sábado, 14 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21543: Manuscrito(s) (Luís Graça) (193): A garça-real da foz do rio grande da minha infância, indiferente aos dramas da humanidade, a começar pela pandemia de Covid-19 que está a marcar tragicamente o ano da desgraça de 2020

 Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8



Foto nº 9


Foto nº 10

Lourinhã > Praia da Areia Branca > Foz do Rio Grande e passeio pedonal pelas dunas da Praia do Areal Sul, um garça-real, e patos-reais... 



Vídeo (0' 13'') > O voo da garça real


Vídeo, fotos e legendas: © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Já cá está há muito na foz do "rio grande da minha infância" (*), mas só ontem dei por ela, esta elegante mas solitária garça-real (Ardea cinerea, chamam-lhe os cientistas). 

Indiferente aos dramas da humanidade, a começar pela pandemia de Covid-19 que está a marcar tragicamente o ano da desgraça de 2020. Ainda não tinha tomado o pequeno almoço, estava "emboscada", imóvel, camuflada, perto da margem esquerda do rio,,, Com sorte, terá apanhado uma taínha nessa manhã,.. Estava a maré a subir...

Eu tinha coneçado o meu passeio matinal pela via pedonal que atravessa as dunas da Praia do Areal Sul, quando a vi a 50 metros da ponte  de madeira sobre o rio Grande... Dizem-me que frequenta estas paragens há muito e, na verdade,  fui descobrir, no blogue, uma foto de 2014, em que apanhei, com o zoom, um bando de patos-reais (Ana platyrhyunchos) que aqui nidificam e vivem, penso que todo o ano (Fotos nºs 5, 6, 7). A um canto,  do lado direito, que agora assinalei com uma cercadura a amarelo, lá estava discreta, uma garça-real (Foto nº 5). Seria a mesma de ontem ?...

A haver aqui vida selvagem significa que o rio está menos poluído do que no passado. Em 1929, o meu  pai lembrava-se, com 9 anos,  de vir aqui com o patrão caçar  patos bravos... E eu, nos anos cinquenta, também vinha com ele apanhar enguias... 

Depois as destilarias (caldeiras de queimar vinho), a agricultura intensiva, os pesticidas, a expansão urbana, os esgostos domésticos  e sobretudo os aviários e as suiniculturas deram cabo do rio grande da minha infância... Lentamente, o rio, que é sazonal, e só é grande de nome, tem vindo a regenerar... Nesta altura do ano está em contacto permanente com o mar...

Fiquei feliz por poder fotografar esta garça-real (Fotos nºs 1, 2, 3 e 4).(**) e dar valor à liberdade que qualquer ser vivo tem direito a usufruir...

Cuidem-se, caros/as leitores/as, e de preferência deem, se puderem,  alguns passeios à beira-mar, de pequena, média ou longa duração,  tanto faz, desde que seja longe do Sars-CoV-2 que nos está a tramar... 

2. Leio no portal "Aves de Portugal", o seguinte sobre a garça-real (e que reproduzo com a devida vénia...)

(...) Imponente, com o seu longo pescoço cinzento, a garça-real é muitas vezes a maior ave aquática que a vista alcança. Devido à facilidade com que é observada, é frequentemente uma das primeiras espécies a serem vistas por quem se inicia na observação de aves. (...)

(...) Estatuto de conservação em Portugal: Pouco preocupante (Continente). Informação insuficiente (Açores) (...)

(...) Identificação: Com quase 1 metro de altura, é a maior das garças que ocorrem em Portugal. É uma ave cinzenta, que se destaca pelo seu longo pescoço. Ocasionalmente pousa em árvores ou
mesmo em edifícios. Pode ser confundida com a garça-vermelha, distinguindo-se desta
pela total ausência de tons castanhos ou arruivados. Quando em voo o pescoço encontra-se recolhido, sendo esta uma característica que a separa da cegonha-branca.(...) 

(...) Abundância e calendário: Comum. Ocorre em Portugal ao longo de todo o ano, mas é mais
numerosa fora da época de nidificação. Surge associada a todo o ipo de zonas húmidas, sendo particularmente abundante nos grandes estuários e lagoas costeiras. Durante a época de
nidificação é relativamente escassa e tem uma distribuição mais restrita. Existem algumas colónias no Alentejo, especialmente nos distritos de Évora e Portalegre, mas são conhecidos casos de
nidificação isolada noutros pontos do território. Algumas garças-reais não nidificantes podem ser vistas nas zonas de invernada ao longo da Primavera.

(...) Onde observar: A  garça-real é uma espécie fácil de encontrar. Qualquer mancha de água doce ou salobra de média ou grande dimensão é propícia à sua observação e em zonas de habitat muito favorável ou com abundantes recursos alimentares ocorrem por vezes concentrações de muitas dezenas ou mesmo centenas de aves.

(...) Litoral centro – bastante frequente e fácil de observar nas zonas húmidas costeiras como a ria de Aveiro, o estuário do Mondego e a lagoa de Óbidos, podendo também ser vista no paul do Taipal, no paul da Madriz, nas lagoas de Quiaios, e na barrinha de Esmoriz. Por vezes aparece no rio Tornada, perto de São Martinho do Porto.  (..)

(...)  Lisboa e Vale do Tejo – abundante e fácil de encontrar, a garça-real é particularmente numerosa no estuário do Tejo, podendo ser vista nos vários pontos de observação em redor do estuário como o parque do Tejo, as salinas de Alverca, o sapal de Corroios, o sítio das Hortas ou as lezírias da Ponta da Erva; ocorre também no paul da Barroca, na lagoa de Albufeira, no paul do Boquilobo e no rio Nabão, em Tomar. Ocasionalmente é vista na zona ribeirinha de Lisboa. (...)

