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sábado, 20 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25765: (De) Caras (213): Não conheci pessoalmente o cap inf Manuel Aurélio Trindade, último cmdt da 4ª CCAÇ e primeiro cmdt da CCAÇ 6 (Rui Santos, ex-alf mil, 4ª CCAÇ e CIM Bolama, Bedanda e Bolama, 1963/65)




Rui Santos, ontem e hoje




Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Da esquerda para a direita, o ex-cap Trindade, o primeiro cmdt da CCAÇ 6 (e o último da 4ª CCAÇ) Lassano Djaló, Rui Santos e o Amará Camará.

Foto (e legenda): © António Teixeira (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Rui Santos, ex-alf mil, 4ª CCAÇ e CIM Bolama (Bedanda e Bolama, 1963/65) (integra a nossa Tabanca Grande desd2e 27/12/2009)


Data - quinta, 4/07/20024 17:32~

Assunto - Honras de Tabanca Grande para o nosso "bedandense" Aurélio Trindade

Amigo Luis

Venho só hoje "responder" .. á tua resposta ... Não o conheci pessoalmente, ao capn  Manuel Aurélio Trindade, sei que esteve em Bedanda, sai daí em junho de 1964 a caminho de Bolama (fui a Bissau buscar a minha mulher e seguimos direto para a antiga capital da Guiné).

Os comandantes de companhia que tive em Bedanda foram: cap Alcides Sacramento Marques,   o melhor militar que conheci .... Veio depois, e se não me engano, o amigo Renato .... e depois o João José Louro Rodrigues de Passos que trocou com o Câmara Tavares e foi para Bolama ... A perseguição continuou, feitios adversos ...

Adoro pensar que fui um militar cumpridor e tenho vergonha de saber de outros que não o foram. De vez em quando estou com uns "desejos" de voltar á Guiné e "sentir as balas zunindo ao meu redor, os rebentamentos dos morteiros do IN e dos meus, as basucadas que enviei bem como as que recebi para não falar das granadas de mão que (graças a Deus a maior parte ainda vinha integral com cavilha e tudo) para não falar do canhão sem recuo do IN... ~

Depois fui para Bolama onde do lado de lá do canal cerca de 1,5 Km de Bolama, eram atacados de vez em quando- Euanto estive com minha mulher e filha, foram atacados em grande força pelo menos duas vezes, e as balas por cima de nós passavam...

Ainda fui com os "meus" 110 recrutas, tomar conta do aquartelamento de Fulacunda, pois a Companhia  ali estacionada saiu numa operação, e ali estivemos uns dias ... felizmente calmos.

Há um episódio que relatei e comuniquei a diversas entidades ....Sem uma única perguunta  perla parte deles... como sempre andei por fora do aquartelamento mas ate cerca de 10 metros do arame farpado sebe exterior, sem armamento nenhum e vejo do lado de fora um "homem" todo nú a andar na minha direcção, ele também me viu ... estacou tal como eu ... chamei e ele, em passo rápido a andar como um homem ... pois era um grande ser com mais uns 15/20 ctms de altura que eu, muito bem constítuido. fui chamar os sargentos mas cheguei á conclusão que não pois estávamos em Zona de perigo.

E assim está o resumo de uma parte da minha "Guerra" na Guiné ...que adorei

Obrigado, Luis

2. Comentário do editor LG:

Rui, os Cmdt da tua velhinha 4ª CCAÇ, por ordem cronológica (1961-1967), segundo a Ficha de Unidade (a):

  • Cap Inf Manuel Dias Freixo
  • Cap Inf António Ferreira Rodrigues Areia
  • Cap Inf António Lopes Figueiredo
  • Cap Inf Renato Jorge Cardoso Matias Freire (o nosso Jorge (George) Freire, a viver nos EUA)
  • Cap Inf Nelson João dos Santos
  • Cap Mil Inf João Henriques de Almeida
  • Cap Inf Alcides José Sacramento Marques
  • Cap Inf João José Louro Rodrigues de Passos
  • Cap Inf António Feliciano Mota da Câmara Soares Tavares
  • Cap Inf Aurélio Manuel Trindade
(a) Os Cmdts Comp são apenas indicados a partir de 1jan61-
_______________

Nota do editor:

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25710: Louvores e condecorações (16): Aurélio Trindade, ten gen ref (1933-2024), ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): Cruz de guerra de 2ª classe e Medalha de Valor Militar, Prata com palma


Aurélio Trindade, membro da Tabanca Gande,
 a título póstumo (nº 891)


Capitão de Infantaria AURÉLIO MANUEL TRINDADE

4* CCAÇ - CTIGUINÉ 

Cruz de Guerra 2ª  Classe


Cruz de Guerra de 2ª Classe. 
Imagem: cortesia do Portal UTW - Dos Veteranos da


Transcrição da Portaria publicada na OE n.o 5 - 2.8 série, de 1967.

Por Portaria de 31 de Janeiro de 1967:

Condecorado com a Cruz de Guerra de 2ª  classe, ao abrigo dos 
artigos 9º  e 10º  do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Capitão de Infantaria, Aurélio Manuel Trindade.

Transcrição do louvor que originou a condecoração.

(Publicado nas OS n.o 10/66, de 06 de Dezembro de 1966, do CCFAG e nº  49, de 08 de Dezembro do mesmo ano, do QG/CTIG):

Louvado o Capitão de Infantaria, Aurélio Manuel Trindade porque, sendo Comandante da 4ª  CCac, aquartelada no Agrupamento Sul, conseguiu durante
os 15 meses do seu comando, mercê 
duma acção notável de chefe, transformar aquela Unidade de características muito  especiais, aquartelada numa região sujeita 
a grande isolamento e onde o lN se tem mostrado  forte e aguerrido, numa Unidade disciplinada, de elevado moral, agressiva e eficiente, solucionando sempre da melhor maneira os problemas administrativos e operacionais, com grande destaque para estes, que resolveu sempre dando provas de elevado espírito ofensivo.

Sob o seu comando, a 4ª CCAÇ, realizou e tomou parte em cerca de 20 operações e em todas elas o Capitão Trindade soube extrair dos seus meios grande rendimento. Salienta-se a sua acção na operação "Sempre Fixe", uma das muitas que realizou por sua iniciativa, durante a qual a Companhia, devidamente articulada, em frente de um grupo lN bem armado e instalado em boas posições de tiro, oferecendo forte resistência, executou, a descoberto, uma valorosa manobra envolvente, com um grupo de combate em que se incorporou o Cap Trindade, a qual conduziu à fuga desordenada do ln, com muitas baixas, tendo confirmado nesta acção serenidade, decisão, coragem e sangue frio, a par da forte determinação em bater o ln e dum elevado espírito manobrador.

