domingo, 25 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

Guiné > PAIGC > s/d > Guerrilheiros > Imagem retirada da Exposição sobre Amílcar Cabral, comemorativa do 30º aniversário da sua morte, organizada pela Fundação Mário Soares. Título da exposição "Sou um africano". Painel nº 30: Exército.

Foto: © FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES (com a devida vénia...)

1. Mensagem do Beja Santos, com data de 23 de Maio último (1):

Meu caro Luís, meu caro Graça Abreu (2), meus caros tertulianos:

Entro na polémica sem hesitar. Contudo, exprimo previamente algumas ressalvas e condicionalismos.

A primeira tem a ver com a quantidade de trabalho que tenho presentemente em mãos e que me impede de longos desenvolvimentos semanais, há livros para reler, as citações não se fazem ao acaso, tem de haver alguma disponibilidade para comentários laterais de quem entenda dever interferir. Isto para dizer que não posso polemizar a toda a hora e a ritmo acelerado. Vou devagar, mas procurarei ir até ao fim.

A segunda tem a ver com aquilo que eu designo por patamares mínimos da elevação no debate. Por exemplo, recuso-me a entrar no terreno do denegrimento no tocante aos quadros do PAIGC que não viviam permanentemente em território português. Além do mais, é deslustroso num blogue como o nosso onde intervêm guineenses que tem uma pátria cimentada pela luta desses guerrilheiros.

A terceira tem a ver com o facto de eu não vir buscar adesões, não pertenço a nenhuma maioria ou minoria, não procuro claques nem cliques. No que estou errado, o Graça Abreu torna a verdade inequívoca. E eu dar-lhe-ei razão, ainda estou em muito boa idade de rever conceitos.

A quarta prende-se com uma comunicação fraterna que é devida entre nós: não embarco em demagogias de querer associar o que penso ter sido o colapso militar da Guiné e a luta dos soldados portugueses, que nunca minimizei e em tal terreno não aceitarei insinuações, seja de quem for. Postas estas ressalvas, avanço para o primeiro apontamento.

Se, como garante Graça Abreu, não estávamos nem de longe nem de perto na contingência de um colapso militar, a que se deve a iniciativa do governo de Marcello Caetano propor conversações para o cessar-fogo e independência da Guiné? O diplomata José Manuel Villas-Boas já contou tudo em Cadernos de Memórias, Temas e Debates, 2003, vem na página 101:

"Era necessário falar com governo da Guiné Portuguesa no exílio, o chamado governo de Madina do Boé e oferecer-lhe nada mais nada menos que a independência política plena, sem todavia estabelecer um calendário. (...). Todavia, sublinhou o Dr. Rui Patrício, o estado de coisas da Guiné era muito diferente e impunham-se conversações imediatas. Eu iria a Londres como seu emissário pessoal e devia tornar claro aos guineenses que representava o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros. Resumindo: eu seria portador de uma oferta de independência à Guiné-Bissau, a troco de um cessar-fogo."

A delegação do PAIGC era encabeçada por Victor Saúde Maria (3), futuro Primeiro Ministro. As conversações foram obviamente inconclusivas, ficou agendada nova reunião para 5 de Maio. Se não havia colapso militar por que é que logo a seguir ao 25 de Abril, logo a 28 Carlos Fabião e Nunes Barata, enviados de Spínola, se encontram com Senghor em Paris, continuando a parte portuguesa a reclamar cessar-fogo. Se tínhamos aqueles meios aéreos, navais e terrestres, se a guerra não estava militarmente perdida, se tínhamos a tropa moralizada, se estávamos superiores ao PAIGC, então porquê o cessar-fogo, coisa que não se pediu aos guerrilheiros de Angola e Moçambique? Espero que a resposta venha na volta do correio. E, já agora, seria útil sabermos se estes militares não tínham em conta a situação crítica no plano militar, sem vislumbre de saída.

Se dispúnhamos de superioridade, se não perdíamos posições, se resistíamos e dissuadíamos o PAIGC, então porque razão se desfez em escassas semanas a operacionalidade na Guiné? Como escreve o historiador António José Telo no segundo volume da sua História Contemporânea de Portugal, página 155 (Editorial Presença, 2008), "poucos dias depois da Revolução dos Cravos nasce nas unidades militares da Guiné o MPP (Movimento Para a Paz), com uma forte presença de oficiais milicianos. Se Lisboa não assinar de imediato um cessar-fogo com o PAIGC, iniciar-se-iam negociações directas para entregar o poder".

A situação revelou-se caótica, uma catadupa de unidades aprovou moções de recusa da luta armada contra o PAIGC, logo no inicio do Maio de 1974. A cadeia de comando desmoronou-se, a Emissora Nacional da Guiné fazia oficialmente apelos a favor do PAIGC e os serviços oficias do exército distribuíam fotografias de Amílcar Cabral. Será fácil contestar, dizendo que o MFA foi o mau da fita. Não foi, a firmeza em combater estava totalmente desvanecida, a hipótese de colapso militar que Spínola insinuara numa carta a Silva Cunha em Maio de 1973 era sentida não na superioridade militar mas na chegada e uso de armamento que não tinha contrapartida por parte das nossas forças armadas. Os diplomatas portugueses, como veremos adiante, desde a segunda metade de 1973, tudo fizeram para adquirir o armamento compatível. Foi recusado, sem sofismas, a diplomacia ocidental afastara-se definitivamente do colonialismo português.

