Rua Gomes Freire.

Na sexta-feira, 23,  o corpo seguirá para Vila Fria, Viana do Castelo, onde será rezada uma outra missa pelas 16h00 e o funeral será logo a seguir.

Muito obrigada
Maria Isabel Lima

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Nota do editor:

Último poste da série de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23715: Notas de leitura (1506): "Missão Guiné 63-65 Companhia de Artilharia 494", por Augusto Carias, Adelino Domingues, Aníbal Justiniano; edição de autor, Amares, Julho de 2012 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Esta obra tem três autores, são memórias referentes à CART 494, esteve adstrita ao BCAÇ 513, de cuja história já aqui se fez menção. Andaram no Sul, começaram em Ganjola e depois Gadamael, parece que foram pau para toda a colher, os abastecimentos chegavam a Gadamael Porto e eles faziam colunas ou montavam segurança em itinerários de muito risco, num território que estava a ser desencravado desde finais de 1963, abarcando Guileje, Cacoca, Sangonhá e Cameconde e mais tarde Gandembel. 

Obra profusamente ilustrada, vemos o hoje Coronel Coutinho e Lima a desfilar em Viana do Castelo, vão embarcar em Lisboa; seguem para Cacine, constroem o aquartelamento de Ganjola, segue-se a construção do aquartelamento de Gadamael Porto. São imagens elucidativas de encontros de unidades, como a imagem de Ponta Balana, na estrada Guileje - Aldeia Formosa. Tocante é a imagem do Augusto Silva a escrever as suas notas no resto de uma máquina de escrever, no meio da azáfama militar.

Um abraço do
Mário



Memórias do Sul da Guiné, 1963-1965, um tocante escrito a várias mãos

Mário Beja Santos

Na base deste ajuntamento de notas e imagens está alguém que se apresenta com esta singeleza: 

“Augusto de Jesus da Silva nasceu a 19 de Junho de 1942. Aprendeu a profissão de alfaiate em Goães – Amares, sua terra natal, com João Coelho. Foi chamado para o serviço militar em Janeiro de 1963, depois mobilizado para a Guiné, até 1965. Regressado, montou uma mercearia em Goães. Foi emigrante na Alemanha durante três anos, trabalhou em alumínios. Regressado a Portugal, trabalhou na construção civil como camionista. Durante 12 anos, foi condutor de autocarros, transportando senhoras para a confeção, na Trofa. Acabou por se dedicar à restauração”. Augusto de Jesus da Silva foi coligindo notas durante a sua comissão e outros contribuíram para dar letra de forma.

A CART vai de Bissau para Bolama, daqui para Catió e depois Ganjola, houve que preparar a defesa, quartel não havia, logo começaram os tiroteios, enquanto se constrói o aquartelamento o sobressalto é permanente. Estamos em outubro de 1963, Coutinho Lima decide fazer uma operação a Ganjola Velha, queimaram-se todas as tabancas, trouxe-se uma manada de vacas. Passados dias, conjuntamente com a CCAÇ 414, vão ao Chunguizinho, houve refrega, volta-se a este objetivo, a reação da guerrilha é forte. A 16 de novembro, assinada por Mafalé Namabá, chega uma missiva em que o PAIGC pede à tropa portuguesa para não pegar nas armas e não lutar contra os irmãos africanos. 

“Se vocês não querem lutar contra nós, quando chegarem ao campo de batalha levantem mãos ao ar. Nós vamos prender-vos e transportar-vos para qualquer país que queiram. Mas se quiserem lutar contra nós, vocês vão morrer todos sem verem a vossa família”

E propõe-se um encontro, aguarda-se resposta. Saem de Ganjola a 11 de dezembro para Gadamael, à saída há tiroteio, tinham-se passado três meses, viagem cheia de incomodidades. Começam as patrulhas de reconhecimento, que se vão alargando à distância. A 27 de janeiro, numa emboscada, morre o Alferes Costa, e em fevereiro iniciam-se as flagelações a Gadamael. É o período em que se vai desencravar território, desimpedir o caminho de Aldeia Formosa até Cacine, as operações de Aldeia Formosa a Guileje, onde se instala a tropa, operações de Guileje a Ganturé, onde fica um pelotão FOX instalado. Feito o aquartelamento de Ganturé patrulham-se as estradas de Gadamael, Bricama, Ganturé, até Guilege, patrulha-se a fronteira, não se dá pela presença do PAIGC.