Quanto ao pato-real (Anas platyrhynchos), é uma ave ainda mais facilmente observável,  "potencialmente, em quase todas as zonas húmidas de Portugal."

São duas das 482 espécies de aves constantes da lista das "Aves de Portugal", de A a Z.

Guiné 61/74 - P21542: Os nossos seres, saberes e lazeres (422): Na RDA, em fevereiro de 1987 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Julho de 2020:

Queridos amigos,
Eram tempos novos, a URSS elegera um novo líder, Gorbatchov, trazia novas consignas, a reestruturação económica e a transparência, melhor dizendo queria alterar profundamente um sistema económico-financeira anquilosado e já corrupto, dentre em pouco um parente do líder defunto Leonid Brejnev será preso por mão baixa, cresceu a liberdade de criticar o pesadelo burocrático, Gorbatchov desdobra-se em viagens, promete desarmamento e apela aos Estados socialistas da Europa de Leste que se reatualizem. Os líderes da RDA tudo farão para não o ouvir, tive a oportunidade de conferir que o discurso político continuava na moda antiga.
E confesso que adorei Dresden, senti que os restauros naquela Berlim que fora reduzida a escombros estava a reaparecer graças a um trabalho colossal de requalificação. Irei ainda emocionar-me muito, conhecera o Museu de Pérgamo em 1981, fiquei embasbacado com as Portas de Babilónia e o Altar de Pérgamo, voltarei a visitá-los de boca à banda.
A Berlim de hoje é mais formosa, sem dúvida, graças aos arrojos arquitetónicos que começaram em Potsdamer Platz até às avenidas das embaixadas, não queria partir para as estrelinhas sem lá voltar.

Um abraço do
Mário


Na RDA, em fevereiro de 1987 (3)

Mário Beja Santos

Tenho direito a um início de manhã altamente cultural, contente com o pequeno-almoço de pão preto e uma boa xícara de café e uma peça de fruta, o tempo melhorou, faz um frio de rachar, mas não neva. Petra Petersen anuncia-me que temos de partir já, a bagagem a bordo, almoçaremos pelo caminho, dentro de dez minutos seremos recebidos por uma guia na Pinacoteca dos Velhos Mestres. E assim foi. O carro fica parqueado a pouca distância do Zwinger, avançamos para a porta grande da Pinacoteca, é uma senhora gentil que nos acolhe, escolheu doze obras para comentar e está previsto percorrermos as principais salas. Logo observou que nenhuma destas obras-primas foi afetada pelos bombardeamentos, em devido tempo este preciosíssimo acervo recolheu às caves dos edifícios mais resistentes, foi o caso da fortaleza de Königstein. A primeira grande surpresa é ouvir esta competente guia a apresentar-me a Madona de Pés Descalços de Rafael, é de ficar emudecido. A eficiente guia não perde oportunidade de me dizer que a Pinacoteca alberga mais de 70 mil obras-primas, é com prazer que me vai mostrar telas de Ticiano, Pinturicchio e muitos outros. No termo da visita, com uma expressão de quem vai pregar uma surpresa, diz que tem uma tela de um grande pintor português para eu admirar, e tinha mesmo, um quadro de André Pires de Évora. Agradeci imenso, o condutor olha para o relógio, temos ainda o passeio pedestre no interior de Dresden, contemplar o Elba e as suas pontes, há um outro guia dentro de 15 minutos que irá apresentar o Fürstenzug, houvesse tempo passaríamos toda a tarde a subir e a descer colinas para apreciar a belíssima arquitetura romântica, Arte-Nova e Arte-Déco que circunda a cidade, milagrosamente poupada nos terríveis bombardeamentos de fevereiro de 1945.
Apetecia-me ficar, mesmo nesta atmosfera gélida, a sentir estalar o gelo da noite debaixo dos pés. É uma cidade esplendorosa, nem me passa pela cabeça que aqui regressarei duas vezes mais, e com o coração aos saltos. Ala morena que se faz tarde, adverte o motorista, temos que galgar mais de 300 quilómetros até Berlim, depositar os trastes no meu hotel, mesmo junto da Porta de Brandeburgo, num canto da Unten den Linden com a Friedrichstrasse, e seguir para o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Uma das salas da Pinacoteca dos Velhos Mestres de Dresden
Um dos mais célebres quadros da Pinacoteca dos Velhos Mestres, a Madona de Pés Descalços de Rafael
Zwinger, o portento do Rococó alemão, Dresden
Fürstenzug, mural representando os governantes da Saxónia, com 23 mil azulejos da porcelana Meissen

