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quinta-feira, 18 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25403: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVIII: a versão do cor inf António Vaz Antunes (1923-1998), na altura comdt interino do COMBIS ( Memorando digitalizado e transcrito pelo seu filho, engº Fernando Vaz Antunes)



Guiné > Bissau > 1974 > O cor inf  António Vaz Antunes (à esquerda, na imagem) com o gen Bettencourt Rodrigues, e outros oficiais numa visita do Comandante-Chefe a uma unidade em Bissau. Fotografia do arquivo pessoal do Coronel António Vaz Antunes.


Guiné > Região do Oio > Farim > 1974  > O cor inf António Vaz Antunes com militares e população local. Fotografia do arquivo pessoal do coronel António Vaz Antunes.

Fotos (e legendas): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Cópia da primeira metade  da folha 1, do documento manuscrito do cor inf António Vaz Antunes, "Memorando dos acontecimentos de Bissau", datado de Lisboa, 30 de abril de 1974, e constituído  por 9 folhas, numeradas.

Transcrição da responsabilidade do seu filho, engº  Fernando Vaz Antunes,  que digitalizou e facultou o documento ao Luís Gonçalves Vaz, para divulgação no nosso blogue (*). 

Nos 50 anos do "golpe militar de Bissau" (**), voltamos a reproduzir a versão daquela oficial superior, que se solidarizou com o gen Bettencourt Rodrigues na manhã de 26 de Abril de 1974: na altura, era adjunto do Comandante do CTIG e Comandante interino do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau), bem como Inspetor do CTIG.

O nosso especial agradecimento a ambos, filhos de militares com brilhantes carreiras, pelo seu contributo para a preservação e divulgação de documentos relevantes, como este, para a historiografia da presença portuguesa na Guiné, e em particular para a nossa historiografia militar, relativa ao período de 1961 a 1974:

Sendo ambos filhos de militares que serviram a Pátria no TO da Guiné, querem também, e com toda a legitimidade, homenagear e honrar aqui a memória dos seus pais:

(i)  Fernando Vaz Antunes, engenheiro (passou  pela Academia Militar, e vivia em em Mafra, em 2014 de acordo com a sua página no Facebook);
  
(ii) Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande,  professor do 2º/3º ciclos do ensino básico em Vila Verde,  vive em Braga,  filho do  cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74) (1922-2002); tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo.

 

Golpe Militar de 26 de Abril de 1974 no TO da Guiné  > “Memorando dos acontecimentos de Bissau” (Digitalização e transcrição do manuscrito, e notas: Fernando Vaz Antunes; notas complementares: Luís Gonçalves Vaz)


Pelo cor inf António Vaz Antunes [1923-1998]

Funções:

Desde 24Mar1974 – Inspector do CTIG | 13Abr1974  – Adjunto do Cmdt do CTIG para parcial substituição do Brig. 2º Cmdt [1] , de licença; Cmdt intº do COMBIS por licença do Comandante

Sequência cronológica

24Abr1974

Considerando que 26 era feriado em Bissau, e para aproveitamento de tempo, solicitei à Chefia Srvc Transportes passagem para Bolama, a partir das 09:30

Planeei assistir às cerimónias mais significativas de homenagem a Honório Barreto e seguir depois para Bolama, em visita ao BArt [2] em IAO.

25Abr

Conhecimento por camaradas, do Movimento das Forças Armadas em Lisboa: através da BBC ao fim da tarde, depois de actividades várias no CTIG e COMBIS, tive conhecimento do triunfo do Movimento. 

Às 18:00 horas comuniquei à Chefia Srvc Transp para anular ida a Bolama.

22:00 horas – como de hábito, desloquei-me para o COMBIS para pernoitar, depois de ter recebido comunicação telefónica do Chefe do Estado Maior do CTIG [3] para recomendar ao pessoal de guarda a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN.

À chegada ao COMBIS recebi a mensagem escrita que repetia a recomendação telefónica. Dei as necessárias instruções ao Oficial de Dia. 

Pouco depois o Oficial de Dia batia à porta do quarto para me prevenir de que a Emissora Nacional (Lisboa) ia transmitir uma mensagem do Movimento. Desloquei-me para o Bar, onde ouvi a mensagem na companhia do Oficial de Dia e mais 2 alferes.

Logo de seguida voltei para o quarto e pouco depois ouvi a repetição da mensagem, feita agora por emissor da Guiné e mais tarde repetida pelo PFA [Programa das Forças Armadas] , vulgo “PIFAS”.

26Abr

Às 08:00 dirigi-me para a Praça Honório Barreto, de uniforme nº 1 (branco), acompanhado do Cor Lemos [4]

Terminada a cerimónia, voltei ao quarto e mudei de farda.

09:45 – Chegada ao QG/CCFAG para tomar parte no briefing diário. Enquanto aguardava no local habitual, juntamente com outros oficiais – nomeadamente Cor Vaz, Cor Pilav Amaral Gonçalves, Cmdt Ricou e Comodoro Brandão [5] –, o Cmdt Lencastre chegou conduzindo um Volkswagen muito apressadamente, travou bruscamente e dirigiu-se a correr ao Comodoro a quem comunicou qualquer coisa, de que eu só percebi “vêm aí pára-quedistas”. 

O Comodoro não reagiu, o Cor Amaral Gonçalves pareceu-me surpreendido e eu perguntei ao Ricou, também impassível, o que se passava.

Este informou-me que eram os pára-quedistas que estavam a cercar o QG. Perguntei qual a intenção, respondeu não saber. Perante a impassibilidade destes, dirigi-me à sala de reuniões para onde tinha visto entrar o Sub Chefe do Estado Maior – Ten Cor Monteny [6] –, disse-lhe o que se tinha passado e ele respondeu-me que não sabia de nada. 

Respondi que, nesse caso, o nosso General [7] também não devia saber. Confirmou-me que não. Nessa altura ordenei-lhe que fosse avisar o nosso General, o que se prontificou a fazer, tendo saído para o efeito [8]. 

Momentos depois o grupo de oficiais, que estava fora, dirigiu-se para a sala de reuniões. Fiz o mesmo e cada um ocupou o lugar habitual.

Faltavam o General Cmdt Chefe, o Brigadeiro Adjunto [9] e o CEM/QG/CCFAG [10]. Não estranhei, por supor que estariam ocupados – e não era a primeira vez que o Comodoro presidia à reunião.

Logo que todos tomaram lugares – e havia muito mais oficiais que era habitual em briefing de rotina, especialmente considerando que era feriado –, adiantou-se para a frente o Ten Cor Mateus da Silva [11] que pedia atenção e disse: 

“A Comissão na Guiné do Movimento das Forças Armadas, que está aqui presente, entendeu que o Sr. General Bethencourt Rodrigues não podia continuar no desempenho de funções. Foi-lhe dado conhecimento disso e destituiu-o. Em face disso nomeia o Sr. Comodoro, Comandante Chefe, e eu, que já desempenhava funções de direcção no Serviço das Obras Públicas, passo a desempenhar as de Secretário Geral” [12].