Estamos já em maio de 1964, as memórias de Augusto Silva falam das colunas de reabastecimento a Guileje. As coisas também não correm bem em Sangonhá, ali põe-se minas anticarro na estrada, o que dificulta as colunas de reabastecimento que vão até Guileje e Sangonhá. As memórias deste primeiro carro registam uma série de emboscadas e ataques a quarteis das proximidades, fala nas provações da comida, gente que se afoga, jogos de futebol entre as equipas de Gadamael e de Cacine, em novembro faz-se uma coluna até Gandembel, vai-se com imenso cuidado, há sempre imensas minas anticarro e antipessoal, vem também tropa de Aldeia Formosa. Rebenta uma mina debaixo de uma viatura blindada, não houve sequer um ferido. Alarga-se o campo de ação desta CART 494, já não basta as idas a Guileje, as colunas também se dirigem a Cacoca, a Cameconde. Em 26 de dezembro de 1964, assinada pelos responsáveis militares do sul do país chega nova carta dirigida aos oficiais, sargentos e praças:

“Após a vossa chegada, matastes, massacrastes e incendiastes à vossa vontade. Cometestes contra as nossas populações indefesas os maiores crimes, as maiores vilanias, julgando serdes impunes. Entre vós havia e continua a haver gente que, embora sabendo da justiça da causa por que lutamos, vos ajudaram a escorraçar e a chacinar os melhores filhos do nosso povo. Tentámos contactar convosco no sentido de entabular ligações num espírito construtivo, mas debalde (…) Não há nenhuma força do mundo, por mais poderosa que seja, capaz de desmoralizar o nosso povo e tirá-lo do caminho da luta e do progresso”

E dava-se o nome de três desertores, dizendo que tinham sido encaminhados para Dacar e Argel. Estamos já em janeiro de 1965, a atividade do PAIGC manifesta-se, logo no dia 1 foi destruído o pontão de Bricama, no itinerário Ganturé – Sangonhá; Ganturé é flagelada, sem consequências. A companhia suspira por ser transferida, não tem havido parança nos patrulhamentos e reabastecimentos. Em 25 de abril é inaugurada a Capela de S. João em Gadamael. O PAIGC, nesta fase, não dá sinal de vida. E a 28 de maio chegou a Gadamael a CCAÇ 798 que rendeu a CART 494.

Escrito a várias mãos fala-se igualmente do régulo Abibo, o régulo de Gadamael, com quem a tropa tem um excelente relacionamento, Abibo Inchassó era respeitado desde o Forreá até Cacine, foi aliciado pelo PAIGC, viu a sua vida a perigar, foi para Bedanda, muitos dos seus familiares partiram para a República da Guiné. Quando viu a recuperação de Ganturé, voltou, ficou na defesa do aquartelamento uma milícia Fula. Juntam-se outros apontamentos sobre a vida desportiva, o médico da companhia, Aníbal Justiniano, faz um relatório no final de dezembro de 1964 sobre o estado sanitário, que é integralmente reproduzido no livro. Este médico será condecorado com a medalha de mérito militar da 3.ª classe. A CART 494 estava adstrita ao BCAÇ 513, de que aqui já se procedeu à devida recensão.

Este livro de memórias é profusamente ilustrado, os autores são Augusto Silva, Adelino Domingues e Aníbal Justiniano, edição de autor, Amares, julho de 2012.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23708: Notas de leitura (1505): Uma escultura de renome mundial, a Nalu (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23526: Notas de leitura (1475): BC 513 - História do Batalhão, por Artur Lagoela, execução gráfica no Jornal de Matosinhos, 2000 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Janeiro de 2020:

Queridos amigos,
Esta preciosidade é uma edição comercial, tiragem de 300 exemplares, com execução gráfica no Jornal de Matosinhos e o autor da obra é o 1.º Cabo n.º 103763, Artur Lagoela, que expressa na introdução a sua grande admiração pelo Comandante do Batalhão. Documento formal, retirado de outros documentos, estruturado quase como um relatório. Trata-se de uma epopeia silenciosa e responde à grande injustiça de se manter no esquecimento o que militarmente se fez, com decisão, firmeza e combatividade no Comando-Chefe, quando toda aquela região Sul parecia imparavelmente na posse dos grupos do PAIGC. Documento de estudo: a adesão dos Fulas, o armamento que possuíamos, o uso de minas antipessoal e fornilhos por parte do PAIGC, as minas anticarro virão mais tarde, como gradualmente os armamentos da guerrilha irão melhorar, com poucas contrapartidas das nossas tropas. Insistia-se em contrariar os corredores de reabastecimento, tinha sido um abandono tão grande que a reocupação de muitos pontos custou os olhos da cara. Tornar-se-á moda, a partir de 1968, denegrir no que se fez e como se respondeu nos primeiros anos. A documentação oficial desmente esse mito e é bom encontrar livros como a história do BCAÇ 513 para se ver o heroísmo de que hoje ninguém fala.