À distância de mais de 33 anos, pasmo como guardei no caderninho a conversa havida com dois diplomatas no interior do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um edifício construído numa área nobre, perto da Catedral de Santa Edwiges, uma pequena aberração moderna que felizmente foi demolida nos trabalhos de embelezamento de Berlim transformada em capital da Alemanha. Era uma tarde morna, felizmente havia luz natural dentro da sala quando começou o primeiro monólogo, o pretexto era uma conversa informativa sobre a política externa da RDA. Que não se queria mais guerra em território alemão, fora neste território que começaram duas guerras mundiais, que uma guerra termonuclear não teria vencedores nem vencidos, de todos os países socialistas fazia o possível para diminuir a tensão armamentista oriundo do Washington, que na Europa havia vinte vezes mais armas espalhadas por todo o mundo, que a ideia de fazer um escudo defensivo para o mundo só se justificava para dar mais dinheiro aos advogados do complexo militar industrial. Aqui se interrompeu a primeira exposição, outro interveniente informou que a RDA não exportava situações revolucionárias, pautava a sua política externa para alcançar uma atmosfera de paz, estabelecera através do COMECON as melhores relações comerciais com o bloco socialista, não obstante tinha uma política comercial bem disponível para a RFA e havia até bons negócios com Portugal. A RDA oferecia cooperação técnico-científica em vários continentes. Havia agora ajustamentos graças ao pensamento de Gorbatchov, fazer da Europa uma casa comum, para a RDA não havia propriamente uma novidade, desde que se assinara a Ata Final de Helsínquia, em 1975, só se pensava no desanuviamento, que começava exatamente nos dois países alemães. Lamentava-se muito a propaganda ocidental hostil referindo atentados aos direitos humanos e prisões arbitrárias na RDA, tudo falso, aceitavam-se críticas ao regime socialista, ninguém era preso pelas suas opiniões, salvo as altamente lesivas, conotadas com traição, espionagem ou incitamento ao regresso ao passado. A abertura a quem quisesse deixar a RDA era uma realidade, no ano anterior fora autorizada a saída de um bom número de cidadãos para a Alemanha Federal, e aí um dos oradores lamentou que os trabalhadores da RFA ainda não estivessem maduros para construir o socialismo.
A conversa começa a ser um tanto o mais do mesmo, há citações a torto e a direito da Ata Final de Helsínquia, dos sucessos do socialismo da RDA, e quando peço novo café para estar espevitado, o Dr. Zoske substitui o Dr. Vogel para dar opinião sobre as conversações Salt-3, para redução dos armamentos nucleares, aguardava-se agora um novo quadro de negociações entre Gorbatchov e Reagan, era nítido que este último estava a precipitar nova corrida armamentista, sonhava com uma Guerra das Estrelas, instalara-se um novo quadro de desconfiança entre o Ocidente e o Leste, a RDA era favorável ao abatimento dessas tensões, pugnada por um equilíbrio militar entre os dois blocos.
É nisto que os dois oradores se entreolharam e me deram a saber que por hoje chegava, amanhã haveria nova pratada de informações, que o ilustre convidado pudesse sair da RDA ciente de que a política externa do país era a mais pacífica do mundo. Havia notícia de que esse mesmo ilustre convidado iria fazer uma visita guiada na Unten den Linden desde a Catedral até à Porta de Brandeburgo, e que amanhã também teria uma visita comentada no Bairro Nicolau.
Despedimo-nos com uma efusão controlada, conhecer metro por metro a Unten den Linden maravilha-me. Despeço-me de Petra e Gerald, voltamos a falar de Dresden e das alegrias de tão bela viagem. Amanhã há mais, ainda não sei irei fazer uma visita a um cemitério onde seria assaltado por um choro convulsivo, o velho combatente veio ao de cima. Eu depois conto.
Palácio da República, Berlim, anos 1980, ao fundo a torre de Alexanderplatz, o carro é o Trabant
A Catedral de Berlim, profundamente restaurada
Memorial aos Mortos da Guerra, obra de Käthe Kollwitz, Unten den Linden

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21523: Os nossos seres, saberes e lazeres (421): Na RDA, em fevereiro de 1987 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21541: Parabéns a você (1892): César Dias, ex-Fur Mil Sapador Inf do BCAÇ 2885 (Guiné, 1968/70); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546 (Guiné, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/1970)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21536: Parabéns a você (1891): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21540: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLVI: Nuno Álvares Pereira (Leiria, 1928 - Nampula, Moçambique, 1974)







Cor inf ref Morais da Silva

1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual acima], membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972 ]

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21486: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XLV: Rolando Frederico Mantovani Borges Filipe, maj pilav (Lisboa, 1939 - Guiné, entre Bigene e Guidaje, 1973)

Guiné 61/74 - P21539: Casos: a verdade sobre... (16): Onde foi o "berço da nacionalidade" ? Terá sido em Feto Lugajole, uma colina à cota de 200 mt, frente à atual tabanca de Lugajole ? Fica a 5 km da fronteira, a 40 km de Madina do Boé... E ainda hojé é intransitável de carro, em setembro... (Patrício Ribeiro, Bissau)

 


 Foto nº4 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé >  2005 > Restos do Quartel de Madina > Entrevista a dois antigos militares,   ainda tinham a caderneta militar portuguesa.

 
 Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé >  2010> Passeio para visitar o local onde o PAIGC diz que proclamou a independência em 24/9/1973.


Foto nº 5  > 
Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé >  2010>   Monumento à independência.



Foto nº 6 >  Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé >  Lugajole > Na colina declararam a independência, ao fundo, foto obtida  a partir do Centro de Saúde


Foto nº 1 > 1/7/2018 > Escola de Madina do Boé e cantina escolar



Foto nº 1A > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé >  1/7/2018 > Escola Básica (EB) de Madina do Boé > Cantina Escolar > Programa financiado  pelo Departamento Americano de Agricultura (USDA) , sendo o promotor o Porgrama Alimentar Mundial (WFP).


 Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé >  2005 > Vendu Leidi > Antiga guerrilheira que costumava acompanhar o Amílcar Cabral nas deslocações ao Boé. Esta foto foi tirada, na tabanca Vendu Leidi ( ver mapa militar Vendu Leidi) a sul de Lugajol, junto a fronteira da Guine Conacri, quando a RTP a foi entrevistae para um programa sobre a independência. 


 

Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé > Uma da diversas escola, 2018,  no caminho entre Beli e Madina


Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé > 2018 >  Uma das diversas escolas, em tabancas que encontramos no caminho entre Beli e Madina.



Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro(2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de Patrício Ribeiro 

 [, português, natural de Águeda, criado e casado em Angola,  com família no Huambo, antiga Nova Lisboa, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.; tem também uma "ponta", junto ao rio Vouga, Agueda, onde se refugiou agora, fugindo da pandemia de Covid-19: é o português que melhor conhece a Guiné e os guineenses, o último dos nossos africanistas: tem uma centena de referências o nosso blogue]


Data - domingo, 8/11, 15:41


 
Boas tardes,

É estranho a RTP nunca ter passado nas televisões a reportagem que fizeram nas colinas do Boé, em 2005.