O Comodoro fez um gesto afirmativo de cabeça e disse: “Bem, vamos ao briefing!”. 

Houve uns curtos momentos de silêncio e passividade que me fizeram crer que só eu fora surpreendido, pelo que me levantei e pedi licença ao Comodoro para dizer: 

“Para mim é surpresa o que acabo de ouvir. Tenho uma missão de responsabilidade da defesa de Bissau. Desejo identificar os membros da Comissão da Junta que tomou tais decisões e conhecer a minha posição!” 

O Comodoro propôs que falássemos depois do briefing. Insisti para que se não adiasse porquanto não conhecia as novas estruturas criadas.

Além disso,  em 33 anos de Oficial nunca se me tinham deparado tais procedimentos dentro das estruturas militares, pelo que pedia o esclarecimento da situação. 

Enquanto falava, um capitão tentou intrometer-se, no que o impedi [13]. Mas logo que terminei, ele pediu licença ao Comodoro e sugeriu “que o senhor Coronel acompanhasse o Sr. General para Lisboa, no Boeing que o transportaria nessa tarde”.

Fiquei perplexo, o Comodoro não respondeu, mas fitava-me como esperando a minha reacção, e então retorqui: 

“Lamento que seja posto na situação de aceitar uma sugestão apresentada por um Capitão que não conheço, mas se o Sr. Comodoro a aceitar eu aceito-a também!”.

 O Comodoro respondeu: “Sim, é melhor, vai com o Sr. General para Lisboa!”. 

Perguntei se podia contactar com o Sr. General, a fim de lhe perguntar se dava licença que o acompanhasse. Perante resposta afirmativa, pedi licença e retirei-me. Dirigi-me de imediato ao gabinete do Comandante Chefe e perguntei ao Sr. General Bethencourt Rodrigues se autorizava que o acompanhasse no avião que o transportaria para fora de Bissau. 

Respondeu-me que não tinha que se pronunciar sobre isso porque fora forçado por um grupo de oficiais, que invadiram o seu gabinete, a abandonar o cargo. Esclareci que apenas pedia licença para o acompanhar, porquanto a ordem para embarcar tinha-me sido dada no briefing nas circunstâncias que atrás referi.

Entretanto entraram no gabinete o Comodoro, o Cor Vaz, o Cmdt Ricou e o Cmdt Lencastre. Após breves palavras que o primeiro disse ao Sr. General, em termos de lamentação (que eu não entendia… ), esclareci-o que o Sr. General autorizava que eu o acompanhasse. Perguntei por guia de marcha, e disse-me que não era precisa. Indaguei sobre hora e local de reunião e fui informado que podia reunir-me no Palácio, ao Sr. General, até às 13 horas. 

Logo de seguida – cerca das 10:15 –, dirigi-me ao COMBIS para recolher os meus haveres pessoais e informar o meu Chefe do Estado Maior, de que devia entrar em contacto com o Cmdt Chefe para lhe definir a situação e missões.

Quando chegava à entrada do Depósito de Adidos, acesso ao COMBIS, estava a formar junto à porta, muito apressadamente, um Pelotão do Batalhão de Comandos Africanos, transportado para ali numa viatura pesada estacionada em frente. O Pelotão estava completamente armado, inclusive com LGF e armas automáticas, equipado e municiado.

Deduzi que seria por minha causa, mas nem parei nem interferi. Rapidamente reuni os meus haveres após o que chamei o Ten Cor Altinino e o Cap Bicho para os informar que deixava o COMBIS, mas não tinha dados que me permitissem transmitir o Comando.

Cerca das 12:45 cheguei ao Palácio com a minha bagagem. Cerca das 14h, quando vi chegar a guia de marcha para o Brig. Leitão Marques e Cor. Hugo Rodrigues da Silva, telefonei ao Cor Vaz, Chefe do EM/CTIG solicitando uma guia também para mim. Às 15:30 o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny disseram-me que o Comodoro não assinava a guia e não autorizava que eu saísse.

Surpreendido por esta nova versão, procurei o Comodoro para que me esclarecesse. Estava num dos corredores do Palácio para tomar parte na cerimónia de tomada de posse do novo Governo da Província. Respondeu que não estava na disposição de autorizar que saísse quem pedisse. Lembrei-lhe que eu não o pedira – ele é que o ordenara. Reagiu atirando-se para um sofá e declarando que se quisesse embarcar que embarcasse, mas que não me passava guia.

Mais tarde, já no aeroporto, pedi-lhe para me atender em particular, e solicitei que recordasse o que se tinha passado e a ordem que me dera, e a situação em que me colocara na presença de dezenas de oficiais. Decidiu então que me enviaria a guia pelo correio e autorizou que embarcasse.

Chamei o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny e, estando também presente o Cmdt Ricou, o Comodoro deu ordem ao Cor Vaz para me enviar a guia para o DGA [14] no dia seguinte.

Nessa mesma ocasião, disseram (não me lembro quem) ao militar que fazia policiamento à porta de passagem para a gare, que eu podia embarcar.


(24-26Abr1974) – Cor António Vaz Antunes

Fernando Vaz Antunes, documento inédito, cedido pelo autor ao Luís Gonçalves Vaz e ao blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné

Notas de AVA/FVA/LGV:

[1] - Brigadeiro Octávio de Carvalho Galvão de Figueiredo, 2º Comandante do CTIG e, por inerência, Comandante do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau).

[2] - Batalhão de Artilharia nº 6520/73, mobilizado pelo RAL5-Penafiel e aerotransportado entre 01 e 04Abr74, do AB1-Portela para a BA12-Bissalanca, de onde marchou para o CIM-Bolama.

[3] - Coronel de cavalaria CEM Henrique Manuel Gonçalves Vaz (CEM/QG-CTIG desde 07Jul73 até 14Out74)

[4]  -«A cerimónia começou mais tarde porque se aguardou, em vão, a chegada do Gen Cmdt Chefe. A dada  altura, por decisão do Comodoro Brandão que estava presente, deu-se início à cerimónia com uma alocução  do então Maj de infantaria Alípio Emílio Tomé Falcão, Comissário Provincial da MP na Guiné.» [AVA]

[5] - António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante do ComDefMarG (Defesa Marítima da Guiné).

[6] - António Hermínio de Sousa Monteny, Tenente-Coronel CEM

[7] - José Manuel de Bethencourt Conceição Rodrigues, desde 29Set73 Governador e CCFAG.

[8] - «Houve entretanto um curto impasse: o Monteny continuava a escrever uns papéis, que eu lhe retirei da secretária repetindo-lhe que fosse de imediato – e ele foi. Isto passou-se na sala, enquanto o resto do pessoal estava fora. Quando o Monteny saiu, vim atrás dele, mas ao chegar à porta vi que os que estavam fora, incluindo o Comodoro, vinham entrando para o briefing, e eu fiz o mesmo, enquanto o Monteny descia o jardim.» [AVA]

[9] - Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques.

