"Num gesto de grande simbolismo e beleza, o Vitor - verdadeira caixinha de surpresas - fez questão de ser condecorado por dois dos seus camaradas de Guiné: o A. Marques Lopes, o mais graduado de todos nós, coronel DFA na reforma, e que foi gravemente ferido em combate na zona leste; e eu, próprio, Luís Graça, na qualidade de fundador e editor do blogue...
A condecoração, sobre a qual ele foi lacónico, teria a ver com a sua brilhante folha de serviços como militar, ou seja, como oficial miliciano. Foi-lhe atribuído, segundo percebi, pelo Chefe do Estado Maior do Exército e era para lhe ser entregue no 10 de Junho de 1974, não fora o conflito com outra data, o 25 de Abril de 1974, que veio mudar o curso dos acontecimentos.A cerimónia acabou por ser adiada trinta e três anos... Simbolicamente, a medalha por bons serviços foi-lhe entregue no dia 28 de Abril de 2007, por dois camaradas seus, na sua terra, na terra que ele muito ama... Um gesto bonito num dia bonito, em que realizámos, mais uma vez, o sentido da palavra camarada... Estes fotos, mandou-mas o Xico Allen. Estavam à espera de uma boa oportunidade para aparecerem no blogue (que nem sempre é do nosso contentamento)... Vitor, sei que as vai pôr no teu álbum, com muito orgulho. Obrigado, Xico, pelo teu gesto.
Luís Graça.
Fotos: © Xico Allen (2007). Direitos reservados.
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Mensagem do Vítor Junqueira, de 28 de Maio
Amigos Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote,
Espero que estejam a passar uma boa noite, caso ainda estejam acordados e ao computador! Se não for esse o caso, então a noite até pode estar a ser excelente ...Mando-vos mais um escrito que gostaria de ver publicado, logo que possível para não se perder o contexto.
Um pouco de verdade, um pouco de especulação, um pouco de história ou como se misturam alhos com bugalhos …
I - "Quem vai à guerra dá e leva" (pop.).
Falando de credibilidade, quem não se lembra de um alto responsável doméstico (ou domesticado?), afirmar a pés juntos que tinha visto com os próprios olhos, documentação que comprovava a existência de armas de destruição massiva no Iraque, e que não tinha dúvidas sobre as ligações de Saddam Hussein à Al-Qaeda? Repetia acriticamente, como um papagaio, a argumentação do seu master. Por mera ingenuidade? Quis ou conveio-lhe ser enganado?
E porque hão-de merecer mais crédito aqueles que há perto de quarenta anos se dedicavam em ou a partir de Lisboa, à proveitosa arte da manigância política, do golpe conspirativo, da boataria mesquinha?
1 – Guantanamo
Pergunto:
Perderam os apparatchiks, porque ainda que tarde, a verdade e a justiça sempre prevalecem.
II - Diz o pagode que quem sabe da tenda é o tendeiro.
- Tens conhecimento de alguma aldeia, lugar ou sítio que o PAIGC tenha subtraído militarmente ao controlo das NT?
- Na tua zona, a actuação das forças inimigas indiciava qualquer estratégia de controlo territorial ou era mais do tipo bate-e-foge para a segurança das linhas de fronteira?
- É verdade que os guerrilheiros se apresentavam de uma maneira geral mais bem treinados e aguerridos do que as NT?
Segundo ouvi da boca dos altos responsáveis militares daquela altura com quem tive o privilégio de dialogar, ir de Mansabá a Farim por via terrestre, era coisa que não acontecia havia pelo menos uns cinco anos. E não vale a pena contrariarem-me, porque o que encontrei comprova-o. Da estrada, apenas existiam escassos vestígios, já que a mesma havia sido totalmente engolida pela floresta.
Minada e sob a mira constante das armas do IN que por ali possuía alguns coutos mais ou menos permanentes e certo controlo sobre populações dispersas pelo mato, era impraticável para as nossas FA. A seu lado, corriam os trilhos logísticos que dando seguimento aos carreiros de Sitató e Lamel, permitiam a ligação entre as bases do PAIGC situadas no sul do Senegal e as dos meus vizinhos do Oio e do Morés.
Pois bem, entre Novembro de 1970 e Março de 71, a estrada foi reconstruída, devidamente asfaltada ainda hoje lá está que se pode ver. Nos meses seguintes, a região foi limpa no que se refere a estruturas permanentes do IN, e a circulação rodoviária começou a fazer-se com todo o conforto e segurança entre Bissau e Farim. As populações passaram a deslocar-se sempre que o desejavam …
E a tropa beneficiou também, com uma qualidade de vida quase faustosa, já que as colunas de reabastecimento deixaram de ser problema. Aquilo não era o paraíso mas andava lá perto. (Piada!)
