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terça-feira, 19 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1858: Tabanca Grande (14): Luís Miguel da Silva Malú, nascido em Bedanda, em 1973, Engenheiro e doutorando em urbanismo


1. Ontem fui contacto telefonicamente por um guineense que me pediu para ser recebido, manifestando interesse em fazer parte da nossa tertúlia.

O seu nome é Luís Miguel da Silva Malú, engenheiro, nascido em Bedanda, em 1973. O pai, de etnia balanta, oriundo da região de Mansoa (onde chegou a trabalhar num bar de um português), era então militar, integrado no exército português (ele não conseguiu dizer se tratava da CCAÇ 6, como eu presumo que fosse a unidade em que serviu o pai do Malú) (1).

Depois da independência, o pai estudou e chegou a professor primário (extraordinário, porque os balantas eram justamente os que tinham maior relutância ou dificuldade em falar a língua portuguesa). A mãe era (ou é) de origem cabo-verdiana. O pai já morreu, mas transmitiu-lhe valores e até admiração pelos portugueses. O Malú confessou-me que preferia fazer o seu doutoramento em Lisboa do que em Madrid.

O Luís Miguel foi para Cuba durante 10 anos, e lá terminou o seu curso de engenheiro civil. Fez posteriormente um mestrado e agora está em Espanha, a expensas suas, a doutorar-se em urbanismo... Os espanhóis prometeram-lhe uma bolsa (que ainda não veio, obrigando-o a viver, no 1º ano, com as suas economias)... Pelo meio, trabalhou na sua terra, no Ministério das Obras Públicas, Construções e Urbanismo, tendo estado ligado a algumas obras públicas como a ponte sobre o Rio Mansoa, em João Landim...

Aqui fica o seu pedido de ingresso na tertúlia, com mais alguns dados biográficos adicionais:




2. Falámos da situação actual da Guiné-Bissau no que respeita ao urbanismo, ao ordenamento do território e ao legado patrimonial dos portugueses (incluindo a língua que uniu os povos, e que faz com que o Luís Miguel se sinta apenas guineense, nem balanta nem caboverdiano). Mostrou-se fascinado pelo desenho da cidade de Bissau e pela história do seu desenvolvimento urbano. Mostrou interesse em falar com o Mário Dias, autor de um interessante post sobre o progresso de Bissau ao longo dos anos 50 (2)... Esteve também a fazer pesquisas no arquivo ultramarino, em Lisboa.

Está interessado em contribuir connosco para o estudo, a preservação e a divulgação do património edificado pelos portugueses, religioso, civil e militar, e que faz parte da memória dos dois povos (forte da Amura do Séc. XVIII, de que ele fala com carinho, conhecimento de causa e até paixão; fortaleza do Cacheu, do Séc. XVI, restaurada pela Unesco, mas com atropelos à sua traça original; arquitectura colonial de Bafatá, Mansoa, Catió, etc.).

Há um imenso a trabalhar a fazer e que que esbarra, de um lado e de outro, com o desinteresse, a ignorância, a falta de sensibilidade, a indisponibilidade de recursos... Mesmo as simples pedras, restos dos quartéis dos portugueses do tempo da guerra colonial, podem e devem ser preservados porque alimentam uma fileira de turismo, militar, sénior, de interesse (económico e cultural) para a Guiné e a sua população...
 
Enfim, foi uma conversa interessante com um representante da geração do pós-independência, que tem sensibilidade cultural, política e histórica, que tem imensas saudades da sua terra, mas que corre o risco de vir engrossar a Guiné da diáspora... São horas de dar-lhe guarida na nossa Tabanca Grande. L.G.

_________

Notas de L.G.:
 
(1) Quem esteve em Bedanda, em 1971/72, foi o Mário Bravo: vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1469: Bedanda, manga de saudade ou uma dupla sinistra, o padre e o médico (Mário Bravo, CCAÇ 6)

(2) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau

(...) "A avenida que ligava o rio à Praça do Império tinha uma configuração bem diferente da actual. Possuía uma placa central, larga, cimentada, arborizada com dois renques de frondosas árvores e filas de apetecíveis bancos onde tantas vezes me sentei usufruindo de calmos crepúsculos como só África tem. O trânsito de automóveis, ainda relativamente reduzido, processava-se, assim, por faixas separadas: ascendente e descendente.

"Era esta avenida o picadeiro - expressão habitualmente usada em muitas terras para definir o local, praça ou rua, por onde os habitantes normalmente passeiam e que serve igualmente de ponto de encontro. Nessa placa central existia, já perto da Casa Gouveia, um quiosque com uma esplanada muito agradável onde se bebia excelente cerveja alemã. O café do Bento, a célebre 5ª repartição, surgiu mais tarde, no jardim, precisamente como resultado deste quiosque ter sido demolido com as obras de remodelação da avenida.

"Num domingo de manhã bem cedo, cerca das 8 horas, estava em casa quando ouvi, vindo dos lados da avenida que me era próxima, enorme ruído no qual sobressaía o característico som do arranque de árvores. Fui ver. Toda aquela azáfama era para mim novidade. Nunca tinha visto aquela enorme máquina que, com um simples empurrão e sem qualquer dificuldade derrubava as árvores enquanto outra, lâmina enorme e resplandecente, escavava e, num piscar de olhos, levava à sua frente a placa de cimento dos passeios, os bancos, candeeiros e tudo mais que por lá existia. Ali me quedei, embasbacado como saloio, e com grande mágoa de ver as belas árvores derrubadas, os bancos onde tantas vezes me sentara arrancados e empurrados chão fora e toda a avenida esventrada. Coisas do impiedoso progresso.

"Em pouco tempo, ao contrário das obras de hoje que demoram, e demoram, e demoram, a avenida ficou pronta. Alcatroada, com duas filas de candeeiros novos que ainda hoje lá estão, e com novas árvores para substituir as arrancadas. Se me perguntarem de qual gostava mais direi, sem qualquer hesitação, do seu aspecto antigo. Podiam ter alcatroado, substituído os candeeiros de iluminação pública e proceder a outras beneficiações sem necessidade de uma alteração tão profunda. Mas quem sou eu para me digladiar com o saber dos urbanistas?!" (...)