[10] - Coronel CEM Hugo Rodrigues da Silva. [O QG/CTIG era o Quartel General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau). O coronel Henrique Gonçalves Vaz, CEM/CTIG na altura destes acontecimentos, irá desempenhar as funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG (Comando Unificado), após este Golpe Militar.]

[11] - António Eduardo Domingos Mateus da Silva, TCor Engº Trms, desde Jul72 Comandante do AgrTmG.

[12] - «O Mateus da Silva propôs-se ocupar os cargos de Secretário Geral e Encarregado do Governo – o que veio a acontecer –, tendo sido “empossado” cerca das 12h quando nós estávamos ainda no Palácio do Governo (e residência do Governador).» [AVA]

[13] - «O Capitão era o José Manuel Barroso, miliciano, que dirigia o semanário “Voz da Guiné” (e mais nada); era casado com a “fulana” que estava em Bissau para estudar a instalação da Universidade de Bissau, recebendo por isso 15 contos X mês … .» [AVA]  [equivalente, a preços de hoje,  a 2860 euros, editor LG]  

[14] - Depósito Geral de Adidos (Calçada da Ajuda, em Lisboa).


Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Gonçalves Vaz / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 _______________

Notas do editior LG:

(*) Vd. postes de: 

1 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes(1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I

1 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13079: O golpe militar de 26 de abril de 1974no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes(1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte II

2 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13080: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): III (e última) Parte   

(**) Vd. último poste da série > 15 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25388: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVII: O meu pai, cor Henrique Gonçalves Vaz, que não pertencia ao MFA, deu um abraço de despedida, apreço e respeito ao seu Com-Chefe no momento da sua destituição (Luís Gonçalves Vaz)


(***) Nota de Luís Gonçalves Vaz:
  
(...) António Vaz Antunes (1923-1998)  [resenha biográficas mais completa: consultar também portal Ultramar Terrweb]

(i) nasceu na freguesia da Mata, Concelho de Castelo Branco, em 21 de junho de 1923;

(ii) faleceu em 15 de outubro de 1998;

(iii)  frequentou a Escola do Exército, onde se formou como oficial de Infantaria do Exército Português; 

(iv) no ano de 1959 realizou um estágio de oficiais do Exército Português, junto de tropas francesas na Argélia;

(v) passou pelo CIOE / L amego, onde foi 2º comandante; 

(vi) passou também por por Angola onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 185/RMA (1961 e 1962);  e por Moçambique, onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 1918/RMM (1967) e comandante do Batalhão de Caçadores 17/RMM (1967 a 1968);

(vii) no CTIG, foi comandante do Batalhão de Caçadores 4512/72/CTIG (1972 a 1975);

(vii) neste teatro de operações, e na altura a que se reportam os acontecimentos relatados no “manuscrito” aqui publicado, o Coronel António Vaz Antunes era Adjunto do Comandante do CTIG e Comandante interino do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau), bem como Inspetor do CTIG;

Para que se perceba bem, este oficial tinha nesta altura, uma missão de muita responsabilidade na defesa militar de todos os quarteis no “perímetro militar de Bissau”, mesmo assim na reunião relatada no “documento histórico”, foi afastado destas funções pelo MFA da Guiné. 

Chamo à atenção que nesta altura não estavam em funções os 1º e 2º Comandantes do CTIG, pois encontravam-se de licença, o que elevava a responsabilidade deste oficial no quadro de comandos neste TO (Teatro de Operações). Pode-se ler,  por exemplo, no seu manuscrito, que no dia 25 de Abril recebeu por telefone e por mensagem indicações do CEM/CTIG, coronel cav Henrique Gonçalves Vaz, “recomendações para que o pessoal de guarda tivesse a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN”, a situação era de facto explosiva, vulnerável e muito sensível (...)

sábado, 13 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25382: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVI: o golpe militar de Bissau


Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bettencourt (ou Bethencourt) Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. 

Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974. Fonte: arquivo do filho do cor inf António Vaz Antunes, o engº Fernando Vaz Antunes (que vive em Mafra), e a quem agradecemos a gentileza .

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Antiga página de rosto do  Arquivo de História Social > Instituto de Ciências Socias da Universidade de Lisboa (o link original foi descontinuado: ver aqui em Arquivo.pt)


"O Arquivo de História Social  (#) publica nesta página uma série de entrevistas sobre a descolonização portuguesa de 1974/1975, fruto de um projecto do Instituto de Ciências Sociais apoiado pela Fundação Oriente. Maria de Fátima Patriarca, Carlos Gaspar, Luís Salgado de Matos e Manuel de Lucena que coordenou, entrevistaram grandes protagonistas desse processo: por um lado, governantes, chefes militares, dirigentes do MFA e outros que então actuaram na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, Angola e Moçambique; por outro lado, responsáveis metropolitanos ou íntimos colaboradores seus.

"Não procurando promover qualquer interpretação, chegar a juízos gerais ou encerrar os eventos abordados numa dada problemática, o grupo entrevistador foi seguindo os relatos e aceitando as visões dos seus interlocutores, embora não deixasse de lhes solicitar esclarecimentos por vezes incómodos." 


1. Voltamos aos depoimentos produzidos no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida  [A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné > 29 de Agosto de 1995 > Depoimentos de General Mateus da SilvaCoronel Matos Gomes,   José Manuel Barroso e Coronel Florindo Morais]

Iremos reproduzir alguns excertos das enrevistas para ficarmos com uma ideia mais viva, precisa e detalhada do que foi a 23ª hora do último com-chefe do CTIG, gen Bethencourt  (ou Bettencourt) Rodrigues, e  concomitantemente o que se passou nos dias 25 e 26 de abrl de 1974 em Bissau. 

Os antigos combatentes da Guiné, qualquer que seja o ano em que moram mobilizados para o território, de 1961 a 1974, têm o direito de saber como é que acabou a guerra.  E é bom lembrar que parte destes homens que arriscaram vidas e carreiras, na "conspiração" do MFA na Guiné-Bisau, já morreram, como é o caso do ten-gen Mateus Silva.

