sábado, 6 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7235: Blogpoesia (84): P'ra frente... marche (Augusto Vilaça)

1. Mensagem de Augusto José Saraiva Vilaça* (ex-Fur Mil da CART 1692/BART 1914, Sangonhá e Cacoca, 1967/69), com data de 3 de Novembro de 2010:

Amigo Carlos,
Segue desta vez um poema dedicado aos Instruendos, de 1966, do CISMI de Tavira.


BLOGPOESIA

P´RA  FRENTE... MARCHE

Eu quero andar neste barco
que nunca naufragará.
Eu quero andar neste barco
onde a alegria reinará.
Senhoras e senhores
olham p´ra esta malta gira,
aqueles grandes sonhadores
os militares de Tavira.
Há 44 anos entrando
p´ra uma vida militar,
hoje, aqui, recordando
aquele ambiente familiar,
lá vai a nau Catrineta
cheinha de militares,
ó Barnabé toca a corneta,
ó pas junto os calcanhares.
Agora sois militares
acabaram as brincadeiras,
ireis até mim rastejar
e ouvir dizer asneiras.
Fizemos de tudo com fé
naquele lugar tão distante.
Recordemos o nobre Canine
que foi um grande comandante.
Borges da Costa também
e todos os oficiais;
sargentos, gente de bem
oh Tavira, quantos ais.
Pórtico, galho, parada,
caserna, cantina, espingarda.
Hoje, quanta gargalhada
quando vestimos a farda...
Companhia... direita..volver,
cagança.... milicianos.
precisamos de viver
todos aqueles anos.
Agora, de pé, camaradas,
respeitosamente comovidos,
aplaudamos os audazes,
os milicianos falecidos.

A. Vilaça
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Outubro de 2010 Guiné 63/74 - P7202: Blogpoesia (81): Quem não se lembra?... (Augusto Vilaça)

Vd. último poste da série de 3 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7219: Blogpoesia (83): Respeito, esse pau da bandeira foi colocado pelos Lassas de Cufar (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P7234: Memória dos lugares (109): Ponte Caium (Carlos Carvalho, CCAV 2749, 1970/72)

1. Mensagem de Carlos Alberto Rodrigues Carvalho*, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, com data de 2 de Novembro de 2010:

Boa noite, meu caro Luís Graça.
Dado que se falou, neste 1.º de Novembro do monumento aos mortos da Ponte Caium (**), e dum nicho onde estaria a frase "Nem só do pão vive o homem", aqui vai a foto do nicho de N. Sra. de Fátima, arranjado na altura em que eu estive a comandar a Ponte Caium, em 1971, e pintado pelo Soldado Condutor Cardoso Pereira, que era um expert nas artes de quadros e pinturas.

Numa das fotos estou eu com os djubis que todos os dias estavam connosco, e que pertenciam a uma das tabancas situadas muito perto da Ponte.

Um abraço amigo
Carlos Carvalho
ex-Fur Mil Cav
4.º Pel/CCav 2749/BCav 2922


Ponte Caium > Nicho de Nossa Senhora de Fátima

Ponte Caium > Junto do nicho

Ponte Caium > O Carlos Carvalho com a miudagem das Tabancas
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7227: Tabanca Grande (253): Carlos Carvalho, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, residente em Fânzeres, Gondomar, irmão da nossa querida Júlia Neto

(**) Vd. postes de:

26 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7039: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (3): De facto, Eduardo, nem só de pão vive o homem...
e
1 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7203: Memória dos lugares (107): A Ponte Caium e o monumento, construído por nós, e dedicado aos nossos mortos: Cardoso, Torrão, Gonçalves, Fernandes, Santos, Silva (Carlos Alexandre, radiotelefonista, natural de Peniche, 3º Gr Comb, CCAÇ 3546, 1972/74)

Vd. último poste da série de 6 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7233: Memória dos lugares (108): Cabuca (António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523)

Guiné 63/74 - P7233: Memória dos lugares (109): Cabuca (António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523)


1. O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, enviou-nos, em 5 de Novembro último, excelentes e raras fotos do seu bura… ko - Cabuca: Camaradas, Como tirei uns dias de férias, tenho navegado um pouco mais pelos blogues e veio-me ao pensamento parte do que passei na Guiné, nos longínquos anos de 1973/74, enfiado numa povoação chamada Cabuca.


A minha Companhia, era a 2ª do Batalhão de Artilharia 6523, cuja CCS estava sediada em Nova Lamego (Gabu). Cabuca era formada por uma tabanca situada no centro do aquartelamento, onde residiam oficial e aproximadamente 400 civis, zona habitacional essa circundada pelas nossas instalações militares.
O aquartelamento estava rodeado por uma vala circundante e 2 fiadas de arame farpado, com várias instalações que incluíam os nossos alojamentos, abrigos e uma caserna que era precisamente do meu 1º Grupo de Combate.
Além do pessoal da minha companhia, existia um pelotão de milícia que se destinava à protecção da população, que se dedicava, entre outros afazeres, a trabalhos agrícolas. Simultaneamente, também nos auxiliavam em missões de picagem dos nossos locais de percurso, salvaguardando assim a melhor circulação das colunas de reabastecimento.
Até Nova Lamego distavam apenas 22 km, muito complicados de cumprir e serpenteando a cerca de 15 km surgia-nos o Rio Corubal, que dividia o território da zona libertada (?) - o BOÉ -, pelo PAIGC.
Sempre fiquei pasmado com o escasso armamento para defesa do aquartelamento, pois apenas tínhamos como armamento, além das habituais G3 distribuídas a cada militar, 4 morteiros de 60 mm, 4 Bazucas de 88,9 mm, 2 Morteiros de 81 mm, 2 Metralhadoras BREDA M37 e 4 metralhadoras ligeiras HK 21. É claro que tanto os morteiros de 60 mm como as HK 21 faziam parte da dotação dos grupos de combate.
As missões de patrulhamento e protecção eram asseguradas conjuntamente com o pelotão de milícias, que era comandado pelo Abdulai Jaló.
Hoje, paro e penso que temos que enaltecer a coragem e força do SOLDADO PORTUGUÊS, obrigado a defender-se e a contra-atacar um inimigo extremamente bem armado e conhecedor do terreno, além de instruído e enquadrado por especialistas em guerrilha de origem cubana.
Lembro-me da estranha, angustiante e até revoltante sensação de impotência dos nossos soldados que, conscientes da sua inferioridade neste aspecto, não disparavam um único tiro quando das flagelações com foguetões 122 mm, pois com o tipo de armamento que possuíamos, ripostarmos ou estar quietos dava o mesmo resultado e ainda se poupavam umas munições.
Volto a frisar de que pasmo e me revolto com indignação, quando oiço e leio vozes menos bem informadas ou maldosas, que se atrevem a pôr em causa o bom nome do SOLDADO PORTUGUÊS, pois com as condições que nos foram dadas nos 13 anos de guerra só mesmo nós, com o típico poder de improvisação e espírito de sacrifício que nos é reconhecido, conseguimos superar as inúmeras vicissitudes que nos foram criadas na guerra.


Cabuca > Vista aérea Cabuca > BREDA M37 Cabuca > Morteiro de 81 mm Cabuca > Bazuca de 88,9 mm Cabuca > HK 21 Cabuca > Kalashnikov AK47 > A minha fiel companheira (emprestada por um Fur Mil da 38ª Companhia de Comandos infelizmente já desaparecido)
Cabuca > Eu, o Fur OpEsp/RANGER Medeiros e o Cmdt. do Pelotão de Milícias Abdulai Jaló, junto dos restos de foguetões de 122 mm com que fomos presenteados no aniversário do Capitão Franklin
Um Abraço do tamanho da Guiné,
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.Fotografia: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P7232: Notas de leitura (166): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
Às vezes vacilo quanto ao espaço que se deve conceder à “Crónica da Libertação”, de Luís Cabral.
Ela encerra tanta informação, remete para tantos outros relatos, confirma ou traz tanta contestação quanto a certos relatórios militares, que optei por mais alguns episódios, até ao assassinato de Cabral.