Um abraço do
Mário



Um documento eloquente, peça de historiografia: A história do BC 513 (1)

Mário Beja Santos

Encontrei este livro na Biblioteca da Liga dos Combatentes, tem uma dedicatória do então Alferes Miliciano Sapador José Filipe da Cunha Fialho Barata: 

“Para a Liga dos Combatentes, de todos nós, combatentes do Batalhão de Caçadores n.º 513, que prestou serviço militar na Guiné, entre 25 de julho de 1963 e 25 de agosto de 1965, daqueles que por lá perderam a vida e daqueles que voltaram deixando lá parte dela, aqui fica um muito pouco de nós, num livro chamado "História do Batalhão" e também um grande reconhecimento que os combatentes sabem ter por quem nunca os esquece. 

A nossa história, essa, ficará sempre por contar. Ela seria o enorme somatório de todas as histórias, de todos nós, amalgamadas com todos os nossos sentimentos, todas as nossas indignações, angústias, inquietações, desesperos, raivas, medos, coragens, esperanças, desilusões, amizades, amores, tudo isso unido pela fortíssima argamassa que é a irmandade que nasce e perdura para sempre entre aqueles que foram combatentes”.

Que importância podemos atribuir a este documento? Esta unidade militar faz parte daquele elenco de batalhões que tinham Comando e CCS ao qual se iam agregando diferentes Companhias. Parecia destinada a Moçambique mas a intensidade da luta armada na Guiné exigiu vários desvios, um deles foi o BC 513. Embarcaram em 17 de março, tanto o Comando e a CCS como as CART 494, 495 e 496, como igualmente o Batalhão de Cavalaria 490. Desembarcaram e tinham à espera um graúdo problema logístico, não existiam quaisquer instalações para alojar todo aquele pessoal e guardar o material, estava-se em plena época das chuvas. Houve que distribuir os efetivos por um conjunto de instalações até que em 21 de agosto foram transferidos para a Escola das Missões. Em 31 de outubro, o Comando e a CSS vão para Buba. Fica-se a saber que o capitão Coutinho e Lima, que virá a responder, em 1973, pela retirada de Guilege, é o comandante da CART n.º 494. Às três unidades referenciadas ir-se-ão agregando também pelotões Fox e Daimler, um pelotão de morteiros e outras companhias de caçadores. Era a resposta de juntar com rapidez um conjunto de unidades destinadas a um setor onde campeava em cheio a subversão. Respondia-se à Ordem de Operações n.º 1/63, procurar contrariar a infiltração das forças subversivas, aniquilar grupos de guerrilha, recuperar populações, ocupar espaços abandonados. Havia igualmente que garantir a estrada Buba – Aldeia Formosa e criar condições de utilização da estrada Mampatá – Cacine. As unidades dispersam-se por Cacine, Aldeia Formosa, Ganjola, no setor de Catió. Inicia-se a atividade operacional num território em que há muitas tabancas completamente destruídas, as tropas irão viver nas piores condições, construindo paliçadas, abrigos, pistas para aviões.

O livro reproduz o relatório periódico do Comando, referente ao período de 8 a 24 de novembro de 1963. O inimigo é quantificado e qualificado, existem três importantes zonas de concentração de grupos de guerrilha, duas de simples passagem e uma isenta de atividades. “As áreas de concentração situam-se nas proximidades das regiões ricas em arroz e outros produtos de primeira necessidade, que são precisamente aquelas onde não há forças militares. Assim, temos a região do Incassol, nas margens do rio Corubal (Gã Gregório), a região do Forreá nas margens do rio Cumbijã (Bantael Silá) e a região do Cacine, na orla marítima (Campeane). As zonas de passagem são a região de Buba e a região fronteiriça de Ganturé – Guilege. Como zona isenta de atividade inimiga, temos a região de Aldeia Formosa – Contabane”.

