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sexta-feira, 9 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24381: Notas de leitura (1589): N’Krumah, o líder da unidade africana, o denunciante das tramas do neocolonialismo (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
O líder ganês foi uma figura altamente influente junto dos movimentos de libertação. Não escondia a sua propensão para a ideologia, teve mesmo ambições filosóficas, os seus apelos à unidade africana foram escutados por muitos políticos, Amílcar Cabral não foi insensível ao princípio do continente unido e aos perigos do neocolonialismo, deixou escrito que poderia ser uma ameaça à Guiné independente. Nkrumah escreve este seu último livro antes de ser deposto dando informação detalhadissima sobre os recursos africanos e como as antigas potências coloniais continuaram a influenciar o sistema económico-financeiro das nações formalmente independentes, privilegia a posse que tais monopólios tiveram das riquezas extraídas, desde estanho, alumínio e níquel, ao ouro e diamantes. O mundo da cobiça alterou-se profundamente, a China está por toda a parte, a Índia está a chegar em força e os grandes negócios ocidentais também precisam das matérias-primas fundamentais para dominarem o paradigma digital. Na posse desta informação, não deixa de ser curioso reler N'Krumah e perceber que a África tem sempre tutores que esvoaçam à volta para comprar barato a matéria-prima e vender caro o produto transformado.

Um abraço do
Mário



N’Krumah, o líder da unidade africana, o denunciante das tramas do neocolonialismo

Mário Beja Santos

Não se pode estudar o pan-africanismo, o movimento independentista africano e a ascensão do Movimento dos Não Alinhados sem trazer à colação o pensamento e a obra de N’Krumah [foto à direita], o presidente do Gana que foi deposto por um golpe de Estado em fevereiro de 1966, e posteriormente obrigado a viver no exílio. Os ditadores ganeses subsequentes deram diferentes razões para o golpe de Estado e uma delas era que N’Krumah fomentava a subversão na África. Este livro sobre o neocolonialismo foi editado em inglês em 1965 e editado em 1967 pela editora Civilização Brasileira. É um estudo impressionante pela documentação carreada sobre a presença inequívoca das antigas potências coloniais apoiadas por poderosíssimas multinacionais que cobiçavam matérias-primas, desde o cobre ao ouro e os diamantes.

É uma escrita de denúncia, como ele esclarece:
“Descolonização é uma palavra insincera e frequentemente usada com os porta-vozes imperialistas para descrever a transferência de controlo político, da soberania colonialista pan-africana. A pedra-mestre do colonialismo continua a controlar a soberania. As nações novas são ainda as fornecedoras de matérias-primas, as velhas de produtos manufaturados. A alteração das relações económicas entre as novas nações soberanas e os seus antigos senhores é apenas de forma. O colonialismo encontrou novo disfarce. E o neocolonialismo está-se entrincheirando rapidamente dentro do corpo de África, através de combinações de consórcios e monopólios. Esses interesses estão centralizados nas companhias mineradoras da África Central e do Sul. Da mineração, ramificam-se em uma trama complexa de companhias de investimento, interesses manufatureiros, organizações de transporte e utilidade pública, indústrias de petróleo e químicas, instalações nucleares e muitas empresas demasiado numerosas para se enunciar”.


Metodicamente, N’Krumah discorre sobre os recursos de África, a natureza dos obstáculos postos ao progresso económico africano, como atua a finança dos poderosos, como funciona a equação entre os recursos primários e os interesses estrangeiros, passa em revista os grandes grupos envolvidos, esclarece o mecanismo do neocolonialismo. Ao pôr o título Neocolonialismo – Último estágio do imperialismo, certamente convicto que era título impactante, a História encarregou-se de pôr em causa a asserção, na atualidade o imperialismo mudou de look e natureza, a China é uma presença poderosíssima e as multinacionais ocidentais disputam as matérias-primas que têm a ver com as tecnologias do futuro, sem prejuízo dos recursos profissionais. O líder carismático do pan-africanismo acreditava que as antigas potências coloniais olhavam para os seus antigos territórios como incapazes de desenvolvimento independente, procuraram desde a primeira hora da independência formal em manter vínculos, desde a preparação dos novos quadros dentro de uma lógica mental ocidental até à oferta da segurança militar. Manteve-se a lógica económica do passado, o que interessava eram as matérias-primas que continuavam a ser processadas no mundo ocidental, e os produtos acabados regressavam, acarretando grandes lucros às empresas fabricantes. Ele igualmente anota a disparidade dos preços atribuídos à matéria-prima comparado com o bem de consumo.

