terça-feira, 10 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21531: Casos: a verdade sobre... (14): as razões da retirada de Madina do Boé em 6 de fevereiro de 1969... Já oito meses antes, em 8 de junho de 1968, havia saído uma Directiva do Comando-Chefe da Guiné para a transferência da unidade ali estacionada, a CCAÇ 1790, comandada pelo cap inf José Aparício


Fotigrama nº 1


Fotograma nº 2

 

Fotograma nº 3


Fotograma nº 4


Fotograma nº 5

Fotogramas do filme "Madina Boe" (Cuba, 1968, 38'), do realizador José Massip (1926-2014), obtidas a partir da função "print screening" do teclado do PC e da visualização de um vídeo. de menor duração (28' 22'') , disponibilizado no You Tube, na conta "José Massip Isalgué".  

O documentário (ou excertos) foi carregado no You Tube no dia da morte do cineasta (ocorrida em Havana, em 9/2/2014). 

O documentário chama-se "Amílcar Cabral" (e pode ser aqui visualizado): é narrado em espanhol, tem subtítulos em espanhol, mas também pequenos diálogos em crioulo e em português (por ex., com o médico dr. Mário Pádua, angolano branco, oficial do exército português, de que desertou, tendo saído de Angola para se juntar mais tarde ao PAIGC). 

Possivelmente o documentário do You Tube baseia-se em grande parte na média metragem "Madina Boé", mas parece estar amputado da parte final, incuindo a ficha técnica. (Faltam-lhe cerca de 10').

Esta média metragem, "Madina Boé" (1968),  foi  financiado pelo Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográficas, de que o José Massip foi cofundador, e pela Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina. O documentário retrata a organização do  PAIGC na região do Boé, e o quotidiano dos seus guerrilheiros. O Boé
é considerado como "área libertada". 
 
O cineasta José Massip e o operador de câmara Dervis Pastor Espinosa  estiveram no Boé em março e abril de 1967,  pelo que as imagens do  ataque ao quartel de Madina do Boé em 10 de novembro de 1966 (, trágico para o PAIGC, com a morte de Domingos Ramos e outros militantes) só podem ser de arquivo e, nessa medida, são (ou podem parecer) um embuste: a verdade sobre o que se passou nesse dia trágico foi pura e simplesmente ignorada ou escamoteada.

Sabe-se que em março-abril de 1967,  a equipa cubana não filmou nenhuma cena de guerra, alegadamente por razões de segurança. As imagens de guerra que foram incorporadas no filme terão sido obtidas por outra equipa cubana, que estava no terreno em 10 de novembro de 1966, o que ainda está por esclarecer. (Já fizemos referência à operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que estava ao lado do guineense Domingos Ramos e do cubano Ulises Estrada) (**)

O filme foi estreado entre nós no doclisboa'16, em 24 de outubro e 2016, às  15h30, na Cinemateca Nacional, Sala M. F. Ribeiro.  Sinopse que vinha no programa, e que não deixa de ser reveladora de alguma ingenuidade dos organizadores.

"Filmado nas áreas libertadas [sic] da Guiné-Bissau, durante a sua guerra de libertação de Portugal, o filme segue o Exército Popular para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, documentando a educação política dos combatentes, as técnicas de guerrilha e o treino físico."  

De resto, tanto Cuba como  PAIGC mantiveram inicialmente em segredo a "ajuda estrangeira" em conselheiros, médicos e combatentes cubanos... No filme não aparecem combatentes estrangeiros, a não ser o médico Mário Pádua, de costas (que diz no filme: "eu sou um médico português antifascista e anticolonialista"... e acrescenta: a guerra que aqui se trava não é do povo guineense contra o povo português mas contra um regime político fascista...)

O filme do José Massip foi várias vezes premiado (. nomeadamente em países do chamado bloco soviético), passou na televisão cubana mas não obteve grande entusiasmo  da crítica interna. Há cenas no filme que não terão agradado ao regime de Fidel Castro, Em contrapartida, foi muito útil à propaganda do PAIGC. Amílcar Cabral era hábil, a explorar, no plano mediático e diplomático, testemunhos como este que devem ter seduzido, por exemplo, os suecos do partido de Olof Palme.

 Legendas: 

Fotograma nº 1 > Amícar Cabral cambando o rio Corubal,  acenando para uma das margens.

Fotograma nº 2 > As colinas do Boé

Fotograma nº 3 > Aspecto do aquartelamento de Madina do Boé (que José Massip chama "base"), vista seguramente obtida de teleobjetiva: vê-se um militar português, junto a duas dificações de alvenaria, abrigos e valas protegidoes por bidões cheios de terra.

Fotograma nº 4 >  Aspeto parcial de Madina, com algumas moranças da milícia ou guias locais ao serviço do exército potuguês. Imagem obtida seguramente por uma teleobjetiva, a partir de uma colina.

Fotograma nº 5 > Disparo de canhão s/r contra Madina do Boé [ possivelmente em 1o de novembro de 1966]

Reprodução, edição e legendagem, com a devida vénia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)



Foto nº 1 > O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança à travessia do Rio Corunal, em Cheche, que se fazia através de um  jangada. 



Foto nº 2 > O Manuel Coelho dentro da jangada com um guineense, que tanto pode ser milícia como militar do destacamento de Cheche... Ambos ajudam a segurar o cabo (ou a corda) ao longo do qual se desloca a jangada (que também tinha um pequeno motor auxiliar)...


Foto nº 3 > A jangada que se começa a deslocar da outra margem (Cheche), seguindo o cabo, esticado de um lado a outro... No ancoradouro, é visível uma segunda jangada.


Guiné > Região de Gabu > Sector de  Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 > 

 O Manuel Coelho, fur mil trms,  com uma secção, montando segurança à jangada que fazia a travessia do Rio Corubal em Cheche (Foro nº 1). Ou puxando a corda que ligava as duas margens e ajudava deslocar a jangada (que tinha um pequeno motor auxiliar) (Fotos nºs 2 e 3)... Uma operação rotineira, ao lomgo de anos, de permanência das NT em Madina do Boé, até ao fatídico dia 6 de fevereiro de 1969, o da retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche (Op Mabecos Bravios).

Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Junho, 8 [1968] - Directiva do Comando-Chefe da Guiné para a transferência da unidade estacionada em Madina do Boé

Devido à sua localização, cercada de elevações de terreno {, as famosas "colinas do Boé", contrafortes do Futa Jalom, na Guiné-Conacri], Madina do Boé era considerada a Dien-Bien-Phu portuguesa-

A guarnição militar, uma companhia do Exército, reforçada com artilharia, era frequentemente atacada e vivia dentro de abrigos, sem capacidade para outra actividade  operacional que não fosse garantir o seu reabastecimento.

Não existia qualquer interesse operacional em manter ali uma guarnição, não existiam populações locais que fosse necessário enquadrar ou proteger, pelo que a manutenção de uma unidade em Madina do Boé resultava apenas do preconceito que sair podia ser visto como uma derrota.

A ordem de Spínola para abandonar a guarnição resultava da sua visão pragmática de fazer a guerra  e era reveladora do seu conceito de manobra, decididamente orientada para a conquista das populações. Abandonava terreno  desabitado e  libertava uma unidade que podia colocar numa zona de maior interesse.

In: Carlos de Matos  Gomes e Aniceto Afonso - Os anos da guerra colonial, vol 9: 1968 - Continuar o regime e o império. Matosinhos, QuidNovi, 2009, pp. 52-53.

[Nota do editor LG: a última companhia a guarnecer Madina do Boé, a CCAÇ 1790, não dispunha de artilharia p.d., mas apenas de morteiro 81 e canhão s/r, que são armas pesadas de infantaria]


2. Era também essa a opinião do comandante da Op Mabecos Bravios, destinada a assegurar a retirada de Madina do Boé, o cor inf Hélio Felgas [, do Comando de Agrupamento nº 2957, Bafatá, 1968/70], reformado com o posto de major general, e falecido em 2008.
 

O Paulo Raposo, ex-alf mil da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70), membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 2006, mandou-me, em devido tempo, uma fotocópia de um depoimento do então Brigadeiro Hélio Felgas, sobre a trágica retirada de Madina do Boé.

Se não erro,  esse depoimento terá sido escrito em 1995, a pedido dos "baixinhos de Dulombi", os ex-alf mil Rui Felício, Paulo Raposo, Jorge Rijo, Victor David e , e demais pessoal da CCAÇ 2405, a unidade que perdeu 17 homens na travessia do Rio Corubal, em Cheche, 6 de Fevereiro de 1969. Só o Rui Felício perdeu 11 homens do seu Grupo de Combate. (As restantes vítimas mortais, 29,  foram da CCAÇ 1790.)

Desse documento  ("A retirada de Madina do Boé", até então inédito, publicado por nós em 2008)(*), retiramos alguns excertos em que o Hélio Felgas avança com as razões que levaram à retirada de Madina do Boé (e, consequentemente, ao lançamento da Op Mabecos Bravios). 

Enfim, são mais dois contributos para se esclarecer a verdade que está por detrás da retirada de Madina do Boé, rapidamente transformada pela propaganda do PAIGC em  grande vitória militar... e "trunfo diplomático"  (***)
 
2. A retirada de Madina do Boé (excertos)


pelo Brigadeiro Hélio Felgas  (1995)

[Digitalização, fixação e revisão do texto e subtítulos: L.G.]


Todo o sudeste da Guiné, ao sul do rio Corubal, era uma região praticamente despovoada onde só havia dois postos administrativos: Beli e Madina do Boé.


(i) Um ponto sem valor estratégico

Já antes de, em 1968, eu ter assumido o comando do sector Leste [, Agrupamento nº 2957, com sede em Bafatá], Beli fora abandonado [, em 15 de julho de 1968]. O pelotão que aí se encontrava fora transferido para Madina, completando a companhia aí instalada [, CCAÇ 1790, comandanda pelo cap inf José Aparício].

Madina fica a cerca de 5 quilómetros da República da Guiné-Conacri. Não tinha qualquer população civil e só dispunha de um ou dois pequenos edifícios. Nem ruas tinha. Havia sido apenas uma minúscula tabanca (aldeia nativa), sem importância de qualquer espécie.

À medida que o PAIGC aumentava o seu poder de fogo com morteiros pesados e artilharia, os bombardeamentos e flagelações a Madina, executados em geral a partir do lado de lá da fronteira, passaram a ser quase diários.

Por isso a guarnição dormia em abrigos, escavados 4 ou 5 metros abaixo do nível do solo. Muitas vezes os bombardeamentos nada destruíam, caindo os obuses e granadas fora do perímetro do aquartelamento. Mas outras vezes causavam estragos e baixas que, em caso de necessidade, eram evacuadas de helicóptero para o hospital militar de Bissau.


(ii) A rotina dos bombardeamentos e flagelações

Apesar desta situação certamente pouco agradável, o moral da guarnição era elevado. Lembro-me da primeira vez em que fui pernoitar a Madina. Pouco antes do anoitecer comecei a ouvir os soldados à porta dos seus abrigos gritando “Está na hora! Está na hora!”. 

O comandante da Companhia elucidou-me que era a altura de o PAIGC começar o usual bombardeamento e os homens já tomavam aquilo como uma brincadeira, habituados como estavam ao estrondo do rebentamento das granadas. Por acaso nesse dia as granadas só de madrugada caíram e não causaram baixas nem prejuízos.

Claro que a nossa guarnição respondia com morteiros e com canhão sem recuo e toda a gente estava sempre preparada para disparar a curta distância do arame farpado. Que eu saiba, porém, nunca o adversário tentou assaltar o aquartelamento.

Na manhã seguinte um destacamento saía do recinto e percorria os arredores procurando descobrir o local de onde teria sido feita a flagelação. Umas vezes tinha êxito e o local era cuidadosamente assinalado nas nossas cartas de tiro. Mas outras vezes nada se descobria pela simples razão de o bombardeamento ter sido feito a partir do território da Guiné-Conacri e os nossos militares cumprirem escrupulosamente a ordem que tinham de não atravessar a fronteira.

As viaturas da Companhia encontravam-se dispersas pela área do aquartelamento, em especial junto às árvores para melhor protecção. E até ao princípio de 1969 havia algum gado para consumo do pessoal. O último boi foi porém abatido por uma granada do PAIGC e a isso se referia com certo humor o relatório-rádio do comando local, confirmando assim o bom moral da unidade.

(iii) Missão: defender-se a si próprio!


De qualquer forma, tornou-se pouco a pouco evidente a inutilidade da presença de uma Companhia em Madina.

A tropa estava na Guiné para defender a população civil que nos era afecta, tentando suster o seu compulsivo aliciamento pelos guerrilheiros do PAIGC vindos do Senegal, a norte, ou da Guiné-Conacri, a sul e a leste. Procurava também evitar ou dificultar a penetração desses guerrilheiros em território então considerado nacional. E pretendia ainda impedir a destruição das estruturas económicas e administrativas: pontes, estradas, edifícios, etc.

Ora em Madina e em todo o sudeste guineense a sul do rio Corubal, não havia população alguma. Não havia estruturas de qualquer importância. E a fronteira era totalmente permeável em dezenas de quilómetros.

Então, se a tropa não estava a proteger qualquer ponte nem qualquer tabanca e não tinha a menor possibilidade de impedir penetrações territoriais, o que é que estava a fazer em Madina ?

A resposta era simples: a Companhia de Madina estava lá “para se defender a si própria”! Quando, afinal, fazia tanta falta em outros pontos da Guiné!

Por outro lado, ponderou-se também a possibilidade de o PAIGC aproveitar uma possível evacuação de Madina pelas nossas tropas, para declarar a região como “libertada”.

Mas isso podia o PAIGC fazer em qualquer outro ponto, do imenso sudeste guineense. Na zona de Beli, por exemplo, que nós abandonámos havia muito tempo e onde nunca íamos por falta de objectivo.

Aliás, mesmo com a Companhia em Madina, o PAIGC podia declarar o sudeste guineense uma “zona libertada” e até lá levar jornalistas estrangeiros, como parece que fez. (...) (*)




 
Major General Hélio Esteves Felgas (1920-2008): duas comissões na Guiné, um dos militares portugueses da sua geração mais condecorados, autor de dezenas de livros e artigos sobre a "luta contra o terrorismo", a guerra ultramarina... Comparou a Guiné ao Vietname. Também considerava que a solução para a Guiné não era militar mas política... Foi, todavia, um crítico de Spínola que lhe terá roubado, entretanto, a ideia dos reordenamentos (aldeias estratégicas). Um oficial intelectualmente brilhante mas controverso, dizem alguns dos seus pares, mais novos.

Condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, em 1970, foi passado compulsivamente à reserva, a seguir ao 25 de Abril de 1974. (Estava m Angola nessa altura; e sempre se considerou vítima de um saneamento político-militar.)

Foto gentilmente cedida pela filha, dra. Helena Felgas, advogada, colega e amiga do nosso camarada Jorge Cabral, e com quem estive no funeral do pai (*) (LG)

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

25 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

24 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

(**) Vd. poste de 3 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21510: FAP (122): A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustrada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte I (José Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)

11 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O fotograma nº 3 mostra à evidência que um bom "snipper", mesmo à distância (razoável) entre o quartel e a colina mais próxima (Dongol Dandum, hoje, ao que parece, batizada como a "Montanha Cabral"), podia fazer algumas baixas entre a nossa tropa...

O nosso camarada Manuel Coelho, já aqui o disse, foi alvejado e por pouco não foi atingido...

Manuel Coelho (por email)
24/10/2020, 19:09


caro Luis Graça, lamento mas não posso ajudar {a esclarecer a história da "Montanha Cabral"]

Nós em Madina apenas víamos a colina donde o IN por vezes atacava designadamente um "snipper" que por pouco não me acertou, mas foi eliminado pela CCAÇ 1790, depois de nós sairmos.

essa colina não tem mais de 200 metros de altura.

Ouvíamos também falar da povoação de Dandum, que ficava a sul, ainda mais perto da fronteira.

Talvez esses nomes terão sido dados pelo PAIGC.
abraço
manuel coelho

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Béli foi retirada já em plena épocas chuvas (15 de julho de 1968). Era um destacamento onde havia um pelotão, da CCAÇ 1790.

Madina só podia ser retirada na época seca, o que veio a acontecer oito meses depois da Directiva do Com-Chefe.... A logística era mais complicada. E, ao que parece, ficou tudo armadilhado...

Valdemar Silva disse...

Vendo bem as fotos nº. 3 a nº. 4 reparamos que foram tiradas uma a seguir à outra, sendo a nº 4 mais próxima (zoom) depois ou antes da passagem da pessoa fotografada.
A questão do abandono de Madina e toda aquela região da zona além Corubal é estranha em termos de estratégia da ocupação do terreno, para, inclusivamente, não dar aso a "zona libertada".
Vejamos nos mapas existentes no blogue de toda essa região à data em que foram elaborados. Vejamos, depois, como era a ocupação/fixação da população e presença da NT a partir do início do ano de 1969. Verificamos que apenas Canjadude e mais acima Cabuca eram as únicas tabancas existentes a fazer tampão a incursões a Nova Lamego, Dara e Piche, que a partir daquela data começaram a ser atacadas mais frequentemente. Em toda aquela área a leste da linha (estrada) Buruntuma - Nova Lamego, só existam Cabuca e Canjadude com pouca população e praticamente só ocupação militar. Não sei o que entretanto foi acontecendo (vim para a peluda em Dez1970) com flagelações a estas duas tabancas. O facto de cada vez mais população abandonar essas tabancas da região, concentrando-se nas grandes localidades de Nova Lamego e Bafatá fazia com que apenas a NT resistisse nesses locais, não tardando, sabe-se lá, também serem consideradas para retiradas estratégicas formando, assim, mais 'zonas libertadas'.

Abracelos
Valdemar Queiroz

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Fui aluno do brigadeiro Hélio Felgas, na cadeira de Estudos Ultramarinos.
Começou a sua vida militar em Timor, pouco depois da saída dos japoneses. Tenho um livro dele que descreve a meia-ilha com muito pormenor e nos seus variados aspectos.
Dava aulas sem grandes rasgos de "patriotismo" ou mesmo sem grandes exaltações de "anti-fascismo". As aulas eram sérias, realistas, descrevendo o que iríamos encontrar quando "lá" chegássemos. Foi assim que ao chegar o Guiné pude confirmar tudo o que já sabia.
Do texto do post só posso dizer que concordo absolutamente com que fica dito.
Porém, não consigo compreender porque é que, tendo abandonado Béli, por inutilidade, o abandono de Madina do Boé demorou tanto a efectivar-se. Também não vejo porque não tinha artilharia de 10,5 ou 14.

Penso que a ideia seria manter uma posição que aparentemente tinha valor político-estratégico

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...


Texto fornecido por um amigo da CC1790 - O Último Pelotão de Béli:

Caro Teixeira, Beli, a sua história e a BALADA.
O meu pelotão da C.Caç.1790 chegou a Béli em 10-02-68. Como te disse, conheci a Balada ainda em Nova Lamego em 30-01-68.
Transcrevo do meu diário:
"Quando me dirigia para o bar de Oficiais, um Furriel, mostrou-me uma balada muito especial.
Intitulava-se «BALADA DE BÉLI». É obra de antigos soldados de Béli.

Passo a Transcrevê-la:


Voam forte, fortemente
Provocando alvoroço
Metralha de outra gente
Que pretendem certamente
Estragar-nos o almoço


Fui ver...
As morteiradas caíam
Do azul cinzento do céu
Grandes, negras, explodiam
Como elas se moviam
Mas que barulho, meu Deus


Fico olhando esses sinais
Deixados pela tormenta
E isto por entre os mais
Buracos descomunais
Dos impactes do oitenta


Com potente vozear
Essas armas falam forte
O canhão a metralhar
Propõe-se a enviar
Sua mensagem de morte


É uma infinita tristeza
No coração é inverno
Cai chumbo na natureza
Tornando BÉLLI um inferno


Será talvez um tornado
Mas ainda há pouco tempo
Nem as chapas do telhado
Mesmo o desconjuntado
Se moviam com o vento


Olho atrás da seteira
Está tudo acinzentado
Elas caiem e que poeira
Levantam à nossa Beira
Felizmente mais ao lado


Inesperado - Cortante
Eis que Ribomba o Canhão
Apesar de estar distante
Com a sua voz troante
Vem espalhar a confusão


Que quem é já terrorista
Sofra tormentos... Enfim!
Mas estas tropas, Senhor
Porque lhes dás tanta dor
Porque padecem assim [ «Eles »]



É esta a minha futura morada e que perspectivas Senhor. Mas enfim, com calma e a Vossa Ajuda, tudo se vencerá."
Assim termino Caro Amigo Teixeira. Béli foi abandonado em 17-06-68.
Um forte abraço.
JL

Virgilio Teixeira


Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Antes do inicio da guerra, o Sudeste da Guiné, que inclui a parte sul da regiao de Bafata (Galomaro Cossé) e da regiao de Gabu (Boé), nao eram zonas desabitadas como se pode pensar. O seu despovoamento foi gradual e aconteceu nos primeiros anos da Guerra e, em 1968 quando chega o Gen. Spinola, a situaçao ja era irreversivel. O Galomaro, como diz o nome era uma zona habitada por ricos ganadeiros fulas e com arrojais nas bolanhas a perder de vista. Foram abandonadas com o recrudescer da guerra.

Se depois o abandono do terreno se justificava devido a inexistencia da populaçao, é caso para dizer que sempre existiu e existe uma grande diferença entre a teoria e pratica, entre os sonhos e a realidade, como podemos no extracto do discurso em baixo, é pena que o homem nunca tenha vindo ao terreno para constatar a realidade in loco.


“As terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade populacional são o natural complemento da agricultura metropolitana, nos géneros pobres sobretudo, e das matérias-primas para a indústria, além de fixadores de uma população em excesso daquilo que a metropole ainda comporte e o Brasil não deseje receber. (...)

Nós cremos que há raças decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação as quais perfilhamos o dever de chama-las a civilização. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir qualquer teia de rancores ou de organizações subversivas que neguem ou que pretendam substituir a soberania portuguesa. (...)

António Oliveira Salazar. Discursos e Notas politicas, vols. III e V (1943 e
1957). Coimbra, Coimbra editora, sem data.



Com um abraço amigo,

Cherno Baldé


Tabanca Grande Luís Graça disse...


Obrigado, Virgílio, pela tua oportunidade e enriquecedora intervenção... A maior parte de nós não sequuer ouvi falar de Béli, um topónimo ofuscaso por Madina de Boé.

Obrigado ao José Loureiro, esta "Balada de Béli" é uma preciosidade que já faz parte do Cancioneiro da nossa Guerra.

Virgílio, a recolha da "Balada de Béli" que o José Loureiro, teu camarada de batalhão, te mandou, já aqui foi publicada há dois anos e meio, como o tempo passa!).

Fica um excerto do que esrevemos na altura:

(...)" Meu caro José Loureiro, camarada da heróica CCAÇ 1790 / BCAÇ 1933:

(...) Acabamos de a publicar, citando todas as referências que mandas, a começar pelo teu nome e pelo teu diário. Estou grato também ao camarada Virgílio Teixeira, teu amigo e camarada de batalhão, que te contactou... Foi ele o primeiro a falar-me da "Balada de Béli", cuja existência eu desconhecia de todo. Proximamente, publicaremos um poste sobre esta "(re)descoberta" e a vossa troca de mensagens.

Por fim, deixa-me convidar-te a integrar a nossa Tabanca Grande. onde figuram já 773 camaradas (e amigos) da Guiné, entre vivos e mortos... E faço questão que seja o Virgílio a "apadrinhar" a tua entrada, se for essa a tua vontade." (...)

Infelizmente o José Loureiro ainda não nos contactou, eu bem gostaria de o juntar aos atuais 821 membros da nossa Tabanca Grande, apadrinhado pelo meu "mano" Virgílio (, Força, amigo e camarada, contra a Covid-19 marchar, marchar!).

29 DE MAIO DE 2018
Guiné 61/74 - P18692: O Cancioneiro da Nossa Guerra (8): A Balada de Béli (recolha de José Loureiro, ex-alf mil at inf, CCAÇ 1790 / BCAÇ 1933, Madina do Boé e Béli, 1967/69)

Manuel Luís Lomba disse...

No 25 de Abril, o então Brigadeiro Hélio Felgas não estava em Angola, era o Chefe do gabinete do ministro do Exército, foi o primeiro interlocutor da dupla Salgueiro Maia e Jaime Neves, o que os levou a pedir ao PC na Pontinha um oficial superior para realizar as detenções, o Tente-coronel Correia de Campos foi destacado para o Terreiro do Paço, não realizou a missão, porque os outros tinham fugido através de duma parede de tijolo divisória do Ministério da Marinha, encontraram-no seu posto e deixaram-no livre "porque o Exército estava em guerra e era preciso que a sua retaguarda funcionasse". A seguir foi saneado pelos "progressistas" de oportunidade.
Lembro-me dele por, sendo comandante do BCaç 507, em Bula, ter participado na nossa primeira operação de intervenção, o nosso baptismo de fogo, em Naga - penamos 10 dias por essa península e Binar, sob a chuva diluviana própria da estação. Lembro-me da sua exortação e ordem de batalha, ser implacáveis a aprisionar e a abater os "terroristas", mas o máximo cuidado em poupar a população, na linha do pensamento do seu posterior depoimento que "a tropa estava na Guiné para proteger as populações"...
Então por que é que o PAIGC se acirrava tanto contra as posições fronteiriças?
O dispositivo do CChefe Gen. Spínola de "fortificar" os quase 300 km das fronteiras leste e sul da Guiné com apenas com 2 posições, dotados com o efectivo de uma Companhia reforçada - Buruntumao e Guileje - fora acertado?

Abr.
Manuel Luís Lomba

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Segundo os dados de que disponho dizem-me que o Brigadeiro Hélio Felgas regressou da Angola (Cmd. Agr. 6002) em MAI74. Não estaria, portanto, em Lisboa, no 25 Abril.
Talvez fosse uma ideia o Camarada Lomba confirmar os elementos de que dispõe.
Mas isto, se calhar é o menos importante a não ser também tenha pertencido à CEI e tivesse apertado a mão umas duas ou três vezes ao Amílcar...
Ele, nas aulas, falava da Conferência de Berlim, quando a África foi dividida "com a faca de matar o porco".
Tenho esperanças de que terá participado na dita.

Um Ab. e durmam bem
ANtónio J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Amigo Cherno, "“As terras coloniais, ricas, extensas e de fraquíssima densidade..."que o Salazar se referia, foram os tais colonatos que foram construidos em Moçambique e principalmente Angola.

Na Guiné não havia extensões agrícolas desabitadas, para albergar tantas famílias, como as que foram para Angola e Moçambique, principalmente transmontanos e açoreanos.

Os colonatos de Angola conheci relativa bem.

Cherno, ainda hoje estou convencido que continua a haver maiores extensões desabitadas em Angola do que as que existem na Guiné, mesmo considerando que a região de Madina do Boé continue pouco habitada.

Só que as grandes extensões desabitadas em Angola, hoje já está tudo demarcado e aramado pelos "novos senhores" de Angola.

A Guiné, tirando a região de Madina, sempre deve ter tido uma densidade populacional muito maior que Angola, que conheci bastante bem.

Salazar não ia ao terreno, mas estava bem informado.

PS: onde parece que está a ficar muito despovoado é o norte de Moçambique, com decapitações e fugas da população e nem a ONU nem Portugal nem a Inglaterra (aquilo já se passou para a commonuelth)fazem frente à Jihad ou o que aquilo é.

A Europa já não pode com uma gata pelo rabo!

Cumprimentos

Manuel Luís Lomba disse...

Retrato-me do erro referido ao cargo do Brigadeiro Hélio Felgas no ministério do Exército no 25A74, até porque o Camarada António J Pereira da Costa tem "informação privilegiada" - por ser profissional e porque terá melhor acesso à sua Nota de Assentos.
Ouvia-a claramente e gravei-a na memória (pela sua relação com o meu passado) de um interveniente dos Comandos, que falava do contexto em que foi pedido ao PC da Pontinha a vinda ao Terreiro do Paço de um oficial superior. Terá confundido nomes.
Já no referido às suas continuadas lambadas por causa da CEI, teimo em afirmar que as três CEI foram o alfobre dos nacionalistas do Ultramar e que as nossas FA foram o alfobre dos seus operacionais.
E que estes aprenderam nos nossos quartéis No relativo a fazer a guerra das povoações para as matas e foram para a China, etc. aprender a fazer a guerra das matas para as povoações...
Abr.
Manuel Luís Lomba