A guerrilha recebe a tropa com flagelações, pretende prejudicar as ligações com Aldeia Formosa, pretende manter inacessível a região do Incassol. As minas anticarro chegarão depois, ao tempo os pelotões Fox e Daimler circulam com perigo mínimo. Procura-se recuperar o chão Fula, atrair populações às tabancas abandonadas, é o que irá acontecer em Colibuia. Será necessário progredir em direção de Guilege, instalando aqui um novo destacamento. Em Aldeia Formosa existe já uma milícia de auxiliares Fulas. A guerrilha pretende manter interdito o trânsito na área do Forreá, embosca frequentemente no eixo Buba – Nhala bem como os patrulhamentos na estrada Buba – Aldeia Formosa. Os fornilhos revelam a sua força destruidora. Nesse mês de novembro de 1963 o Tenente-Coronel Luís Gonçalves Carneiro descreve o estado disciplinar como bom, tem tropas moralizadas mas há preocupantes problemas sanitários.

Bem interessante é o que se escreve sobre a reocupação do chão Fula. São referenciados os regulados de Contabane, Forreá e Guilege, correspondente a uma extensão de fronteira de mais de quarenta quilómetros. No início de 1963, grupos armados do PAIGC atacaram e expulsaram das tabancas os Fulas, pretendiam total liberdade num corredor compreendendo Guilege – Mejo – Nhacobá – Buba – Fulacunda. Fora saqueada a tabanca de Salancaur Fula, onde vivia o régulo de Guilege. Todas estas populações tinham fugido; as casas de construção europeia em Salancaur Cul e Bantel Silá tinham sido destruídas. A reocupação é feita com cautelas, atentas as grandes dificuldades. Em 4 de fevereiro de 1964 reocupa-se Guilege, em 30 de março do ano seguinte a tabanca de Mejo, considerava-se que tinham sido criadas as condições para atingir Salancaur Fula e ligar Cumbijã através de Nhacobá e Samenau. Não havia um único europeu na região. Quando terminar a comissão do BCAÇ 513 ficarão distribuídas 700 armas pelas populações, trinta tabancas em autodefesa.

Os Fulas atuarão praticamente sozinhos, chefiados pelo chefe da tabanca de Mampatá, atuarão na região do Incassol, causando grandes destruições na guerrilha. Em novembro de 1964 começarão os ataques a Guilege, e com destruições.

Todo este período inicial visa a proteção da fronteira sul da Guiné, há as povoações de Cacine, Cacoca, Sangonhá, Ganturé, Gadamael, Guilege, Gandembel está destruída e Mampatá. A subversão manifestara-se inicialmente na região de Sangonhá, primeiro com grupos da FLING que serão ultrapassados pelo PAIGC, com o apoio dos Beafadas da região. Serão assaltadas casas comerciais de Gadamael Porto e Cacoca. O relatório recorda que ao entrar o BC n.º 513 no setor havia uma região totalmente abandonada, Guilege, e uma região totalmente controlada pelo PAIGC – Ganturé, Sangonhá, Cacoca, Cameconde e Campeane, era por esta região que se reabasteciam as bases do Cantanhez. Iremos ver seguidamente como se procurou reocupar a região fronteiriça, em que operações se envolveram ao longo de todo o ano de 1964.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23517: Notas de leitura (1474): "Histórias da C. CAÇ. 2533" - Os belos testemunhos da gentes da CCAÇ 2533 (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23398: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (6): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte V: o ataque a Guileje


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) > Foto aérea de 1972 do aquartelamento e tabanca de Guileje, tirada no sentido oeste-leste. Fo do álbumdo do ex-1º cabo aux enf Amaro Samúdio.

Foto (elegenda): © Amaro Samúdio (2006). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G, "a batalha (ou as batalhas) dos 3 G", têm vindo a ser aqui recordados, na véspera da efeméride dos seus 50 anos. (A Op Amílcar Cabral dizem que começou a 18 de maio de 1973, em Guileje, na região de Tombali, no sul... Mas já antes, Guidaje, no norte, na região do Cacheu, esteve a ferro e fogo (*).

Daí esta nova série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?"...

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra" sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Damos continuação à publicação de um excerto da CECA (2015) sobre estes acontecimentos (*).


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas

2. 1. Ataque lN no Sul a Guileje e a Gadamael Porto

2.1.1. Ataque lN a Guileje

Poucos dias depois do ataque lN no Norte da Guiné,  ao quartel de Guidaje, iniciou-se no Sul o ataque a Guileje sob o comando militar do sul do PAIGC, "Nino" Vieira, integrado na operação "Amílcar Cabral" para mostrar resultados à OUA - Organização de Unidade Africana.

  • Para o início da operação, o PAIGC concentrou em redor de Guileje:
  • a bataria de artilharia de Kandiafara, com morteiros de 82 e 120 mm, canhões sem recuo, canhões de 85 mm e de 130 mm;
  • um grupo de reconhecimento e observação;
  •  cinco bigrupos de infantaria do sector de fronteira.