Um abraço do
Mário


“Crónica da Libertação” (3), por Luís Cabral

Beja Santos

A luta armada e a consolidação política do PAIGC, entre 1963 e 1964

As dificuldades sentidas pelo PAIGC não se confinavam à adesão das populações, o que se passou em Samba Silate era indício de que por um lado as populações mostravam reticência e por outro a improvisação estava a sair muito cara aos guerrilheiros. 

No caso do Leste, cometeram-se despautérios graves, as populações também se mostravam aterrorizadas com a onda de repressão das autoridades. Cheios de fome, os guerrilheiros comandados por Domingos Ramos e Barry tiveram que se alimentar da fruta amarga do tarrafe: 

“Com sementes de tarrafe adoçadas com cinza, e com coração de palmeiras que também crescem no mato de Fiofioli, os homens do PAIGC puderam não só aguentar-se nos seus postos como ainda conseguiram libertar a maior parte da área em que combatiam, melhorando definitivamente as suas condições de vida e luta”. 

Em jeito de comentário, poderei dizer que estes grupos se deslocaram para Baio e Burontoni, Ponta Luís Dias, daqui vigiavam a população que trabalhava nas bolanhas ricas do Poidom. Entretanto, as populações e guerrilheiros em Mina e Galo Corubal, dentro do Fiofioli, foram ganhando meios de subsistência e pescavam no Corubal. Só muito excepcionalmente é que as tropas portuguesas alcançaram estas bases e acampamentos. 

No Senegal, tudo continuava difícil, o abastecimento para as bases da região Norte tinham que partir da República da Guiné até às zonas libertadas. Os transportadores de material, esfomeados, roubavam comida nos campos senegaleses, eram problemas sem solução à vista.

No Morés, a guerrilha consolidou-se. Em finais de 1963, Luís Cabral faz a primeira visita ao Quitafine, a partir de Sangonhá, depois partiram para a base Cassacá, onde foi recebido por Manuel Saturnino. Em Cacine estava instalado o primeiro quartel das tropas portuguesas, a que se seguiu Gadamael. Segundo Luís Cabral, as tropas portuguesas estavam confinadas a Cacine. As viagens eram morosas e dolorosas, entre a estrada de Boke e a fronteira. Depois vem uma frase enigmática: 

“O Amílcar e o Aristides foram as únicas pessoas com quem falei sobre os graves problemas que existiam nalgumas zonas do Sul do país. Este facto trazia-nos dados completamente novos sobre a luta, e provou a fragilidade das imensas conquistas obtidas, postas em causa unicamente por falta de informações precisas e controladas sobre a situação real nas diferentes zonas do país. A experiência acabava de mostrar que os jovens responsáveis da guerrilha eram capazes de esconder ao Secretário-Geral informações de importância capital, quando elas pudessem pôr em causa outros responsáveis”. 

O que se estava a passar era que um conjunto de chefes de guerrilha exercia um poder despótico sobre as populações, chegando a cometer crimes inenarráveis. Independentemente de serem jovens, é incompreensível como tais crimes sistemáticos eram escondidos dos quadros políticos. Como se verá adiante, no Congresso de Cassacá, em 1964, estes criminosos (cuja relação nunca vai aparecer talhada em qualquer documento) serão sumariamente executados, no termo desta reunião.

A segunda leva de quadros formados em Pequim chegou entretanto. Cabral e a direcção do PAIGC convocam uma reunião de quadros para uma área libertada. Luís Cabral fala desta reunião e do congresso subsequente como o renascimento do PAIGC. Estavam presentes quadros políticos e guerrilheiros: Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Chico Mendes, Rui Djassi, Nino Vieira, Constantino Teixeira, entre outros. 

Tudo começou com a distribuição de fardas, isto enquanto, ali perto, na Ilha do Como, se travava um intenso combate. Amílcar começou por fazer uma longa exposição sobre a luta e a situação das tropas portuguesas. A seguir os principais dirigentes no terreno deram informações. Os pedidos avolumavam-se: faltava comida, roupas, munições, escolas e enfermeiros. Para Luís Cabral, a luta armada precisava de um novo impulso. Cabral respondeu que a luta teria que se intensificar e que para tal iam ser criadas as Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP) constituídas por Exército Popular, Guerrilha e Milícia. 

A ajuda militar iria aumentar, em breve os guerrilheiros veriam chegar novas armas, algumas delas muito superiores às usadas pelos portugueses. Rafael Barbosa foi eleito para as funções de Presidente do Comité Central do PAIGC e Amílcar Cabral reconduzido como Secretário-Geral. Nesta fase dos trabalhos a conferência de dirigentes e quadros tinha-se transformado no I Congresso do PAIGC. Habilidosamente, numa altura em que tudo parecia encaminhar-se para o termo dos trabalhos, Amílcar propôs uma retrospectiva para analisar o comportamento de responsáveis e dirigentes. Tinha chegado o momento culminante das acusações: dirigentes bêbedos e que praticavam os castigos arbitrários, as acusações seguiam-se umas às outras, gente seviciada, aterrorizada, inocentes assassinados, até os feiticeiros não escaparam. Luís Cabral observa: 

“Todos esses crimes foram cometidos impunemente durante meses, com o conhecimento de dirigentes e responsáveis do partido que nem ao menos foram capazes de comunicar esses factos ao Secretário-Geral. Os criminosos eram chefes das bases de guerrilha”. 

De acordo com as descrições de Luís Cabral, Watna, chefe da base de Nhai, em Cubisseco, deve ter sido o mais terrível criminoso entre todos. Cabral ia procedendo a interrogatórios, a reunião durava há trinta horas, sem pausa. No final de todos estes interrogatórios, Amílcar denunciou os acusados e pediu a sua prisão. Sabe-se que houve execuções sumárias, Luís Cabral é parcimonioso na descrição destes factos.

Amílcar Cabral de imediato dedicou-se à formação das primeiras unidades do Exército Popular. Nino Vieira comunicara que as tropas portuguesas tinham abandonado a ilha do Como. A descrição de Cabral aparece com transes de glória e bastante falsificada, hoje há inúmera documentação sobre tudo o que ali se passou. Cabral apresenta o Como como uma luta entre David e Golias, guerrilheiros indómitos a travar tropas altamente preparadas, numa atmosfera apocalíptica. Escrever um relato destes em 1982, sabendo que há o contraditório, é uma quase aberração. Paciência, está escrito.

As FARP começam a ser enquadradas, chegaram novos equipamentos, surge o hino do PAIGC, com música de um compositor chinês. Ficamos depois a saber que o casamento de Cabral com Maria Helena chegara ao fim, Maria Helena vivia em Rabat e aderiu à Frente Portuguesa de Libertação Nacional, com Humberto Delgado à frente. 

Na região do Boé ia intensificar-se a luta armada. Na fronteira Norte, em Sambuiá, o PAIGC implantou um santuário. No Senegal as hostilidades do Movimento de Libertação da Guiné ainda eram notórias. No relato de Cabral, o encontro de Amílcar com Senghor abriu as portas do Senegal. A guerra alastrou: em Quínara, no Corubal, em Porto Gole. Foram criados os armazéns do povo. As escolas no mato tornaram-se numa realidade.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7228: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (3): Páginas de um diário quase improvável, antes de viajar para a Guiné (1)

Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7223: Notas de leitura (165): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 – P7231: Controvérsias (109): As novas tecnologias ao serviço do blogue. A política ao serviço das nossas ideias. (António Matos)

1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos, em 4 de Novembro de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,


As novas tecnologias ao serviço do blogue;
A política ao serviço das nossas ideias