Oficial muito modesto, os relatos das acções em que tomou parte quando elaborados por ele não realçam suficientemente a sua acção que se pode classificar de verdadeiramente extraordinária através das opiniões dos seus subordinados e dos Comandos sob cujas ordens serviu.

Por todos estes factos e porque se trata de um oficial inteligente, com óptimos conhecimentos militares, dotado de forte personalidade, perfeitamente
integrado na sua missão, e, ainda, porque sempre dispensou a maior e mais eficiente colaboração aos outros ramos das Forças Armadas, designadamente às Forças Navais nas inúmeras vezes em que se tornou necessário dar protecção aos comboios por estas efectuados na sua zona de acção, deve o Cap Trindade ser apontado como exemplo dignificante ao CTIG e ao Exército. 

 Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 5.° volume: Condecorações Militares Atribuídas, Tomo IV: Cruz de Guerra (1967). Lisboa, 1992, pp. 116/117
_______________




Medalha de Valor Militar, Prata, com palma. 
Imagem: cortesia do Portal UTW - Dos Veteranos da


Capitão de Infantaria AURÉLIO MANUEL TRINDADE

Medalha de Prata de Valor Militar, com palma

CAÇ 6 - CTIGUINÉ

Mdalha: Valor Militar | Grau: Prata, com palma



Transcrição da Portaria publicada na OE n.o 21 - 2.a série, de 1967:

Por Portaria de 3 de Outubro de 1967:

Condecorado com a Medalha de Prata de Valor Militar, com palma, nos termos do artigo 7º , com referência ao § 1º do artigo 51º, do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, o Capitão de Infantaria, Aurélio Manuel Trindade, pela forma altamente eficiente e extraordinariamente brilhante como, durante mais de 23 meses, em zona isolada e muito difícil do Sector Sul da Guiné, comandou a Companhia de Caçadores nº 6 (antiga 4.ª Companhia de Caçadores), constituída por pessoal do recrutamento da Província.

Tendo participado em cerca de 50 operações, em todas cumpriu integralmente
a missão, alcançando êxitos consideráveis à custa de ligeiríssimas perdas, e, actuando sempre com determinação e decisão inquebrantáveis, ocupando no dispositivo os lugares de maior perigo, comparecendo onde mais necessário se tornava fazer sentir a sua acção e não raro, à frente de um punhado de soldados, arrancando heroicamente sobre o inimigo, o obrigou a aliviar a pressão, desalojando-o de posições que lhe conferiam vantagens.

Merecem especial relevo as últimas actuações deste oficial nas operações "Pronta" e "Penetrante", em que, mais uma vez, conseguiu resultados valiosos, mercê das hábeis e ousadas manobras que pôs em execução e dos conhecimentos especiais que possui do tipo de guerra que se trava na Guiné.

Dotado de extraordinárias qualidades de Chefe, reconhecidas, aliás, pelos seus subordinados, que, em todas as cicunstâncias, o seguiram cegamente e com total confiança, o Capitão Trindade conseguiu evidenciar exuberantemente, no comando da sua Companhia, em operações, a prática de actos de rara abnegação, arrojo, audácia, valentia, coragem moral e física, sempre com grave risco de vida frente ao inimigo.


Mealhada (2012).
Aurélio Trindade,
ten gen ref
Militar de excepção, muito leal, inteligente, de forte carácter e vincada personalidade, disciplinado e disciplinador, enérgico, decidido e voluntarioso
e com excepcionais qualidades de comando, a par da sua invulgar actuaçãono campo operacional, conduziu com muita proficiência, em todos os aspetos, a Companhia de Caçadores nº 6, que conseguiu transformar numa unidade combatente de real valor.
 
O Capitão Trindade prestou, no exercício das suas funções no Comando Territorial Independente da Guiné, valorosos e distintos feitos de armas, de que resultaram brilho e honra para as Forças Armadas e para a Nação.

Ministério do Exército, 3 de Outubro de 1967. 

O Ministro do Exército, Joaquimda Luz Cunha.

Promovido por distinção a Major, por Portaria de 1 de Maio de 1969, pubJicada na OE n" 12 - 2ª série, de 1969:

Estado-Maior do Exército
Major de Infantaria, por distinção, supranumerário, o Capitão de Infantaria,
do Estado-Maior do Exército, Aurélio Manuel Trindade.

 Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 5.° volume: Condecorações Militares Atribuídas, Tomo I: Torre e Espada e Valor Militar. Lisboa, 1990, pp. 258/259

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

(**) Últimno poste da série > 15 de junho de  2023 > Guiné 61/74 - P24401: Louvores e condecorações (14): Ordem da Liberdade, Grande Oficial, para o antigo cap QEO Humberto Trigo de Bordalo Xavier, cmdt da CCAÇ 12 (e também da CCAÇ 14, e antes da CART 3359)

Guiné 61/74 - P25709: Tabanca Grande (561): Aurélio Manuel Trindade, ten gen ref, ex-cap 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67), militar de Abril, e autor do livro de memórias "Panteras à solta": senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 891



O então cor inf Aurélio Manuel Trindade. 
Foto da Academia Militar, s/d, 
gentilmente cedida pelo seu camarada e 
amigo cor art ref Morais da Silva,
beirão de Lamego

1. Não somos um blogue de generais, nem os generais precisam deste blogue.  Somos um blogue de "amigos e camaradas da Guiné", antigos combatentes.  Mas sentimo-nos honrados por termos também alguns generais entre nós. Fomos arraia-miúda da guerra da Guiné: infantes, artilheiros, cavaleiros, marinheiros, fuzileiros,  "rangers", paraquedistas, enfermeiros, enfermeiras paraquedistas, médicos, capelães, vaguemestres, sapadores, condutores, cozinheiros, mecânicos, bate-chapas, escriturários, quarteleiros,  básicos, homens as transmissões, pilotos, especialistas da FAP, e por aí fora. 