Sobre o "golpe militar de Bissau", iremos trancreer parte das entrevistas a:

  • Eduardo Mateus da Silva [1933-2021] : Engenheiro militar da Arma de Transmissões; chega à Guiné em Junho de 1972, como tenente-coronel; membro do MFA desde os primórdios; encarregado do governo da Guiné depois do 25 de Abril;
  • Carlos Matos Gomes (n. 1946): Oficial dos Comandos, comandante de Tropas Nativas Especiais; em Moçambique, participou na operação “Nó Górdio”; fez a sua missão na Guiné de Julho de 1972 a fins de Junho de 1974; pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné; foi membro da Assembleia do MFA;
  • José Manuel Barroso [n. 1943]  : jornalista, capitão miliciano na Guiné de Julho de 1972 a Maio de 1974; colaborador directo do general Spínola, na Guiné; membro do MFA da Guiné;
  •  Florindo Morais  [n. 1939] : só vai para a Guiné, como major, nos primeiros dias de Junho de 1974, sendo o último comandante do batalhão de Comandos Africanos na Guiné e regressa na véspera da independência. (Notas biográifcas dos organizadores dos Estudos Gerais da Arrábida

2.  O Golpe Militar de Bissau (##)

Entrevistadores: Manuel Lucena (1938-2105), Luís Salgado Matos (1946-2021)

Entrevistados, Mateus da Slva (1933-2021), Matos Gomes (n. 1946), José Manuel Barroso (n. 1943)

 [...] General Mateus da Silva: 

Há um aspecto que também é único no MFA da Guiné: é que o MFA em Lisboa, tinha principalmente capitães, muito poucos majores e não tinha os comandos das unidades. 

Na Guiné, porque o ambiente era totalmente favorável ao MFA, podíamos ter envolvido,  na conspiração, todos os capitães que quiséssemos, mas como não nos interessava isso, porque ia alargar muito, escolhemos os comandantes das unidades: envolvemos o comandante do Batalhão de Comandos, o comandante e o 2º comandante do Batalhão de Paraquedistas, o comandante da Polícia Militar, o comandante das Transmissões (as comunicações eram essenciais), o comandante da Engenharia, o comandante da Artilharia, e, quando quiséssemos carregar no botão e tomar o poder, era só querermos.

Luís Salgado Matos: 


Qual era o papel do general Bettencourt Rodrigues? Percebia o que se estava a passar? Sabia do que se estava a passar? Tinha alguém em quem tivesse confiança?  


Coronel Matos Gomes: 


Ele sabia muito pouco. Há uma história que demonstra a forma diferente do general Bettencourt Rodrigues exercer a sua função de comando, como comandante-chefe. O general Spínola falava com muita facilidade à hierarquia, até cá abaixo. Qualquer capitão podia muito facilmente obter acesso ao general Comandante-chefe. Portanto, estes circuitos funcionavam quase em ligação directa. 


Ao passo que o Bettencourt Rodrigues, até por questões de feitio pessoal e de formação militar e profissional, como oficial de Estado-Maior, a primeira acção que lhe corresponde como comandante-chefe é cortar essa ligação, e coloca um fusível na ligação, que era o seu Chefe de Estado-Maior, o coronel Hugo Rodrigues da Silva, passando a ser impossível um comandante de uma unidade falar com o comandante-chefe ou com outro operacional. Tudo passava pelo coronel Chefe de Estado-Maior. 


Para os comandantes das unidades, habituados a negociar concretamente com Deus Nosso Senhor, as coisas passaram a ser muito complicadas e a reacção é deste género: «Bom se ele não quer saber, não sabe e pronto!» E passa a saber muito menos coisas. Além de não saber aquilo que era o estado de espírito, passa a não saber também coisas [concretas] essenciais. 


José Manuel Barroso: 


 [...] Eu penso que o general Bettencourt Rodrigues (eu continuei a lidar com ele, não do modo como lidava com o Spínola, mas quase diariamente) tentou aguentar o que estava, não quis fazer grandes alterações, criar grandes problemas, grandes conflitos. Tentou aguentar o que estava em função das instruções que levava. 


Simplesmente, o que sucede, quando o general Bettencourt Rodrigues lá chega - e até pelo facto do general Spínola regressar à metrópole -, é que havia já um desencanto total em relação à evolução. 


Quer dizer, a própria retirada do general Spínola do terreno de operações (e do poder político na Guiné) significou, para a grande maioria dos oficiais, não só [para] os que conspiravam lá abertamente, quer fossem spinolístas ou não, mas também [para] os próprios milicianos, uma forma de dizer: «Isto não tem safa, tem que haver uma outra evolução qualquer». Ou: «O próprio Spínola já não tem qualquer hipótese e vai-se embora.» 


Pelo general Bettencourt Rodrigues, havia respeito, não era da «brigada do reumático». Mas ele era um corpo estranho.


General Mateus da Silva: 


[…] Bom, nós reunimo-nos na véspera [do 25 de Abril], estivemos até cerca da 1:00 hora, não conseguimos informação nenhuma de Lisboa, sobre se realmente tinha acontecido ou não alguma coisa. Nós tínhamos um centro de escuta no Agrupamento de Transmissões, que era óptimo. Escutávamos em permanência a Reuter e a France-Press, e tínhamos um tele-impressor ligado e apareciam as notícias em catadupa. 


Escutávamos todas as emissões de rádio dirigidas contra nós, desde a Rádio-Moscovo ao PAIGC, tudo. E todos os dias, era editado um documento, acho que era o Boletim Periódico de Rádio. São documentos que não sei se existem, se foram arquivados. E nós gravávamos, e transcrevíamos todas as emissões em português que eram dirigidas contra nós. Tínhamos as agências noticiosas e, antes de regressarmos a casa, nessa noite, avisei o oficial de dia, que era o alferes Rodrigues, para estar com muita atenção no centro de escutas, que podia acontecer qualquer coisa. 


Às 5 ou 6 da manhã, quando os tele-impressores da Reuter e da France-Press começaram a debitar as primeiras notícias, ele percebeu que realmente tinha acontecido qualquer coisa em Portugal. Telefonou-me logo para casa e eu avisei todos os outros pelo telefone e imediatamente soubemos o que se passava. Lembro-me de que o alferes Rodrigues até chorava a contar o que tinha acontecido. 


Isto foi a noite antes do 25 de Abril, e depois ia falar no dia 25 de Abril.


Quando nós tivemos as primeiras notícias do dia 25 de Abril, avisei o major Freire, que era o comandante da polícia e que também estava connosco (todos os comandantes das coisas importantes estavam envolvidos). 


E o major Freire diz-me assim: «Oh pá! Eu tenho de ir agora às 8 horas com o director da PIDE para a Ilha das Galinhas visitar os presos políticos. O que é que eu faço?» Eu respondi: «Oh pá! Só tens um remédio, vais!» 


Então, às 8 horas da manhã, ele foi para a ilha das Galinhas, com o director da PIDE. Passaram lá uma manhã estupenda, almoçaram, regressaram a Bissau e o director da PIDE não sabia rigorosamente de nada do que se estava a passar em Lisboa. 


Depois, reunimo-nos várias vezes para decidir o que é que fazíamos, o que é que não íamos fazer. E tentámos contactar com Lisboa, mas ninguém nos ligava nenhuma em Lisboa, estavam noutra. 


Ao fim da tarde, apareceu um telegrama do almirante Ferreira de Almeida, chefe do estado-maior da Armada, que,  apesar de ser um homem muito ligado ao regime, disse logo que, tendo o poder político mudado, a Marinha estava com o novo poder político. Tomou logo essa decisão, mesmo antes de ser substituído. 