Será que a reportagem mexeu em Lisboa, em algo que não interessava alterar?  Ou foram os antigos militares Portugueses naturais da Guiné, que a reportagem filmou com as cadernetas militares, dentro do que resta do antigo Quartel de Madina, que não interessava informar?

Não sei quantas operações militares foram feitas durante a ocupação de Beli, para o sul do rio Féfine, para os lados de Vendu Leidi…

Certamente seria zona livre do PAIGC, “naturalmente” pela dificuldade de lá chegar (onde os Angolanos andam a fazer furos de sondagem de Bauxite)

A independência foi declarada em cima de uma colina, à cota 200 mt,  “por cima da Tabanca de Lugajole” (conforme monumento, que lá foi construído).

- 5 Km, da fronteira.

-10 km, a sul de Beli.

-40 km, a leste de Madina do Boé (e onde em setembro é quase impossível lá chegar por estrada, devido à época da chuvas).

Esta zona é muito bonita, nem parece que estamos na Guiné.


Abraço, de domingo de confinado.

Patrício Ribeiro

2. Mensagem enviada em 25 de outubro último pelo Patrício Ribeiro

Luís,

Para nós os confinados, aqui vai.

Sobre a "Montanha Cabral", nunca ouvi falar deste lugar, das diversas vezes que fui a Madina do Boè.

Falei com 2 investigadores Portugueses  que conheces, o Geólogo, Paulo Aves e o Biólogo, Luís Catarino, que também fizeram trabalhos no Boé, mas também não conhecem a "Montanha Cabral".

Madina fica á cota de 90 mt, em uma zona plana (foto 1) mas uma das diversas colinas,  a Dongal Dandu, perto de Dundum,  tem a cota 170 mt (ver carta geológica da Guiné Bissau do Paulo Alves, assim como mapas militares e outros que me ofereceste em CD)

Ver P 18.862, com outras fotos, que enviei daquela zona (*).

Parabéns à Joana Benzinho e sua equipa que, com muito sacrifício, andam a levar a língua Portuguesa a locais de difícil acesso,

Depois da AMI [, AssistênciaMédica Internacional,]  nos anos 80 com a sua equipa médica, chega mais alguém a falar Português ao Boé, esta língua é pouco falada naquela zona.

Envio uma foto de uma antiga guerrilheira do PAIGC ( foto nº 2 tirada em 2005), que costumava acompanhar o Amílcar Cabral, quando ele se deslocava pelas colinas do Boé.

Esta foto foi tirada, na tabanca Vendu LeidI ( ver abaixo mapa militar de Vendu Leidi),  a sul de Lugajol, junto a fronteira da Guine Conacri, quando a RTP a foi entrevistar, para um programa sobre o dia da Independência da Guiné Bissau.

Não sei quantas operações militares, se terão feito para o sul do rio Féfine. Certamente seria zona libertada do PAIGC “naturalmente” pela dificuldade de lá chegar (ver mapa de Capebonde)

“A independência [, em 24 de setembro de 1973] foi declarada a mais de 200 mt altura, numa colina perto da tabanca de Lugajole”:  ver monumento (fotos nº  3, 5 e 6 ), poste P 5050 (**)

Ora em  setembro é quase impossível chegar, mesmo hoje,  por estrada, àquela zona. [Recorde-se que a indepência unilateral da Guiné-Bissau foi feita pelo PAIGC em 24 de setembro de 1973.]

É estranho a RTP nunca passado “esta reportagem”, feita nas colinas do Boé em 2005. Será que a reportagem mexeu em Lisboa, em algo que não interessava alterar ? Ou foram as muitas cadernetas de antigos militares Portugueses,  naturais da Guiné, que a reportagem filmou, dentro do que resta do antigo Quartel, que não interessava informar ? (foto nº 4) (Ver o Poste P5050 de 4.10.2009) (**).

A tabanca de Lugajole ( ver mapa de Beli) está à cota 110 mt, de onde se pode ver perto uma colina com mais de 200 mt de altitude (foto 5), onde alegadamente  foi declarada a Independência, na zona do Felo Lugajole.

Esta tabanca passou a ser importante pós-independência. Tem diversas construções prefabricadas de betão, provavelmente construídas pela fábrica, que os Cubanos tinham em Bissau, na década de 80 ainda funcionava.

Foi lá construído um bom Centro de Saúde, em blocos de cimento. Onde já dormi, era o melhor hotel da região…

Há poucos anos, tentaram fazer lá mais uma romaria, mas a jangada não deixou.

Foram construídas muitas escolas na região (foto  nº 8) em pequenas tabancas, de muito difícil acesso, onde só é possível as viaturas chegarem no tempo seco. Ao longo do caminho que acompanha o Rio Cobolom, e não em cima nas colinas...

O caminho é entre a tabanca de Cobolom,  é muito bonito, até cruzamento entre Madina e Dandum .

Perto deste cruzamento, morreu o Domingos Ramos, atingido pelos morteiros do quartel de Madina. (ver foto do Memorial, no P 18.863).

A Região do Boé  sofreu grandes alterações nos últimos anos… as casas características dos Fulas, que eram quase todas cobertas a palha e redondas, já quase não existem, agora são retangulares e cobertas a chapa de zinco, como quase por toda a Guiné, perderam a originalidade (foto nº 7).

Os Angolanos, andaram lá a fazer uns furos de sondagem, para a exploração de Bauxite, para os lados de Vendu Leidi.

Já outros procuram, naquela zona, ouro, ainda outros procuram diamantes, etc. Deve haver alguma “coisa” naquelas Colinas e não só as grutas, onde o PAIGC guardava munições.

Já que do outro lado da fronteira, na montanha do Futa Jalom, andam para lá os chineses entretidos, em diversas minas de minerais, junto á estrada de Koundara para Labé. Mas também se dão ao trabalho de abrir a estrada pela montanha acima a ligar as duas cidades.