Temos comandantes operacionais, capitães de várias armas, que combateram na Guiné e fizeram as suas carreiras, chegando a oficiais superiores  (coronéis, capitães de mar e guerra) a a oficiais generais (majores e tenentes 
generais). E alguns estiveram no 25 de Abril de 1974.  

Só não temos nemhum marechal: Spínola (tal Costa Gomes) morreu muito antes da criação da Tabanca Grande. Mas o Costa Gomes nunca nunca bebeu a água do Geba, do Corubal, do Cacheu, do Buba, do Cacine, do Cumbijã... 

O Aurélio Manuel Trindade foi nosso camarada (conceito que,  entre os infantes,  abarca todos os combatentes até ao nível de comandante operacional, ou seja, o que "alinha no mato" com a "canhota"). 

Foi combatente na Guiné e militar de Abril.   Faleceu no passado dia 12 de junho (*). Era tenente general, oriundo da arma de infantaria. Estava reformado. Tinha acabado  de fazer 91 anos.  Viúvo, deixa três filhos e não sei quantos netos. Na comunicação social a sua morte passou praticamente despercebida. Ele não er um figura mediática, vivia muito discretamente e era raro aparecer nos nossos convívios.  Convidei-o, através do seu amigo e cmarada cor inf ref Arada Pinheiro, a ir um dia à Tabanca da Linha. Declinou amavelmnete o convite. Mas sabia que estávamos a publicar notas de leitura e excertos do seu livro "Panteras à solta" (**)...

Recorde.se que, sob o pseudónimo literário Manuel Andrezo, escreveu um livro notável de memórias, de cariz autobiográfico, "Panteras à Solta" (edição de autor, 2010). 

Sabemos que  à frente da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67), o cap inf Trindade revelou-se um excecional comandante operacional, e um grande líder:  percebeu, muito cedo, que naquela "guerra subversiva" o mais importante era conquistar as populações...

No CTIG, foi o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6. Fez a sua comissão sempre em Bedanda, entre julho de 1965 e julho de 1967

Com mais três comissões, primeiro na Índia, depois em Moçambique, como capitão (1962/64) e outra em Angola, já como major (1971/73), era um militar condecorado com Medalha de Prata de Valor Militar com Palma, Cruz de Guerra, colectiva, de 1.ª classe, Cruz de Guerra de 2.ª Classe, Ordem Militar de Avis, Grau Cavaleiro, Medalha de Mérito Militar de 3.ª Classe e ainda Prémio Governador da Guiné. Participou no 25 de Abril, como major, tinha então 41 anos e estava colocado na EPI, Mafra.



Foto da capa  do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010 / 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo era o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/ jul 67]

Na foto acima, da capa, o "capitão Cristo, sentado ao centro, na casa do Zé Saldanha [encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia] . Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o Zé Saldanha" (legenda, pág. 440).  O cap Cristo era nem mais nem menos do que o "alter ego" do cap Aurélio Manuel Trindade, o 10º (e último) comandante da 4ª CCAÇ, desde 1jan61, e o primeiro comandante (de dez!), a partir de 1bril de 1967, da CCAÇ 6 (Bedanda, 1967/74).



Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Brasão da CCAÇ no bolo da festa...


Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Foto de grupo.


Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Foto de grupo (metade esquerda)

«

Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Foto de grupo (metade direita: o ten gen Aurélio Manuel Trindade, em mangas de camisa, é o segunda  a contar da direita, na primeira fila)


Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das 
Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Da esqura para a direita, Gualdino, Luz e Coronel Renato Vieira de Sousa (este oficial foi quem comandou a CCAÇ 6,  em 1967/69, logo seguir ao Aurélio Trindade, que terminou a comissão em meados de 1967)


Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Da esquerda para a direita, o ex-cap Trindade, o primeiro cmdt da CCAÇ 6, Lassano Djaló, Rui Santos (nosso grão-tabanqueiro da primeira hora) e o Amará Camará.

Fotos (e legendas): © António Teixeira (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Brasões das 4º CCAÇ e CCAÇ 6


2. O Aurélio Manuel Trindade, um beirão de Viseu, vai agora sentar-se, à sombra do nosso poilão,  no lugar nº 891 (***).  

É uma entrada, mais que merecida, embora infelizmente a título póstumo. É "apadrinhada" pelo seu amigo e camarada cor inf ref Mário Arada Pinheiro, um ano mais velho do que ele na Escola do Exército (1951/52).

Temos poucas fotos do novo grão-tabanqueiro. Uma delas é do 2º encontro do pessoal da CCAÇ 6, na Mealhada, em 6 de fevereiro de 2012, organizado pelo saudoso António Teixeira, "Tony" (1948-20123), ex-alf mil da CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73)  (****)

Como eu próprio escrevi na altura, foi um  êxito este 2º  encontro dos bedandenses, por uma razões que eu especifiquei:

(i)  por um lado, as qualidades de comandante do António Teixeira (Tony, para os amigos), à sua capacidade de liderança motivacional e de organização, qualidades que eu topei logo quando o conheci, no verão de 2011, na Lourinhã, por intermédio de um amigo e camarada comum, o Pinto Carvalho (infelizmente, morreria pouco tempo depois,  em 25/11/2013; era professor de educação física, reformado, natural de Espinho);

(ii) uma segunda razão,  tem a ver com  “bom irã” de Bedanda, essa terra mágica, as palavras eram do próprio Tony Teixeira:  (,,,) “muitos dos presentes neste encontro não se conheciam, visto terem pisado naquele chão em alturas muito diferentes. Mas aquele chão, aquela terra, é mágica, e exerce sobre nós um poder fantástico, poder esse que nos move e nos transcende"; e acrescentava o Tony:  "já depois do grande êxito que foi o nosso primeiro encontro, este ultrapassou todas as expectativas, conseguindo juntar 48 convivas, que por lá passaram entre 1963 e 1974, e  nem o dia cinzento, com uma chuva miudinha à mistura, arrefeceu o nosso entusiasmo: logo ao primeiro abraço era como se sempre nos tivéssemos conhecido”. (…)

 Entre esses convivas estava o ex-cap inf Aurélio Manuel Trindade, que não disse a ninguém que era tenente general.E era o mais antigo dos "Onças Negras" (antes  "Panteras Negras"), a a seguir ao Rui Santos (que foi alf mil, 4ª CCAÇ, 1963/65)...

Há homens que não precisam de se pôr em bicos de pés para mostrar que são grandes. O Aurélio Trindade era um desses, um português dos melhores. Vamos continuar a honrar a sua memória e a memória das "Panteras Negras" e  das "Onças Negras".