Deslocou ainda o 3.° Corpo de Exército do Unal para a mata do Mejo e transferiu três bigrupos da região do Boé e dois bigrupos do 2.° Corpo de Exército, no Tombali, para reforço do sector de fronteira.

"No total, o PAIGC concentrou na zona de Guileje um Corpo de Exército (3.° CE), no Mejo, dez bigrupos em reforço ao sector de fronteira e uma bataria de artilharia, com um grupo de reconhecimento. Ao todo, considerando a base numérica de cada unidade do PAIGC utilizada pelos serviços militares portugueses, seriam cerca de 650 homens, efectivo idêntico ao que foi concentrado em Cumbamori para o ataque a Guidaje."  
[Nota: Afonso, Aniceto,  e Gomes, Carlos de Matos, "Guerra Colonial", p. 508]

A guarnição de Guileje integrada no dispositivo e manobra do COP 5 (comandado pelo Major de Artilharia Alexandre Coutinho e Lima), era constituída pela:
  •  CCav 8350/72;
  • 1 Pel/CCaç 3520;
  • 15° Pel Art;
  • 2 Sec/Pel Rec "Fox" 3115;
  • e  Pel Mil 236. 
A população civil era de cerca de 500 elementos.

Em 18Mai, pelas 06h00, uma força constituída pelos 1° e 2° GComb da CCav 8350/72, 1 GComb/CCaç 3520, Pel Mil 236 e 2 Sec/Pel Rec "Fox" 3115, foram realizar a picagem da estrada de Gadamael até ao rio Bendugo, montar segurança descontínua no mesmo itinerário e fazer protecção à coluna auto que se deslocava a Gadamael Porto.

"À hora prevista, a força executante saiu do Aquartelamento começando a fazer a picagem do itinerário. A cerca de 200 metros do local previsto para a instalação do 2° GComb da CCav8350/72, o Comandante do Pelotão de Milícias n° 236, Jan Samba Camará, que nessa altura se encontrava à frente da picagem apercebeu-se de uma anomalia no terreno e fez parar toda a coluna pondo-se a observar o que depois se veio a verificar ser o 3° dos 18 fornilhos colocados ao longo da estrada e nas bermas, num espaço de cerca de 40 metros. Nessa altura, o lN que se encontrava instalado a poucos metros da picada, que é, ao longo de quase todo o percurso, ladeada de mata densíssima, desencadeou a emboscada com um tiro de pontaria à cabeça do Comandante de Pelotão de Milícias e, acto contínuo, com o accionamento dos 18 fornilhos de grande potência e grande quantidade de fogo de armas ligeiras e RPG-2 e RPG-7.

O Pelotão de Milícias n° 236 e o 1° GComb/CCav 8350/72 sofreram, num curto lapso de tempo, 1 morto e 7 feridos graves. Ficou também o referido pessoal extremamente traumatizado pelo rebentamento dos fornilhos verificando-se alguns casos de rebentamento de tímpanos e queimaduras de 1° grau. Por essas razões a sua reacção foi mínima ou nula limitando-se o 2° GComb a ripostar com o morteiro 60 cm.

Quando o inimigo interrompeu o contacto o 1° grupo de combate e o Pel Mil 236 recuaram para trás do 2° grupo, que entretanto se manteve na estrada, transportando feridos e abandonando no local da emboscada o corpo de comandante do Pelotão de Milícias, 1 ferido grave, armamento e material diverso.

O 2° grupo, após efectuar um batimento de zona com morteiro 60 mm e lança-roquetes 37 mm (Dante), progrediu ao longo da estrada (que já tinha sido picada) para recuperar o morto e o ferido. Chegou ao local onde antes se encontravam e ultrapassou-os para fazer segurança à frente sem que o inimigo se manifestasse. Chegados ao local, detectaram os fios de fornilhos sobre a estrada e, do lado onde o lN estivera instalado, vestígios de organização do terreno tais como abrigos individuais e espaldões para metralhadora ligeira.

Entretanto tinham sido pedidas viaturas para evacuar o morto e os feridos. Receberam ordens para se manterem afastados do local aproximando-se apenas a AM "Fox" até ao limite da picagem. O grupo de combate da CCaç 3520 que as escoltava apeou-se cerca de 400 metros antes do local da emboscada não chegando a intervir. Como tivessem sido notados movimentos suspeitos mais adiante no lado esquerdo da estrada resolveu o comandante da força fazer para o local, alguns tiros de mort 6 cm e LGFog  8,9 cm. 