O comandante naval em Bissau, comodoro Almeida Brandão, perante aquela mensagem, vai ao general Bettencourt Rodrigues, mostra-lhe a mensagem e diz-lhe: 


«Olhe, sr. comandante-chefe, passa-se isto… O chefe do Estado Maior da Armada já está com o 25 de Abril, o que é que o senhor quer fazer?» 


O Almeida Brandão também era um militar, digamos, democrata e aberto, e mandou uma mensagem para Lisboa a dizer que a Marinha na Guiné estava com o MFA. 


O general Bettencourt Rodrigues não tomava posição, estava à espera de receber instruções, e passou toda a noite assim. 


No dia 26 de Abril, logo de manhã, nós, este grupo que estava mais ligado, reunimo-nos no Batalhão de Paraquedistas, em Bissau, às 8.30h, a discutir o que havíamos de fazer. 


E foi nessa reunião que decidimos intervir e, digamos, fazer aquilo a que eu chamo um golpe militar em Bissau, que na altura não teria esta percepção, mas, a posteriori, considero que de facto foi um golpe militar. 


Discutiu-se quem ia ficar como encarregado do Governo, eu propus que fosse o secretário-geral, o dr. Libânio Pires, todos os outros acharam que devia ser eu, como militar mais graduado. Escolhemos o comodoro Almeida Brandão para futuro comandante-chefe, porque era o mais antigo e, além disso, tinha já tomado a decisão de mandar um telegrama para Lisboa, a dizer que aderia ao MFA. 

  [...] Às 9h (era feriado municipal em Bissau), fomos ao gabinete do comandante-naval, comodoro Almeida Brandão, convidá-lo a ser o nosso futuro comandante-chefe. Também tem piada porque, antes de destituirmos o governador, já estávamos a convidar o futuro comandante-chefe. 


O comodoro hesitou um bocado e disse que não podia aceitar. Nós até queríamos que ele também fosse logo connosco ao gabinete do Bettencourt Rodrigues. Recusou-se mas acabou por dizer que aceitava ser comandante-chefe. 


Em seguida, ainda passámos pelo Palácio do Governador mas ele não estava, estava no comando-chefe na Amura. Fomos então à Amura. Na altura, houve uma companhia da polícia militar que cercou o comando-chefe, e também havia tropas paraquedistas nossas que estavam ali à volta. 


Entrámos de rompante no gabinete do general Bettencourt Rodrigues, o ajudante meteu-se à frente e levou um pinhão que voou por ali adentro… A porta abriu-se de escantilhão e nós entrámos. 


Agora imaginem, do ponto de vista do general comandante-chefe, que vê um grupo aí de doze oficiais (###), entrarem-lhe assim pelo gabinete… 


Ele ficou logo desequilibrado psicologicamente. Quando falámos com o coronel Hugo Rodrigues da Silva, que era o intermediário de tudo com o governador, ele recriminou-nos por termos feito aquilo sem o informar primeiro. 


O brigadeiro Leitão Marques teve uma reacção perfeitamente despropositada, disse assim: 


«Meus senhores, hoje acabou a minha carreira militar, os senhores prendam-me, matem-me, fuzilem-me, façam-me o que quiserem.» 


Uma coisa perfeitamente dramática e despropositada. 


O general Bettencourt Rodrigues perguntou se estava preso, e este também é um aspecto que acho muito interessante. É evidente que ele estava pelo menos bastante coagido, mas eu disse:


 «Não, o meu general não está preso, simplesmente vai ao palácio, faz as suas malas e embarca hoje no avião para Lisboa.» 


E foi o que ele fez, mas muito civilizadamente. Eu tenho aqui fotocópias, está aqui um texto escrito mais tarde num jornal pelo general Bettencourt Rodrigues: 


«A perguntas minhas, aqueles oficiais acrescentaram que devia seguir para Lisboa nessa manhã, em avião que vinha de Luanda e sairia da Guiné em liberdade».


 Isto é dito por ele próprio e acaba com a polémica.  


O general Spínola já deu uma entrevista a dizer que o Bettencourt Rodrigues foi preso na Guiné, quando a verdade é que quem mandou prender o Bettencourt Rodrigues foi ele, Spínola. Porque quando Bettencourt chegou a Cabo Verde, teve de esperar por ligação para Lisboa, e teve de ficar um dia, ou coisa assim, e os elementos de Cabo Verde agitaram-se, falaram para Lisboa. E então veio um telegrama de Lisboa, da JSN [JUnta de Salvação Nacional ] , a dizer que o general Bettencourt Rodrigues devia regressar a Lisboa, sob prisão.

Do meu ponto de vista, foi o general Spínola, directamente ou alguém por ele, que prendeu o Bettencourt Rodrigues, o que tem a sua lógica, porque o general Spínola não podia com o Bettencourt Rodrigues, pois achava que tinha destruído a sua política da «Guiné melhor». [...]…

Luís Salgado Matos: 


Quando diz ao Bettencourt Rodrigues que não está preso, tem é de fazer as malas para voltar para Lisboa, o que é que ele responde?


General Mateus da Silva: 


Ele não respondeu, ele aceitou. Fez uma cena mais ou menos dramática, quase com as lágrimas nos olhos, a dizer: 


«Meus senhores, estão aqui os oficiais que mais considero na Guiné, os comandantes das principais unidades, fulano esteve ontem aqui sentado ao meu lado, a falar comigo, outro não sei que mais, eu não podia esperar jamais que me fizessem uma coisa destas, estou profundamente magoado.» 


Foi mais ou menos esta a reacção dele. […]


Coronel Matos Gomes: 


Só houve três oficiais que se solidarizaram com ele, o Leitão Marques, o coronel Rodrigues da Silva e, posteriormente, na sala de operações, o coronel Vaz Antunes. 


General Mateus da Silva: 


Eu acho que foi um mal-entendido, porque o Leitão Marques era um homem democrata e nós até gostaríamos que fosse ele a substituir o Bettencourt Rodrigues. Nós saímos do gabinete do general Bettencourt Rodrigues e dirigimo-nos à sala de operações. Como era feriado, o briefing era às 10h e, quando avança aquele grupo comigo à frente, na sala de operações, falando como as coisas são e se passaram, eu senti imediatamente que os coronéis e outros oficiais mais graduados do que eu me abriram alas e me cumprimentaram logo com toda a deferência. 


Entrei na sala de operações e sentei-me na primeira fila, no lugar do general Bettencourt Rodrigues. Antes de me sentar expliquei o que é que se passava e foi nessa altura que o coronel Vaz Antunes disse que não podia aceitar uma situação destas, que estava solidário com o general Bettencourt Rodrigues. E o Almeida Brandão virou-se para ele e disse:


 «Se está solidário, saia!» 


Já o Almeida Brandão a assumir-se como comandante-chefe. E depois teve lugar o briefing com toda a naturalidade. 