(***) Último poste da série > 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BCAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

terça-feira, 25 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25682: In Memoriam (504): Aurélio Manuel Trindade, ten gen oriundo da arma de infantaria, ref (1933-2024): antigo comandante da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, jul 65 / jul 67)



Foto da capa  do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010 / 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo era o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/ jul 67]

Na foto acima, da capa, o "capitão Cristo, sentado ao centro, na casa do Zé Saldanha [encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia] . Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o Zé Saldanha" (legenda, pág. 440).  O cap Cristo era nem mais nem menos do que o "alter ego" do cap Aurélio Manuel Trindade, o 10º (e último) comandante da 4ª CCAÇ, desde 1jan61, e o primeiro comandante (de dez!) , a partir de 1bril de 1967, da CCAÇ 6 (Bedana, 1967/74).





1. A morte do ten gen ref, oriundo da arma de infantaria, Aurélio Manuel Trindade, foi-me confirmada por dois dos seus amigos e camaradas, e membros da nossa Tabanca Grande, o cor art ref Morais da Silva e o cor inf ref Mário Arada Pinheiro.


Este oficial general nasceu a 11 de maio de 1933 , faleceu, aos 91 anos, a 12 de junho de 2024.

Temos cerca de duas dezenas de referências ao Aurélio Trindade, que foi comandante da 4ª CCAÇ  e depois CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67)...

Não o cheguei a conhecer pessoalmente, mas o Arada Pinheiro, que muito prezo (a esposa é da Lourinhã), emprestou-me o livro dele (autografado), escrito sobre pseudónimo (Manuel Andrezo), com as suas memórias de Bedanda e dos seus bravos da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, "Panteras à solta"...

Temos transcrito alguns excertos do livro, com a devida vénia, sob a forma de "notas de leituira"...

É mais do que justo fazer este "In Memoriam". Gostaria, inclusive, de lhe "dar honras de Tabanca Grande", a título póstumo (se não houver objeções da família, que não conheço, mas vou incumbir o cor Aradas Pinheiro para obter o OK do filho que lhe deu a triste notícia). 

A partilha das suas memórias de guerra é importante para todos os "bedandenses" (que passaram pela 4ª CCAÇ e depois CCAÇ 6), e para os demais camaradas da Guiné.

À família, camaradas de curso )da Escola do Exército) e amigos íntimos, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné manifesta os seus mais sinceros votos de condolências. E espera poder continuar a honrar a sua memória, através deste meio (virtual) de partilha de memórias dos antigos combatentes da Guimé.

2. Na realidade, o livro "Panteras à solta" é autobiográfica. Grande parte da narrativa, que segue um fio cronológico,  é constituída por episódios, entrecortados por muitos diálogos, sendo o principal protagonista o cap Cristo, "31 anos de idade, natural da Beira Alta, nascido e criado entre o duro granito da serra do Caramulo". É casado e pai de três filhos. Partiu no T/T Niassa, de Lisboa, em 30 de junho de 1965, com destino ao CTIG. 

Vai em rendição individual. Tem já duas comissões no Ultramar: Índia e Moçambique (donde acabara de regressar há 10 meses). (...) "Vai triste. (...) À sua frente o desconhecido. Sabe apenas que vai para a Guiné onde a guerra é dura. " (...) (pág. 7). 

Chega a Bissau a 5 de julho de 1965. E no dia seguinte, parte de imediato para Bedanda, de avioneta civil, com o cap Xáxa (a quem vai render), para tomar posse como novo comandante  da 4ª CCAÇ. 

O cap Xáxa  (Cap Inf António Feliciano Mota da Câmara Soares Tavares ?) fará as honras da sua apresentação aos militares e aos civis de Bedanda. E rapidamente a guerrilha do PAIGC (e a populaçao sob o seu controlo) vai passar a conhecê-lo e a temê-lo.

As primeiras impressões não foram favoráveis: "Os alferes não gostaram do novo capitão. Acharam-no com cara de poucos amigos. Nem se sequer se atreveram a praxá-lo, uma tradição muito cara à companhia" (...) (pág. 13).

De acordo com o portal UTW - Dos Veteranos a Guerra da Guiné, o cap inf Aurélio Manuel Trindade comandou, em Moçambique, a CCAÇ Esp 312, antes de ser mobilizado para o CTIG (Onde foi condcorada com a Cruz de Guerra de 2ª classe). Em Angola, e já como major de infantaria, seria o 2º comandante do BCAÇ 3856.

3. De um inquérito que o jornalista Adelino Gomes fez a "13 generais de Abril" (e publicado no "Público", em 2007), selecionámos as seguintes respostas dada pelo general Aurélio Trindade (nascido em 11 de maio de 1933, em Viseu; foi condecorado com 1985 com a Ordem da Liberdade):

(i) tinha 41 anos e era major de infantaria  à data do  25 de Abril de 1974, encontrando-se colocado na EPI, Mafra. 

(ii)  tinha feito 4 comissões de serviço no ultramar (Índia, Moçambique, Guiné, Angola);

(iii) resposta à pergunta sobre o seu apoio ao MFA: 

 "A maior parte de nós estávamos metidos no movimento desde longa data. Majores só estávamos dois, eu era um deles". No 25 de Abirl, a sua atividade operacional foi a de "comandante da unidade" (EPI)

(iv) sobre os protagonistas do 25 de Abril que acabaram por ser prejudicados nas suas carreiras, respondeu:

 "Todos os militares mesmo os que chegaram a generais como eu e o Jorge Silvério [também do Movimento, na EPI] pagam um preço por terem feito o 25de Abril. O preço, foi não me darem o comando de unidades. A mim, que na guerra tive uma companhia condecorada colectivamente por feitos em campanha (há no máximo uma dúzia, em centenas que lá andaram)."

(v) respondendo à pergunta do jornalista: "Quer indicar algum nome que gostava de ter visto no generalato (ou como almirante)?"... Resposta:

"Gertrudes da Silva. É o nº 1 do curso e ainda hoje lhe têm respeito. Pegou numa companhia do RI 14 na noite de 24 e veio por aí abaixo esses 300 quilómetros, até Lisboa, onde tinha uma missão a cumprir e cumpriu-a. Pagou a factura. Dizem que ele é gonçalvista? E os que estiveram ligados ao Mário Soares e ao Sá Carneiro? E à extrema-esquerda? Outro nome a quem não deram comando: Rui Rodrigues. Um homem que é capaz de arrancar com uma companhia e tomar o aeroporto, não pode comandar a Escola? Nos 300 que fizeram o 25 de Abril havias dos melhores oficiais do Exército. Por isso foram capazes de planear e executar aquela missão. O domínio da máquina militar pouco depois do 25 de Abril ficou nas mãos de militares que chamavam 'libertários' aos do 25 de Abril."