Não há riqueza que ele não estude, veja-se a título exemplificativo a exploração do diamante, neste tempo centralizada na Diamond Corporation, organização com papel aquisitivo central para os compradores internacionais de diamantes, tendo depois assento na Companhia de Diamantes de Angola, e com conexões com poderosos grupos, caso do Morgan Guaranty Trust. Morgan estava também associado ao Banque Belge que representava na direção da Companhia dos Diamantes de Angola outra empresa angolana, a Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola. “A Angola Diamonds tem direitos monopolistas que lhe permitem extrair diamantes em quase um milhão de quilómetros quadrados de Angola. Estão em operação 43 minas, abertas para substituir outras tantas cujas reservas se extinguiam. A Companhia está registada em Portugal e o Governo de Angola tem nela interesse direto, como agente administrativo local do Governo Português. O Governo de Angola possui 200 mil ações, ligeiramente acima das 198.800 pertencentes à Société Générale. Cerca de metade dos trabalhadores africanos da Companhia são forçados, reunidos compulsivamente pelas autoridades. Os excelentes lucros da Companhia são divididos igualmente entre a província de Angola e os acionistas, depois de 6% terem sido reservados à administração (…) Diamond Corporation tem acordos contratuais para a compra da produção da Angola Diamond, que vinha sendo recentemente de mais de um milhão de quilates e poderá ser ainda maior, segundo as estimativas. Os diamantes preciosos representam 65% da produção”.

É impressionante o império que estava na mão da De Beers. E referindo-se aos interesses em minérios na África Central, N’Krumah lembra-nos a criação da British South Africa Company, obra de Cecil Rohdes para a construção de impérios. No início da década de 1890, impulsionou a compra de grandes extensões de terra governadas por chefes nativos, contribuiu para guerras entre etnias, com a colaboração de soldados da South African Company, os chefes enganados bem procuraram justiça, estava em marcha a criação de uma via entre Cape Town até ao Cairo, o governo de Londres limitou-se a intimidar as autoridades portuguesas, constituiu-se uma espinha dorsal de negócios que se estendeu pela Zâmbia, Rodésia e a antiga Bechuanalândia, entrando no Malawi, e com associações como a que estabelece com Harry Oppenheimer e a Angloamerican Corporation, o autor desenvolve a teia de mil fios entre a Rodésia e a Zâmbia, é um extenso trabalho em que põe a nu os interesses neocoloniais, que mistura com zonas monetárias e a presença da banca estrangeira. Não menos impressionante é o que ele revela sobre a importância estratégica dos negócios do Congo e a maquinação perpetrada pelos belgas para continuar à frente dos negócios congoleses.


Reclamando sempre a unidade africana, adverte que nenhuma potência imperial jamais concede a independência a uma colónia a não ser que as forças fossem tais que não houvesse outro caminho possível. “A unidade africana está ao alcance do povo africano. As empresas estrangeiras que exploram os nossos recursos de há muito compreenderam a força que pode ser obtida através da ação em escala pan-africana. As companhias aparentemente diferentes formaram de facto um enorme monopólio capitalista. O único meio efetivo de desafiar esse império económico e recuperar a posse da nossa herança é agirmos também em escala pan-africana, através de um governo unido. Ninguém poderia dizer que se todos os povos da África combinaram formar a sua unidade, a sua decisão poderia ser revogada pelas forças do neocolonialismo”.