Às 3h da tarde, depois de uma grande informação pela rádio, tomei posse como encarregado do Governo. Antes de tomar posse, chegou ao nosso conhecimento a directiva da JSN, dispondo que nas províncias de governo simples o governador devia ser substituído pelo secretário-geral. Então pôs-se a dúvida se eu tomaria posse, ou daria posse ao dr. Libânio Pires e até à última hora estivemos em contacto com Lisboa, que acabou por aceitar: «Está bem, pronto então toma posse.» 


Isso foi de tal maneira que eu pedi ao José Manuel Barroso para me escrever o discurso que eu diria no caso de não tomar posse. Nunca o pronunciei, mas está aí escrito com a letra dele e pelo punho dele. Tomei posse, mas isso foi o próprio MFA da Guiné que decidiu, contrariamente à JSN. 


Manuel de Lucena: 

Da JSN, quem deu o aval à sua posse? 


General Mateus da Silva: 


Não foi ninguém, foi um intermediário, foi um dos oficiais que gravitava ali à volta, não me lembro exactamente quem foi. Aliás ouvia-se muito mal, as comunicações telefónicas eram muito más, confesso que não me lembro.  [...] (#)


(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, notas, para efeitos de publicação deste poste: LG)

 _____________

(#) Atual endereço do sítio do AHS - Arquivo Histórico Social, ICS/UL

(##) Vd. também aqui o depoimento de J. Sales Golias [n. 1941] , ten cor > A descolonização da Guiné: Intervenção na Mesa Redonda levada a efeito pelo Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra / Fórum dos Estudantes da CPLP, Coimbra, 30 de Abril de 2005 

(###) O Jorge Sales Golias  fala em onze:

Lista dos Oficiais revoltosos (##);

TCor Mateus da Silva, Engº Tm | TCor Maia e Costa, Engº | Maj Folques, Cmd | Maj Mensurado, Pára | Cap Simões da Silva, Art | Cap Sales Golias, Eng Tm | Cap Matos Gomes, Cmd | Cap Batista da Silva, Cmd | Cap Saiegh Cmd (Africano) | Cap Ten Pessoa Brandão, Armada | Cap mil José Manuel Barroso
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25374: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XV: as ondas hertzianas também chegavam a Nhala, Gadamael, Pirada, Canquelifá...

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25168: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte III: a CCAÇ 3545, de Canquelifá, no início de abril de 1974, "à beira da exaustão física e emocional"


Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bethencourt Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974. Fonte: arquivo do filho do cor inf António Vaz Antunes, o engº Fernando Vaz Antunes (que vive em Mafra), e a quem agradecemos a gentileza  (*).

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A 23ª hora, a das "hienas", o da "lobo" (nome da hiena na Guiné-Bissau, conforme a linguagem dos contos populares em crioulo)...

Também o último governador e com-chefe do CTIG, gen Bethencourt Rodriges, subtituto do lendário Spínola, teve a sua 23ª hora...  E acabou por ser derrotado não pelos "leões", mas pelas "hienas"...

Sem querer denegrir a sua folha de serviços (foi um brilhante militar, como tantos outros   
que "serviram Portugal em África", uma frase "redonda" e "barroca"...), achamos que foi sobretudo um erro de "casting": acabou por ser sacrificado no "altar da Pátria" pela visão míope de um senhor professor catedrático, especialista em direito administrativo, Marcello Caetano, delfim mal amado de Salazar, prisioneiro da extrema-direita do regime do Estado Novo, a quem faltou o golpe de génio, a grande leitura da história de Portugal e do Mundo, o rasgo de liderança dos "homens grandes" da Pátria,  para enfrentar, ética, moral, estratégica e politicamente, uma situação de guerra que se estava a degradar a olhos vistos, nomeadamente na Guiné e em Moçambique...  

O "herói do leste de Angola", o gen Bethencourt Rodrigues, o melhor do seu curso da Escola do Exército (que reminou em 1939),  atolou-se nas "bolanhas" da Guiné, e nas arnadilhas da política (ou do seu vazio...) e sobretudo foi incapaz de acrescentar um "suplemento de alma" a um exército (metade metropolitano e metade guineense, como ele ele próprio reconheceu mais tarde, em 1977, no seu "testamento político-militar" ("traído, vencido e pouco convencido") (**),  que estava cansado da guerra, e de combater sem um fim à vista e sem novos meios para fazer frente à nova estratégica do PAIGC (e dos seus poderosos aliados), que era a do tradicional "bate e foge", mas agora a partir das fronteiras (refugiando-se impunemente nos seus  santuários do Senegal e da Guiné-Conacri, onde Portugfal não poderia atuar, retaliando, sob pena de graves sanções internacionais, e de escalada do conflito,  sobretudo depois da desastrada Op Mar Verde, de 22 de novembro de 1970).

Nada correu bem a Bethencourt Rodrigues, para mais quando vai tomar posse a seguir à declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau, e passado um mês e tal  começa a "época seca" (novembro-maio), altura em que o "urso" do PAIGC saía da sua letargia,,, retomando a sua atividade operacional... As "hienas" sempre foram um predador oportunístico... E o Amílcr Cabral, nunca tendo "cão", depressa ensinou os seus correlegionários a caçar com "gato"...

Bethencourt Rodrigues podia ter fechado a guerra com chave de ouro, abrindo as portas da paz e da solução política, negociada, do conflito, eventualmente com intermediação internacional... Mas, não, foi mais um militar político,  prisioneiro da estratégia suicidária do "orgulhosamente sós"...Em 26 de abril de 1974 acaba "nas teias da traição"... Sem honra nem glória. (*)

Mas voltemos à situação no terreno: o próprio general reconhece que "a gravidade (sic) da situação  militar que se vivia na Guiné nº 1º trimestre de 1974" (in "África: a vitória traída", op. cit, 2007, pág.  140).  E a prova disso foi a obssessão do general com a alterações do dispositivo: "planeava converter as 225 guarnições em 80 e tal. A dispersão é inimiga da eficácia. Mas já não tive tempo" (disse ele, nos "Estudos Gerais da Arrábida > A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) > Depoimento do general Bethencourt Rodrigues, link infelizmente descontinuado e não salvagurdao pelo Arquivo.pt) (***).

2. Tomemos um exemplo, constante do livro da CECA  (2015), onde se dá conta das dificuldades das NT no nordeste da Guiné (CAOP 2): por exemplo, a CCAÇ 3545 (Canquelifá) / BCAÇ 3883 (Piche) estaria mesmo "à beira de uma ataque de nervos" (isto é, isto é, com sinais gritantes de exaustão física e emocional) (****).


"Decisões do Comandante-Chefe

"Não foi possível encontrar as Directivas do Comandante-Chefe das FAG
relativas a 1974. No Arquivo Histórico-Militar estão compiladas decisões do
Cmdt-Chefe.