Antes disso o inimigo voltou a abrir abundante fogo de armas ligeiras metendo quase toda a força que se encontrava a proteger a evacuação do morto e do ferido na zona de morte. Houve
oportunidade de ver um elemento lN saltar para a estrada e enfiar ao longo dela num tiro de RPG-2 que causou baixas. Neste contacto as NT reagiram com armas ligeiras e, sobretudo, com cerca de 900 tiros da Browning 12,7 mm da AM Fox. Do mesmo, resultaram para as NT 2 feridos ligeiros e 3 graves um dos quais veio a morrer no quartel, 4 horas depois, por falta de evacuação.

Quando o lN interrompeu o contacto procedeu-se à recolha dos feridos e à retirada de todas as forças para o aquartelamento, ficando sem efeito a coluna prevista.?" (Fonte: Relatório da acção "Bubaque" realizada em 18Mai73 na região de Guileje da CCav 8350/72) .

Na tarde desse dia um GComb, sob comando do Cmdt do COP 5, efectuou o reabastecimento de água, sem contacto com o lN. (Fonte: As transcrições que se seguem são do livro "A retirada de Guileje - 22 Mai73. A verdade de factos",  do Cor Art Alexandre Coutinho e Lima, DG edições 2009 pp. 45 a 86).

A partir da noite de 18Mai o lN passou a flagelar o aquartelamento de Guileje com canhão 85 mm, canhão s/r, morteiro 120 mm e com um novo tipo de arma (julga-se que era um canhão grande, tipo obus 14 cm das NT), que permitia dar à granada uma velocidade muito grande. (
Canhão M-46, calibre 130 mm).

Relação das flagelações a Guileje até ao fim da tarde de 21Mai:

- 18 20h00 a 19 06h00: 7 flagelações - 150 granadas; 

- 19 08h00 a 19 16h45: 5 flagelações - 40 granadas; 

- 19 20h00 a 20 04h30: 9 flagelações - 150 granadas; 

- 20 08h15: 1 flagelação (10 minutos) - morteiro 120 mm; 
 
- 20 20h00 a 21 06h00: 7 flagelações - 80 granadas (morteiro 120 mm);
 
- 21 06h30: 1 flagelação - 20 granadas (canh s/r); 

- 21 07h30: 1 flagelação - 10 granadas (morteiro 120 mm); 

- 21 08h30: 1 flagelação - 15 granadas (canh s/r); 

- 21 14h00: 1 flagelação (5 minutos) - LGFog RPG-7;

 - 21 14h30: 1 flagelação (2 horas) - 200 granadas. 

Houve grandes destruições e 1 morto (Furriel).

Em 20 Mai o Cmdt COP 5, deslocou-se a Bissau e no "briefing" diário expôs a situação e pediu o reforço temporário de uma Companhia de tropa especial. O Cmdt-Chefe não lhe atribuiu qualquer reforço, determinou que regressasse a Guileje na manhã seguinte e que seria substituído no Comando, passando a desempenhar as funções de 2° Cmdt.

Em 210900 (mensagem Relâmpago n° 714/73) o Cmdt da CCav 8350/72 informou: 

"Durante apoio aéreo fomos flagelados. Pessoal não descansa desde 17. Vivemos sem água e ração. Solicito apoio muito urgente tropa especial. Pessoal desta muito cansado. Todos os impactos dentro Quartel".

Em 21 14h15 (mensagem Relâmpago sem número) comunica:

 "Estamos cercados por todos os lados".

Foi a última mensagem emitida. Na flagelação que deu origem à mesma, foi totalmente destruído o Centro de Comunicações, entre outros estragos, apesar de várias tentativas, através de antenas improvisadas, não foi possível restabelecer a ligação rádio.

O Major Coutinho e Lima chegou a Gadamael Porto no final da manhã de 21Mai e decidiu ir a pé para Guileje com 1 GComb/CCaç 4743/72, Pel Mil 235 (-) da guarnição Gadamael Porto e 1 GComb/CCaç 3520 da guarnição  de Cacine. O Cmdt da CCaç 4743/72, também integrou a coluna.

Pelas 18h00 chegou a Guileje. O Cmdt do COP 5 verificou:

"Na flagelação dessa tarde, o inimigo tinha provocado uma baixa (um Furriel morto) às NT; O graduado foi atingido por uma granada, dentro de um abrigo com fraca protecção.

