terça-feira, 29 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9111: O nosso fad...ário (2): Fado Tudo isto é tropa (Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

1. Mensagem, com data de hoje, do Gabriel Gonçalves (ex-1.º Cabo Cripto, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), respondendo ao nosso pedido para enriquecer a coleção de letras de fados do nosso tempo de Guiné (*)

Luís:


Já que  estamos em maré de fados (**), junto um fadinho, de que não sei quem é o autor. Também não me lembro como o aprendi, (isto já é o PDI a falar), mas  é bastante giro, pois retrata bem a nossa triste vida, na tropa! 


Já agora, dei-me ao luxo de alterar a última quadra; onde se lê : Cuidado, substituí por "azar" e para rimar : "estás a lerpar"! Achei que era mais giro. 


De resto, acho que este fado é anterior ao nosso tempo, porque fala em botas cardadas. No nosso tempo as botas já não tinham cardas! E,  pronto, espero que gostes, e se achares engraçado, podes publicar!


Um grande abraço
GG


2. Comentário de L.G.:


Meu caro Arcanjo São Gabriel... Não sei por que te fizeram santo... Talvez porque, simbolicamente, nos ajudaste a nós, operacionais da CCAÇ 12, a dar de beber à dor... Sempre foste um grande senhor e um grande camaradão... Com a tua viola e a tua bela voz, animaste muitas das nossas  noites, quer no bar de sargentos de Bambadinca, quer  também no nosso quarto (conhecido por quarto das p..., como dizia o Humberto Reis, não por elas terem autorização de  lá entrar, mas por ser o quarto da rebaldaria,  só habitado por anjos e arcanjos: eu,  o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Joaquim Fernandes e  o José Luís Sousa - o madeirense...)... Tenho, temos, para contigo, uma dívida de gratidão.  E mais grato estou ainda por me teres enviado esta letra de fado que tu cantavas, nós cantávamos,  nesses tempos, juntamente com outras que já recuperámos e que fazem parte do Cancioneiro de Bambadinca... Um Alfa Bravo. Luís Graça (aliás, Henriques)


3. Letras de fado > 


TUDO ISTO É TROPA


Com música de "Tudo isto é fado" (Letra: Aníbal Nazaré; Música:  Fernando Carvalho; criação de Amália Rodrigues).[Clicar no atalho para ver e ouvir vídeo no YouTube]
  
 I
Perguntaste-me outro dia
O que era a vida militar,
Eu disse que não sabia
Mas estava-te a enganar.

             II
Sem saber o que dizia,
Menti-te naquela hora,
Eu disse que não sabia
Mas vou-te dizer agora.

Refrão

Botas cardadas, mal engraxadas, sempre a marchar.
Batendo a pala, como um magala, sem refilar.
Toda a semana, numa má cama, sem ter cachopa.
Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é tropa.

              III
Se pensas tomar chuveiro,
E andar bem asseado,
Perde a esperança, companheiro,
Pois vais ser desenganado.

              IV
Quando limpas a espingarda,
Quer tenhas ou não cuidado, [azar]
Vais sujar de massa a farda,
E depois ser castigado, [ estás a lerpar].

Refrão

Botas cardadas etc etc


[ Recolha: Gabriel Gonçalves, Lisboa]


_________________

Notas do editor:

(*) Mail enviado ontem, internamente, a todos os membros da Tabanca Grande:


Amigos e camaradas, aos que gostam e aos que não gostam de fado:

Tocava-se e cantava-se o fado na Guiné, nas noites quentes e longas da Guiné... Violas, havia sempre, pelo menos uma, ao lado da G3... Violistas, dois ou três... Guitarras eram mais raras... Não tenho ideia de visto ou ouvido alguma, ao vivo, em Bambadinca ou noutros aquartelamentos por onde passei...(Talvez houvesse em Bissau). Vozes para cantar o fado, mesmo desafinadas, havia muitas...

Numa companhia como a minha (CCAÇ 2590/CCAÇ 12) que tinha apenas 50 militares metropolitanos (os restantes eram do recrutamento local), lembro-me bem de malta que tocava e/ou cantava à viola ou acompanhado à viola...

Dos violistas, lembro-me logo do GG (Gabriel Gonçalves, 1º Cabo Cripto, lisboeta); do Zé da Ila (Fur Mil At Inf José Luís Vieira de Sousa, madeirense do Funchal); do Joaquim João dos Santos Pina (também Fur Mil At Infr, algarvio de Silves)... Todos eles tinham viola... O 1º Cabo Escriturário Eduardo Veríssimo de Sousa Tavares tocava acordeão (e acho que também arranhava a viola). 

Mas o que tinha mais cultura fadista era o nosso GG, companheiro inseparável de muitas noitadas e tainadas... Depois havia mais malta de outras subunidades: estou-me a lembrar do J. L. Vacas de Carvalho (hoje, também fadista amador), do Abílio Machado (, fundador do grupo Toque de Caixa), do David Guimarães(, agora ligado ao fado de Coimbra), etc. O Álvaro Basto e o Jorge Félix, que também tocam viola, só os conheci através do blogue.

O Joaquim Mexia Alves já não é do meu tempo de Bambadinca (Sector L1) mas sei que este era fadista apreciado e requisitado no TO da Guiné... Aliás, é autor de mais fados, para além do Fado da Guiné, que ele escreveu em 2007 para todos nós, seus camaradas e amigo... É autor nomeadamente da letra do fado Montemor é Praça Cheia, com música do Manuel Maria, e que foi gravado pelo Nuno Câmara Pereira, num disco de 1992, editado pela EMI- Valentim de Carvalho. (Vou ver se recupero um vídeo que fiz em Pombal, em 28 de Abril de 2007, por ocasião do nosso II Encontro Nacional, com a dupla J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves).

Vem tudo isto a propósito de quê ? 

Do Fado, agora Património da Humanidade... O nosso modesto, discreto mas nem por isso menos valoroso contributo para a celebração deste evento (a inscrição do fado na lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade, segundo decisão tomada em 27 do corrente durante o VI Comité Intergovernamental da Organização da ONU para a Educação, Ciência e Cultura, a UNESCO), poderia bem ser, daqui a uns tempos, a oferta, ao Museu do Fado, de letras de fados cantados e tocados no nosso tempo, na Guiné (com a identificação das respetivas músicas, em geral fados tradicionais ou então em voga na época)... 


 Julgo que faz falta, no Museu do Fado, um secção sobre a fado e a guerra do ultramar (ou colonial, como queiram)...

Fica então aqui o meu/nosso apelo para raparmos o fundo ao baú das nossas memórias, e desencantarmos mais letras (e eventualmente músicas) do nosso fad...ário! 

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