(vi) Sobre o antigos combatentes, Aurélio Triandade, fez questão de manifestar ao jornalista "a sua indignação pela forma como têm sido tratado":

(...) Como “oficial, ex-combatente e homem do 25 de Abril”...  Todos os governos têm dito que querem defender os ex-combatentes, “mas não fazem o essencial”, limitando-se a dar-lhes “uma esmola, e a esmola desonra o Estado português”.  (...)  “Os ex-combatentes nunca pediram ao estado uma pensão. O que pediram foi tratamento igual [em relação à contagem do tempo de serviço, quer militares quer os jovens do serviço militar obrigatório que foram para a actividade privada]. Dá-se 150 euros - trinta contos por ano - a um ex-combatente? É uma miséria. É indigno. Ou davam qualquer coisa decente ou não davam nada. Vem agora este governo dizer que só dá aos que precisam. Mas o ex-combatente não precisa de esmolas. Se querem dá-la,  façam-no pela Segurança Social, por exemplo. Por ser combatente, não”. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25564: In Memoriam (503): Lino Bicari (1935-2024) foi a sepultar ontem, no Alvito, Alentejo... "Senti a partida deste bom amigo, que encontrei na Guiné, e desejo-lhe o descanso eterno" (Arsénio Puim, ex-alf grad capelão, BART 2917, Bambadinca, mai 70/mai71)

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24060: Notas de leitura (1553): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte XI: Cobumba, manga de minas?!... Vamos lá levantá-las e noutro dia arrasar aquela... brincadeira!


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956)  > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda,  Cobumba, Cufar e rio Cumbijã.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da leitura do livro de Manuel Andrezo, pseudónimo literário de Aurélio Manuel Trindade, ten-gen ref,  que foi cap inf no CTIG, o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6. Fez a sua comissão sempre em Bedanda, entre julho de 1965 e julho de 1967. (*)

Com mais três comissões, primeiro na Índia, depois em Moçambique, como capitão (1962/64) e outra em Angola, já como major (1971/73), é um militar condecorado com Medalha de Prata de Valor Militar com Palma, Cruz de Guerra, colectiva, de 1.ª classe, Cruz de Guerra de 2.ª Classe, Ordem Militar de Avis, Grau Cavaleiro, Medalha de Mérito Militar de 3.ª Classe e ainda Prémio Governador da Guiné.

Participou no 25 de Abril, como major, tinha então 41 anos e estava colocado na EPI, Mafra. 

À frente da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67), o cap inf Trindade revelou-se um excecional comandante operacional, como testemunha o episódio autobiográfico, um pouco extenso mas revelador das qualidades de um grande milatar de infantaria que a seguir se transcreve (no original, "Alerta Minas!, pp, 57-65).

 A narrativa. em que o autor privilegia os diálogos (entre o "capitão Cristo" e os seus subordinados, os alferes e o seu guarda-costa, Lassen), é também reveladora das duras condições em se travava a guerra contra o PAIGC. 

Na época (1965/67), o IN já recorria em larga escala a um das mais sujas e temíveis armas, que eram as minas A/C e A/P, além das armadilhas ou fornilhos. Provocaram muitas vítimas, entre mortos e estropiados. 

Numa companhia, de praças africanas e quadros metropolitanos, como a 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, em que não havia um sargento sapador, o capitão determinado e destemido,  pega na sua  faca de mato e em 10 metros de cordão,  e faz, ele mesmo,  esse trabalho, meticuloso e perigoso, que era levantar as minas, identificadas pelos picadores, no percurso entre o porto exterior de Bedanda e as imediações da tabanca de Cobumba... Ou seja, nas barbas da guerrilha e da população IN. Com 3 Gr Com e dois morteiros 81.  Em seis horas, das 10h00 às 16h00, levantou quatro minas, que deram direito ao prémio então instituído por apreensão de material ao IN em combate. Com o dinheiro recebido, os participamtes da operação fizeram uma farra, beberam uns bons  copos de cerveja.

Percebe-se melhor, com episódios como este, porque é que houve, no TO da Guiné, grandes combatentes, grandes comandantes operacionais
que sabiam mandar e ser obedecidos, não porque puxavam dos galões, mas porque  davam o exemplo como líderes  (etimologicamente falando, os que vão à frente mostrando o caminho). O cap inf Trindade foi seguramente um deles.

Imagem à direita: pormenor da capa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército. Na foto da capa, podemos ver o "capitão Cristo"("alter ego" do autor), sentado ao centro, com a mão direita no rosto, visivelmente bem disposto, em agradável convívio na casa do Zé Saldatnha [
antigo militar,   e depois encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia]. Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o dono da casa, o Zé Saldanha.






Cobumba, manga de minas ?!... Vamos lá levantá-las 
e noutro dia arrasar aquela... brincadeira! 
(pp. 57-65)

por Manuel Andrezo / Aurélio Manuel Trindade

Cobumba, logo do outro lado do [rio ] Cumbijã [a oeste de Bedanda] era uma área controlada pelos guerrilheiros e constituía um perigo para a navegação no rio e também para o pessoal
dos barcos quando ancorados no porto exterior de Bedanda

A tabanca ficava a 2 km do porto e todos os homens estavam armados constituindo uma milícia do inimigo.

Nas proximidades havia um acampamento de guerrilheiros que tinha por missão estabelecer a ligação a Chugué e a Cabolol, ao mesmo tempo que controlava a tabanca e flagelava o porto. 

Cobumba está localizada na área da companhia de Cufar, mas o que lá se passa interessa mais a Bedanda porque é pelo rio e pelo porto que a Companhia, uma vez por mês, recebe os géneros para a alimentação, as munições e todos os demais reabastecimentos, incluindo medicamentos. É portanto uma área sensível para os militares de Bedanda

É raro a companhia de Cufar subir 
frequente a de Bedanda, com ou saté Cobumba, mas éem autorização do Comando do Batalhão, penetrar na área, atravessando o rio de noite no porto exterior. 