"Apresentam-se as mais importantes (pág. 462):

(...) • Decisão de 2Abr74 - Alteração do dispositivo (pp. 470/471)

"1. Por decisão de 1Abr74, foi o CAOP 2 reforçado com 2 CCaç Paras / BCP 21 a seguir por meios fluviais, em 3Abr, e determinando que constituísse, no mais curto prazo, com tropa da zona, uma reserva com efectivo mínimo de 3 GComb para alternar ou reforçar a acção do BCP 12.

2. Entretanto foram recebidas mensagens da CCaç 3545 (Canquelifá), do BCaç 3883 (Piche) e do CAOP 2 (Nova Lamego) do seguinte teor:

a. Da CCaç 3545: NT completamente extenuadas psicofisicamente não permitem que se desenvolva uma reacção conforme situação.

NT estão a revelar indícios de intoxicação causados por gazes libertados sentindo vómitos e náuseas. Solicito intervenção imediata forças especiais durante longo período de tempo e reforço esta com mais 1 CCaç. Para cumprimento eficaz missão que está incumbido este Comando cumpre-lhe expor situação para salvaguardar defesa mesmo.

b. DO BCaç 3883: CCaç 3545 revela situação psicológica pessoal altamente preocupante receando-se reacções incontroláveis e imprevisíveis caso futuras flagelações. Solicito imediata decisão fim garantir segurança e acautelar desenvolvimento situação de gravíssimas consequências à qual não poderemos fazer face.

Insisto necessidade urgentíssima resolução propostas urgente rendição CCaç 3545 e intervenção Canquelifá Flnterv.

c. Do CAOP 2: Virtude potencial revelado pelo ln este Comando não tem possibilidade de fazer face à situação.

3. Em conformidade, em reunião de Comandos no Cmd-Chefe em 021000Abr74, decidi o seguinte:

a. Fazer deslocar durante o dia 2Abr    por via aérea conforme solicitado pelo Cmdt do CAOP 2 dada a extrema gravidade da situação (Msg referida em 2. a.);

b. Fazer deslocar cerca 10Abrpara a Zona Leste a 1a/BCaç 4516/73 comandada pelo oficial de operações do Batalhão.

470

Esta CCaç, reforçada com 1 GComb do BCaç 3883, deverá render em Canquelifá as CCaç 3545 e 33/BCaç 4516/73, à ordem do Cmdt CAOP;

c. A CCaç 3545 fica estacionada em Piche mantendo-se integrada no BCaç 3883;

A 33/BCaç 4516/73 recolhe a Bissau logo que rendida, conforme instruções especiais para o deslocamento;

d. Fica ao critério do Cmdt do CAOP 2 a troca da guarnição do Pel Art de Canquelifá pela do Pel Art de Piche.

4. O CTIG dará instruções de carácter administrativo logístico. [... ]"

Fonte: Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015, pp. 462 e 470/471.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I 

(**) Vd, no livro escrito a quatro mãos, "África: a vitória traída" (Lisboa, Editorial Intervenção, 1977, 276 pp.): o depoimento do gen Bethencourt Rodrigues sobre a Guiné (pp. 103-143).

(***) Vd. poste de 4 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13097: (Ex)citações (230): Estudos Gerais da Arrábida > A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné (29 de Julho de 1997) > Depoimento do general Bethencourt Rodrigues (Excertos, com a devida vénia...)

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20821: Prova de vida (4): António Ramalho (ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas, a viver em Vila Franca de Xira

1. Mensagem de António Ramalho [ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), natural da Vila de Fernando, Elvas,  a viver em Vila Franca de Xira, membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem mais de duas dezenas de referências no nosso blogue]

Date: quarta, 1/04/2020 à(s) 12:57

Subject: Uma diligência interrompida.Porquê?

Caro Luís Graça,  bom dia.

Não me canso de repetir a qualidade do blogue que em boa hora criaste, e que visito todos os dias!

Como certamente te lembrarás,  o excerto do Coronel Vaz Antunes (*) faz-nos recuar ao trágico momento que vivemos com a Paz Podre entre 70/71 com o assassinato à queima roupa dos nossos queridos majores, que não me saem do pensamento, como tendo sido uma cilada preparada por quem não queria a Paz!

Os políticos (e alguns militares) não souberam aproveitar a nossa presença para assim poderem preparar uma saída em grande, e o resultado está bem à vista, que alguns ainda hoje têm dificuldade em alcançar e entender.

Só mais uma nota: Aguardemos a chegada a bom porto do navio que tem a bordo os nossos camaradas que interromperam a volta ao Mundo! (**)

Vamos esperar que o Covid-69 ["lapsus linguae"..., o nosso camarada queria dizer "a Covid-19",  doença provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2,] não nos separe por muito tempo! (***)

Um forte abraço para ti

António Fernando Rouqueiro Ramalho

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segunda-feira, 30 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20793: Notas de leitura (1277): O Coronel Vaz Antunes e as conversações com o PAIGC em Junho de 1973: muitas questões em aberto (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Março de 2017:

Queridos amigos,

Se vos trago à reflexão o artigo saído do punho do Coronel Vaz Antunes sobre conversações que teve no último dia de Junho de 1973 com alegados negociadores da fação guineense do PAIGC, que terão entusiasmado Spínola, há que ter em conta todas as alterações do xadrez político-militar daquele tempo: os mísseis Strela, o endurecimento das relações entre Marcelo Caetano e Spínola, a visita de Costa Gomes em Junho, no rescaldo dos acontecimento de Guileje, Gadameal-Porto e Guidage, e em que se definiu a retração do dispositivo em termos tais que Spínola se apercebeu que era o princípio do fim; a nível do PAIGC, caminhava-se para novo Congresso que preparava a radicalização política, com consequências desastrosíssimas para a diplomacia portuguesa, e muito mais. Spínola perdera o é dos acontecimentos, a fação guineense ficou entregue a si própria.

É convergência de todos estes fatores que preludiam o 25 de Abril, o encontro em território senegalês, no último dia de Junho de 1973 é demonstrativo de que os combatentes guineenses caminham para a sua própria independência, o tempo político em Portugal já não permitia consolidar a tal Guiné melhor.

Um abraço do
Mário


O Coronel Vaz Antunes e as conversações com o PAIGC em Junho de 1973: muitas questões em aberto

Beja Santos

Cor António Vaz Antunes
O Coronel António Vaz Antunes elaborou um documento, datado de 1987, intitulado “Guiné: Uma diligência interrompida. Porquê?”. O documento é público, o leitor interessado tem dele acesso através do link indicado em rodapé.[1]

Encontrei-o na Biblioteca da Liga dos Combatentes, em dia sim, pois emprestaram-me a importante história dos Paraquedistas na Guiné e a Engenharia Militar na Guiné, de que já se fez as competentes recensões.

A diligência que o General Spínola pediu ao Coronel António Vaz Antunes, de acordo com esta versão, poderia ter tido o condão de mudar o curso da guerra travada na Guiné. Mas vamos aos factos, tome-se o que escreveu o Coronel Vaz Antunes.