Sendo eu utilizador assíduo do facebook, não poderia deixar de me regozijar com a adesão que os mentores deste blogue fizeram a esta rede social por lhe reconhecer virtualidades irrefutáveis a par, evidentemente, de toda uma panóplia de possíveis abusos a acautelar.
Supondo que nem toda a população de ex-combatentes possa estar suficientemente alertada com as diversas normas que lhe são inerentes, permitam-me as reticências sobre as indiscrições a que se sujeitam e que deverão ser minimamente abordadas.
Em termos pessoais gostava de saber se um poste colocado no blogue por via de um e-mail dirigido aos editores tem entrada directa no facebook ou não.
Isto é, acho que o facebook deve ser "alimentado" por vontade expressa do "escritor" e não automaticamente.
Dito isto, e querendo (desejando) que os meus postes se mantenham no blogue sem darem entrada no facebook (exposição é planetária o que poderá inibir a escrita) vou incidir agora num dos credos do Luís Graça & Camaradas da Guiné que, não sabendo onde, recordo ter lido ser este blogue avesso a problemas de ordem política, religiosa e outras.
A única destas temáticas à qual achava conveniente alargar o âmbito é a política.
Não que eu tenha qualquer intervenção pessoal ou institucional fora de ambientes de pura tertúlia mas porque o conceito em si mesmo se alterou e hoje tudo, repito, tudo o que fazemos nas nossas vidas é político!
Nesse sentido é impossível falar da nossa guerra sem alusões directas ou indirectas à política;
É impossível opinar sobre a retirada de Guileje e abstrairmo-nos de motivações políticas;
Falar de Spínola é falar de política;
Falar de Manuel Alegre é política;
E falar de Amílcar Cabral, não o é?
Como explicar a invasão da Guiné Conacry sem contexto político?
E a droga que grassa hoje no território daquele país está separada da política?
A visita de Sá Viana Rebelo (ministro do exército e da defesa) a Bula no exacto dia em que eu estava de oficial de dia e aguentei a estucha, não é política no seu melhor?
A psico spinolista foi só política!
Se o tema merecer a vossa concordância, não advogo agora passarmos a discutir o orçamento do estado, obviamente, mas a contextualização dos acontecimentos por nós relatados poderão e deverão ser aprimorados com os nossos pontos de vista políticos, que acham?
Em bom rigor isso já se faz hoje mas quis trazer o assunto à colação para que fique oficialmente aceite. Ou não.
António Matos
_________
Nota de MR:
Vd. poste anterior desta série em:

5 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7229: Controvérsias (108): O que era ser ranger entre 1960 e 1974? (2) (Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4612/74)

Guiné 63/74 - P7230: Parabéns a você (167) : Jorge, o tal, que Cabrais há muitos, mas Alfero Cabral só há um







(i) O cartão de parabéns enviado pelo Miguel Pessoa, o nosso cartoonista de serviço... E que é também dos nossos editores... O início das festividades já começou há mais tempo,  com a  publicação da lista dos "gloriosos aniversariantes do mês de Novembro" (*) e um apelo dos editores:

Amigos e camaradas:

Vamos lá a pegar na caneta e papel, quero, eu dizer, no teclado do computador e postar aí qualquer coisinha para os nossos aniversariantes de Novembro... Uma foto, um mimo, uma palavrinha, um verso... Já recebemos várias contribuições... Os pobres dos editores (mais o nosso cartoonista de serviço, o bem-humorado-e-melhor-strelado-Miguel, que eu pensava que só sabia ejectar-se de pára-quedas nos céus da Guiné...) não têm, infelizmente, nenhuma fábrica de cartões de parabéns a você...

Podem escolher uma vítima e mandar uma piquena... mensagem, do género: Olá, pá, como vai o c... do Alzheimer?... Dá um tiro nesse gajo!...  Convém sempre ass(ass)inar a dita... E mandar com um, dois ou três dias de antecedência. Que a gente trabalha em mais blogarias...

Até aos 100! Cuidado com o excesso de velocidade e o controlo de radar... Luís

PS - A lista dos aniversariantes constam do blogue: coluna do lado esquerdo, CLUBE DOS SEXA... A amostra dos respondentes não é decepcionante mas também não direito a usar o badalo do sino...







Procura-se parelha de Alfer...Es Terror das Bajudas! (Quem traz a citação é o oficial de diligências, Sr. Benjamim Durães, à direita) [Foto e legenda: Mário Fitas.]



Bajudas da PM... em perigo !!! [Foto e legenda: Mário Fitas]




(ii) Mário Fitas [Menino e moço, em Cufar, na foto à esquerda]


Luís, Carlos ou Eduardo,  para quem fizer a postagem do aniversário do Jorge Cabral: Segue minha colaboração. Parabéns ao Jorge Cabral Mário Fitas


(iii) Humberto Reis [, foto à direita]


Os Bloguistas da CCaç 12 [, eu, o Henriques, o Levezinho, o Jaquim Fernandes, o Marques, o GG, o Sousa, o Abel, o Tê Roda, o Almeida, o Martins, ... falta alguém  dos registados?], que tão de perto lidaram com o Jorginho Cabral nos idos de 69 e 70 (já foi no século passado? Há 40 anos?), julgo que se associam e não querem deixar passar o próximo sábado sem lhe deixar aqui AQUELE ABRAÇO (como diz o Vasco da Gama agora não é do tamanho do Cumbijã, é mas é  do tamanho do Geba largo, já depois do Xime). Quando o Jorginho ia a Bambadinca todo aquele aquartelamento vibrava. Não sei que raio de feitiço ele tinha. Ainda papei 2 semanas em Missirá que foram um espectáculo.


Sou suspeito a fazer comentários pois, por motivos profissionais, lido várias vezes com ele. O que vale é que vocês já conhecem o artista que ali temos. Já viram a mensagem dele a fazer as “requisições” ao Mário Beja Santos para tratar lá na Guiné? Só dele.


Em 6 de Novembro de 2011 quero dar um abraço a este GAJO.




(iv) Torcato Mendonça (, foto em Mansambo, 1968, a seguir)


(...) Escrito sobre os aniversariantes?

O Jorge é a 6 de Novembro. É um fora de série e já não se fabrica daquilo.

(...) Abri e vi a foto. Parei e rolei e tornei a rolar o rato. Linda. As cores.... O título dizia poesia... poesia do Jorge Cabral. O Jorge a dias da minha capicua...e o desejo dele sobre Finete. Todos acabamos um pouco lá, em Mansambo ou em Fá... eu sei lá. Fui ver o P7206 e voltei ao 7213 e à foto e à arte do Luís, o toque dele na poesia do Jorge e os desejos dele que são ordens... E lia e parava a...não interessa...a não sei o quê e todos passamos na ponte do Unduma ou no Mato de Cão.



Estou tramado.Tramado ou apanhado? Encantado pelas palavras e foto e, porque não,um pouco, só um pouco preocupado com o Mário BS. (...)

(v) Petrouska Ribeiro (6 de Novembro de 2009) **



Esse ser, esse Grande Homem ou Pai Grande que hoje o Mundo parou para aplaudir, deu-me a graça de com ele aprender, com ele trabalhar, com ele crescer como pessoa melhor, com valores e humildemente. Foram precisos dez anos de labor, (e como desejaria dobrar esse número, não fosse ele acordar, hoje, dizendo que já é / está velho), para ufana, assumir que apenas o convívio com alguém bem-disposto, audaz, elegante e educado, ainda que conservador de alguma vaidade (porque não…) nos enriquece, sem mais…


Essa “Alma Peregrina Mor” ensinou-me muitas coisas, muitas delas sem a necessidade de esboçar uma única palavra. O pensamento estruturado, o valor da calma (que não dominava nada bem e que por vezes ainda a perco, tentando sempre que seja de forma a que ele não perceba). Ensinou-me a conversar e a desconversar, mostrou-me a ironia, o sentido de humor, a beleza, a grandeza das estórias, a simplicidade, a bondade. Ensinou-me a aceitar a dificuldade e a sorrir para a vida.


Aprendi que o afecto (de que ele muito fala) não precisa de ser gritado e que, antes,  pode ser um passeio por um caminho; às vezes em silêncio, outras a dizer “ Oh alma, está a ver! … Eu não lhe dizia! …Você não sabe nada…”


 O importante é que nunca nos esqueçamos que é possível sermos melhores. O que ele é, com toda a certeza.  Não é perfeito! Não, claro. É tão humano quanto todos nós.