 Para os Guineenses, o ouro atual é a castanha de cajú… Que dá para construir casas novas e também e trocar a palha da cobertura das casas, por chapas de zinco, e passa a não ser necessário trocar de 4 em 4 anos.

Abraço, que vou fugir para a lareira.(***)



Guiné > Região de Gabu > Setor de Boé > Carta de Vendu Leidi (1959) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa da tabanca de Vendu Leidi, junto à fronteira com a Guiné-Conacri. A sudeste fica o Felo Canhage, uma das colinas do Boé que se aproxima da cota dos 300 metros. A tabanca fica a sul de Lugajole.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné (2020)



Guiné > Região de Gabu > Setor de Boé > Carta de Béli (1959) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Béli, de Lugajole e do rio Fétiné, afluente do rio Corubal, que divide o Boé ao meio, a parte ocidental e a parte oriental. A declaração de independência teria sido feita  num colina, à cota de 200 metros, Feto Lugajole... Mas não havia estradas para este sítio, na altura, não se sabendo como o PAIGC transportou os seus convidados...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné (2020)



Guiné > Região de Gabu > Setor de Boé > Carta de Capebonde (1959) (Escala 1/50 mil) > Não havia tabancas nem estradas, apenas um picada que atravessava a fronteira vinda de Béli...

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Notas do editor:


(*) Vd.poste de 21 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18862: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

(**) Vd. de 4 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5050: Efemérides (27): Declaração da Independência em 24 de Setembro decorreu não em Madina do Boé mas Lugajole (Patrício Ribeiro)

(***) Último poste da série > 13 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21538: Casos: a verdade sobre... (15): A retirada de Madina do Boé e o enfraquecimento do flanco sul / sudeste do território (regiões de Gabu e Bafatá) (Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / António Rosinha / Fernando Gouveia)

Guiné 61/74 - P21538: Casos: a verdade sobre... (15): A retirada de Madina do Boé e o enfraquecimento do flanco sul / sudeste do território (regiões de Gabu e Bafatá) (Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / António Rosinha / Fernando Gouveia)


Foto nº 4

Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > A antiga tabanca de Padada, a 12 km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal.


Foto nº 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > Restos, carboizados, da antiga tabanca de Padada, a 12 km a sul de Madina Xaquili, na direcção do Rio Corubal. 


Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > O grupo de combate do Fernando Gouveia, progredindo nas proximidades da antiga tabanca de Padada,   


Foto nº 3 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de junho de 1969 > O Fernando Gouveia, nas proximidades da antiga tabanca de Padada,   



Foto nº 5 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Subsector de Galomaro > 21 de Junho de 1969 t > Uma pausa para retemperar as forças, a caminho de Madina Xaquili que, tal como Padada antes, viri a ser abandonada em outubro de 1969. 
  

Fotos tiradas pelo nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), no decurso de um patrulhamento ofensivo àquiela tabanca abandonada, com o seu grupo de combate (20 milícias e 10 soldados metropolitanos). Em Padada reencontar-se-ia com forças da CCAÇ 2405 (Galomaro / Dulombi, 1968/70), comandadas pelo Cap Mil Jerónimo. Foram encontrados vestígios recentíssimos da guerrilha do PAIGC.


otos (e legendas): © Fernando Gouveia (2009. Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários de Valdemar Queiroz, Cherno Baldé e António Rosinha ao poste P21531 (*)

(i) Valdemar Queiroz

A questão do abandono de Madina e toda aquela região da zona além Corubal,  é estranha em termos de estratégia da ocupação do terreno, para, inclusivamente, não dar azo a "zona libertada".

Vejamos nos mapas existentes no blogue de toda essa região à data em que foram elaborados. Vejamos, depois, como era a ocupação/fixação da população e presença da NT a partir do início do ano de 1969. 

Verificamos que apenas Canjadude e mais acima Cabuca eram as únicas tabancas existentes a fazer tampão a incursões a Nova Lamego, Dara e Piche, que a partir daquela data começaram a ser atacadas mais frequentemente. 

Em toda aquela área a leste da linha (estrada) Buruntuma - Nova Lamego, só existam Cabuca e Canjadude com pouca população e praticamente só ocupação militar. 

Não sei o que entretanto foi acontecendo (vim para a peluda em dezembro de 1970) com flagelações a estas duas tabancas. O facto de cada vez mais população abandonar essas tabancas da região, concentrando-se nas grandes localidades de Nova Lamego e Bafatá,  fazia com que apenas a NT resistisse nesses locais, não tardando, sabe-se lá, tambéma serem consideradas para retiradas estratégicas formando, assim, mais "zonas libertadas".


(ii) Cherno Baldé: 

Antes do início da guerra, o Sudeste da Guiné, que inclui a parte sul da região de Bafatá (Galomaro Cossé) e da região de Gabu (Boé), não eram zonas desabitadas,  como se pode pensar. 

O seu despovoamento foi gradual e aconteceu nos primeiros anos da Guerra e, em 1968 quando chega o Gen Spinola, a situação ja era irreversível. 

O Galomaro, como diz o nome,  era uma zona habitada por ricos ganadeiros fulas e com arrozais nas bolanhas a perder de vista. Foram abandonadas com o recrudescer da guerra. 

Se depois o abandono do terreno se justificava devido à inexistência da população, é caso para dizer que sempre existiu e existe uma grande diferença entre a teoria e prática, entre os sonhos e a realidade, como podemos perecber no excertodo discurso em baixo, é pena que o homem [. o António Oliveira Salazar,]  nunca tenha vindo ao terreno para constatar a realidade "in loco". 

“As terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade populacional são o natural complemento da agricultura metropolitana, nos géneros pobres sobretudo, e das matérias-primas para a indústria, além de fixadores de uma população em excesso daquilo que a metrópole ainda comporte e o Brasil não deseje receber. (...) 