Este trabalho de N’Krumah é hoje uma relíquia para investigadores. Poucos meses antes da sua deposição ele deixou esta radiografia de África, um admirável quadro clínico dos males que afligem os povos africanos e lhes estorvam o desenvolvimento. N’Krumah, diga-se em abono da verdade, era um intelectual de formação sólida, hesitando entre uma linha marxista autónoma e uma filiação do pan-africanismo ao Movimento dos Não-Alinhados. Utópico, é assim que hoje se classifica este sonhador, no entanto deixou a tal radiografia que se mantém inalterável, só que os jogos africanos hoje têm novos protagonistas, aqui se digladiam, com grande ferocidade, os interesses ocidentais e asiáticos. Chamem-lhe o que quiserem, mas não deixa de ser neocolonialismo.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24369: Notas de leitura (1588): Entre o melhor da literatura de viagens do século XV (3): As viagens na África Negra de Luís de Cadamosto (1455-1456) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23676: Agenda cultural (817): doclisboa'22- festival internacional de cinema, 6-16/10/2022: Retrospectiva - A questão colonial: 35 filmes - Parte I: Lugares: Guiné-Bissau, Senegal, Argélia, Angola, dias 6 e 7


Fotograma do filme "J'ai huit ans" (França, 1969, 10'). Cortesia de doclisboa2022


1. Aí está o nosso querido e aclamado doclisboa, na sua 20ª edição. Um  slogan que já se tornou um ícone: "Em Outubro todo o mundo cabe em Lisboa"... É uma referência a nível mundial este festival do cinema (documental). Organização notável da Apordoc - Associação pelo Documentário. Palmas para eles e elas que fazem estas coisas acontecer na nossa terra. 20 edições é obra. E a continuidade sem quebra da qualidade...

Das diversas secções (são 12), destacamos, para os leitores do nosso blogue, a Retrospectiva > A Questão Colonial. 

Vão passar, só nesta secção 35 filmes de curta, média e longa metragem.  Todos os filmes são legendados em português. Com a devida vénia, selecionámos os filmes que vão ser exibidos hoje e amanhã, na Cinemateca Portuguesa e no Cinema São Jorge.   

Eu, que sou fã do doclisboa, desgraçadamente, vou estar, durante a semana, na Lourinhã, a fazer fisioterapia... Espero que alguns dos nossos cinéfilos possam lá dar um salto e escrever duas linhas (críticas) sobre um ou mais destes filmes... Alguns, seguramente, serão polémicos...

Vamos apresentando, ao longo dos dias, a programação relativa a esta secção. Destaque para o filme "Mortu Nega" do realizador Flora Gomes (Guiné Bissau, 1988, 93’), considerado o filme "fundacional" da cinematografia guineense. Passa hoje, dia 6 de outubro, às 15:30, na Cinemateca Portuguesa,  Sala M. Félix Ribeiro.

Quem não puder vê-lo na sala de cinema, tem-no aqui, no You Tube. Falado em crioulo, com legendas em inglês e em português. Versão integral. 

Flora Gomes nasceu em Cadique, em 1949. Ver aqui sinopse, enquadramento histórico, ficha artística e técnica do filme "Mortu Nega", que em português quer dizer "morte  negada"). 

2. O texto  e as imagens, a seguir, são extraídos do programa do doclisboa'22, incluindo as sinopses dos filmes que aqui se reproduzem para mera informação dos nossos leitores. Como não os vimos, a não ser alguns excertos do "Mortu Nega", não podemos ter opinião sobre eles:

Parafraseando Sartre, algumas reflexões sobre a questão colonial… no cinema. No caso, cingimo-nos à história recente, ao continente africano e às antigas colónias portuguesas e francesas. 

O ponto de partida é o fim da Guerra da Argélia – simbolizando o fim das colónias francesas, habilmente mantidas sob o jugo neocolonial – que coincide com a decisão do Estado Novo de avançar para a guerra colonial. 

Rapidamente, a revisitação dos materiais das “colecções coloniais” revela-se desajustada, condicionada à recontextualização, que reduz o cinema ao documento. 

A viagem deriva, então, para os cineastas solidários e sobretudo o nascimento dos cinemas africanos. Resta saber se, como Ousmane perguntava a Rouch, quando houver muitos cineastas africanos, os cineastas europeus deixarão de fazer filmes sobre África.

Dois momentos fundacionais do cinema guineense e da colaboração de Flora Gomes e Sana na N’Hada, gestos híbridos entre ficção e reconstrução, em busca da imagem de um país e de um povo. O funeral de Amílcar Cabral, finalmente realizado com honras de Estado após a independência, simboliza o nascimento da nação e "Mortu Nega" o seu nascimento cinematográfico.