O Meu / Nosso Professor é aquele tronco onde podemos observar, ininterruptamente, a tolerância, a sensatez e a experiência de vida. É assim. E todos os meus dias são, diferentes do anterior… o que apenas consigo porque o meu Professor,  quase Tutor, quase Pai,  é mais do que se possa descrever…


Parabéns, Meu Professor


Petrouska Ribeiro


[Ex-aluna do Jorge, trabalha come ele, como secretária pedagógica do Curso de Pós-Graduação em Criminologia, da Universidade Lusófona].



(vi) Felismina Costa [, foto à direita]:

Gostei,  Sr. Jorge Cabral!

Muito bonita a sua forma de pedir a um amigo, que vá por si visitar esses lugares e essas gentes! Muito bonita mesmo!

Grandes as vossas recordações de um tempo bélico!

A juventude é incrível! É temerária, é corajosa, é resoluta, indisciplinada, brejeira, solidária, sensível, saudosa, esperançosa, e pela vida fora, vai-se guardando essas qualidades em peitos amadurecidos, onde é mais fácil reter a saudade.

Recordar é reviver! E cada um de nós tem sempre algo para recordar!

Espero que o Mário lhe traga notícias...

Cordialmente 

Felismina Costa 



(vii) Joaquim Mexia Alves [, foto à esquerda]




Para o Jorge Cabral


Por ali passam os dias,
espelhados na terra vermelha,
que se torna chão de saudade,
para quem o soube viver.
À mesa,
farta ou não farta,
nunca falta a boa pinga,
que mesmo que o não seja,
é colheita do produtor,
engarrafada em Fá Mandinga.
Lá vem o nosso Alfero,
sorridente e bem disposto,
nota-se-lhe o destemor,
a conversa,
etc e tal,
que lhe granjeou a alcunha:
o nosso Alfero Cabral!
E logo, e num repente,
ele são ais,
e deus me acuda,
tremem todos os mortais,
notam-se frémitos,
nervosismos,
são o tremor da bajuda!
Mas o Alfero contente,
do alto do seu saber,
lança um olhar,
um sorriso,
e diz no seu tom dolente,
a quem faz orelhas surdas:
hoje quero todos aqui,
hoje somos todos  manos,
cozinheiros, faxineiros,
e pessoal combatente,
e muitas, muitas bajudas,
porque o Alfero Cabral
faz hoje p’ra cima,
de alguns sessenta anos!

Monte Real, 6 de Novembro de 2010 


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Notas de L.G.:


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7230: (Ex)citações (104): Resposta ao Branquinho (António J. Pereira da Costa)

1. Mensagem de António José Pereira da Costa*, Coronel Art na reserva, na efectividade de serviço, que foi comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, com data de 5 de Novembro de 2010:

Olá Camarada
Li o teu post 7225 e, de imediato, ocorreu-me perguntar-te o porquê do eco que fizeste do comentário de alguém que visitou o blog e comentou.

Ficaria surpreendido com desta modificação da tua maneira de ver o blog, mas creio que não a perfilhas. Claro que todos ou quase todos temos netos ou filhos para cuidar e apoiar e mais agora quando parece que maus tempos aí vêm. Claro que a culpa é do “Povo” que está (mal) habituado a viver acima das suas possibilidades...

Por mim, começo a pensar como o Brecht: (cito de cor)

- “Como é difícil governar! Sem a inteligência do Ministro da Propaganda mais nenhuma mulher ficaria grávida... etc. etc. e a culpa é do Povo que não consegue distinguir um campo de milho de uma forma para tortas, etc...”

Mas deixemos isto, senão ainda me penduram pelos polegares. Não olhes para mim assim, porque polegares não é isso que estás a pensar... Polegares são os dedos mais pequenos das mãos!

Camarada!
O teu interlocutor ‘táva azedo e descria que o Sol voltasse a nascer no dia seguinte. Acontece aos melhores! É capaz de ser uma das características da nossa idade. São variações de humor. Uma espécie de “Parem o Mundo qu’eu quero descer!” Felizmente o Mundo não pára e o Sol nasce todos os dias. Senão era cá uma “chatisse”...

O desânimo não é opção, é doença momentânea que ninguém deve cultivar e aqueles que foram testados de modo tão violento como nós fomos, no início da idade adulta, muito menos. O teu interlocutor não parece estar neste caso e até lamenta não ter tido a honra. Daí a sua intervenção. Começo pelos textos publicados (que) são, na sua grande maioria, de muito duvidosa qualidade e falta de gosto. Sistematizar é mau e generalizar “à bruta” pior. Não posso deixar de concordar relativamente a alguns, mas em milhares de textos... não detecto, por erro meu, que seja a “grande maioria”.

Até aos bons escritores acontece, quanto mais aos amadores...

Quanto à “proveta” idade, devo dizer que provetas só encontrei nos laboratórios e agora sou eu que digo que brandir a idade como arma, para justificar comentários, entre iguais (pelos vistos só em idade) é argumento pobre. Podemos admitir que escrever tanto sobre este tema – sempre o mesmo – será monótono, mas só para quem não quiser aprender como passado. Tomariam os investigadores de hoje ter textos destes, escritos pelos ex-combatentes do Russilhão, das Invasões ou mesmo antes. Se dispuséssemos de textos destes sobre a invasão espanhola de 1762/63 crês que teríamos a coragem de lhe chamar “Guerra Fantástica”? E se pudéssemos ler nem que fosse um diário cheio de erros de ortografia ou de sintaxe, de um soldado das “Campanhas de Pacificação” de há cento e poucos anos? O que nós aprenderíamos acerca do seu sacrifício e do ambiente do tempo (social, operacional, institucional, etc.).

Creio que já disse que esta será a nossa “assinatura” indelével na História, o que invalidará que, nos futuros compêndios, ela possa ser reduzida a meia-dúzia de linhas.

E eu sou dos maus, dos “beras”, dos cépticos, daqueles que hoje afirmam que a “Guerra” foi (estava) perdida (e a porrada que eu levei por escrever isto!), dos que já não sabem se os mortos que tivemos e os feridos que trouxemos aconteceram em “defesa da Pátria”, como então se dizia e hoje ainda há quem diga e em tal acredite ou, pior, queira acreditar. Já tentei demonstrar num artigo escrito numa revista militar que tudo não passou de um fenómeno “que se inscreve na área da sociologia”.

Hoje, especialmente depois de ter falado com camaradas mais velhos, que combateram noutros TO, e dos programas do Joaquim Furtado, dei comigo a pensar que a “Guerra” da Guiné foi diferente das outras duas que não são iguais entre si.

Não será por acaso que o “nosso” blog seja um dos mais frequentados e que não tenha paralelo entre os dos ex-combatentes de Angola ou Moçambique... As razões serão discutíveis, mas creio que se prendem com as condições de extrema penosidade que se verificavam em toda a Guiné, o que não sucedia nos outros TO. Sabemos agora que, em Moçambique as coisas também estavam muito feias, mas havia alguns “oásis”.

Em guerra esteve o Povo Português em 1914-1918, com mortos, feridos, estropiados, gaseados… E alguém fala disso?

É verdade, camarada. Mas sabes que há livros escritos por ex-combatentes dessa época. Hoje são raros, mas existem e só não serão reeditados por razões comerciais. Temos relatórios de combates e descrições (sob os diversos ângulos) da situação que se vivia. Além disso, o centenário da República começou a permitir “arrumar a casa” e visualizar o que o nosso povo terá sofrido nesses tempos. Estamos a começar a reavaliar (espero que com honestidade, verdade e realismo) a participação do nosso país num grande conflito, com todos os dramas que que lhe vierem adjacentes. Faltam menos de 4 anos e, como só começámos em 1917 e terminámos em 18, podemos estudar o assunto com profundidade e dar o seu a seu dono. No entanto, o ano de 1919 – o do regresso a casa – também trará surpresas... Quanto ao falar nisso, relembro que “os povos têm má memória” e que “só se ama o que se conhece”. Acaso com vinte e tal anos tinhas alguma ideia do que foi a I Guerra? A Cultura é uma coisa boa, mas é como o surf, é um desporto em que competimos connosco mesmos. O nosso crítico está um bocado “fora-de-jogo”.

