quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9116: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (10): Júlio, o pilha-galinhas do Xime



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1972 > Militares da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74), em passeio despreocupado pela tabanca do Xime. O Sousa de Castro, o nosso tertuliano nº 2 (ou o nosso tabanqueiro mais antigo),  é o segundo a contar da esquerda para a direita.  Por outros arruamentos, três anos antes, também andou a parelha Zé Ferraz-Júlio... (LG)


Foto: © Sousa de Castro (2005) / Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



1. Mais um história do Zé Ferraz, português radicado nos EUA desde 1970 (vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746 (Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70):


Caríssimo companheiro e camarada Luis: Hoje [,24 do corrente,]  estou de folga e tenho passado algumas horas a ler várias histórias. Formidável, o nosso Blogue. Digo nosso,  por ousadia... 


Quando estava a recordar vendo as fotos da RTX [, Rádio Televisão do Xime,] lembrei-me de outra história do Júlio,  homem desenrascado e esperto até dizer chega...Ora bem,  havia um acordo tácito de que galinha que entrasse para dentro do arame farpado era nossa e ia para o tacho ...

Júlio, mais do que qualquer outro,  era formidavel com a sorte que tinha em apanhar as pobres galinhas ou assim pensava eu até que me dei conta que não era tanta a sorte como a esperteza...

Aqui vai o resto da história: o Júlio numa coluna que fizemos até Bafatá disse-me que ia comprar milho e eu perguntei-lhe:
- Milho? 
- Pois,  meu furriel,  se quer comer galinha ... - E lá foi. 


Não pensei mais no milho até que regressámos ao Xime e,  no dia seguinte,  tínhamos galinha como reforço do rancho... Aí lembrei-me do milho e questionei-o:
- Ó Julio,  o que é isso com o milho ?

Diz-me ele com um sorriso de esperto:
- Vê,  meu furriel ... - E mostra-me um buraco no bolso dos calções, continuando:
- Encho o bolso de milho,  dou um passeio pela tabanca e vou deixando cair o milho... Quando volto cá prá dentro,  as galinhas vêem o milho e seguem-me até entrar no quartel. Aí, pumba, e tacho com elas!... 


Que eu saiba nunca ninguém na tabanca se deu conta disto e o pessoal balanta reforçava o seu rancho... Ah grande Júio!


Um forte abraço, Zé.

________________

Nota do editor:


Postes anteriores  da série < 29 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9110: Se bem me lembro... O bau de memórias do Zé Ferraz (9): E aqui estou eu hoje vivo...

(...) Numa dessa operações de inflitração em território inimigo, [ no subsector do Xime,] com o propósito de destruição dos seus meios de vida, entrámos por uma tabanca em que as cubatas eram de paredes redondas com um poste central que suportava o tecto, e à volta do qual havia uma parede cilíndrica que formava um silo para a bianda [, arroz] (...)

27 de Novembro de 2011> Guiné 63/74 - P9106: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (8): O meu colega do Liceu do Oeiras que fui encontrar em Mansambo e em Bambadinca...

(...) Uma vez cheguei a Bambadinca e a minha farda de campanha consistia em calças camufladas, dólman a que tinha cortado as mangas, uma écharpe de seda que havia pertencido a minha mãe; como armamento, a G-3 com a tanga do primeiro turra que lerpei, atada ao tapa-chamas; como galhardete, cinturão sem cartucheiras, um punhal enorme, fula, cujo cabo era um cartucho calibre 50; e cinco granadas de mão. (...)
26 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9101: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (7): Um acidente... no Pilão

(...) Um dos meus amigos fixes desse tempo era um furriel miliciano, destacado no Cacheu, que sempre que conseguia desenfiava-se e aparecia em Bissau, quase sempre de madrugada. Abreviadamente, era o A. T....Vinha bater a porta do meu quarto sempre com a burra e o mesmo grito:
- Zé, acorda vamos pró Pilão que as meninas estão à MINHA espera (...).

25 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9095: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (6): Não matem a bajudinha...

(...) Falando de acção psicossocial, de que sempre fui partidário, lembrei-me que durante uma operação de penetração ao sul do Xime, aprisionámos 2 elementos IN.  Depois de interrogados, guiaram-nos a uma tabanca IN. Fizemos um assalto e durante esse combate ferimos uma miúda, bajuda, com um tiro por detrás do joelho que lhe destroçou a patela [ ou rótula]. (...)

 
24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9090: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (5): O desenrascanço... na justiça militar!
 