06 Out — 15:30 / 117’
Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro




O Regresso de Amílcar Cabral
Djalma Fettermann, Flora Gomes, José Bolama, Josefina Crato, Sana na N'Hada
1976/Guiné Bissau, Suécia/32’

Primeira produção de cineastas guineenses após a libertação do colonialismo português em 1974, O Regresso de Amílcar Cabral documenta a transferência dos restos de Amílcar Cabral de Conacri (onde foi assassinado em Janeiro de 1973) para Bissau em 1976. Uma cobertura intrigante do evento solene, gravações de canções guineenses e [...]

Mortu Nega

Mortu Nega
Flora Gomes
1988/Guiné Bissau/93’

Mortu Nega cobre o período entre Janeiro de 1973, durante os meses finais da guerra contra os portugueses, até à consolidação de uma Guiné-Bissau independente, em 1974 e 1975. O filme começa no mato com um transporte na rota de abastecimento de Conacri para a frente. A heroína, Diminga, e [...]

06 Out — 19:00 / 86’
Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro



Africa on the Seine

Afrique sur Seine
Mamadou Sarr, Paulin Soumanou Vieyra
1955/Senegal/21’

De acordo com o Decreto Laval dos anos 1930, os projectos de filmes estavam sujeitos a censura prévia. Neste contexto, os realizadores não obtiveram autorização para filmar em África e, em vez disso, fizeram esta curta sobre as vidas de africanos em Paris. O filme revela questões de estudantes sobre [...]


La Noire…
Ousmane Sembène
1966/França, Senegal/65’
Diouana, uma jovem de uma aldeia senegalesa, deambula por Dacar todos os dias à procura de trabalho. Apesar da enorme oferta de mulheres desempregadas, dada a sua subserviência, é “escolhida” para ama de uma família francesa rica. Quando tem autorização para se mudar para França para viver com eles, parece [...]



07 Out — 16:45 / 68’
Cinema São Jorge Sala 3

Nestes filmes, rodados por cineastas militantes e solidários que desafiaram a censura em França, condensam-se os anos de violência da Guerra da Argélia – vividos no presente e na frente de combate em Algérie en flammes ou nas imagens que dela trazem as crianças exiladas na vizinha Tunísia em J’ai huit ans – e a força de esperança do país no Ano Zero da independência.


J'ai huit ans

J'ai huit ans
Olga Baïdar-Poliakoff, Yann Le Masson
1962/França/10’

Crianças argelinas, sobreviventes da Guerra da Argélia e refugiadas em campos tunisinos, mostram os acontecimentos trágicos que viveram através de desenhos que elas próprias fizeram. Banido em França durante 12 anos e apreendido 17 vezes, o filme foi sobretudo exibido clandestinamente.


Algérie en flammes

Algérie en flammes
René Vautier
1958/França/23’

Primeiro filme rodado no maqui do Exército de Libertação Nacional em 1956-57. O objectivo destas imagens da guerra, filmadas na zona de Aurès-Nementcha, era manifestar apoio popular à organização armada e encorajar o diálogo para a paz. O filme circulou imediatamente pelo munto inteiro, excepto em França, onde foi exibido [...]

Algérie, année zéro

Algérie, année zéro
Jean-Pierre Sergent, Marceline Loridan-Ivens
1962/França/35’

Seis meses após o fim da guerra, o filme esboça um retrato comprometido de uma Argélia recém-independente a braços com a enorme tarefa de reconstrução social e económica. O país é retratado pelas suas vozes rurais e urbanas, carregando as cicatrizes do colonialismo e a ameaça do terrorismo da OAS [...]


07 Out — 19:30 / 68’
Cinemateca Portuguesa Sala Luís de Pina

Uma sessão no limiar da história de Angola, entre a independência duramente conquistada e a ameaça da guerra civil, num breve momento de esperança no futuro da jovem nação. A passagem da câmara das mãos dos camaradas cineastas europeus para os jovens cineastas angolanos acontece também neste momento que o futuro não concretizou.