Este militar estava ligado à Operação Guidage, naturalmente desgastante, naquele terrível Maio de 1973. Recebeu a ordem do Comando-Chefe para montar um Comando avançado em Cuntima. O oficial chega à Companhia e o Comandante da mesma não escondeu a sua surpresa, terá suposto que a sua capacidade para enfrentar a situação não era suficiente. No dia 29 de Junho três helicópteros aproximam-se da pista, coisa que não acontecia há meses. Numa conversa a sós, Spínola explica-lhe o que o levou ali:

“No tom mais cordial que imaginar-se se possa, contou-me o que tinha sido a sua acção desde que chegara à Guiné, nos contactos com o Presidente Senghor, com os comandos do PAIGC nos tempos de Amílcar Cabral e as suas diligências na interferência da escolha do próximo secretário-geral do PAIGC, cuja eleição iria ocorrer dentro de dias”.

O Coronel Vaz Antunes ouvia tudo com muita atenção mas não compreendia a natureza desta abertura, esta abordagem de temas tão secretos. Sempre bem-humorado, e sem nunca lhe explicar a natureza dos aspetos tão confidenciais, Spínola regressou a Bissau.

A 30 de Junho, tudo se precipita, Vaz Antunes é procurado por um Fula que era um agente de informações com o nome de código Padre, algo se sabia pertencente ao Front da Guiné Conacri. Conheciam-se, Padre era um elemento de peso, chegara a ir com um agente da DGS de Farim até Bissau de avião. Padre surpreendeu completamente Vaz Antunes: “pediu que fizesse uma mensagem relâmpago para Bissau solicitando a presença do General Spínola nesse dia, ali em Cuntima, para um contacto com alguns dirigentes do PAIGC”.

Vaz Antunes entendia agora a visita da véspera. Começa a troca de mensagens, Bissau responde que não é possível a deslocação àquela hora, 16 horas. Padre mostrou-se angustiado, pediu então a Vaz Antunes para comparecer na referida reunião. Depois de algumas peripécias, Vaz Antunes atravessa a fronteira no marco n.º 104. Na noite cerrada, chegou um automóvel que parou a duas centenas de metros do qual saíram dois indivíduos que se dirigiram para Vaz Antunes e Padre. “Tratava-se do representante pessoal do comandante-geral das forças do PAIGC”.

O interlocutor foi direto:

“Andamos há já 10 anos nesta luta. Somos agora menos do que quando começámos. Actualmente não nos entendemos com o escalão político: eles são cabo-verdianos e comunistas e nós somos guinéus, combatentes e não comunistas. Desejamos apenas uma Guiné melhor. Já chegámos à conclusão de que, sozinhos, não somos capazes de a fazer, mas sê-lo-emos convosco. A nossa proposta é muito simples: em dia e hora que se combine acaba a guerra, nós seremos integrados nas forças da Guiné, sem recriminação nem vingança”.

Vaz Antunes promete rapidamente comunicar o teor desta mensagem a Spínola. A 1 de Julho apresenta-se no Palácio do Governo em Bissau. Será recebido ao fim da tarde. Ouvida a mensagem, Spínola liga para Lisboa, telefona para António Fragoso Allas, o chefe da DGS em Bissau, pede-lhe para regressar urgentemente à Guiné.

Em Agosto Vaz Antunes entrou de licença. Aqui soube da substituição de Spínola por Bettencourt Rodrigues, foi à tomada de posse deste, pareceu-lhe que o discurso do novo Governador e Comandante-Chefe não estava em sintonia com tudo o que se passara anteriormente. Padre, manifestou-se em Farim, mais tarde, desgostoso por se aperceber de que tudo voltara ao princípio, não se entendia o porquê do retrocesso.

E chegamos ao final da história:

  “Um dia, no bar do Estado-Maior do Exército, já em 1976, contava o caso a uns camaradas, dado que a manutenção do segredo já não tinha razão de ser. O então Major Monge estava ao lado interrompeu-o e disse: 'Afinal foi o meu Coronel quem provocou o 25 de Abril' . Fiquei atónito. Mas imediatamente me veio à memória que tinha lido dias antes uma informação do General Costa Gomes para o governo de Marcelo Caetano segundo a qual para Portugal era preferível na Guiné um desastre militar a uma solução negociada… Porquê?”.

A narrativa do Coronel Vaz Antunes levanta inúmeras questões. É facto historicamente comprovado que naquele mês de Junho, antecedendo o Congresso do PAIGC, que ratificou Aristides Pereira como dirigente máximo do PAIGC, a linha guineense, com todas as cautelas, procurava uma posição de força para evitar um controlo maioritário de líderes cabo-verdianos. Nino sabia-se vigiado, Osvaldo Vieira já não contava, o rumo de ofensiva militar alterara completamente os acontecimentos, era certo e seguro avançar-se para uma declaração unilateral da independência, criando um ainda mais serrado cerco à diplomacia portuguesa. Padre não estaria na posse de informações quanto ao confronto já instalado entre Marcelo Caetano e Spínola, hoje bem conhecido através da epistolografia trocada, o Primeiro-Ministro proibira Spínola de negociar com o PAIGC o quer que fosse.

Seguramente que Fragoso Allas conseguira chegar até ao núcleo dos combatentes guineenses que não se conformavam com a liderança cabo-verdiana em perspetiva. Recorde-se que Aristides Pereira foi hábil, no mando supremo ficou ele, Luís Cabral e Nino Vieira. Mas de Junho para Julho, acontecera algo de decisivo para a desmotivação de Spínola: era fundamental retrair o dispositivo militar, com sacrifício de populações e quartéis nas fronteiras, Lisboa não tinha dinheiro para acompanhar a escalada armamentista do PAIGC, a partir daquele momento era o PAIGC quem estabelecia as regras do jogo, atacando e flagelando onde lhe apetecia e numa posição muitíssimo forte, sabendo que os mísseis Strela impediam a presença da Força Aérea.

Inconformado com a situação, prenúncio de perigos maiores e sabendo já que se caminhava para a declaração unilateral de independência, o que acarretaria a possibilidade da presença de exércitos amigos do PAIGC, Spínola afasta-se de tudo, vem para Lisboa preparar a sua resposta política, o livro Portugal e o Futuro. Não se entende o final do artigo do Coronel Vaz Antunes exatamente por que foi Marcello Caetano e não Costa Gomes quem disse que era preferível na Guiné um desastre militar a uma solução negociada.

Ainda pouco se sabe sobre os primeiros meses tresloucados de 1974, quando Marcello Caetano decidiu por sua conta e risco abrir negociações secretas com os movimentos de libertação. O que hoje é seguro é que a Guiné já estava fora dos seus planos, congeminou um cessar-fogo antes que fosse demasiado tarde.

[1] - Aceder ao documento em:
http://ultramar.terraweb.biz/06livros_antoniovazantunes_Guine_uma_diligencia_interrompida.htm
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20781: Notas de leitura (1276): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (51) (Mário Beja Santos)