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terça-feira, 18 de março de 2014

Guiné 63/74 P12850: (In)citações (62): Agradecimento da família Schwarz da Silva ao nosso blogue por, metaforicamente falando, ter emprestado os seus cavaleiros e tambores para glorificar o Homem, que foi o Pepito, na vida e na morte (João Schwarz da Silva / Luís Graça)




Poema datilografado, sem data, com emendas manuscritas pelo autor, Artur Augustio Silva, cortesia do seu filho João Schwarz da Silva

Morreu o homem
Artur Augusto Silva
(Nova Sintra, Ilha da Brava,
1912- Bissau, 1983)

Ao meu amigo Mamadú Baldé

por Artur Augusto Silva [, foto à direita,]



Mamadú Baldé,
filho de Salifo,
filho de Indjai,
filho de Tchamo,
filho de Monjur,
filho de Mutari,
cuja linhagem se perde há mais de dois mil anos
nas terras do Egito,
e de quem os antepassados remotos viram Moisés e Maomé
e com eles conversaram sobre o tempo e as colheitas.
Mamadú Baldé morreu.
Mamadú Baldé, 

o sábio que falava com Alá
e era bom
e era justo,
morreu.
Cavaleiros e tambores levaram a notícia a toda a parte:
subiram as encostas do Futa-Djalon
e desceram para o mar.
Percorreram o Sudão até Cao e Tombucutú
e desceram o lago Tchade.
E toda a terra dos fulas repetiu:
morreu Mamadú Baldé.
O sol parou o seu caminho,
espreitou para Labé,
viu Mamadú morto,
e continuou.
A lua parou também o seu caminho,
espreitou e continuou.
Os rios que nascem no teto do mundo,
pararam na sua corrida para o mar
e prosseguiram.
E o poeta pegou num pedaço de papel
e escreveu:

Morreu o Homem.

In: Artur Augusto da Silva - E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu: Poemas.
Bissau, Instituto Camões - Centro Cultural Português. 1997. p.21 (*) (**)

[Fixação de texto / Revisão em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico: L.G.]




Lisboa > São Sebastião da Pedreira (ou S. Martinho do Porto?) > Em primeiro plano, o Carlos, ainda bebé, mais os irmãos Henrique (Iko) e João. 

Foto: © António Lopes (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de João Schwarz da Silva, irmão do Pepito, e que vive em Paris [, foto à esquerda, cortesia do sítio European Alliance for Innovation]

[Engenheiro de formação e profissão, é doutorado em "Performance Analysis of Mobile Packet Radio Systems" pela Universidade de Carleton, Ottawa, Canadá, 1981; foi alto quadro da Comissão Europeia (1991-2010), diretior de seviços na Direcção-Geral da CE para a Sociedade da Informação; é atualmente investigador da Universidade do Luxemburgo; autor de uma centena de artigos e livros técnicos e científicos nas suas áreas de especialização; entre outras atividades sociais, é presidente da direcção da Associação dos Amigos da Sinagoga de Tomar]

Data: 14 de Março de 2014 às 14:38

Assunto: Agradecimento

Caro Luís Graça,

Graças a si e ao seu formidável blogue, que eu já conhecia, foram muitos aqueles que viram a noticia da morte do meu irmão Carlos. Durante a conversa telefónica que tivemos há poucos dias, agradeci a sua contribuição para o conhecimento da Guiné e para o conhecimento das actividades do Carlos. Penso no entanto ser preferível deixar-lhe uma mensagem escrita a agradecer tudo o que tem feito para celebrar a memória do Carlos.

O nosso pai Artur escreveu um dia um poema intitulado "Morreu o Homem" no qual fala dos cavaleiros e tambores que levaram para toda a parte a noticia da morte de Mamadu Balde. De certo modo o seu blogue corresponde aos cavaleiros e tambores, no caso do Carlos.

Em breve vou tentar acrescentar ao site que comecei a fazer há já uns tempos, uma parte onde irei tentar retraçar a vida do Pepito (mais exactamente Agapito que era um herói do "Cavaleiro Andante" mas que o Carlos não conseguia restituir devidamente quando era miúdo).

Convido-o desde já a dar uma vista de olhos ao site www.desgensinteressants.org onde encontrara nomeadamente um capitulo sobre o nosso pai Artur. Convido-o também a comunicar-me alguns elementos que possam fazer parte do capítulo que será dedicado ao Carlos.

Mais uma vez um grande obrigado e um grande abraço. (***)

João Schwarz da Silva

Anexo: Original de "Morreu o Homem"


Lisboa, campus da ENSP/UNL, 6 de set 2007; da esquerda para
a direita,  Nuno Rubim, Pepito e Luís Graça. Foto: LG 
 2. Resposta de Luís Graça, 
com data de 14 do corrente



Meu caro João:

A amizade não se agradece. A perda do Pepito toca-nos a todos, A si e aos seus, seguramente, de uma maneira única, e para mais numa família como a vossa que tem, do lado materno (os Schwarz), um historial de perdas trágicas,

Já dei uma "vista de olhos" ao seu sítio na Net ("Des Gens Intéressants", Gente Interessante, em português). E incentivo-o a prosseguir. Por si, pelo Carlos, pela família, pelos amigos, por todos nós.

