Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 29 de maio de 2008
Guiné 63/74 - P2895: Tabanca Grande (72): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2895 (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)
Manuel Amaro
Fur Mil Enf
CCAÇ 2615/BCAÇ 2892
Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala
1969/71
1. Em 27 de Maio recebemos uma mensagem do nosso novo tertuliano Manuel Amaro dando conta do seu desejo de aderir à nossa Tabanca Grande.
Caro Carlos Vinhal,
Tentando cumprir a praxe da Tabanca Grande, aqui vai o meu pedido de adesão a este grande clube de ex-combatentes.
Manuel Amaro, 62 anos, casado, Técnico Superior de Comunicação e Relações Públicas, aposentado, residente em Alfragide, Amadora.
Ex-Fur. Mil. Enfermeiro na CCAÇ 2615/BCAÇ 2892.
Nhacra-Aldeia Formosa-Nhala.
Cheguei à Guiné em 28 de Outubro de 1969 e a minha Companhia ficou uns tempos em Nhacra, enquanto a CCS foi de avião para Aldeia Formosa e as CCAÇ 2614 e 2616 foram de LDG para Buba. A 2614 fixou-se em Nhala.
No início de Dezembro, logo que a auto-estrada Buba-Aldeia, ficou transitável(?), (a velha, porque a nova nunca foi utilizada, como já foi aqui explicado por vários camaradas), fizemos a viagem Bissau-Bolama-Buba-Aldeia.
Maravilha... Assim que me instalei em Aldeia Formosa, abriu concurso para Professor do Posto Escolar Militar. Concorri e ganhei.
Professor, a tempo inteiro. Mas com o meu espírito de escuteiro, logo inventei forma de praticar a enfermagem, auxiliando a população das pequenas tabancas e praticando a minha boa acção, quase diária. Para isso contei com a colaboração do Cabo Enfermeiro Torres, da CART 2521 e do Furriel da Psico, (hoje Deputado, na AR), que me emprestava a viatura e o motorista.
Desde meados de 1969 até 20 da Março de 1970, Aldeia Formosa era assim como um campo de férias. Mas como não há bem que sempre dure, começou a porrada, a sério.
Mudança de Comandante. Nova política. Um enfermeiro como professor? Nem pensar. A partir de 6 de Maio vai para o mato.
E o Enfermeiro, este mesmo, foi.
De 6 de Maio a 23 de Junho, foram 11 seguidas, entre colunas a Buba, operações, saídas de rotina, essas tretas da guerra.
Mas o destino, a estrelinha estava comigo e não com o Comandante. Aldeia Formosa continuou e eu fui para Buba, substituir o médico, que partiu para férias. Outra Maravilha... Só voltei a Aldeia Formosa em trânsito pois após as minhas férias a CCAÇ 2615 trocou com a 2614 e fomos fazer o segundo ano da comissão em Nhala.
Nhala, que creio que já não existe, (segundo o Daniel Reis do Expresso), era mesmo um fim de mundo. Uma Companhia mais um Pelotão e cerca de 200 civis. Tirando a passagem das colunas Aldeia-Buba-Aldeia, ali nada mais acontecia. Nem amigos, nem inimigos. Mais uma vez a Escola e a Enfermaria.
Muitas horas de trabalho, mas também a possibilidade de sentir o prazer de trabalhar. O prazer de me sentir útil, solidário. E chegamos a Agosto de 1971.
Metade da Companhia segue para Bissau. Aguardar embarque. Eu fico com o último grupo. Quase sem dar por isso, um dia ao jantar digo para os camaradas de mesa: amanhã faço 26 anos. A reacção foi em coro. Temos que fazer uma festa. Fizemos. Dois leitões, uma grade de Casal Garcia, um frigorífico de cerveja, não sei quantas garrafas de scotch. Bebedeiras? Claro. E a meia-companhia de piriquitos que já lá estava, reagiu mal.
Mas tudo acabou bem. Foi quase uma directa, Nhala-Bissau-Uige-Lisboa.