Por isso e porque a livre descarga dos barcos sempre preocupou o capitão Cristo em termos de segurança, resolveu atravessar o rio, penetrar em Cobumba e fazer uma batida para localizar o acampamento inimigo. Era preciso ir lá urgentemente, até para poder combater o mal-estar causado por aquela outra operação em que nem o rio foi atravessado.

─ Lassen 
 [1] ─ chamou o capitão Cristo, ─ vai chamar os nossos alferes.

─ Sim, nosso capitão. Também vou chamar o nosso alferes Ribeiro?

─ Sim, Lassen, quero aqui no gabinete todos os nossos alferes.

Meia hora depois os alferes batiam à porta do gabinete do capitão e entravam.

─ Bom dia, meu capitão, há guerra?

─ Guerra há sempre porque estamos em zona de combate e cercados por todos os lados. Agora, no entanto, quero tratar duma guerra especial. Falem-me de Cobumba, começamos pelo Oliveira.

─ Meu capitão, eu nunca fui a Cobumba pois estou na companhia há pouco tempo. Dizem que é perigoso ir lá sem apoio aéreo. Os guerrilheiros estão no meio da população e todos os homens estão armados. Dizem que o caminho entre o porto e a tabanca está minado.

─ Carvalho, sou todo ouvidos.

─ Meu capitão, o Oliveira tem razão. É uma zona má. É impossível chegar lá de surpresa, o rio é muito largo. Peço ao meu capitão para pensar um pouco antes de decidir ir lá sem outra companhia.

─ Muito bem, é a sua vez, Cordeiro.

─ Meu capitão, aquilo em Cobumba é duro, mas quem vai à guerra dá e leva. É verdade o que já foi dito. Penso, no entanto, que ou vamos sozinhos ou não vamos, porque o batalhão não vai pôr uma companhia à nossa disposição.

─ Se quiser ir a Cobumba, ─ diz o Ribeiro ─ conte comigo que eu gosto de festa. 
Tudo o que foi dito sobre Cobumba é verdade. Já lá fui e fiquei à porta, não nos deixaram entrar na povoação. É uma tabanca grande, com as casas espalhadas e estendidas de ambos os lados da estrada. O terreno favorece quem defende. Quando lá fui apenas chegámos até às primeiras casas. Depois, bem depois foi o inferno e tivemos que retirar. Todos os homens estão armados. Um grupo mais aguerrido está num acampamento que fica próximo, quase, quase agarrado à povoação. Além disso, Cobumba pode ser facilmente reforçada por indivíduos vindos do Chugué e de Cabolol. Penso que é possível lá ir, mas teremos dissabores. Além disso, o porto exterior, do lado de lá, costuma estar minado e a estrada para Cobumba também. Para mim, no entanto, o mais perigoso é atravessar o rio que é largo naquele ponto e tem de ser atravessado de noite. Para aniquilar a 1ª secção, basta um homem do lado de lá, à espera, pronto para lançar uma granada de mão para dentro do barco. Se tal acontecer, perdemos uma secção e não atravessamos o rio. É possível irmos lá mas com muito cuidado.

─ Muito bem, estou elucidado. Em resumo, riscos elevados na travessia, um percurso por estrada minada, baixas se uma mina for accionada e guerrilheiros postos em alerta. Na povoação, quando lá chegarmos, encontraremos um grupo aguerrido que nos vai impedir a entrada e que pode ser rapidamente reforçado. No final, temos que retirar e regressar ao rio para o atravessar de novo com a hipótese de, nessa altura, sermos acossados pelos guerrilheiros. É este o resumo de tudo o que me disseram. Eu acrescentaria que não temos apoio aéreo e que se tivermos mortos ou feridos teremos que os trazer para casa às costas. Correcto, este resumo?

─ Está sim, meu capitão ─ disseram os alferes.

─ Muito bem 
 disse o capitão Cristo. ─ Vamos a Cobumba por fases. Na 1ª fase levantamos as minas no porto exterior e limpamos a estrada. Vamos fazer isto amanhã. Quem na companhia já levantou minas?

─ Ninguém, disse o Ribeiro. ─ Tínhamos um sargento que fazia isso mas já foi transferido. Eu posso levantar.

Como ninguém sabe levantar minas vou fazer eu o serviço. Saímos amanhã de manhã, às 9 horas. Vou eu com o Ribeiro, o Cordeiro e o Carvalho. O Oliveira toma conta do aquartelamento e providencia para que, às 10 horas da manhã, estejam três barcos de borracha com motor no porto exterior. Vai lá uma camioneta levá-los para não cansar os homens. Vamos a pé e quando chegarmos, o pelotão do Carvalho entra nos barcos e passa para a outra margem ficando instalado a sul da estrada. Os barcos regressam e passam o pelotão do Cordeiro que vai ficar do lado norte da estrada. O Ribeiro monta segurança no porto, do lado de Badanda, impedindo envolvimentos. Leva dois morteiros 81 e monta uma base de fogos no mesmo local. Nomeia um sargento e três soldados para picarem o porto e a estrada. Sinalizam as minas e eu levanto-as. Não regressamos a casa enquanto não picarmos a estrada e as minas não forem levantadas. Eu não posso levantar as minas e comandar a tropa ao mesmo tempo. O Cordeiro substitui-me no comando da tropa que está na margem do lado de Cobumba enquanto eu estiver a levantar as minas. Tem de resolver todos os problemas porque eu não venho embora sem levantar as minas e não deixo o meu trabalho por mais tiroteio que haja. A vossa missão é dar-me segurança, a mim e aos homens que picam a estrada. Entendido?

─ Sim, meu capitão.

─ Só mais uma coisa. Formem os homens meia hora antes de sairmos e expliquem-lhes o que vamos fazer e qual o nosso objectivo. Quero que seja bem frisado que não pretendemos ir a Cobumba mas apenas levantar as minas para termos o porto e a estrada desimpedidos. Quando regressarmos, quero que os homens possam comparar o que fizemos com o objectivo que tínhamos e deduzam se cumprimos ou não a missão. Podem sair. Às 9 horas estamos todos na povoação comercial para sairmos.

─ Até logo, meu capitão ─ disseram os alferes.

─ Até logo.

À saída do gabinete os alferes traziam cara de preocupados. O caso não era para menos. Iam levantar minas e só o capitão as sabia levantar. Uma mina podia rebentar e perdiam logo o capitão. Podiam ter que pagar um preço muito elevado pelas minas.

O capitão tinha razão. As minas tinham que ser levantadas para demonstrar aos guerrilheiros que não valeria a pena voltarem a colocá-las porque não seria isso que impediria o avanço da tropa de Bedanda quando esta quisesse passar. 

Por outro lado, ia haver tiroteio de certeza. Os guerrilheiros ouviriam as camionetas e os motores dos barcos, e instalar-se-iam na orla da tabanca à espera da tropa. É certo que se tudo resultasse, esta acção iria ter um efeito positivo no moral dos soldados, enquanto os guerrilheiros ficariam preocupados e com o moral em baixo.

Os pensamentos do capitão e dos seus alferes, quais seriam? Apreensão? Receio? Todos tinham que saber o que fazer no caso de a operação dar para o torto. Todos tinham que estar preocupados em providenciar todo o material necessário para o trabalho que iam executar. O capitão Cristo transmitiu as ordens ao seu guarda-costas.

─ Lassen, quero a minha arma bem limpa aqui no gabinete. Quero todos os carregadores com munições e quatro granadas de mão, duas ofensivas e duas defensivas. Quero a minha faca de mato preparada e quero um cordão com dez metros de comprimento. Não quero o cordão muito grosso. Dizes ao nosso sargento do material de guerra que se não tiver cordão bom na arrecadação que vá à povoação comercial comprá-lo. Quero ver tudo isso antes da noite. Vamos sair, prepara-te para saíres comigo.

─ Sim senhor, nosso capitão. O Joãozinho 
 [1] também vai?

─ Vai, mas só lhe dizes amanhã de manhã ao café.

─ Onde vamos?

─ Não sei, e a ti não te deve interessar muito o local onde vamos.

No dia seguinte, às 9 horas da manhã, o capitão chegou à povoação com os pelotões do Carvalho e do Cordeiro. O Ribeiro já estava à sua espera com o seu pelotão pronto para integrar a coluna. O capitão mandou o Ribeiro seguir à frente pois a segurança no porto era a primeira acção a executar. A seguir ia o Carvalho e por fim o Cordeiro.

Seguiam pela ordem em que tinham de actuar. Praticamente não houve conversas. Os oficiais tinham confiança uns nos outros e sabiam que todos se tinham preparado muito bem para cumprirem a sua parte da missão. Às 10 horas chegaram ao porto exterior ao mesmo tempo que chegavam as viaturas com os barcos que, rapidamente, foram preparados para a travessia. O Carvalho atravessou com o seu pelotão e desapareceu no tarrafo  [2] 

Os barcos regressam e só um deles iniciou nova viagem para transportar o capitão, os seus guarda-costas e a equipa que ia picar a estrada. O capitão desembarcou e esperou na outra margem enquanto a equipa de picagem começava picar o porto e a estrada. O barco regressou à outra margem, por segurança. Estava tudo silencioso. 

Os homens do Carvalho e do Cordeiro estavam já à frente, a cerca de 1 km da margem. Foram mandados parar e abrigar nos ouriques da bolanha. No porto não foi localizada nenhuma mina. Começaram a picar a estrada e de imediato localizaram e sinalizaram uma mina. Foram também mandados parar e abrigar-se nos ouriques  [3]  . O capitão Cristo avançou.

─ Cordeiro, aqui Cristo. Foi localizada a primeira mina, vou começar o levantamento. Como vai isso por aí? Está tudo demasiado silencioso. Tanto tu como o Carvalho devem ter cuidado com os fulanos. O pior que nos podia acontecer era os gajos meterem-se entre nós e o rio em vez de nos atacarem do lado de Cobumba, escuto.

─ Cristo, aqui Cordeiro. Vejo alguns elementos a vigiarem-nos do lado da povoação. Julgo que eles ainda não perceberam qual é a nossa ideia, escuto.

─ Cordeiro, aqui Cristo, aguenta o barco e não me chateies mais.

─ Ribeiro, aqui Cristo. Morteiros apontados a Cobumba. Fogo apenas à ordem do Cordeiro. Aguenta-me essa retaguarda e cuidado com envolvimentos por indivíduos que atravessem o rio, mais acima ou mais abaixo. Sem ti e sem os teus barcos estamos perdidos.

─ Cristo, aqui Ribeiro. Esteja descansado. Se eles quiserem vir que venham pois saberão que estamos muito bem preparados para uma boa recepção. Sorte no levantamento das minas.

─ Cordeiro, Carvalho e Ribeiro, aqui Cristo. Vou iniciar agora o trabalho. Terminado.

O capitão, com a sua faca de mato, começou a picar a estrada a toda a volta da mina. Identificou esta mina e transmitiu a identificação ao Lassen para que a transmitisse aos pelotões. O Lassen transmitiu a indicação.

─ Cordeiro, Carvalho, Ribeiro, mina identificada. É de madeira e de pressão. Cristo continua a picar a terra em volta para a desenterrar completamente porque receia que esteja armadilhada. Terminado.

O capitão, indiferente a tudo o que se passava à sua volta, continuava a picar a terra, tentando fazer um buraco debaixo da mina. O suor escorria-lhe pela testa. Era grande a tensão pois sabia que um pequeno erro podia ser a sua morte ou, no mínimo, a sua incapacidade física. Os seus guarda-costas estavam a 5 metros de distância com os ouvidos atentos à voz do capitão. 

Eles sabiam, como veteranos de guerra que eram, que o seu capitão corria perigo e que eles nada podiam fazer para o ajudar. Conseguiu furar a terra por baixo da mina sem a molestar e começou a passar o cordão por baixo. O cordão passou, a mina foi amarrada e o capitão disse ao Lassen para informar os alferes.

─ Carvalho, Cordeiro, Ribeiro. Mina presa pelo cordão, capitão vai puxar a mina depois de se abrigar. Se rebentar, é porque está armadilhada e não há problema. Terminado.

A mina foi puxada e não rebentou. O capitão retirou e guardou o cordão, tendo de imediato retirado o detonador da mina. Entregou a mina ao Joãozinho para que a fosse levar ao porto, tendo recomendado para que o detonador e a mina ficassem separados, e seguiu para o local onde outra mina já tinha sido localizada. Já havia três minas localizadas e os picadores ainda só tinham andado 300 metros.