"Estavam destruídos, em consequência das variadíssimas flagelações inimigas: Dois depósitos de géneros. Depósito de artigos de cantina. Cozinha. Forno de cozinha. Celeiros de arroz da população (ainda estavam a arder). Grande parte das casas da população - " moranças" - queimadas.

"Vários abrigos atingidos parcialmente. Muitos impactos nas valas. Variadíssimos rebentamentos (talvez centenas) dentro do aquartelamento.

"Falta de água potável, por não ter sido possível fazer o reabastecimento, o último fora efectuado na manhã de 19Mai. Escassez de munições de Artilharia, já exposta atrás. Escassez de medicamentos.

"Presença do Inimigo nas proximidades do aquartelamento, pelo menos do lado de Mejo: alguns elementos da população que tentaram ir à água à bolanha, a cerca de 500 metros nessa direcção, foram flagelados pelo Inimigo, na tarde de 21Mai e imediatamente recolhidos pelas Nossas Tropas que foram em seu socorro.

"Desde o início das flagelações (noite de 18 / 19Mai), toda a população recolheu aos abrigos das Nossas Tropas, aumentando para cerca de 3 vezes a sua lotação.

"Nas últimas flagelações, tinha-se verificado a "presença" de uma nova arma do Inimigo; os rebentamentos demoravam cerca de 3 segundos após a audição da saída da granada.

"Verificaram-se vários rebentamentos no ar, bem como de algumas granadas perfurantes, tendo sido, eventualmente, uma destas que provocou o morto das Nossas Tropas.

"Desde o dia 19Mai, deixou de ser confeccionado o rancho em virtude das flagelações e das destruições provocadas na cozinha; a alimentação passou a ser ração de combate.

"Todo o pessoal estava arrasadíssimo, quer física quer psicologicamente, pois estava a ser flagelado durante 3 dias e 3 noites consecutivas.

"A população estava preocupadíssima, principalmente pela fortíssima pressão do Inimigo, mas também devido ao desaparecimento do milícia Aliu Bari que, certamente, teria dado informações importantes ao Inimigo, não só relativamente às Nossas Tropas, como ainda em relação aos hábitos da população, incluindo a localização dos campos agrícolas.

"Garantia da não evacuação dos feridos, como já acontecera na manhã do dia 18Mai; a possível evacuação por barco, à semelhança da que se efectuara em 19Mai também não era exequível, não só pela presença do 3° Corpo de Exército do Inimigo nas matas de Mejo, como devido à falta de barcos para o efeito, porque os "sintex" não regressaram a Guileje.

"Este facto da não evacuação era da máxima importância; na realidade, os feridos graves ficavam entregues "à sua sorte", cujo desfecho poderia ser a morte".


No final da tarde, o Comandante do COP 5 tomou a decisão de efectuar a operação de retirada do Guileje:

"Imediatamente após a minha chegada a Guileje, efectuei uma visita rápida ao aquartelamento e de seguida fiz uma reunião informal com o Sr. Comandante da CCav 8350/72 e outros oficiais.

"Os factores em que baseei a minha decisão de retirar de Guileje foram os seguintes:

(1) Forte pressão do Inimigo [ ]

(2) Não atribuição de reforços [ ]

(3) Não evacuação de feridos [ ]

(4) Escassez de munições, especialmente de Artilharia [... ]

(5) Falta de água no aquartelamento [... ]

(6) Defesa da população [... ]

(7) Destruição do Centro de Comunicações [... ]

(8) Novo Comandante do COP 5 [... ]

(9) Previsão do futuro, a muito curto prazo [... ]

(10) Existência de um morto [... ]

(11) Efeito de surpresa [... ].


Dadas as circunstâncias e atendendo a que o inimigo, nessa noite de 21/22Mai, flagelou o aquartelamento por 3 vezes: 21h45/22h00 (cerca de 30 impactos); 01h05/01h30 (cerca de 40 impactos) e 04h00/05h00 (cerca de 60 impactos), as destruições e inutilizações não puderam ser feitos com a profundidade e extensão que o seriam, se as condições fossem outras.

Durante a noite, foi intensificada a actuação da Artilharia, em resposta às flagelações (não só gastando todas as munições completas existentes, como procurando dar ao inimigo a ideia que continuávamos presentes e atentos) antes de serem postos inoperacionais os 2 obuses de 14 cm.
 
