segunda-feira, 26 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2886: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (10): Homenagem ao António Batista (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Jaoquim Mexia Alves:

Caro Luis

Envio uma coisa que escrevi e me foi inspirada pela história do António Baptista.

O assunto é sensivel por isso deixo ao teu cuidado o que quiseres fazer ao texto, que é uma coisa simples e despretenciosa.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

Ah, e prometo deixar de escrever tanto!!!!


2. Na hora da minha morte... ou uma homenagem ao António Batista, o único morto-vivo que conheço
por Joaquim Mexia Alves


Tinha acabado de chegar.
Um ajuntamento de pessoas chamou-lhe a atenção.
Não lhe bastava o bater do coração descompassado de tanta saudade,
para agora ainda por cima estar a viver aquela sensação insistente,
que lhe segredava ao ouvido:
-É contigo, é contigo, vai ver o que se passa!
Com algum temor e timidez aproximou-se daquela gente,
que afinal era a sua gente.
Distinguiu algumas caras suas velhas conhecidas,
mas achou estranho porque olhavam para ele,
como se ele ali não estivesse.
Num impulso estava para tocar no ombro do velho Francisco,
que lembrava-se bem era o dono da tasca,
mas algo dentro de si lhe disse para estar quieto,
para não fazer nada, para ficar só a ver.
Misturou-se naquela gente,
que estava triste,
pois uns choravam e outros iam repetindo coisas como:
- Era tão novo…não merecia isto…como é que isto foi acontecer.
Percebeu que devia ser um funeral,
e pensou:
-Raios partam, logo no dia em que regresso
é que havia de haver um funeral aqui na terra!
Ao longe viu os seus pais, e outros da sua família, amigos, conhecidos,
enfim toda aquela gente que ele tinha deixado quando partira.
Mas algo continuava a dizer-lhe para se manter calado,
para não dar nas vistas,
para ir apenas vendo o que se passava.
Foi-se aproximando
e já conseguia distinguir o caixão do desgraçado que tinha morrido.
Algumas caras olhavam agora para ele com uma expressão incrédula,
mas ele não lhes ligou nenhuma.
Queria saber quem era o morto,
era uma curiosidade que o estava a atormentar.
Mais perto já conseguia ouvir o Padre
que agora encomendava a alma do…
-Porra, era o seu nome!
Gaita o que é que se passava?!
Percebeu então que estava a ser enterrado num caixão,
apesar de estar ali, vivinho da silva.
Serenamente, (apesar de tudo a gozar a expectativa),
disse a um daqueles que estava ao seu lado
e de quem não se lembrava da cara:
-Sabes quem é que está ali a ser enterrado?
O outro respondeu um pouco desconfiado:
-É um desgraçado que morreu na Guiné.
Olhou-o nos olhos e disse-lhe a rir:
-Pois é! Mas fica sabendo que o gajo, sou eu!!!
O outro deu um grito, as cabeças voltaram-se para ele
e foi um pandemónio.
Houve desmaios, cheliques, gritinhos, berros, fugas a correr, apertões, apalpões, enfim de tudo um pouco,
mas a verdade é que à noite a festa foi rija na aldeia.
Foi a mais triste e ao mesmo tempo mais alegre,
foi a mais falada e comentada chegada à sua terra,
de um soldado da Guiné.
Apesar de tudo teria sido bom
que assim tivesse acontecido,
mas infelizmente não foi!
Muitas pessoas sofreram e ainda hoje sofrem,
e este país que foi tão lesto a enterrar quem não tinha morrido,
é muito lento a desenterrar quem afinal está vivo!
Homenagem ao António Baptista, o único morto-vivo que conheço! (1)

Monte Real, 26 de Maio de 2008
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Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 26 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra

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