Agora, junto da segunda mina, o capitão começou a repetir as operações de levantamento. O terreno desta vez era mais duro. A mina foi identificada e era igual à anterior. Mais uma vez o Lassen informou os alferes e perguntou se havia novidades por Cobumba.

─ Cristo, aqui Cordeiro, há movimentos em Cobumba. Deve estar próximo um arraial de porrada, escuto.

─ Cordeiro, Cristo diz para aguentares. Mas se necessário, avancem mais um bocadinho. Continua a não querer entrar em Cobumba, a missão principal é protegêlo enquanto levanta as minas. Diga se entendeu, escuto.

─ Lassen, aqui Cordeiro, ─ diz ao Cristo que o festival vai ser grande, mas nós aguentamos. Terminado.

O capitão continuava a levantar a mina. Já estava toda a descoberto, faltava apenas fazer o buraco por baixo para meter o cordão quando o tiroteio rebentou. O barulho dos tiros dos guerrilheiros e a resposta dos soldados tornavam aquela área um inferno. Calmamente, o capitão continuava a levantar a mina.

─ Cristo, aqui Cordeiro, isto está um inferno. A orla da povoação está cheia de homens e de armas. Estou a ser atacado e o Carvalho também. É difícil aguentar o barco, acabe com as minas senão ainda cá ficamos todos.

─ Cordeiro, aqui Cristo, não exagere. Eles não querem que a gente levante as minas, mas eu vou levantá-las, é a nossa missão principal. Aguenta-te e não me chateies que eu tenho que me concentrar no que estou a fazer. Pede ao Ribeiro fogo de morteiro sobre Cobumba, vê com a Companhia para apoio de fogo de artilharia. Assim que terminar o trabalho eu digo-te e vamos embora. A segunda mina está pronta a ser puxada e só tenho mais duas para levantar. Terminado.

─ Nosso capitão, ─ disse o Lassen ─ há uma metralhadora enfiar-nos, os tiros batem aqui perto de nós. Deixe isso porque parado e desabrigado é um bom alvo.

─ Lassen, vai chatear a tua tia. Quem manda aqui és tu ou sou eu? Se tens medo vai-te embora que isto aqui é para machos.

Se nosso capitão fica eu fico, mas isto está muito perigoso. Eu e o Joãozinho vamos tomar posições.

─ Afasta-te. Não quero ninguém a menos de 5 metros de mim. Agora deixa-me trabalhar.

Já tinham ido duas minas e a terceira estava quase. Serenamente o capitão Cristo levantou a terceira e ainda uma quarta. Nem ouvia o tiroteio à sua volta. Os alferes estavam preocupados, mas a pressão dos guerrilheiros abrandou com as granadas de morteiro e da artilharia sobre Cobumba. O tiroteio foi diminuindo e terminou com tiros esporádicos, mais para mostrar presença do que para vencer a batalha. O capitão tinha vencido. Bedanda tinha cumprido a missão e os soldados aperceberam-se de que massa era feito o seu capitão.

─ Cordeiro, Carvalho e Ribeiro, levantei as quatro minas. Não foi localizada mais nenhuma. Cumprida a missão, vamos regressar a Bedanda. O Ribeiro manda avançar os barcos para a margem de cá. O Carvalho e o Cordeiro mandam retirar metade dos pelotões e tomam posição junto do tarrafo do porto e aguardam. Logo que estejam instalados, os restantes avançam para os barcos. Na segunda viagem vai o resto do pessoal. O Ribeiro fica atento. Se recomeçar o tiroteio vindo de Cobumba, devemos nós recomeçar o fogo sobre a povoação. Assim que chegarmos à outra banda regressamos à Companhia. Os barcos vão nas viaturas que já devem estar voltadas para Bedanda. Escuto.

─ Cristo, aqui Cordeiro. Entendido, escuto.

─ Aqui Cristo, vou dirigir-me para o porto.
 
Apenas com tiros esporádicos dos guerrilheiros fez-se a travessia do Cumbijã. O regresso a Bedanda foi o prémio apetecido. Tinham começado a acção às 10 horas da manhã e só foi dada como terminada às 4 horas da tarde. Tinha valido a pena o sacrifício e toda a tensão vivida porque a missão foi cumprida e provaram aos guerrilheiros e à própria companhia que eram capazes de ir a Cobumba, sempre que quisessem, as minas não seriam obstáculo. 

Todo o dinheiro das minas ─ o material capturado dava origem a uma gratificação ─ foi transformado em cerveja. Beberam oficiais, sargentos e praças, todos os que tinham tomado parte na operação. A alegria era grande entre todos. Antes de ir descansar, o capitão falou com os alferes.

─ Tudo correu bem e a vossa tropa portou-se maravilhosamente. Fizemos o que tínhamos planeado e isso é importante. É preciso mostrar ao inimigo e aos nossos soldados que vamos onde quisermos e quando quisermos. Por isso, nunca podemos deixar de cumprir as missões que planearmos. Obrigado ao Antunes, o nosso artilheiro-mor, pelo apoio de fogo que nos prestou. Estamos todos de parabéns. Digam isso aos homens. Depois de amanhã, voltamos a Cobumba para arrasar aquela brincadeira. Falaremos disso amanhã. Agora vão descansar, que bem precisam.

─ Lassen.

─ Pronto, nosso capitão.

─ Pega na arma e nas granadas. Quero tudo bem limpo e arrumado. Vou-me deitar. Que ninguém me acorde. Enquanto eu não sair do gabinete não estou para ninguém a não ser que o sangue comece a correr no quartel. Diz isso aos nossos alferes. Se eu não aparecer à hora de jantar, jantam sem mim.

─ Sim senhor, nosso capitão

E assim começou o repouso e o descanso dos guerreiros.
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Notas:

 [1 ] Larsen e Joãozinho: guarda-costas do capitão.

 [2] Tarrafo: terreno junto dum rio com arborização ligeira por oposição a mata cerrada.

[3] Ouriques: diques, numa bolanha, geralmente feito de lama e paus, para controlar a entrada e saída de água nos arrozais.

[Seleção / revisão e fixação de texto / parênteses retos / título / negritos, para efeitos de publicação neste blogue: LG]
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Último poste da série "Notas de leitura" > 10 de fevereiro de  2023 > Guiné 61/74 - P24055: Notas de leitura (1552): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2) (Mário Beja Santos)