[Nota: Ref V/1686/C informo não recolhida qualquer viatura:

1 Mercedes,
4 Berliets,
3 Unimogs 404,
1 Unimog 411,
1 Jeep,
1 AM Fox e 2 White
foram destruídas parcialmente.

Tomados inoperacionais:
3 mort 81 mm,
1 mort 10,7 cm
Posto inoperacional destruindo aparelhos pontaria e percutores.

Recolhidos todos E/R TR 28, AVP-1, Onkyos, Sharp e 2 E/R Marconi do STM, 3 AN/GRC-9 e restante material. Máquinas e documentação Cripto Transmissões e STM tudo destruído.

Obus 14 cm posto inoperacional por meio culatras e aparelhos pontaria recolhidos.

Restantes armas individuais e colectivas recolhidas com excepção 7 Pmetr FBP não destruídas, 2 LGFog 8,9 cm, 7 Esp G-3, 2 Mort 60 mm e 3 Metr Breda danificadas e inoperacionais.

Toda documentação classificada e não classificada foi destruída pelo fogo.

Havia 11 Esp G-3 destribuidas pop Guileje fim colaborarem defesa das quais 4 desaparecidas.

- Mensagem IMEDIATO ,n° 188/C-73 de 231430Mai73. ]

Em 22, pelas 0530, iniciou-se a saída do quartel, após a destruição do material abandonado. Por falta de comunicações, esta acção apenas foi conhecida quando a coluna chegou a Gadamael Porto, a meio da manhã do mesmo dia. Não houve qualquer contacto com o lN.

"O efeito da surpresa foi total, porquanto o inimigo não teve oportunidade de se aperceber, durante a noite, da deslocação das Nossas Tropas, no mesmo itinerário, em 21Mai; tendo sido efectuada a retirada de Guileje na manhã de 22Mai, o PAIGC só entrou no aquartelamento em 25Mai, isto é, 3 dias depois; entre 22 e 25Mai continuou a bombardear a posição que tinha sido ocupada pelas Nossas Tropas."

Em 22Mai, pela manhã, chegou a Gadamael Porto o Cor Para Rafael Ferreira Durão para assumir o comando do CAOP 3.
 
[Nota:  Com início em 21 Mai73, o CAOP 3 foi constituído e organizado, transitoriamente, a fim de fazer face ao forte incremento da actividade inimiga na zona Sul e de assegurar a coordenação da actividade operacional das forças ali instaladas. Foi composto por elementos do CAOP I, desviados para aquela zona com a sede em Cufar e englobando os sectores de Aldeia Formosa (S2), Catió (S3), Cadique (COP 4) e Guileje (COP 5), este logo deslocado para Gadamael Porto.  Em 02Jun73, foi extinto e substituído no comando operacional daquela zona de acção pelo ÇAOP 1, que entretanto fora transferido de Mansoa. (Resenba Histórico-Militar das Campanhas de Africa 7° Volume Tomo II "Fichas das Unidades - Guiné" ]

Pelas 12h15 enviou uma mensagem (Relâmpago sem número), para a Rep Oper/Cmd-Chefe:

 "lnfo Cmdt COP 5 decidiu 21 18h30 evacuar tropas e civis de Guileje. Em 22 05h30 deu-se retirada total destruindo incapacitando  todo material que não tinha sido já destruído pelo fogo ln. Devido falta comunicações tal facto apenas conhecido pelas 10h00 de 22, quando chegada Gadamael Porto. Face destruições havidas verifico ser impossível reocupação
tempos próximos. Aguardo instruções."

Daquela Repartição em 22 18h00 recebeu a mensagem nº 1652/C :

"Ref mensagem Relâmpago de 22 12h15 Mai73 s/número solicito informe Cmdt CAOP Cor Para Ferreira Durão que Sexa General Comandante-Chefe determinou seja retirada imediatamente do comando COP 5 Maj Art Alexandre da Costa Coutinho e Lima e mandado apresentar QG/CCFAG para efeito auto Corpo de Delito."

O Major Coutinho e Lima seguiu para Cacine, embarcou num navio da Marinha em 26 06h00 Mai 73 e chegou a Bissau no dia seguinte. De 27Mai73 a 12Mai74 esteve preso em Bissau. Foi amnistiado por um Decreto-Lei da Junta de Salvação Nacional e o processo foi arquivado.

(Continua)

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 319-325.

[ Seleção / revisão / negritos / fixação de texto pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série;

2 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23319: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (1): A pontaria dos artilheiros... (Morais da Silva / C. Martins)

4 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23323: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (2): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte I: Inimigo, atividade política

6 de junho de 2022 Guiné 61/74 - P23332: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (3): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte II: Inimigo, atividade militar

18 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal