Hélio Felgas, num fotografia tirada presumivelmente em Tite, em 1967 ou 1968. Cortesia do blogue Batalhão de Artiharia nº 1914, Tite, onde se pode ler:
"A CCS do Batalhão de Artilharia 1914 esteve aquartelada em Tite, no Sul da Guiné, de Abril de 1967 até Março de 1969. Estiveram em Tite durante esse tempo a Comp de Artilharia 1743, o Pelotão de Morteiros 1208, o Pelotão Daimler 1131 e uma Secção de Obuses. Faziam parte desta Unidade o destacamento do Enxudé, no rio Geba, S. João, Nova Sintra e Jabadá. Lembraremos neste blog 'aqueles que se foram da lei da morte libertando', dando generosamente a própria vida". (Com a devida vénia...)
1. Texto do editor do blogue, L.G.:
Amigos e camaradas de terúlia:
Acabo de receber a seguinte mensagem:
É com profundo pesar que informo que o meu avô Major General Hélio Felgas faleceu hoje dia 23 de Junho de 2008. O seu corpo vai estar em velório na Igreja do Campo Grande. O funeral será esta Terça, dia 24 de Junho, às 14h30, no Cemitério do Alto de S. João.
Gostaria de agradecer àqueles que fazem durar as notícias e histórias do grande homem e exemplo que foi o meu avô. Nunca o vi como tal, para mim sempre foi um Pai.
Descansa finalmente em PAZ .
O Neto - Miguel Felgas Rezende
miguel.rezende@sapo.pt
Publicámos bastantes postes, na I Série do nosso blogue (Abril de 2005 a Maio de 2006), com referências a este controverso mas brilhante militar que estava na Guiné quando eu lá cheguei, em Maio de 1969. Nunca o conheci pessoalmente. Para mim está sobretudo associado à trágica retirada de Madina do Boé (1) e à grande e polémica Op Lança Afiada (2), em Fevereiro e em Março de 1969, respectivamente.
Era então o comandante do Comando de Agrupamento nº 2957, com sede em Bafatá. Foi, para todos os efeitos, o comandante de toda a Zona Leste (que incluía o Sector L1, Bambadinca). Já como Brigadeiro, Hélio Felgas foi condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, em 1970, por feitos praticados na Guiné (onde dfez duas comissões), tendo passado compulsivamente à reserva, a seguir ao 25 de Abril de 1974. (Esatva em Angola nessa altura). Sempre se considerou vítima de um saneamento político-militar. Era decididamente um homem da direita político-militar, nunca o escondeu. Mas não menos patriota, e com uma brilhante carreira profissional.
Não conheço em detalhe a sua biografia e o seu currículo militar, mas sei que foi também um homem da palavra, escritor e conferencista, autor de dezenas de publicações (vd. Memória de África), talvez o nosso maior teórico militar da Luta contra o Terrorismo, Professor Catedrático da cadeira de Estudos Militares, na Academia Militar e, nessa qualidade, professor de muitos dos homens que estiveram por detrás do Movimento das Forças Armadas (MFA), incluindo capitães de Abril como o Otelo Saraiva de Caravalho.
Sabíamos, no nosso tempo, que as relações entre ele e Spnínola, não eram as melhores. Mas tudo isso, já faz parte da história. Era, ao que parece, um homem com uma personalidade forte, quiçá autoritário, mas popular entre os soldados que com ele privaram. Era um homem de grande verticalidade, que não escondeu a Spínola o que pensava de uma possível concessão da independência da Guiné (de que já se falava em finais de 1969). Comparou a Guiné ao Vietname... Sobre a Guiné, escreveu:
"Conheci praticamente toda a antiga colónia portuguesa e da forma que menos se esquece: a pé e de jipe. Nas 84 operações que comandei, percorri 7000 km de más estradas, piores picadas e pantanosas bolanhas (arrozais). Nelas sofri 26 emboscadas, além de meia dúzia de flagelações aos aquartelamentos e tabancas (aldeias nativas) onde pernoitava". Veja-se o depoimento dele em Os últimos guerreiros do império. Amadora: Erasmos. 1995. 131-132. No nosso blogue publicámos diversos excertos (3).