Quanto aos papões do Oio e Morés, só posso dizer-vos que os comandos africanos iam lá sempre que desejável, geralmente apoiados pela nossa tropa mais especializada mas, os "arre-macho" também participavam, chegava para todos. Invariavelmente, o resultado era manga de ronco.
Este vosso amigo passeou-se lá pelas barbas e teve oportunidade de fazer uns trabalhitos com sucesso. E assim foi aumentando o nosso grau de confiança (e segurança …) até ao adeus às armas em Julho de 1972.
Eis a minha história, em tamanho reduzido, da qual cada um extrairá as conclusões que lhe aprouver. Fico a aguardar impacientemente que a vossa chegue na volta do correio. Isto é como nos casamentos, quem quiser falar que o faça agora ou cale-se para sempre! (mais uma laracha)
Cap. II
"A guerra não estava militarmente perdida, a rapaziada é que estava farta daquilo"
Apesar da busca exaustiva a que me entreguei, não consegui identificar o autor destas palavras que li há poucos dias no Blog.
Acho que quando passei os olhos por cima da frase não a valorizei como devia, certamente por achar óbvio o seu significado. Hoje venho reconhecer que são palavras sábias que dizem muito mais do que a semântica pode exprimir. Elas são o retrato a muitos milhões de pixéis de um estado de alma generalizado.
Em "a rapaziada é que estava farta daquilo"… está tudo dito.
Nesta reflexão tão simples e ao mesmo tempo tão profunda, podemos encontrar a resposta à polémica questão de saber para qual dos lados os ventos da guerra sopravam de feição.
E quem era a rapaziada?
1 - Em primeiro lugar, parece-me de elementar justiça citar sem contudo nomear ninguém em particular, muita gente honesta e inteligente que no regime pré-democrático serviu o Pais da forma que pôde e o melhor que soube, e nunca se serviu do regime em proveito próprio como viria a torna-se moda. Alguns ainda hoje estão entre nós, felizmente, prestando relevantes serviços à Nação. Eram gente culta e politicamente bem formada, que foi capaz de antecipar a tomada de consciência colectiva de que descolonizar era preciso. Tinham plena consciência de que perigoso seria continuar a navegar a contra-corrente da História.
Imagino que tenham utilizado toda a sua capacidade de persuasão e ascendente sobre os timoneiros no sentido de os levar a mudar de rumo.
Ora, como é sabido, a teimosia de uns é o desespero de outros e estas pessoas que estavam verdadeiramente na cabeça do boi, e como tal, fartas de levar cornadas dos seus homólogos nas instâncias internacionais, mais não podiam fazer do que limitar os danos.
2 – Os militares do QP. Dissipados os fervores patrióticos dos primeiros anos da guerra do ultramar (ou colonial, como vos aprouver…), alguns já iam na enésima expedição a África; muitos com família a reboque e filhos em idade escolar, saltitavam de comissão em comissão, e o fadário não tinha fim à vista.
A título de exemplo, Manuel Monge já ia na quarta comissão! Estavam fartos! Sinal do mal estar que grassava no seu seio, foi o protesto em Maio de 73 contra o apoio das FA ao governo através do Congresso dos Combatentes realizado no Porto entre os dias 1 e 3 de Junho do mesmo ano.
Fartérrimos ficaram, quando em 13/7/1973 é publicado o D.L. nº 353/73 – que permite aos oficiais do Quadro Especial de Oficiais e outros oficiais oriundos do Quadro de Complemento o acesso ao Quadro Permanente após um curso intensivo de dois semestres lectivos consecutivos na Academia Militar, em condições substancialmente diferentes das que até então regiam esse acesso.
Permite, além disso, rever o posicionamento na escala de antiguidades de oficiais oriundos do Quadro de Complemento já com o curso da Academia Militar e, portanto, oficiais do Quadro Permanente. (Centro de documentação 25 de Abril).
Aí, a malta do QP de origem não gostou nada de ser passada para trás por estes paisanos fardados. E ainda bem, porque este descontentamento irá dar origem à primeira reunião clandestina, realizada a 20/7/1973 em Bissau, embrião do que viria a ser o:Movimento dos Capitães – Movimento surgido em Agosto de 1973 no seio das Forças Armadas e protagonizado pelos oficiais intermédios e subalternos que visava inicialmente a mera satisfação de reivindicações de carácter corporativo.