Além dos quase dois anos de Guiné, o Glorioso Exército Português levou-me tanto tempo... que passados todos estes anos ainda não sei o porquê de tudo o que aconteceu desde a minha primeira entrada na porta de armas, em 17 de Abril de 1967. Foram 54 meses. Fardado... Só fiz uma vez Sargento de Dia, mas ainda hoje, quando vejo um refeitório grande, apetece-me gritar... Vossa Senhoria meu Capitão, dá-me licença... A Companhia da Formação está pronta... E só não grito, porque sei que não está lá alguém para... bater os calcanhares, responder à continência e dizer... Pode mandar entrar...
Um dia destes, qualquer dia, podemos falar mais sobre tudo isto...
Um Abraço
Manuel Amaro
2. Comentário de CV
Caro Manuel Amaro,
Por favor, não peças para entrar. A porta está sempre aberta. Instala-te e começa a fazer o que te compete de pleno direito, que é aumentar os nossos conhecimentos, contando a história da tua Unidade, a tua experiência na guerra, que fizeste a teu modo, actuando como professor e enfermeiro. Quantos como tu e como o teu amigo José Teixeira podem contar as mais belas estórias de relacionamento com as populações?
Qualquer um de nós, os chamados operacionais, contam aventuras de guerra, mais ou menos temerosas, mas vós, os que trates da saúde e da instrução daquele povo, tendes estórias diferentes, vividas em ambiente mais íntimo. Nós perscrutávamos o horizonte em busca do IN e vós olháveis para o interior de cada um dos que a vós recorriam, em busca de um pouco de saúde ou de instrução.
Falei no teu amigo José Teixeira a fim de ter um pretexto para publicar a mensagem que ele te mandou (com conhecimento a mim).
Recebe um abraço de boas vindas da tertúlia.
Vamos agora deixar falar o nosso Zé Teixeira.
3. Mail que o camarada José Teixeira enviou ao Manuel Amaro, nosso novo tertuliano
Meu querido amigo Manuel Amaro ou "Tavira" como eras conhecido no RSS - Regimento de Serviços de Saúde em Coimbra, onde tive o grande prazer de te conhecer e gerar amizade, daquelas que nunca mais se irão, (não foras tu escuteiro como eu, sem o sabermos na altura).
A confirmação do que afirmo está no esforço que fizeste para me localizar e vice-versa, como há dias me disseste, quando por instinto, viste o meu nome no blogue, localizaste o meu endereço e assim podemos recomeçar a velha amizade.
Sê bem-vindo a este espaço de partilha e de amizade.
Ao ler o teu pedido de entrada, senti que não estava completo. Permite-me que esclareça os camaradas, que tu sem saberes quais os motivos, pese embora, soubesses que alguns dos teus escritos para o Jornal de Tavira foram ao crivo da "censura" tinhas condições académicas para ires para o CSM, foste incorporado como soldado raso e de seguida selecionado para auxiliar de enfermeiro.
Daí o nosso conhecimento e selar de amizade nos meses que em comum vivemos na cidade dos estudantes, a estudar. Não só para sermos uns "aprendizes de feiticeiro" o melhor que conseguíssemos ser, como continuarmos os nossos estudos académicos.
Por ti soube há dias que meteras requerimento e foste chamado ao CSM, passando a sargento.
O que nunca me passaria pela cabeça é que irias seguir os meus passos pela Guiné mais de um ano depois de eu lá ter chegado. Eu saí de Buba para Empada em Setembro de 1969 e tu chegaste a Buba em Outubro desse ano como "periquito".
Quanto à tabanca de Nhala, posso dizer-te por experiência própria recente, que ainda lá está. Agora livre das amarras do arame farpado em duas fiadas, das minas e dos terríveis tiroteios e rebentamentos que por lá sentimos. Nhala, Sare Donhã, Samba Sábali, Uane, Mampatá, etc. sem esquecer a bolanha dos passarinhos.
Deixa-me só recordar-te que quando deixei a zona, Nhala tinha apenas um Grupo de Combate. Com o crescer dos trabalhos de construção da estrada, parece que a zona "aqueceu" um pouco... Eu safei-me a tempo
Agora ficamos à espera das tuas "estórias", pois o teu apetite pela escrita já vem de longe e deixou marcas.
Um abraço do tamanho do mundo que trilhamos.
J.Teixeira
Esquilo Sorridente
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