Nascidos na Luta, vivendo na Vitória
Asdrúbal Rebelo
1978/Angola/18’
Retrato das crianças nascidas ainda durante a guerra, membros dos Pioneiros – a organização juvenil do MPLA. Como o título prenuncia, o filme é feito num momento em que, no rescaldo do trauma da Guerra de Independência, se vive um momento de esperança no futuro de Angola e da revolução.


Guerre du peuple en Angola

Guerre du peuple en Angola
Antoine Bonfanti, Bruno Muel, Marcel Trillat
1975/França/51’´

O filme centra-se na situação vivida em Angola em Junho de 1975, quando a declaração de independência desencadeia uma guerra civil. Os cineastas, que aí se deslocaram para formar jovens angolanos, regressam com este filme, apresentando de forma inequívoca a guerra como a luta das pessoas e do seu movimento [...]

(Continua)

[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos / negritos / itálicos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
_________

Notas do editor:

Último poste da série > 5 de outubro de  2022 > Guiné 61/74 – P23675: Agenda cultural (816): "Despojos de Guerra", mini-série da SIC, a ir para o ar nos próximos dias 6; 13; 20 e 27 de Outubro, no fim do Jornal de Noite. No dia 20, o episódio é dedicado aos nossos camaradas Giselda e Miguel Pessoa, "o casal mais strelado do mundo"

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21206: (Ex)citações (363): Colonialismo e pós-colonialismo: as três cidades da África Ocidental: Bissau, Conacri e Dacar (António Rosinha / Cherno Baldé)


Guiné.Bissau > Bissau > c. 2010 > Ao centro, o Palácio Colinas de Boé, sede da Assembleia Nacional Popular (Parlamento), sito na Av Francisco Mendes... 

O edífício, de arquitetura moderna, foi construida pela China. Foi inaugurado em 2005. À esquerda, frente ao Palácio Colinas do Boé, fica o CEIBA Hotel

E, assinalado, com um círculo a vermelho (,depois de chamada de atenção do nosso camarada António Rosinha) (*),  está " a mãe-de-água, depósito de água (colonial), pintado de côr amarela, no espaço da Assembleia da República"... E acrescenta o Rsoinha: "Esse espaço foi um lindo jardim colonial, o jardim do Alto [do] Crim, mandado arrasar pelo Luís Cabral"... [O sistema de abastecimento de água à cidade foi obra do governador Sarmento Rodrigues, inaugurado em 1947].(**)

Foto: © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné-Bissau > Bissau > c. 1975 > Novo mapa, pós-colonial, da capital da nova república, já com as novas designações das ruas, avenidas e praças, que vieram substituir, em 1975,  o roteiro português: Av Unidade Guiné-Cabo Verde, Av 3 de Agosto, Av Pansau Na Isna, Av Amílcar Cabral,  etc.  


Na parte superior do mapa, do lado esquerdo, ficava o Alto [do] Crim (, assinalado com um retângulo a verde),  (Mapa gentilmente fornecido por A. Marques Lopes, em 2006).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020).


1. Comentário de Antº Rosinha ao poste P20344 (*)

Antº Rosinha, topógrafo da TECNIL, Bissau,
ao tempo de Luís Cab
ral... 

É membro da nossa Tabanca Grande desde 
29 de novembro de 2006: tem 120 referências
no blogue.
Não era esta Bissau que Luís Cabral tinha projectado (imaginado) urbanisticamente enquanto presidente da República e presidente do PAIGC, que acumulava tudo.

A maior obra, a grande avenida, Combatentes da Liberdade da Patria, projectada como "Avenida Unidade Guiné-Cabo Verde", única saída da ilha de Bissau, quer de carro ou de avião, congestionadíssima, tinha na ideia de Luís Cabral, já com projecto em estudo, uma alternativa de saída da ilha através de Antula a sair para os lados de Cuméré.

Desafogava aquilo que prevemos que deve ser uma autêntica IC 19 (Sintra) em hora de ponta, mas 24 horas por dia.

Havia outro projecto de Luís Cabral, este não urbanístico mas político, segurar democraticamente à cacetada, cada guineense, na sua tabanca de origem, prendendo todos aqueles que se passeasse em Bissau, sem actividade comprovada, ou seja não podia fazer turismo, aí também ajudava a descongestionar.