Dou-lhe os parabéns pela filial devoção, rigor documental e riqueza iconográfica do extenso capítulo dedicado ao seu pai, Artur Augusto Silva (e, e donde constam preciosos documentos, como, por eemplo, a foto do funeral, em 1935, do Fernando Pessoa). É a história de uma vida, de um homem, cidadão, advogado, escritor,  intelectual, português, pai e esposo; é a história de uma família mas também de uma época, e de três países lusófonos, que nos são caros, a todos nós:  Cabo Verde, Portugal e Guiné-Bissau.

Tenho mais fotos (e vídeos) do seu mano Pepito que llhe enviarei com todo o gosto: 

(i) da viagem que fiz à Guiné, em fev/mar 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje;

 (ii) da viagem que o meu filho João Graça (médico e músico dos Melech Mechaya, a única banda klezmer portuguesa) fez, um ano depois, à Guiné-Bissau, em dezembro de 2009, tendo privado com o Pepito e a famíla, em Bissau, no Quelelé, mas também em São Domingos, num festival intercultural;


(iv) dos nossos encontros anuais, na Tabanca de São Martinho do Porto, em agosto, nas férias da família, na mítica Casa do Cruzeiro... 

 Há, além disso, fotos diversos dos nossos camaradas que privaram com o Pepito, em Bissau, por ocasião de entregas de ajuda humanitária em Bissau... Enfim, tenho que consultar os meus arquivos fotográficos, que já são vastíssimos...e estão em diversos suportes (CD-Rom e discos externos), para alénm das inúmeras referências que há, no nosso blogue, (na I e II Série) ao Pepito e à sua querida ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, "o seu 5º filho", depois do DEPA - Departamento de Experimentação e Produção de Arroz, da Cristina, da Catarina e do Ivan...

Sinto uma dor imensa por não ter podido conviver mais e conhecê-lo melhor... E de ter "falhado", por razões profissionais, o seu convite para ir à inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje, em 20 de janeiro de 2010. Mas mesmo assim tenho guardadas largas dezenas de emails que trocámos nestes últimos anos...e de que poderei mandar-lhe uma seleção... 

O Pepito e a Isabel tornaram-se rapidamente amigos da nossa família e chegaram a vir jantar a nossa casa algumas vezes, em Alfragide e na Lourinhã... Quando vinha a Lisboa, o Pepito andava sempre num pandemónio, alimentando as suas redes de contactos e resolvendo assuntos da sua ONGD. E, infelizmente, nos últimos tempos, nos hospitais... A Alice e os meus filhos Joana e João tinham uma grande admiração e afeto por ele. O mesmo se passa com muitos dos meus camaradas e amigos da Guiné que tiveram o privilégio de o conhecer.

Se mo permitir, vou publicar a sua mensagem para conhecimento dos muitos amigos que o Carlos tinha no nosso blogue, que é, como sabe, uma criação coletiva. Aliás, é espantosa a nossa aproximação, a partir de finais de 2005, tendo nós sido homens que combateram o PAIGC de Amílcar Cabral... O Pepito percebeu, primeiro que ninguém, que Guileje podia e devia ser um traço de união entre todos nós, portugueses, guineenses, caboverdianos, lusófonos...

E estou-lhe muito grato, a si, João, pelo poema datilografado, lindíssimo, em que o seu pai faz o luto pela morte de um amigo e "homem grande", a que chamou simplesmente "o homem".  Também o Carlos não precisava de adjetivos: ele era o homem, o que honrou (e continuará a honrar) a nossa comum humanidade, a nossa condição humana... Hei-lhe um dia destes fazer-lhe um poema, para o seu sitio Des Gens Intéressants..

Dê um beijinho á sua querida mãe, Clara Schwarz, que faz o favor de ser nossa amiga. Ainda não arranjei um bom pretexto (!) para lhe falar,  coisa que fazia com alguma regularidade. E tenciono continuar a fazê-lo. Como sabe, ela é a nossa "decana" e queremos fazer-lhe uma grande festa daqui a um ano, poor ocasiaão do seu 100º aniversário!...

João, vamos comunicando. Julgo que já regressou ou vai regressar a França. Boa viagem. Saúde e longa vida para si e os seus. Um abraço. Luis.

PS - Já em tempos tinha publicado o texto original do poema "Morreu o Homem", (que é em prosa). Tomei, no entanto a liberdade de o converter para o fornmato de verso, procurando reconstituir a magnífica oralidade do texto. (*)

_______________

Notas do editor:

(*) Vd-. poste de 18 de setembro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8789: Blogpoesia (160): Na morte de Mamadú Baldé, descendente do régulo Monjur: E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu (Artur Augusto da Silva)

(**) Vd. recensão feita ao livro pelo nosso camarada Beja Santos, no  poste de 

13 de abril de  2011 > Guiné 63/74 - P8093: Notas de leitura (228): Poemas, de Artur Augusto da Silva (Mário Beja Santos)


(***) 8 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12695: (In)citações (61): Pepito, Clara, Isabel, estamos convosco! ...E fazemos votos para que o bom irã, acocorado no alto do poilão da nossa Tabanca Grande, ajude a dar força, ânimo e esperança à família Schwarz, nesta hora difícil (Luís Graça)