domingo, 31 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7199: Notas de leitura (163): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2010:

Queridos amigos,
Acabei a recensão do importante livro do Hélio Felgas.
Segue-se Luís Cabral e a sua indispensável “Crónica da Libertação”.
Daqui salto para o fuzileiros que combateram na Guiné, levantamento feito por Luís Sanches de Baêna.
Devo estas importantes leituras ao António Duarte Silva.
Isto dá-me argumento para voltar ao meu incessante pedido a todos os confrades, que me cedam as obras que possam ajudar ao mais exaustivo inventário de tudo o que se tem publicado sobre a Guiné, nomeadamente no período correspondente à guerra (mas o próximo e o logo a seguir também contam, claro está).

Um abraço do
Mário


Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (4)

Beja Santos

A evolução dos acontecimentos militares de 1964 para 1965

No seu importante documento “Guerra da Guiné”, Hélio Felgas traça um quadro promissor para o controlo da guerrilha a partir do segundo semestre de 1964. Como se sabe, não só não houve controlo como o PAIGC adquiriu uma maior capacidade irradiante. No termo do seu trabalho, Hélio Felgas é peremptório: em 1965, a situação militar estava a melhorar substancialmente, no primeiro semestre. É facto que a presença do PAIGC na região do Boé aumentou, reavivou-se no nordeste da Província. Mas as contradições não param. Ele escreve: “O mês de Fevereiro foi aquele em que o PAIGC se mostrou mais activo, desde o início do terrorismo, tendo os seus grupos, só entre os dias 10 e 17, realizado perto de meia centena de acções de fogo”. Para o autor, as tropas portuguesas revelavam-se bem adaptadas ao terreno e a malha de ocupação militar. “A ofensiva dos bandoleiros foi não só contida como rechaçada”. Para Hélio Felgas, a situação militar na Guiné estava praticamente dominada no final de Junho de 1965. É certo que continuava a colocar minas, a fazer emboscadas e a flagelar aquartelamentos. Mas revelava falta de convicção e os grupos do PAIGC mostravam-se moralizados. O facto não é demonstrado, pelo contrário o relato prossegue contrariando a euforia das provisões: mais emboscadas entre Barro e Ingoré, entre Barro e Bijene; a base em Sambuiá estava activa, a base fora destruída e renascera; nas áreas de Binta-Guidage e Canjambari, o PAIGC aumentou a sua actividade; reacenderam-se as emboscadas na estrada Bissorã-Olossato; na zona centro-leste (confluência dos rios Corubal e Geba) a actividade das forças do PAIGC manifestou-se em ataques a tabancas em autodefesa, caso de Finete e Quirafo; o novo aquartelamento de Ponta do Inglês era flagelado sem descanso e com regularidade eram postas minas na estrada Xime-Ponta do Inglês e em Ponta Varela; no Sul, não houve quebra nas flagelações e emboscadas: Cameconde, Cacoca, Sangonhá, Ganturé, Buba, Bedanda, Fulacunda, Cachile e Cufar, entre tantos outros aquartelamentos. A partir de Maio, reduziram-se as acções ofensivas, fica-se sem saber se as chuvas foram um factor importante. O triângulo Piche-Buruntuma-Canquelifá foi severamente flagelado mas a penetração a leste manteve-se, no essencial, contida.

Hélio Felgas escreve que constava que os comandantes do Oio se tinham dirigido a Amílcar Cabral para entrar em negociações com o Governo português, tal seria o cansaço e a desilusão. Corriam igualmente boatos acerca de desinteligências entre os chefes dos grupos combatentes e os dirigentes do PAIGC. Estava a crescer o número de denúncias civis, o que certificava que a população deixara-se de bandear para a guerrilha. O autor especula sobre os factos desfavoráveis que estavam a ocorrer no PAIGC mas também não dá argumentação convincente. E o texto termina com uma laude: “Seja qual for a sua evolução, podemos estar certos que o Exército, a Marinha e Aviação saberão manter na Guiné as melhores tradições militares portuguesas”.


A luta na Guiné em 1970

Em 10 de Abril de 1970, o coronel Hélio Felgas profere uma conferência na Academia Militar intitulada “A luta na Guiné”.

Abre a sua intervenção dizendo que ali existem as condições ideais para a guerra de guerrilhas, tal a densidade do mato, a hostilidade do clima, a proliferação de rios e rias, até a humidade insuportável.
 Passando para o contexto internacional, refere que a partir de 1955 as autoridades inglesas e francesas dos territórios africanos sob a sua administração tinham autorizado a formação de partidos políticos, como veio a acontecer na Guiné francesa de então e no Senegal. Como numa onda de choque, os guineenses da nossa província, sobretudo os residentes naqueles territórios, sentiram-se inclinados a formar partidos políticos.

Depois apresentou a FLING e o PAIGC, destacando o essencial das divergências: a FLING apenas deseja a independência da nossa Guiné, o PAIGC, dirigido sobretudo por cabo-verdianos, arvora-se em libertador da Guiné e Cabo Verde. Tais rivalidades levavam a que o PAIGC não tenha formado até à data qualquer governo provisório porque, diz o conferencista, Amílcar Cabral deseja evitar invejas e descontentamentos que levariam ao enfraquecimento do partido. Descreveu sumariamente as ideologias no Senegal e na Guiné Conacri e fez um comentário às preocupações de Senghor que até 1966 tudo fizera para dificultar o deslocamento dos grupos do PAIGC no sul do Senegal.

Passando para a luta armada, o orador declarou sem hesitação uma relativa ineficácia da actividade militar do PAIGC. Mas logo alertou: “Não podemos confiar na eterna inaptidão do inimigo para o combate”. Procurando desdramatizar, observou que a situação na Guiné é geralmente mal avaliada na metrópole, havendo a tendência para se considerar muito pior do que na realidade está. A mensagem de optimismo continuou com a declaração de que é totalmente falso que o PAIGC ocupe realmente e em permanência qualquer parcela da Guiné.

Chegando às conclusões, este oficial superior que fizera duas comissões na Guiné resumiu assim a situação militar, até 1970: o inimigo executa incursões de surpresa em quase todo o Sul, na faixa fronteiriça do Norte e em parte da região entre os rios Cacheu e Geba; o inimigo esforça-se, sem qualquer êxito, por se infiltrar no sector dos Fulas; fazendo base em território estrangeiro, flagela as nossas povoações e aquartelamentos fronteiriços, embora quase sem nos causar baixas.
E concluiu sossegando a assistência: “O PAIGC jamais poderá ganhar militarmente a guerra, a não ser que empregue, meios, forças e tácticas diferentes”.

Não nos restam comentários a fazer, para além de se realçar a importância do livro publicado em 1967 e cuja leitura poderia ter sido bastante útil a todos aqueles que ali combateram e que praticamente tudo ignoravam sobre o evoluir da guerra.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7194: Notas de leitura (163): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (3) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Torcato Mendonca disse...

Mário:
Admiro-me de ainda andares á volta com o livro do General Hélio Felgas. Quando falas de Hermes de Oliveira por ex.?
Não conhecias o, então, Coronel? Ao fim de um ano, nem tanto, seis meses, precisavas assim tanto de informações de como pensava quem nos comandava?
Eu respeito a sua memória e a de outros por quem fui comandado, e tu também,no L1 e noutros L's.
De acordo com eles?! Pois palavras para quê? Eram homens defensores de um regime que nos governava. Eu, repito eu, discordava. mas cumpria as missões...algumas não.Quais? Digo no próximo encontro.

Bom feriado AB do T.