"Nós cremos que há raças decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação as quais perfilhamos o dever de chamá-las à civilização. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir qualquer teia de rancores ou de organizações subversivas que neguem ou que pretendam substituir a soberania portuguesa. (...)"

Fonte:  António Oliveira Salazar. Discursos e Notas politicas, vols. III e V (1943 e 1957). Coimbra, Coimbra editora, sem data. 

(iii) António Rosinha:

Amigo Cherno: "as terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade" a que o Salazar se referia, foram os tais colonatos que foram construidos em Moçambique e principalmente Angola. 

Na Guiné não havia extensões agrícolas desabitadas, para albergar tantas famílias, como as que foram para Angola e Moçambique, principalmente transmontanos e açoreanos. Os colonatos de Angola conheci-os relativamente bem. 

Cherno, ainda hoje estou convencido que continua a haver maiores extensões desabitadas em Angola do que as que existem na Guiné, mesmo considerando que a região de Madina do Boé continue pouco habitada. Só que as grandes extensões desabitadas em Angola, hoje já está tudo demarcado e aramado pelos "novos senhores" de Angola. 

A Guiné, tirando a região de Madina, sempre deve ter tido uma densidade populacional muito maior que Angola, que conheci bastante bem. Salazar não ia ao terreno, mas estava bem informado. 

PS- Onde parece que está a ficar muito despovoado é o norte de Moçambique, com decapitações e fugas da população e nem a ONU nem Portugal nem a Inglaterra (aquilo já se passou para a Commonuelth) fazem frente à Jihad ou o que aquilo é. A Europa já não pode com uma gata pelo rabo! 

2. O caso do abandono  de Madina Xaquili em outubro de 1969:

Num dos postes da sua série A Guerra Vista de Bafatá, o nosso camarada e amigo Fernando Gouveia (ex-Allf Mil Rec e Inf, Comando de Agrupamento nº 2957,  Bafatá, 1968/70)  explica o porquê da sua ida intempestiva para Madina Xaquili,lá  no "cu de Judas":

"(...) Com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06 de fevereiro de 1969 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 [,  de 8 a 21],  era de prever (...) que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossé, aproximando-se de Bafatá.

"Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento [de Bafatá] uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossé era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.

"É neste contexto que o Cor  Hélio Felgas, meu Comandante (, Cmando de Agrupamento nº 2957), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro [, a CCAÇ 2405,] que me asseguraria a logística. (....) O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar [, cap inf José Miguel Novais Jerónimo,], deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.

"Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam, escolheu um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista. Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas" (...).

"(...) Chegámos a Madina Xaquili a meio da manhã [ do dia 14 de Junho de 1969]. Era uma tabanca com umas 20 palhotas. Estava em auto-defesa, com cerca de 40 milícias, comandados pelo também africano João Vieira (sem Bernardo). Havia uma razoável cerca de arame farpado e abrigos construídos recentemente. A população civil (2 ou 3 famílias) e as mulheres dos milícias não tinham abrigos" (...). (**)




Guiné > Carta geral da província (1961) (Escala 1/500 mil) >  Posição relativa de Madina Xaquili (rectângulo a verde)  em plena zona leste, tendo a sul o Rio Corubal e a norte a estrada Bafatá-Gabu. Madina Xaquili fazia parte do mapa de Cansissé (1/50 mil). 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)


3. Com a retirada de Béli (em julho de 1968), Madina do Boé e Cheche (em fevereiro de 1969), passou a haver um corredor, com "via verde", por onde o PAIGC se infiltrava mais facilmente na parte sul / sudeste do chão fula, a norte do Rio Corubal. 

Apesar do reforço temporário de tropas paraquedistas do BCP 12, ao sector de Galomaro (a partir de agosto de 1969, COP 7), bem como da CCAÇ 12 (que vai ter a sua estreia e batismo de fogo logo em Julho de 1969, em plena época das chuvas), Madina Xaquili,  guarnecida Pel Mil 147.  tornar-se-ia insustentável, sendo abandonada pela população e depois pelas NT logo em outubro de 1969. Padada, mais a sul, também já tinha sido abandonada (não posso precisar em que altura). O PAIGC apertava o cerco ao chão fula, e nomeadamente o Cossé donde eram originários, juntamente com Badora,  os soldados da CCAÇ 12.

O Pel Mil 147 (Madina Xaquili) fazia parte, em finais de setembro de 1968 (data em que o BCAÇ 2852 passou a tomar conta do Sector L1), da Companhia de Milícias nº 14 que tinhas pelotões e secções espalhados por Quirafo e Cansamange (Pel Mil 144), Dulombi e Cansamange (Pel Mil 145), Madina Bonco e Galomaro (Pel Mil 144). Nesta data já não há referência a Padada, presumindo-se que tenha sido abandonada anteriormente.

Em agosto de 1969, Madina Xaquili e o Pel Mil 147 já constam no dispositivo das unidades combatentes do BCAÇ 2852, em virtude de se passado a constituir um novo Sector, o L5, com sede em Galomaro (onde já estava de resto a CCAÇ 2405, com forças espalhadas por Imilo, Cantacunda, Mondajane, Fá, Dulo Gengele), integrado no CO7 (Bafatá).


(***) Sobre Madina Xaquili ler as venturas e desventuras do Fernando Gouveia em kunho de 1969... Foram 13 dias surreais, de 12 a 24 de Junho de 1969, contados e fotografados como só ele sabe.