Em breve se transformou num movimento de clara contestação política que culminou com o derrube do regime em 25 de Abril de 1974. (Wikipédia).
Foi o percursor do MFA, nascido de gestação a termo a 9/7/1973 no Monte Sobral – Alcáçovas e do cortejo de coisas boas (e algumas menos boas) que nos trouxe.
3 – Fartíssimos estavam os oficiais e sargentos milicianos. Oriundos na sua maioria da pequena burguesia nacional (que tinha meios para lhes pagar os estudos), imagine-se o que é que sentiam quando viam o seu nome no edital da senhora câmara ou junta de freguesia a convocá-los para irem batê-las!
Lá estava a indicação da data e local de incorporação, instruções quanto a guias de transporte etc., tudo bem explicadinho. Deixavam para trás um certo dolce far niente próprio da vida académica, o bem-bom da casa paterna ou a alcova da namorada e, os mais afortunados, o carocha ou spitfire, as romagens à Foz ou ao Guincho para assistir ao pôr do sol (e não só …), a frequência de lugares idílicos como Galeto, Portugália, Past. Ceuta e outros de que só ouvi falar quando já era Zé cadete.
Os estudos, na melhor das hipóteses, ficavam adiados, porque a possibilidade de apanhar um balázio e assim terminar precocemente a licenciatura, era bem real.
Note-se que os stocks de pessoal do quadro se encontravam completamente exauridos dado que, das centenas de admissões anuais à Academia Militar, se passou para as poucas dezenas no princípio da década de setenta.
Pelo que, o fardo das operações de combate recaía em grande parte sobre estes militares. Não obstante o esforço que todos fizemos para conservar o pêlo e a pele, o facto é que muitos, "velhas mulas" (mulicianos), fortemente endoutrinados por ideologias de esquerda que floresciam nas escolas como cogumelos, combatiam numa guerra que no fundo não desejavam vencer. Há que reconhecê-lo.
4 – Soldados e cabos, o povo fardado.
De tão fartos que estavam, começaram a dar sinais de congestão! Prova disso, foram as manifestações populares contra "a guerra colonial" ocorridas em Lisboa a 21de Janeiro de 1973.
Vaga após vaga, tinham sido já centenas de milhar os jovens retirados às famílias de que eram o único amparo, alguns casados e com filhos. Imolava-se a economia familiar num país pobre, essencialmente rural, onde uma agricultura atrasada a exigir o labor de muitos braços, se ressentia fortemente.
Partiam para as Áfricas para combater numa guerra que ao fim de 13 anos lhes era completamente alheia, tanto ao coração como à razão.
Se a guerra tem durado mais três ou quatro anos, a Pátria teria assistido à mobilização dos filhos dos veteranos mais antigos.
Não haveria povo que aguentasse por muito mais tempo tal provação, digo eu, em total sintonia com o pensamento de Vasco Gonçalves* quando afirma: "Os militares aperceberam-se que nem eles nem o povo português queriam a continuação da guerra" (O Militante nº 239), mesmo sabendo que "Não há sucesso sem grandes privações", (Sófocles, (496 – 406 aC).
*Força, força companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço…, cantou Carlos Alberto Moniz.
5 - Significa isto que a guerra estava militarmente perdida ou que estaríamos à beira de uma derrota militar, como gostam de apregoar os propagandistas do sistema?
Não, de maneira nenhuma. Eu voto no empate técnico! Reconhecendo contudo, que uma derrota política é sempre muito mais gravosa do que uma derrota militar.
E a derrota política, essa sim, estava em vias de consumar-se, mas aqui em casa, mais precisamente na capital do império, onde um clima de permanente guerrilha conspirativa ao mais alto nível do poder político-militar, as bem orquestradas campanhas de desinformação e contra-informação, a mesquinhês de gente pequena de uma sociedade aburguesada e corporativista, levaram Mário Soares a prever numa prosa que enviou para o "Le Monde" que há "algo de novo em Portugal e que a guerra está em risco de se perder na própria Metrópole".
Ainda que o ouçamos frequentemente defender a tese, derrotista a meu ver, da guerra militarmente perdida. Sobre este tema, conto apresentar no próximo capítulo as minhas alegações finais, se para tal me for dada a oportunidade.
Até lá, cordiais saudações para toda a Tertúlia,
Vitor Junqueira
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Notas:
1. adaptação dos textos da responsabilidada de vb.
2. Artigos relacionados em
28 de Maio > Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)
27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)
25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)
22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu
15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)
13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)
30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)
17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)