(...) Quando prestava serviço na CCS/QG em Bissau, uma vez por mês tinha que prestar serviço como sargento da guarda na prisão do QG (à direita da porta d'armas do dito quartel), guarda de honra em funerais locais e ainda montar segurança no Pidjiguiti ao navio de abastecimento quando atracado nas suas fainas. (...)
 
23 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9084: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (4): Quando os nossos soldados indígenas se suicidavam...
 
(...) Já estava no QG, [em Bissau, em meados de 1969,] quando um dia, por volta do almoço, apareceu lá um jeep da PM [ Polícia Militar]. Queriam falar comigo urgentemente (...) 


22 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9080: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (3): Hugo Spadafora, o Che Guevara italopanamiano (1940-1985), terá estado no (ou passado pelo) Fiofioli nos idos anos de 1965/67

(...) Da conversa que tive com o Hugo Spadafora, nessa tarde tão interessante, houve de princípio certa reserva da minha parte devido à multitude de emoções que sentia nesse momento. Passado isso, fomo-nos abrindo pouco a pouco e aqui está o que me lembro (...)

21 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9070: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (2): Hugo Spadafora (1940-1985), que combateu como médico e guerrilheiro nas fileiras do PAIGC (entre 1965 e 1967), e que encontrei na década de 1980 no Panamá...


(...) Na década de 80, quando era Zone service manager - para a América Central e Caraíbas - da divisão Detroit Diesel Allison da General Motors, ia muitas vezes ao Panamá. (...)

20 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9068: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (1): O valente soldado Júlio


(...) Uma manhã ao alvorecer saí do Xime com a minha malta para montar segurança na área do costume, entre o Xime e Amedalai para uma coluna de reabastecimentos que sairia pouco depois. Sem novidades passaram e nós regressamos ao Xime.  Essas colunas de reabastecimento de costume regressavam por volta das 3 da tarde. Chegam as três e nada... Quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze e nada. Nunca soube porque os meios rádio nesse dia estavam de rastos e não conseguíamos comunicar com Bambadinca. (...)

12 comentários:

Luís Graça disse...

Alguém saberá do paradeiro do nosso valente soldado Júlio ? Estará vivo, estará morto ? Perdeu-se nos mil e um caminhos da diáspora ?

Independentemente do seu paradeiro (e de ser muito improvável que leia, 'on line', esta história deliciosa, de que ele é o herói), parece-me que o Júlio é (ou pode ser apontado como) o paradigma de um certo tipo de português, que desde o Séc. XV andou a abrir a(s) estrada(s) da globalização...

Eram(são) tugas com uma capacidade(i)nata de sobrevivência, de desenrascanço, de inteligência emocional, de mimetismo, de adaptação...

Acho uma ternura esta homenagem do Zé Ferraz ao seu nosso valente soldado Júlio!

Anónimo disse...

Acho que o Ze Ferraz nao revelou o fim da conversa com o Julio.

"No dia seguinte vi o Julio a sair apressadamente do quartel e perguntei-lhe :

Julio, onde vais com tanta pressa?

E ele respondeu-me "meu furriel, vou ate a tabanca perguntar quem era o dono das galinhas para lhas pagar. Pensei muito durante a noite e acho que estamos aqui para proteger os nativos e nao para pilhar as galinhas deles.

Disse-lhe, fazes muito bem, Julio. Nunca mais houve galinha para o rancho.

Anónimo disse...

Saiu "ANONIMO", mas a mensagem e minha.

Jose J. Macedo, DFE 21
Destacamento de Fusileiros Africano 21

73-74 Cacheu,Bolama

jdeferraz disse...

Carissimo Companheiro e Camarada Luis:
Aqui temos duas opinioes diametralmente opostas: Concordo inteiramente com o teu comentario e mais da-me grande satisfacao de perceber o teu pensamento sobre esta memoria minha. 100 pontos Pa! Por outro lado rejeito inteiramente o comentario do Jose Macedo...

Luís Graça disse...

Com ironia ou sem ela, o nosso camarada Zeca Macedo, ex-fuso, hoje jurista, a viver nos States como tu, fez um comentário dentro do espírito do que é o "politicamente correto" (, de ontem e de hoje)...

Como eu tenho dito e redito, o nosso blogue "não é nem tribuna nem tribunal"... Entre camaradas, não fazemos a apologia dos "rambos" nem chamamos "criminoso" a ninguém...

Enfim, "pilha-galinhas" é coloquial, é linguagem de caserna, não envolve nenhum juízo moral, e muito menos intenção acusatória...

Por outro lado, sei distinguir o traço vicentino, caricatural, humorístico, mas também o espírito reinadio, folgazão, bem português deste... texano que é o Zé Ferraz.