Devo um esclarecimento a Graça Abreu quanto à expressão "uma guerra está militarmente perdida quando o adversário tem armamento tecnologicamente superior". A expressão só tem sentido por causa do armamento para o qual não tínhamos respostas: os mísseis terra-ar, os foguetões e os morteiros de longo alcance. Psicologicamente, esta tecnologia calou fundo nas nossas tropas. Carlos Fabião escreveu: "Com a chegada dos Strella, a guerra acabou". Como se sabe, Carlos Fabião conhecia a Guiné como ninguém e não se lhe conhece leviandade. Para a semana continuo.

Um abraço para todos, Mário Beja Santos

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Notas de L.G.:

(1) No dia 21 de Maio o Beja Santos já tinha dado uma primeira respost ao António Graça de Abreu, nosso querido amigo e camarada que esteve connosco no III Encontro Nacional, em Monte Real, no dia 17 e Maio:

Assunto - Uma boa polémcia ques e avizinha

Prezado António Graça de Abreu,

Venho agradecer-te o conhecimento que deste do texto enviado ao Luís Graça. Espero pela publicação e depois passarei a responder-te aos bochechos,abordas diferentes pontos e omites muitos outros,disse-te que tenho vários dossiês profissionais em mãos e urge acabar o 2º livro, muito mais trabalhoso que o primeiro.

Como te falei em estudo, procurarei pôr em cima da mesa a opinião daqueles que lidaram com as decisões políticas e militares no período crucial que leva,em minha opinião,ao reconhecimento do colapso da frente da Guiné...

Como te disse, desconheço o teor das conversações de Londres, em Março de 1974,terei que referir o que o Rui Patrício insinua acerca do eventual cessar-fogo proposto pelo Governo de Marcello Caetano. Luis Cabral também não se espraia, o diplomata português envolvido, que eu saiba, preferiu guardar sigilo, não se percebe porquê.Só que a iniciativa do pedido do cessar-fogo foi das autoridades portuguesas,não devemos iludir o significado desta iniciativa.

Haverá pontos que me recusarei a tratar,caso dos dirigentes do PAIGC que não viviam com os seus guerrilheiros, acho a questáão de tão mau gosto e politicamente tão degradante num blogue como o nosso que não haverá da minha parte quaisquer comentários,temos de definir limites mínimos de elevação na discussão pública quando na nossa luta, por causa dela e a despeito dela, se forjou um Estado independente.

E vamos agora arregaçar as mangas! Saudações tertulianas, Mário Beja Santos


(2) Vd. poste de 22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

(3) Victor Saúde Maria (1939-1999), militante, fundador e dirigente do PAIGC. Foi o primerio Ministro dos Negócios Estrangeiros da jovem república da Guiné-Bissau (1974-1982), sob a presidência de Luís Cabral. Foi também 1º Ministro, depois do golpe de Estado de João 'Nino' Vieira, num período relativamente curto, de 14 de Maio de 1982 a 10 de Março de 1984. Esteve preso por alegada conspiração contra o vencedor do golpe de Estado de 1980. Regressou à pátria já na década de 1990, tendo fundado em 1992 o Partido Unido Social Democrata (PUSD). Ainda concorreu às eleições presidenciais em 1994. Morreu, aparentemente de doença, em 25 de Outubro de 1999.

4 comentários:

Anónimo disse...

Falou o grande chefe B.S. e que ninguém levante as orelhas!
Asneirada q.b. que não assume, nem o seu posto actual deixa.
Porra, sejam realistas, deixem os outros falar, e SOBRETUDO, SEMPRE OS MESMOS???
É COIO????

Anónimo disse...

Calculo que a dificuldade de identificação se relacione com o facto de que quando "entramos" nesta área de "comentários" apareçam uma série de opções que, para quem não está familiarizado com estas coisas, como é o meu caso aliás, lançam a dúvida de como será que se faz e, por isso, é mais fácil "clicar" onde diz "anónimo".
É uma boa opção mas não invalida que no fim do escrito, seja ele de que tipo for, de apoio, de crítica, de incentivo, mais amigável, mais tipo "bojarda", se possa colocar o nome, as iniciais ou qualquer outro tipo de identificação porque, aqui para nós, uma polémica é uma coisa boa, ajuda-nos a procurar aprofundar os conhecimentos, a raciocinar, a argumentar, tudo coisas que acho que fazem falta à sociedade actual, mas é importante que as coisas se mantenham num elevado nível de civilidade, com o carinho e respeito que deve ser mantido entre nós, companheiros e camaradas da Guiné, e a paternidade das intervenções deve ser um elo forte da nossa postura.
Hélder Sousa

Anónimo disse...

De Antº Rosinha

Será que Portugal aguentou esta guerra, não só na Guiné, como nas outras colónias, o tempo suficiente para cimentar a nossa presença até ao NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO?

Um velho contínuo das Obras Públicas da Guiné, mostrava-me reservadamente, passados vinte anos após o 24 de Setembro de 1973 os livros da 4ª classe em que estudara, e que guardava e estimava com todo o cuidado, e dizia pessimista: Se acaba esta lingua, acaba a Guiné.

Esperamos que o velho esteja enganado, e que enquanto haja acordos nunca haverá nenhuma guerra perdida.

Um abraço

antº rosinha

Anónimo disse...

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