Guiné > Zona Leste > Regão de Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 4º trimestre de 1967 > Mais um jantar-convívio com o pessoal – condutores auto – nas suas instalações, bar ou dormitórios, não sei bem identificar. A ementa deve ser de frango, como habitual. E a cerveja que se bebia era a Cristal, em formato "bazuca" (0,6 l).O Virgílio Teixeira, ex-afl mil SAM, era o primeiro da direita.
Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Este tema é controverso, cada um sabe da sua história e vivência.
Eu não me posso enquadrar em muitos dos relatos aqui apresentados ao longo dos anos. Acho que apesar de tudo fui um privilegiados.
Em locais não tão graves como outros, mas também com as suas deficiências.
Nós tínhamos sempre quer em Nova Lamego quer em São Domingos a nossa messe de oficiais, havia a messe de sargentos e a cantina das praças. Era assim, não sei porquê, nem interessa agora.
Sempre me fiz acompanhar pelo grupo dos condutores e outras praças, que estavam ligadas de alguma maneira aos comes & bebes, porque apanhavam muitos animais que depois cozinhávamos para alguns.
Frequentava mais a messe de sargentos, para os copos, do que a de oficiais, que era um casino fora de horas.
Fiz muitos serviços de oficial de dia, e tinha que supervisionar o rancho geral, o que fazia sempre, depois havia as provas – como o demonstram as fotos que já estão publicadas – e aproveitava muitas vezes comer no refeitório do rancho geral e da sua comida, igual à dos outros. Nada a lamentar, quer do lado das praças, quer da minha parte. Reconheço que nunca vi outros a fazerem o mesmo, são formas de estar.
Por isso ganhei um lugar à parte na classe das praças, e sempre que havia petisco novo fora das messes e rancho, lá estava eu convidado, e tenho dezenas de fotos que o demonstram.
Por isso, fome não. Carências de vária ordem sim, também quando não havia nada, comia-se sopa de estrelinhas acompanhadas de casqueiro.
Mas, nas tantas vezes de convívio com os praças, nunca existia fome. Surpreende-me agora saber do que se passava na grande generalidade dos casos. Mas havia também muita malta de todos os escalões que levavam boa vida estomacal.
Por causa disso, fiz muitas colunas de reabastecimento, e entrei naquelas duas loucuras de viagem de Sintex entre S. Domingos e Susana, para ir trazer umas batatas, bananas e se possivel um animal vivo. Da última vez correu mal e perdemo-nos e safei-me. Não me lembro de fome, mas talvez de sede.
Nada disto é comparável às ações de combate e patrulhas de dias, com rações de combate, que não eram o meu forte.
Depois tinha a grande vantagem de todos os meses poder ir a Bissau e matar a barriga de misérias, a verdade seja dita.
Nos últimos meses em S. Domingos, a Companhia de intervenção, a CART 1744, por intermédio do sargento e um cabo da secretaria, com o aval do Capitão, construíram um tipo de restaurante ambulante, com frangos assados criados ali na horta e tantos legumes frescos como nunca tínhamos visto. Foi um fartar, mas pagava-se!
Diga-se em abono da verdade, que estas situações que conto, não eram normais, só alguns participavam nelas, eu quase sempre, um ou outro furriel ou sargento, e ocasionalmente um alferes que se juntava, não sei os critérios porque não era da minha organização.
Agora que havia uma segregação entre tropa branca, segundo os escalões, é verdade, mas só constato isso agora por estarmos a falar, senão para mim seria o normal, porque não vi nunca outra postura de solidariedade, para todos.
Quando o Luis diz que não se sentou junto dos seus soldados no refeitório ou outro local , acredito, mas para mim isso foi uma normalidade.
Os meus cumprimentos e abraços
Virgilio Teixeira
2025 M05 21, Wed 00:15:54 GMT+1
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês,
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.
A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da Guiné.
Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.
Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.
Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao sol
Junto ao rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.
A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:
Manuel Vieira Moreira.
Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968
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Notas de L.G.
(*) Vd, poste de 20 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26821: S(C)em Comentários (67): P*rra, dou agora conta, 50 e tal anos depois, que nunca me sentei no rancho geral, para partilhar uma refeição com os meus cabos, que eram metropolitanos, e que tinham uma barriga igual à minha... Em Bambadinca, existia o "apartheid", nobreza, clero e povo, devidamente segregados, em termos sociais e espaciais (Luís Graça)
Vd. também poste de 19 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26816: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (40): Quem não arrisca, não petisca