Aliás, todos os dirigentes dos partidos vencedores, MPLA, FRELIMO e PAIGC gabavam-se que iam transformar as suas capitais mais bonitas e mais modernas do que aquio que os atrasados dos portugueses conseguiam fazer.

Pessoalmente penso que não seria difícil, porque nós, os colonialistas, não eramos nem somos lá muito competentes. Só que penso que eles apenas ampliaram as asneiras que nós tinhamos feito.
Luanda tem mais muceques, Lourenço Marques (Maputo) não conheço, mas as noticias só mostram decadência, no caso do PAIGC de Bissau, ficamos na eterna dúvida se os dirigentes iam ou não conseguir fazer melhor que nós, a um dirigente assassinaram-no, a outro expulssaram-no, e os restantes ficaram sem grande voz activa.

2. Comentários ao poste P21199 (***):



Cherno Baldé, Bissau,
quadro superior na área
de gestão de projetos

(i) Chermo Baldé

De facto, se há alguma coisa que se perdeu com a independência da Guiné é aquele orgulho, o sentimento de autoestima com uma mistura de uma certa superioridade que os guineenses tinham relativamente aos paises vizinhos.

Durante muito tempo (até princípios dos anos 80) Bissau foi ponto de referência para as populaçoes de origem guineense, residentes em Dacar, Ziguinchor e Conacri, entre outras cidades, aos quais tentavam copiar o modo de vida, a vestimenta, a culinária, a boa educaçao, etc...etc (tudo à portuguesa).

Caro Rosinha, a preferência do PAIGC do Amílcar por Conacri é mais politica que outra coisa, porque quando chegaram em Dacar em 1959/60, já a FLING de Kankola Mendy, que parecia politicamente mais moderado, tinha conseguido o apoio do LS Senghor, assim Conacri serviu de alternativa, também com as dificuldades que se sabem.


Na verdade, desde a independência, a Guiné-Bissau não deixa de perder os seus antigos "valores" coloniais a favor de uma maior e melhor integração na subregião onde está inserida, o que, para muitos, não passa de uma banalização do que era a cultura guineense que, na realidade, não passava de uma cultura de alienação colonial,  conseguida com base na politica da assimilação mal efetivada, bem distante da nossa realidade quase feudal e africana.

Eu conheci Bissau muito mais tarde, aliás na altura, a circulação de pessoas e bens era muito limitada e bem controlada pelo regime e pouca gente se deslocava a capital, porque também as outras localidades tinham o mínimo necessário.

Mas, como diz o Valdemar (***), provavelmente Bissau só começou a concentrar mais população à procura de trabalho no consulado do Sarmento Rodrigues (1945-49) e início das "grandes" obras da construção da cidade. (**)

Antes desse periodo, provavelmente Bissau se resumia ao Porto e ao pequeno Bairro de Chão-de-Papel, junto à bolanha ao lado do rio, habitado por grumetes e emigrantes cabo-verdianos.

De resto, o crescimento da cidade arranca com o inicio da Guerra em 1963/64.

Por isso, quando vejo na biografia do Bobo Keita que ele teria nascido em Bissau em 1939, não deixa de criar algumas dúvidas, posto que era pouco provável a existência do Bairro do Pilum onde diz que habitavam os seus pais.


(ii) Antº Rosinha:

Havia algum cinismo e alguma mentira na cabeça de muitos guineenses do PAIGC quanto às preferências por Conacri e contra Dacar, antes do multipatidarismo.

Havia uma necessidade de apregoar as virtudes do comunismo (sem o praticarem pessoalmente), e ai de quem se atrevesse a opinar com um ministro ou outro dirigente do PAIGC, que o unipartdarismo do Sekou Touré amachucava o povo guineense ao contrário do multipartidarismo de Senghor.

De facto, Cherno, eram os valores coloniais a serem banalizados, e trocados por outros valores ainda mais estranhos ao povo da(s) Guiné(s), e até que lentamente a Guiné-Bissau se integrou no ambiente que a rodeia num multipartidarismo que é um mimetismo do que se faz na Europa.