Todos os textos com o devido respeito, são repetitivos lamechas, por vezes quase infantis ou, então, falando de “heroicidades” próprias, revelado egocentrismos, seguindo, outras vezes, a via da vitimização. Por outro, encontro demasiado diletantismo, intelectualismo barato, literatice barata e até… poesia. Poesia… (porquê? Se é para a “desbunda” e bota baixo o devido respeito não faz sentido). E a Poesia, faz mal à saúde? E mais ainda se se pavoneiam pelos seus escritos como se fossem o centro do Universo. Outros aplaudem os posts em comentários boçais e, mesmo quando discordam, não demonstram bom gosto, inteligência e educação. Mas o mais caricato é que entendem que estão a fazer História ou que são fonte para ser feita História. Haja decoro!

Aqui é caso para dizer como se dizia no nosso tempo nas paradas dos quartéis:

’Daaaaa-se! ‘Tás mesmo mal humorado! O gajo ‘tá mesmo zangado com o Mundo. Talvez, se “lá” tivesse ido na altura própria (claro!) falasse de outra maneira...

E contudo, as alusões ao “laureado” revelam um humor, saudável, diria cristalino. Foi sibilinamente oportuno. Os meus cumprimentos! Aquela do médico sentado no guarda-lamas do rebenta-minas é do Kaneko! Ele (o médico) é mentiroso e o teu interlocutor aproveitou magistralmente. Conheci cinco médicos, durante a Guerra, e nunca vi nenhum armado, sequer. Ao laureado só lhe falta o bisturi entre os dentes, como os piratas... “en passant”, claro.

Por fim detenho-me no último naco de prosa e comento entre parêntesis:

Eu também cumpri as minhas obrigações de serviço militar (já não sou uma criança), embora nunca tenha tido a honra de servir em África. (Não é nenhuma criança embora pareça, pelo o humor que pratica, digo eu).


Meus senhores, se me permitem, (claro que permitimos, lá bem educados somos nós) termino dando-vos um conselho (que agradecemos, eu, pelo menos...). Na vossa idade deviam ter outras preocupações e actividades, por exemplo cuidar dos netos e, em alguns casos, dos bisnetos. Mas não lhes falem, por favor, dessas vossas guerras óptimas e únicas, dessas vossas sempre repetidas experiências africanas. (tomarei em devida conta o conselho e futuramente vou dedicar-me à pesca e à caça de espera...)

Um Ab.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6862: (Ex)citações (93): A Guerra Colonial, todos querem ser heróis (António J. Pereira da Costa)

Vd. último poste da série de 2 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7211: (Ex)citações (103): Quando um homem tem de se conter para não partir a louça... (Manuel Reis)

Guiné 63/74 – P7229: Controvérsias (108): O que era ser ranger entre 1960 e 1974? (2) (Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4612/74)



1. Embora co-Editor neste blogue é na qualidade de camarada desta Tabanca Grande que eu - Eduardo José Magalhães Ribeiro -, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, publico esta mensagem, julgando poder contribuir para o melhor esclarecimento das funções dos homens das Operações Especiais na guerra. Isto enquanto não surgem aqui as considerações de outros camaradas, desta especialidade, mais graduados e melhor instruídos e informados.


Camaradas,

Inicio este texto dizendo, o que ando para fazer há muito, que alguns comentários apostos em diversos postes no blogue, fazem-me rir, outros pensar, outros aprender e uns tantos vomitar… de enjoo e nojo!

Não tenho intervido sobre várias palermices que tenho vindo a ler, porque há matérias de que nada, ou pouco, sei e, assim, caladinho e quietinho tenho ganho muito tempo para outros afazeres (ainda não tenho netos), com esta minha posição, e deixado aos mais entendidos as cabais e merecidas respostas, não acrescentando qualquer mais valia ao blogue, antes pelo contrário.

É óbvio que não estou a falar dos irritáveis e traiçoeiros erros, ou incorrecções, pois como seres humanos que somos nada é mais possível de acontecer, nem das chalaças inócuas e brincalhonas de alguns amigáveis e bem dispostos camaradas.

Agora fala-se de RANGERS e, como vem sendo habitual, surgem logo uns “engraçadinhos” (quase sempre os mesmos anti-especiais e mal-intencionados), a “espetarem” as suas “agulhadazinhas” de inveja e, ou, dor de cotovelo.

Alguns RANGERS que acompanham a vida do blogue lêem as palermices e ligam-me a perguntar quem é este ou aquele “camarada”, que escreveu isto ou aquilo, e como eu nego conhecê-los “encomendam-me” recados para os mandar para sítios muito pouco recomendáveis, que não vou aqui mencionar.

Escusado será dizer que, alguns deles, enquanto não virem aqui nestas páginas respeito mútuo entre todos os participantes, negam-se a escrever e enviar-nos para publicação seja o que for sobre as suas memórias da Guiné.

Como eu JAMAIS farei qualquer comentário depreciativo ou pejorativo, seja de que especialidade for, pelo ENORME respeito que todas me merecem e nas quais conto com grandes amigos, deixo aqui registado o meu total repúdio e desprezo por quem o faz.

Posto isto, passo a expor mais algumas considerações, especificamente para os nossos visitantes em busca de informação, e para aqueles camaradas que eu penso que o merecem, e procuram saber respostas baseadas e factuais às suas mais que normais dúvidas e desconhecimentos.

Atrevo-me a tal, porque sei umas coisitas sobre o assunto – RANGERS (por experiência própria) -, pois frequentei com aproveitamento (14,63 valores) o 4º curso de 1973.

Quem foi RANGER, já leu e se apercebeu que o RANGER José M. Gonçalves foi modesto, comedido e racional q.b. na sua redacção, e só deu uma pequena ideia do que era um RANGER em tempo de guerra e para que servia.

Em tempo de guerra e nos idas de hoje, já que o CTOE continua e bem a formar e excelentes e competentes elementos nos seus quartéis para o que der e vier, quer em eventuais acções hostis ao nosso país, quer em outras missões (paz incluídas) onde e quando for preciso.

Como já foi repetido mais que uma vez aqui neste blogue, não vou voltar a contar como é que os “Operações Especiais” de Portugal, são vulgarmente conhecidos por RANGERS.

Assim, vou contar algumas pequenas lembranças minhas do meu curso, além do que foi dito pelo Gonçalves, para melhor se perceber que os RANGERS não eram, nem são, superiores nem inferiores a ninguém... apenas diferentes no modo se ser e estar na tropa e na vida.
  • Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS seria acrescentar que, por exemplo, além da instrução básica de infantaria (exercício físico, luta corpo a corpo, pistas de obstáculos, boxe, etc.) incluía imensas horas de técnicas de combate, prestadas por Alferes dos Grupos Especiais de Moçambique já com algumas comissões no pêlo. Tudo doseado criteriosa e infernalmente com simulações práticas de emboscadas, armadilhas e golpes-de-mão, rodeados de fogo real para melhor nos prepararem para o combate.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS seria acrescentar que, por exemplo, só em granadas, explosivos e munições de vários calibres estoiradas na instrução de um RANGER, custava então, a preços de 1973, 137 contos em moeda antiga.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS seria acrescentar que, por exemplo só nas centenas de quilómetros percorridos em caminhadas, marchas forçadas e crosses, um RANGER gastava, no mínimo, 1 par de botas ao longo do curso, que como bem se devem lembrar não eram assim tão fraquitas como isso.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS seria divagar, ou pormenorizar, os cenários dantescos e macabros das diversas provas que eram lançadas, noite e dia, por vales, rios, montes, cemitérios, campos, etc. aos instruendos e cadetes: Fantasmas, Largadas, Esgotos, Calvários, Gerrilheiras, Durezas 11, 24 Horas de Lamego, etc.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS, seria dizer que os seus elementos eram instruídos e adestrados nas várias especialidades militares de então (minas e armadilhas, transmissões, orientação, montanhismo, transposição de cursos de água, todas as armas ligeiras e pesadas - inclusive algumas do IN -, topografia e primeiros socorros), e ficavam prontos a substituir qualquer elemento dentro de um batalhão, inclusive comandantes de companhia como se verificou em várias ocasiões.

  • Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS, seria dissertar sobre as muitas aulas de acção psicológica que lhe eram incutidas, periodicamente, alertando-os e instruindo-os para os vastos perigos que iriam defrontar, tipos de populações e terrenos, tácticas e armas inimigas, as origens e efeitos do terrorismo, etc.

    Valorizar o que foi dito sobre os cursos RANGERS, seria elogiar uma disciplina rara até então, mesmo nas grandes empresas e escolas deste país, designada por: “SER CHEFE”.


Partes de um panfleto de acção psicológica
Se com esta bagagem "intelectual" e outra já por mim esquecida (já lá vão 36 anos que saí de Penude), os RANGERS não souberam posteriormente (por burrice, laxismo ou outra qualquer imbecilizada, ou miserável justificação), ou não quiseram transmitir (por politiquices maradas, crime omitivo, cobardia ou traição pessoal) aos seus subordinados o que foi ensinado no CIOE em Lamego, é uma coisa.

Outra coisa, como em tudo na vida, é sabermos que alguns RANGERZitos se exacerbaram e, ou, exorbitaram nas doses adequadas e necessárias a uma boa retransmissão de conhecimentos e experiência adquirida nos seus cursos, aos instruendos que lhes tocaram, daquilo que mais ou menos atenta e correctamente aprenderam, não é segredo para ninguém.

Quantas mais especialidades, além dos comandos, páras e fuzileiros (nas suas variantes e especificidades instrutivas) eram assim eram instruídas?

Na minha sincera opinião, reiterando o que o RANGER Gonçalves diz, toda a tropa foi máquina de guerra (cada um no seu poleiro) e contribuiu para o sacrifício e esforço da guerra que nos foi exigido, mas os treinos e as instruções de cada uma das especialidades eram completamente diferentes, como não podia deixar de ser.

Eram ou não importantes os homens que nos faziam chegar o correio muitas vezes a buracos no cu de judas, os que nos transportavam em barcos, os que bombardeavam com os seus aviões em situações aflitivas o IN, os que nos faziam chegar os materiais, equipamentos, alimentos, munições, etc.

Agora, quem não sabe do que fala pode é questionar e tentar informar-se dos porquês (origens, objectivos, finalidades, etc. das várias especializações), junto de quem sabe, ou conhece bem, ou então deve calar-se e não pronunciar-se leviana e cegamente sobre matérias de que nada, ou quase nada, sabe!

Como eu costumo fazer e.. bem, digo eu!

Um abraço,
Magalhães Ribeiro
ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
5 de Novembro de 2010 >
Guiné 63/74 – P7226: Controvérsias (107): O que era ser ranger entre 1960 e 1974? (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 4152)

Guiné 63/74 - P7228: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (3): Páginas de um diário quase improvável, antes de viajar para a Guiné (1) 30 de Outubro

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
Sem compromisso de continuidade, inicio aqui algumas notas avulsas acerca dos preparativos da viagem.
É a única maneira que me ocorre de vos agradecer essa ideia de terem criado a secção “Operação Saudade”.

Com um abraço do
Mário


Operação saudade 2010 (3)

Páginas de um diário quase improvável, antes de viajar para a Guiné (1)

Beja Santos

30 de Outubro

Chove torrencialmente, são bátegas a chicotear os vidros. Está na hora de começar a preparação do que vou fazer à Guiné. Primeiro, e ciente do insucesso, vou catar os álbuns de fotografias, manda a razão que se diga que já deve estar tudo bem embalado em poder do Luís Graça. Afinal há surpresas. Ou a fotografia é um duplicado ou falhou o seu envio em momento oportuno para o Luís. Estamos em Dezembro de 1969, houve um jogo de futebol entre oficiais e sargentos. Aceitei ir para a baliza. Os sargentos marcaram logo quatro golos na primeira parte. Apareço de luvas e quico, de pé, seguem-se depois o então major Cunha Ribeiro, depois o David Payne, médico inesquecível, depois o capitão Brito, comandante da CCaç 12, no extremo o Abel Rodrigues, um dos meus companheiros de quarto e que já fui visitar a Miranda do Douro. De cócoras, não consigo identificar o camarada à minha frente, segue-se o Rodrigues (já falecido), o Carlão (que organizou o primeiro encontro do BCaç 2852 e a CCaç 12, em Fão, nos anos 90) e o Ismael Augusto, o guru das viaturas.

No afã de que apareça um milagre ou uma grande surpresa, continuo a escavar entre a papelada. Encontro uma imagem que a minha mãe me enviou, ela escreve: “O Senhor te ilumine, meu filho”. Data: Natal de 1968. Há outras imagens, fixo-me nesta, creio que ela saiu vitoriosa, recebi todas as bênçãos necessárias para resistir e até para me fortalecer.

Saiu depois uma fotografia tirada em Lucala, creio que no Quanza Norte, Angola. Chegou a Primeira Guerra Mundial, a minha mãe, a segunda a contar da direita, está protegida pela tia Lucília, a minha avó aparece com um amplo chapéu de palha. O que me impressiona são as indumentárias, todos os homens usam colete, estão de chapéu e sapato lustroso. Esta a minha mãe que dizia sempre: “Primeiro sou angolana, depois sou portuguesa”.

Encontro finalmente referências no livro de Luís Cabral à região de Xime e Xitole. No fundo, ele confirma o que escreve Hélio Felgas acerca do início da luta armada: primeiro, o Sul; onde se criou o caos e o isolamento dos aquartelamentos e povoações; a seguir, a floresta do Morés e a turbulência criada à volta, em Mansoa, Olossato, Bissorã, Bula, Farim, etc; e a penetração, com sucessos e revezes, entre o Xime e o Xitole. Telefono ao Queta, ele é o meu dicionário vivo, a central da minha memória. Sim, conheceu muito bem o padre António Galli, de que fala o Luís Cabral, na missão católica de Samba Silate. Domingos Ramos era o nome do dirigente político que agitou a região, ainda em 1962. A partir do segundo semestre de 1963, tudo se começou a desarticular, a guerrilha instalou-se para lá da Ponta Luís Dias, à frente da Ponta do Inglês, a base estava localizada em Mangai, no Fiofioli. Os dados batem certo. A partir daí, só as tropas especiais é que foram coroadas de algum êxito em avançar até ao interior destas bases. Na operação “Lança Afiada”, em 1969, todo o território foi percorrido a pente fino, os guerrilheiros e as populações transferiram-se para a outra margem do Corubal, finda a operação, retiradas as tropas especiais a partir da Ponta do Inglês, os guerrilheiros e a população voltaram calmamente para os seus locais habituais.

O Queta lembrou depois o fim da grande tabanca de Samba Silate, ele chegou a viver em Taliurá, perto da Ponta Coli, um dos lugares mais temidos para emboscadas, na estrada Xime-Bambadinca. Perguntei ao Queta se ele não se lembrava de que tínhamos estado ali quase todo o mês de Julho de 1970. “Lembra, lembra muito bem. Era tempo de chuvas, íamos noite escura buscar os materiais da Tecnil ao Xime, sempre a picar a estrada cheia de lama. Tu falas disso no livro grosso que escreveste, em que eu estou na capa”.

Peço o número de telefone do filho, de nome Mamadu, que vive em Amedalai. Ligo e sou atendido prontamente. Mamadu sabe que eu vou chegar em breve. Esclarece: “Nasci em 1968, em Missirá. O meu pai fala muito do senhor. Sei que vai haver uma festa dos homens grandes que estiveram consigo em Missirá. Eu vou aparecer”. Pergunto por Mamadu Djau, o meu bazuqueiro. Mamadu tem uma resposta pronta: “Mamadu é comerciante, já recebeu informações de Fodé, de Bambadinca, o pessoal vai concentrar-se quando ele mandar”.

Despeço-me deste Mamadu, parece que nos conhecemos desde o princípio do mundo. Sinto que tenho a voz embargada. Tive com o Mamadu Djau um dos episódios mais lindos mas pungentes da minha vida. Em 1990, não o consegui visitar, foi uma estadia de uma semana só para preparar a missão de 1991. O mais longe que fui foi a Missirá, um acontecimento lancinante, ainda encontrei a mãe do Quebá Soncó, com mais de 80 anos, viu partir todos os seus filhos, como vira desmembrar-se todo o regulado do Cuor, em Missirá passou todo o tempo da guerra. Foi uma recepção inesquecível. Esta descrição irá aparecer na Viagem do Tangomau. O que importa agora é referir que mal cheguei à Guiné, em 1991, através de Mamadu Soncó, sobrinho de Abudu Soncó, mandei notícias para Bambadinca, com indicação de quando passaria por Amedalai e que iria visitar Mamadu Djau. Recebeu-me como se recebe um filho pródigo ou um pai muito amado de que se perdeu o rasto, há muito. Passeámos por Amedalai, tirei fotografias com as suas duas mulheres e sete filhos. Como eu gostava de ter essa fotografia aqui! Nunca mais lhe pus os olhos em cima. Caminhava para o fim da tarde quando eu pedi licença ao Mamadu para voltar a Bissau. Ele vestia à europeia, um fato cinzento e uma camisa branca, imaculada. Disse-me: “Não demoro nada, já tenho as malas prontas para seguir contigo”. Foi nesse preciso instante que eu me senti à beira de um precipício, tratara da organização desta visita sem pensar nas consequências. O Mamadu, com a sua lógica, esperava que eu o viesse buscar. Apercebeu-se rapidamente que eu estava atordoado, titubeante. Eu olhava à volta pensando naquelas tabancas de fulas e biafadas que tinham estado sempre com os portugueses, sem vacilar, eu olhava para o fundo como se procurasse Taibatá, Demba Taco e Moricanhe, durante anos e anos flageladas e até destruídas, mas sempre com a bandeira portuguesa a tremular no alto de um poste. Com a tristeza estampada no rosto, Mamadu disse-me: “Estava mesmo à espera que me viesses buscar, esperei estes anos todos, tu sabes muito bem como eu lutava, tu sempre confiaste em mim”. Seja como for, separámo-nos depois de um abraço muito apertado, muito próprio de uma estima profundíssima. Nem o Mamadu Djau sabe o erro crasso que cometi não tendo posto em destaque o seu comportamento heróico naquela noite fatídica de 16 de Outubro de 1969, em Canturé, quando ele ficou a comandar o que restava da força que defendia um Unimog 404 desfeito, com o Manuel Guerreiro Jorge moribundo. Na fotografia do livro “O Tigre Vadio” ele é o primeiro a contar da esquerda, que está de pé, com uma chibata parece afugentar mosquitos. O meu inesquecível Mamadu Djau. Perguntei duas vezes ao telefone ao filho do Queta sobre o estado de saúde de Mamadu Djau e ele disse-me: “Está bem, graças a Deus. Melhor ficará quando daqui a um bocado lhe falar neste telefonema”.



Jogo de futebol em Dezembro de 1969, Bambadinca. Deixei entrar 4 frangos, mas não consegui encontrar um guarda-redes suplente…

Imagem que a minha mãe me enviou no Natal de 1968

Dia de festa, lá para o Norte de Angola. A minha mãe teve uma infância cheia de felicidade e amor.

Mamadu Djau é o primeiro à esquerda; de pé, a seguir, está Jobo Baldé e depois o Queta
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7223: Notas de leitura (165): Crónica da Libertação, de Luís Cabral (2) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7206: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (2): Os meus anfitriões em Santa Helena - Bambadinca

Guiné 63/74 - P7227: Tabanca Grande (253): Carlos Carvalho, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, residente em Fânzeres, Gondomar, irmão da nossa querida Júlia Neto

1. Mensagem de Carlos Alberto Rodrigues Carvalho, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, com data de 28 de Outubro de 2010:

Adesão à Tabanca Grande

O meu nome é Carlos Alberto Rodrigues de Carvalho, fui Furriel Miliciano de Cavalaria, no 4.º Pelotão da CCav 2749/BCav 2922, que se formou em Estremoz, e foi destinado à zona de Piche (ou Pitche). Além desta localidade, estive também por três vezes no nosso Destacamento da Ponte Caium.  Estou já na Tabanca de Pitche e Arredores, e começarei a frequentar os almoços dos Gondomarenses que estiveram na Guiné, na companhia do nosso estimado Carlos Silva.

Resido em Fânzeres-Gondomar, e encontro-me reformado há cerca de ano e meio, do Banco BPI.

Posso informar que sou irmão da Júlia Neto, que está já na vossa companhia, por falecimento do meu cunhado José Neto

Envio os meus cumprimentos de amizade.
Carlos Carvalho


2. Comentário de CV:

Caro Carvalho, bem aparecido na Tabanca Grande (*) onde te poderás instalar à vontade e começares a trabalhar. Passas a ser o nº 460...

A ideia é que cada um de nós possa, a seu modo, colaborar com as suas histórias e fotografias para aumentar este espólio de memórias, já importante, dos ex-combatentes da Guiné.

Seres cunhado do nosso saudoso Capitão Zé Neto (1929-2007), acarreta-te alguma responsabilidade porque ele deixou-nos um património de memórias bem recheado, principalmente sobre Guileje do seu tempo, e sobretudo o rastro de grande afecto, continuado pela Júlia que está connosco por mérito próprio.

A colaboração do Zé Neto, essa, começou na nossa primeira série (**). Se ele fosse vivo, seria o nosso decano, com 81 anos.

No teu próximo contacto manda uma foto actual para te reconhecermos, se nos cruzarmos contigo nos caminhos de Portugal.

Da CCAV 2749 temos, para já, entre nós, há cerca de 2 anos, o camarada Luís Borrega.

Um abraço do Carlos Vinhal, em nome dos demais editores e de toda a Tabanca Grande.
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Notas de CV:

(*) Último poste da série de 3 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7220: Tabanca Grande (252): Jochen Steffen Arndt, estudante do programa de doutoramento da Universidade de Illinois em Chicago, EUA

(**) Vd. poste de 25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (Fim): o descanso em Buba

(...) (Publica-se a 10ª (e última) parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e hoje, capitão reformado) (...).

Recorde-se a justificação que ele deu para partilhar connosco as suas memórias de Guileje: "Depois de muito meditar cheguei à conclusão de que, pelo menos tu, mereces a minha confiança para partillhar contigo uma parte muito significativadas memórias da minha vida militar. São trinta e três páginas retiradas (e ampliadas) das 265 que fui escrevendo ao correr da pena para responder a milhentas perguntas que o meu neto Afonso, um jovem de 17 anos, que pensava que o avô materno andou em África só a matar pretos enquanto que o paterno, médico branco de Angola, matava leões sentado numa esplanada de Nova Lisboa (Huambo). Coisas de família"...

Esta confiança, em mim e na nossa tertúlia, eu tenho que a agradecer ao camarada Zé Neto. Faço votos para que este seja apenas um até breve, até ao meu regresso... LG (...)

Guiné 63/74 – P7226: Controvérsias (107): O que era ser ranger entre 1960 e 1974? (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 4152/73)


1. O nosso Camarada José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER, CCAÇ 4152/73 (Gadamael e Cufar, 1974), enviou-nos, em 30 de Outubro de 2010, a seguinte mensagem:


Camaradas,

Já há muito tempo que estou faltoso em enviar as fotos da praxe, uma das condições do “alistamento” no Blogue.