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades

Guiné 61/74 - P21537: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (27): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Annette Cantinaux está eufórica nas suas férias do Natal português, o seu apaixonado põe-a a viajar em vários transportes, não falta o elétrico 28, desta feita começaram na Basílica da Estrela, já viram a árvore de Natal do Terreiro do Paço, banquetearam-se com o bife da Portugália, ela não esconde o seu assombro por aquela casa forrada de estantes e quadros de toda a espécie, onde até se corre alguns riscos de tropeçar em pilhas de livros. Tem tido enormes surpresas, muitos daqueles trastes vieram da Feira da Ladra de Bruxelas, ela está neste momento a folhear um álbum que diz por fora Vilar Formoso, Lisboa, Fátima, Coimbra, boas fotografias, quase sempre mostrando um jovem com ar decidido, ela até ficou muito impressionada com a fotografia do Rossio naquele ano de 1951, parece o mesmo que eu já vi, disse para si. Annette não resistiu a perguntar porque é que tu juntas isto a estas coisas, um tanto seraficamente ele respondeu-lhe que quer estar rodeado de boas memórias na velhice. Estamos a 24, nessa noite virão os filhos de Paulo e respetivos cônjuges, um amigo que é pintor surrealista, um guineense e um vizinho nonagenário que não tem família, como comunicarão logo se vê, o mais fácil será o guineense Abudu Soncó pôr à prova o seu francês, a felicidade do encontro virá por acaso e para glória do nascimento do Deus Menino.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (27): A funda que arremessa para o fundo da memória


Mário Beja Santos

Très chère Josephine, não pude infelizmente despedir-me de ti antes de partir para Lisboa, sei que estás em Mariemont a passar as férias de Natal com os teus pais, cheguei a Lisboa um pouco antes das festas, o Paulo tem-me proporcionado passeios encantadores pela cidade, por razões profissionais já aqui tinha vindo três vezes, mas sempre de raspão, tu sabes o que é a vida de intérprete, desembarcamos com um dossiê debaixo do braço e uma mala de viagem com rodas, toma-se um táxi para o hotel, horas depois estamos atrás de uma cabine de interpretação, por vezes há a deferência em convidar-nos para jantar, o dia seguinte poderá ser a mesma coisa, excecionalmente podemos ter um dia por nossa conta, às vezes consigo programar ficar mais um dia para bisbilhotar o local, com Lisboa não tem sido o caso e daí o fascínio de calcorrear uma cidade com o meu amoroso a dar-me a mão.
O Paulo queria que eu visse a animação natalícia no centro da cidade, mas antes levou-me a uma basílica gigantesca, chamada Estrela, confesso-te que não me impressionou muito aquela arquitetura sobredimensionada, mas íamos ali por outro motivo, o Paulo queria-me mostrar um presépio que saíra das mãos de um barrista de génio, retive o nome Machado de Castro. O postal que tenho para te mandar é eloquente na humanização das figuras, no equilíbrio das formas e na transparência da espiritualidade. De há muito afastada da prática religiosa, ali fiquei especada e, para minha surpresa, desfiei orações que aprendera em casa dos meus pais adotivos. E seguimos para a Baixa, num elétrico que desceu e subiu por ruas apertadas, muito comércio, quase à moda antiga, e assim chegámos a uma praça dedicada ao poeta nacional, Camões. Descemos uma rua cheia de bulício, em dado momento Paulo segurou-me o braço e entrámos numa ourivesaria, com interior requintado, julguei que estava na Praça Vandôme, qualquer coisa semelhante à loja Cartier, o Paulo pediu para vir anéis de senhora, nada de brilhantes, pérolas ou diamantes, perguntou por engastes de safiras ou esmeraldas. Obsequiosa, a funcionária foi tirando peças de umas vitrinas e expô-las num pano de veludo na minha frente. “Annette, escolhe o que te der mais prazer, a partir de agora és a minha noiva comprometida”. Apanhada de chofre, não pude reter a emoção, há muito tempo que não andava tanto a pé, trouxera uns ícones gregos para presentear o Paulo, coisas simples, mas um dia ele quis entrar numa loja do Grand Sablon dedicada à Arte Sacra e vi como os seus olhos brilhavam de contemplar a iconografia oriental. Escolhi uma peça, ajeitava-se perfeitamente ao meu dedo anelar esquerdo, só tremia a pensar no preço, ele falava em escudos, passou um cheque, nem me atrevi a perguntar o montante da joia. A funcionária entregou-me uma caixa, olhei-o com ternura e ele não fez mais nada, beijou-me ali mesmo, passou-me as mãos pelo cabelo, beijou-me delicadamente a mão, os funcionários da ourivesaria mantinham-se impávidos, estas cenas apaixonadas devem fazer parte da profissão.
Presépio de Machado de Castro, Basílica da Estrela
Ícone grego, século XVIII
Ourivesaria Aliança, Rua Garrett, Lisboa

À saída da ourivesaria, apanhámos um táxi, percebi que o Paulo deu como destino a Feira da Ladra, fiquei a saber que ela funciona às terças-feiras e aos sábados, ao contrário da Place du Jeu de Balle que é diária, se bem que seja mais pujante aos sábados e domingos. Apeados, o Paulo quis-me mostrar em primeiro lugar o exterior e o vestíbulo do Panteão Nacional, um monumento barroco que creio que a cúpula só foi concluída há umas décadas atrás, as dimensões são impressionantes e fiquei assombrada com a beleza dos mármores, predominam os róseos bem inseridos na pedra branca. E entrámos na feira, verifiquei que o Paulo conhece alguns dos vendedores, fomos para uma enorme bancada de livros e quinquilharia, imagina tu que até encontrei um volume com o teatro completo de Albert Camus, edição da Gallimard, em muito bom estado, paguei uma quantia irrisória, o Paulo fez as suas compras, livros e peças de porcelana. Aproximava-se a hora do almoço e ele disse-me que íamos almoçar o bife da Portugália, lá fomos para uma cervejaria enorme e deliciei-me com uma peça macia de carne, um molho muito gostoso, embebi aos bocadinhos um pão inteiro, com batatas fritas também saborosas, seguiu-se um pudim flan e um café à moda portuguesa.
Um aspeto parcial do Panteão Nacional
A Feira da Ladra com vista para o Panteão Nacional e o rio Tejo ao fundo