Estava há vários anos doente e acamado. Ainda há uns meses atrás, telefonei-lhe para casa, aqui em Lisboa, para lhe pedir autorização para publicar no nosso blogue um escrito dele, com a sua versão do desastre do Cheche. Atendeu-me, muito gentilmente, a esposa. Expliquei-me a razão de ser do telefonema. Ouvi a conversa da senhora com o marido, que devia estar perto... Ainda me recordo das suas palavras, em que se percebia a voz do velho comandante:
- Diz-lhe que a culpa foi do alferes, a culpa foi do alferes... [Julgo que se queria referir ao Alf Mil Diniz, responsável pela segurança da travessia do Corubal... Julgo, mas não tenho a certeza, que esse alferes pertencia à CCAÇ 1790, evacuada de Madina do Boé, e que era comandada pelo então Cap Inf Aparício, que, após o 25 de Abril, veio a assumir a função de Comandante Geral da PSP de Lisboa].
Prometi à senhora que foi muito gentil para comigo, que ia publicar o texto, e que que depois lhe mandava cópia. Acabei por não o fazer, por falta de oportunidade editorial. Vou finalmente cumprir essa promessa, até como homenagem a um dos nossos comandantes da Zona Leste que acaba de morrer, aos 87 anos, depois de largos de anos com uma doença crónica, do fororespiratório.
Foi o Paulo Raposo que, em tempos, me fez chegar esse documento. Não sei se eram amigos, mas o Paulo falava dele com admiração e respeito. Sempre que morre alguém, nosso camarada ou superior hierárquico na guerra da Guiné, é um pouco de nós que morre também. Independemente das nossas maneiras de avaliar as pessoas e as situações, das nossas idiossincrasias, das memórias, das nossas posições de ontem ou de hoje, etc.
Vou fazer uma notícia, um In Memoriam, no nosso blogue. Fico a aguardar depoimentos sobre o Major General na Situação de Reforma Hélio Esteves Felgas, de quem o conheceu, realmente (o que não é o meu caso). Se puder, ainda irei passar rapidamente, à hora do almoço, pela capela mortuária do Campo Grande, para dar um abraço ao neto, Miguel, cujas palavras singelas e sinceras merecem destaque, e a quem agradeço a gentileza de nos dar, através do blogue, a triste notícia da morte do seu avô, a quem prestamos a nossa última homenagem:
"Gostaria de agradecer àqueles que fazem durar as notícias e histórias do grande homem e exemplo que foi o meu avô. Nunca o vi como tal, para mim sempre foi um Pai.
Descansa finalmente em PAZ".
Luís Graça, editor e fundador do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné
_____________
Notas de L.G.:
(1) Sobre o desastre do Cheche, no Rio Corubal, no âmbito da Operação Mabecos Bravios, e sobre Madina do Boé, vd. os postes publicados no nosso blogue (1ª e 2ª série). Há ainda uma depoimento de Hélio Felgas, a publicar em breve, e que nos chegou às mãos por intermédio do Paulo Raposo, ex-Alf Mil da CCAÇ 2405.
17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)
2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)
3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)
12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
(2) O então coronel Hélio Fellgas comandou a Op Lança Afiada bem como a retirada de Madina do Boé, na qualidade de comandante do Agrupamento de Bafatá. Sobre a Op Lança Afiada, vd postes:
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
(3) Vd. por exemplo, e em especial o mais controverso, o último ("Ou se faz a guerra ou se acaba com ela")
4 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCVIII: Antologia (27): depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos
25 de Novembro de 20065 > Guiné 63/74 - CCCXII: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas
29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIII: Antologia (29): depoimento de Hélio Felgas (3): os ataques aos acampamentos do IN
9 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIII: Antologia (32): depoimento de Hélio Felgas (4): "Ou se faz a guerra ou se acaba com ela"
Vd. também:
24 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIX: O Hélio Felgas do nosso tempo (A. Marques Lopes / David Guimarães)
13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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