Aqui as envio agora, com mais uma que já havia enviado, da cerimónia da entrega do aquartelamento de CUFAR ao PAIGC.
O que era ser ranger entre 1960 e 1974?
Camaradas de armas,

Ultimamente tenho estado a pensar nas condições e formação militar que a nossa tropa tinha para enfrentar, um inimigo com uma experiência profunda do terreno, armamento melhor e uma experiência que em alguns casos era superior a 10 anos de combate, assim como uma cultura e formação de guerreiro. Acho que já aqui foi escrito que, para certas tribos na Guiné, um homem, para ser homem, tinha que beber por um crânio humano.

Como todos nós sabemos, os nossos soldados, na sua maioria, eram agricultores, pedreiros, pastores, etc. e iam para a guerra com cerca de 6 meses de treino e os oficiais e sargentos milicianos com cerca de um ano de instrução e uma idade muito perto dos 20 anos.

Na minha opinião este treino era absolutamente inadequado, principalmente quando era administrado por pessoas que não tinham vontade, capacidade nem conhecimentos para o fazer como era o caso dos milicianos.
Muitos dos oficiais milicianos eram recrutados no curso de sargentos milicianos e não tinham idade e, ou, maturidade suficiente para assumirem as responsabilidades de comando.

Vejamos: um alferes miliciano, que era responsável por administrar uma recruta e depois a especialidade aos soldados que eventualmente iam consigo para a guerra, aprendia o “ofício” de militar instrutor e comandante em 6 meses (dos quais 3 eram para a sua própria introdução no Exército e os outros 3 para frequentar um curso intensivo - a especialidade), no meu caso “Operações Especiais”.

A maior parte dos milicianos não tinha convicção para esta guerra e o seu principal objectivo era sobreviver, ele e aqueles que serviam sob o seu comando.

Isto era totalmente demonstrado pela dedicação que a grande maioria dos milicianos dava à formação dos praças, que eventualmente iam arriscar a vida na Guerra do Ultramar.

A formação militar era insuficiente e inadequada!

Isto era sabido pelos escalões do nosso Exército e um dos remendos que tentaram fazer, foi colocar pessoal de operações especiais na formação de companhias para que, estes milicianos melhor treinados mas muito longe de profissionais, conseguissem uma melhor formação operacional nas suas companhias.

Esta filosofia era-nos transmitida em Lamego, mas eu penso que era uma “táctica” muito mal pensada, pois os Rangers nunca foram aceites e não queriam, nem se podiam impor, aos seus demais camaradas e aos capitães milicianos que, na sua maioria, não tinham conhecimento de tal estratégia ou ignoravam-na por completo. Na minha opinião não havia metodologia implementada para esta integração.

Os 10 Mandamentos RANGER lidos todos os dias em Penude, na formatura matinal
Então o que era um Ranger nos anos da guerra?

Um Ranger, era um miliciano recrutado nas fileiras dos milicianos (após prestação de testes às suas capacidades físicas e psicológicas), para serem chefes militares de elite, preparados e treinados para isso, e que no fim de cursos duríssimos e altamente exigentes (a nível de equipa, grupo de combate e companhia de instrução no C.I.O.E.), eram distribuídos pelas diversas unidades de tropa normal.

Esta política, na minha opinião pessoal, não fazia absolutamente sentido nenhum a não ser que houvesse uma estratégia perfeitamente definida e melhor delineada, para que os conhecimentos que os Rangers adquiriam (apesar de eu os achar inadequados), fossem disseminados por todos os militares que compunham uma companhia.

Isto estava muito longe do que acontecia na realidade, pois quando da formação das companhias, aos Rangers eram-lhe atribuídos uma equipa (no caso de um 1º Cabo Miliciano) ou um pelotão (no caso de um Aspirante Miliciano), para serem treinados para a guerra.

Os outros pelotões e equipas eram treinados pelos outros milicianos que não tiveram o treino de Ranger.

Por outro lado muitos dos Rangers que foram integrados nas companhias “de tropa macaca como alguns lhe chamavam”, com as suas melhores formações físicas e psicológicas incutidas na sua especialidade, impunham treino rigoroso e muito exigente a homens mal alimentados que, como é óbvio, os debilitava nas suas melhores aptidões físicas e pior animados nas suas capacidades mentais.

Cometeram-se muitos disparates que, por vezes, resultaram em ferimentos graves nos soldados que estavam sob os seus comandos.

Como devem saber, porque acho que aqui já foi referido, o treino dos Rangers era realizado, na sua quase totalidade, com bala real, mas havia muita preocupação por parte do pessoal instrutor e monitor, altamente competente em minimizar a eventualidade de provocação de acidentes.

Vários Rangers, acabada a especialidade e integrados nas unidades a que eram destinados, decidiam incutir o mesmo treino que lhes foi ministrado em Penude, aos soldados que lhes foram destinados, mas sem as condições (alimentação, equipamento, armamento, munições e outros sistemas de suporte), que lhes permitissem que estes treinos obtivessem os sucessos desejados.

Em diversos casos estes métodos foram completamente desastrosos devido, essencialmente, às faltas de capacidade de transmissão das técnicas e conhecimentos adquiridos, pelo lado dos instrutores e, por outro lado, à falta de poder de assimilação dos instruendos.

Grande quantidade dos soldados que eram incorporados nunca se convenceram que iam lutar feroz e mortalmente contra outros homens, numa guerra (ainda por cima de guerrilha), perigosa e traiçoeira, que os poderia mutilar ou que lhes poderia ser fatal.

Eu tive militares que foram comigo para a Guiné, que não consegui no seu período de instrução que dessem uma simples cambalhota. Ao forçá-los a fazerem isso, caíam mal e, num caso específico, um deles inclusivamente partiu a clavícula.

Pensei na altura que talvez 50% ou 60% tivessem reunidas as capacidades mínimas (físicas e psicológicas), para enfrentar a guerra.

Mas era óbvio que isso, para o poder político e militar, não era importante e o que se pretendia era carne para canhão e formar os tais dispositivos de quadrícula (linha dianteira da guerra espalhada por todo o lado na Guiné).

Era assim que se formava a “tropa macaca portuguesa”, que aguentou 3 frentes de guerra durante 14 anos, apesar de todas as vicissitudes, como treino insuficiente, fraco armamento, péssimas acomodações, transportes deficientes e uma alimentação de bradar aos céus.

Quero só acrescentar um acontecimento que se passou numa das poucas vezes que fui em patrulha, antes do 25 de Abril, e que me foi relatado por um dos oficiais do PAIGC, em Gadamael-Porto, durante uma das nossas conversas.

Qual não foi o meu espanto, quando um chefe do PAIGC nos perguntou, se nos lembrávamos de uma patrulha que tínhamos feito no dia X, pelas tantas horas, na região de Unsiré e Gadamael fronteira.

Respondemos que sim e perguntamos porque nos fazia essa pergunta.

Mais espantado fiquei, quando ele nos disse que, nesse dia, tínhamos passado por uma emboscada montada por eles nessa zona.

Perguntamos logo porque não abriram fogo e a resposta foi algo que ainda hoje me regozijo: “NÃO ABRIMOS FOGO PORQUE PENSAMOS QUE ERAM COMANDOS”.

Como oficial que fui, quero dizer a terminar que nunca mais quero ir para uma guerra, nem comandar ninguém, mas se tivesse que ir de novo hoje só aceitaria desde que me acompanhassem os mesmos militares portugueses desse tempo, porque demonstraram capacidades invulgares de enorme de sacrifício, tolerância e adaptação às circunstâncias mais adversas.

Espero que este texto gere novos “postes” sobre este assunto, pois considero-o como um dos pontos fundamentais, para compreendermos como conseguimos aguentar uma guerra daquelas durante tanto tempo.


Cufar > 07SET1974 > Cerimónia da entrega do aquartelamento ao PAIGC
Cumprimentos para todos
José Gonçalves
Alf Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 4152/73
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

29 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 – P7190: Controvérsias (106): Venho aqui para vos dizer que estou vivo! (António Matos)