Precisava de descansar, voltamos para casa. Ainda não te dei pormenores da decoração, as paredes estão forradas de alto a baixo com uma variedade de obras de que eu não consigo ainda ter o elemento de ligação, são quadros a óleo, gravuras e serigrafias, sanguíneas e carvões, aguarelas, desenhos de toda a espécie, fotografias, tapeçaria, pelos cantos as esculturas em madeira ou mesas a abarrotar de livros, livros em cima dos sofás e das cadeiras, também predomina o tema religioso, perguntei o que é que estava a ver e ele falou-me em registos, um deles impressionou-me muito, tinha uma imagem do que me parecia um santo, o Paulo explicou-me que era o Senhor Santo Cristo dos Milagres, uma imagem reduzida a um tronco, a decoração era impressionante, metia escamas de peixe, recortes de papel colorido, pérolas, tecidos acetinados. O Paulo sossegava-me, está descansada, quando vieres viver para cá grande parte destas coisas vai para casa dos meus filhos, pretendo que tu organizes um espaço que dê alegria de viver, onde sintas intimidade e não dependente da organização que fui dando ao meu ambiente.
A casa tem uma bela varanda, um balcão cheio de vasos e um armário onde ele guarda coisas, abriu esse armário e mostrou-me uma quantidade enorme de copos dizendo que os ia oferecer a uma organização que angaria fundos para ações de filantropia. Aí descansámos e o Paulo deu-me conta de como pretende organizar a Consoada. E explicou-me que a Consoada é para ele o momento dominante do Natal, é a festa do júbilo pela vinda do Menino, os entes-queridos devem estar juntos e saborear os alimentos da festa. Foi buscar um livro e mostrou-me o prato de bacalhau destinado à noite de 24. “Chama-se Bacalhau à Baltar, depois de uma primeira demolha meto-o em leite, no dia seguinte aqueço azeite com alhos e meto o bacalhau guarnecido com pão ralado, vai ao forno até tostar, é acompanhado por legumes salteados. E falou-me que já encomendara um conjunto de doces tradicionais, o bolo rei, as broas (tinha saudades das broas de milho, eram frequentes quando Portugal era um país muito pobre, praticamente desapareceram), compra também iguarias de que os filhos gostam, caso do bolo de amêndoa com gila e a siricaia.
Fizemos uma refeição ligeira, o Paulo tinha feito uma sopa de curgete com batata e muitos coentros, eu tinha trazido queijos, acabámos a beber uma taça de chocolate e o Paulo propôs uma saída, ir ver o Terreiro do Paço à noite. Confesso que teria preferido ficar em casa, mas ele fez-me o convite com uma expressão tão feliz, percebi perfeitamente que eu estava intimamente associada àquele passeio que disse logo que sim. E fiquei felicíssima, naquela noite escura, naquela ampla praça reconstruída como sala de entrada de Lisboa depois do Terramoto de 1755, uma praça cheia de harmonia, tens o Tejo a marulhar ali bem perto, aqui funcionavam ainda alguns departamentos do Estado, mas a razão de ser da visita era uma esplendorosa e policromática árvore de Natal, eu sentia-me tão feliz, tão agradecida às pancadas do destino, àquele momento em que um senhor desconhecido me pedira para almoçar comigo na hora do almoço para me pedir apoio para um romance em que a guerra da Guiné seria o eixo central, acedi e decisão mais feliz não podia ter tomado, já passo dos 50 anos e pareço uma garota apaixonada pronta a ressurgir e a acreditar que a felicidade nos dá sempre uma nova oportunidade quando estamos disponíveis.
A árvore de Natal no Terreiro do Paço

Caminhamos para o Natal, assentou-se que vai haver uma manhã de passeio cultural, a tarde é para preparar a Consoada. Outra grande surpresa. Ali para os lados do Castelo de S. Jorge está uma igreja um tanto escurecida na fachada, mas ele tinha organizado uma visita, imagina tu o nome da Igreja, do Menino de Deus, que ternura, está praticamente adossada às muralhas do castelo, é opulenta no seu barroquismo em que a pedra fria contrasta com os elementos pictóricos e a decoração das capelas, o teto é magnífico e o altar de uma enorme riqueza. Foi um bom princípio de manhã de um turismo inesperado, hoje não se trabalha em Portugal, até ao dia 26 ou 27 a vida será a meio gás, mas foi-nos proporcionado este passeio, sinto-me muito agradecida. No regresso a casa, o Paulo já me comunicou que vai fazer uma açorda de gambas, novamente muitos coentros, e uma salada de frutas, impõe-se a sobriedade, as pratalhadas do Natal vão aparecer durante a tarde. Falei-lhe na Baixela Germain, tinha ouvido dizer que a existente no património português era de uma enorme riqueza. Está na minha agenda, Annette, não regressarás a Bruxelas sem ver os Painéis de São Vicente, a Custódia de Belém, a Arte Nanban e a Baixela Germain, para além do nosso Bosch, que não tem rival.
Voilá, Josephine, o inacreditável aconteceu, a minha vida tem um novo sal, este homem não esconde um profundo afeto e sei que digo uma banalidade, amigas íntimas como somos espero que saibas que estou preparada para viver um grande amor, desta vez agarro as golas do destino com as duas mãos. Beijo-te com a maior amizade do mundo, conto ver-te em meados de janeiro, tens que saber ao pormenor o que foram estas férias de Natal e como a minha vida é um sonho.
Igreja do Menino de Deus
Baixela Germain, Museu Nacional de Arte Antiga

(continua
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21521: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (26): A funda que arremessa para o fundo da memória