Aos dois, um abraço do tamanho do Oceano Atlântico que liga as nossas duas margens... Luís Graça

Anónimo disse...

"Por outro lado rejeito inteiramente o comentario do Jose Macedo..."

Why, camarada Ferraz?

Jose J. Macedo

Luís Graça disse...

... Porque a falar (em bom português) é que a gente se entende, eu queria escrever ex-fuzo (de fuzileiro) e não ex-fuso (o da roca de fiar)...

I'm sorry, Zeca! Best regards! Luis

jdeferraz disse...

Para o Jose Macedo;
O proposito desta "memoria" foi inteiramente entendida pelo Luis. Por sua vez o seu comentario foi entendido por mim como julgativo quer seja ou nao Politicamente correcto, e deminui as accoes do Julio, digo mais nos no Xime defendiamos a populacao...como nas tres tabancas em auto defesa na nossa area de intervencao e o Julio e o nosso grupo arriscamos a vida para ir em socorro de Amedalai quando foram atacados na noite anterior a sermos rendidos.
Considero este triste assunto terminado.

Henrique Cerqueira disse...

Caros Camaradas
Na verdade em quase todos os destacamentos haviam episódios como o do Ferráz,até porque havia por parte das populações em especial pelos chefes de "tabanca"uma regra(mais ao menos)imposta pelo PAGC ,para que boicotassem o mais possível o abastecimento de bens aos militares.Daí sêr muito difícil a compra de galinhas ou outros bens alimentares.Assim sendo e de quando em vês para "desenjuar" da bianda,ou do esparguete, lá se tinha que recorrer á habilidade ,tal como aconteceu uma vês no Biambe.
Certo dia ao cair da noite andavam alegres vaquinhas a passear num terreno junto ao Arame e um Furriel com a sua G3 apontou,disparou e acertou.
Grande escândalo as vaquinhas nunca eram de ninguem,mas nesse dia apareceu o Abdul que era chefe de Melícia a reclamar.Todos foram ao Capitão e o Furriel justificou do seguinte modo:-Hó Abdul á dias atrás fomos atacados pelo IN agora estava a olhar para o arame e pareceu um "turra "e disparei...
e o Abdul muito espantado responde:
-Mas...Furriel o "turra é preto e a vaca era branca!!!E depois?... disse o Furriel -Eu de noite não distingo cores.Bom ele Abdul lá vendeu a vaca morta e o pessoal lá conseguiu uns bifinhos fresquinhos.
Este comentário é uma treta mas é verdadeiro por tal nem sequer é digno de polémicas ou julgamentos.Foi mais uma das nossas aventuras da Guiné
Um abraço para todos
Henrique Cerqueira

Anónimo disse...

Pois

Como é que se "gama" uma galinha ou galo,para o caso tanto faz,de um galinheiro.
Se pensam que é entrar e tentar agarrar uma galinha..estão muito enganados..experimentem...esvoaçam galinhas por todo o lado e se houver galos então esses atiram-se mesmo ao "gamista" para defenderem o seu "harem".
Eu.."expilico" ..não pagam nada.
É com fio de pesca e respectivo anzol..coloca-se um grão de milho no anzol e atira-se para dentro do galinheiro,espera-se que uma ou um engula o grão de milho do anzol e pesca-se o respectivo(a).
Limpo e seguro e sem grande alarido.
Para terminar em beleza é de bom tom convidar o dono para o repasto..sem referir, obviamente, a procedência.

Era assim na minha aldeia nos meus tempos de adolescente.

Sobre os guineenses não quererem vender os seus animais era,julgo eu ,por uma questão de sobrevivência.

C.Martins

Henrique Cerqueira disse...

Caro Camarada C.Martins
Essa técnica do anzol é na realidade espectacular ,mas creio que funcionava melhor aqui nas nossas aldeias.No entanto é uma boa técnica.
Quanto á dificuldade de comprar animais lá na Guiné era mesmo por imposição dos elementos do PAIGC.Pois que em Bissorã e no Biambe haviam manadas imensas e sempre que procurava-mos os donos eles diziam sempre que eram dum primo de bissau.Mais tarde em Bissorã para comprar uma cabra eu me dirigi ao administrador local e este obrigou um produtor a vender e aí o mesmo me explicou que era mesmo por imposição(clandestina claro) que o PAIGC fazia ás populações ameaçando com represálias.
Um abraço Henrique Cerqueira

Unknown disse...

Para além das ficções, há sempre alguma verdade.
E muitas técinas foram apuradas, uma das quais era a de sacar a galinha para dentro da basuka.
Mas essa não é (era, foi) ficção.