Mas, apesar do ambiente em redor não falar português, a Guiné será sempre um PALOP, porque se não falar português nem crioulo em Bissau, fala-se em Lisboa, porque são guineenses, muitos milhares de portugueses à volta de Lisboa.

E se juntarmos os guineenses de Bissau, com passaporte português e que podem votar em Lisboa, (assim como os angolanos e moçambicanos nas mesmas condições), qualquer dia é Portugal que se transforma em PALOP.

Ainda outro dia o SEF quis fazer o teste do Covid-19 num avião de moçambicanos no aeroporto Humberto Delgado e não pôde testar porque eram portugueses.

PS - Só não é português quem não é filho, neto ou bisneto de uma das esposas ou filhas de um antigo grande dirigente do PAIGC, FRELIMO ou MPLA.

Se aparecer algum a provar o contrário é a excepção à regra.

Cherno, esta conversa toda, não é só para ti, porque tu já sabes muito mais que isto. (****)

__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20344: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte I

(**) Vd. também postes de:

10 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1264: Postais Ilustrados (10): Bissau, melhor do que diz o fotógrafo (Beja Santos / Mário Dias)

18 de outuhro de 2017 > Guiné 61/74 - P17877: Historiografia da presença portuguesa em África (98): Bissau, em 1947, ao tempo de Sarmento Rodrigues, revisitada por Norberto Lopes, o grande repórter da "terra ardente"

(***) Vd. poste de 26 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21199: Da Suécia com saudade (78): “O que teria sido se....?” ... A propósito da Bissau dos anos 60/70, recordados por Carlos Pinheiro... (José Belo)

(****) Último poste da série > 28 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21204: (Ex)citações (362): "O que vemos não é o que vemos mas sim o que somos" (Bernardo Soares / Fernando Pessoa, com o 'colon' António Rosinha e o 'luso-sami' José Belo, a assinarem por baixo)

domingo, 26 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21199: Da Suécia com saudade (78): “O que teria sido se....?” ... A propósito da Bissau dos anos 60/70, recordados por Carlos Pinheiro... (José Belo)


Guiné > Bissau > s/d > "Monumento ao Esforço da Raça. Praça do Império"... Bilhete postal, nº 109, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")

Colecção: Agostinho Gaspar (2010).  Digitalização (e legendagem): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



1. Mensagem de José Belo [. régulo da Tabanca da Lapónia]

Date: sábado, 18/07/2020 à(s) 13:56
Subject: "O que teria sido se....?"

Um interessante texto sobre Bissau, escrito por Carlos Pinheiro e há anos publicado na Tabanca Grande (*), foi agora reproduzido na Tabanca do Centro. (**)

Interessante por conseguir recriar  um certo ambiente,  e mesmo o "ar" que se respirava na Bissau daquela época. [Vd. também a nossa série, "Estórias de Bissau", de que já se publicaram uma vintena de postes, LG]

José Belo, ex-alf mil,. CCAÇ 2381 (Ingoré,
Buba. Aldeia Formosa, Mampaté e Empada,
1968/70); autor da série "Da Suécia
com Saudadr"
Tendo feito parte de uma Companhia Independente de Atiradores [, a CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70];  que passou toda a sua comissão de serviço afastada dos reluzentes centros cosmopolitas , fossem eles a Capital ou outras grandes cidades guineenses,confesso recordar Bissau como uma cidadezinha de Avenida única (esfaltada) ao fim da qual existia um arremesso de cais muito apropriado para navios de pequeno calado e...pouco mais.

Esta aparentemente tão falaciosa recordação é agora completada pelo texto publicado,nas  referências a meia-dúzia de comerciantes "terceiro-mundista", somadas a alguns "restaurantes" que mais não eram do que o que eram, e a uns "night-clubes" capazes de fazer sonhar o aldeão mais empedernido do nosso querido Portugal.

Depois de lidos todos os detalhes apresentados na descrição fica-se quase, quase,com a ideia de que a tão próxima cidade senegalesa de Dakar mais não seria que subúrbio pobre desta pujança social,comercial,e não menos ,intelectual .

O que será perfeitamente justificável. Os colonialistas franceses chegaram a esta Costa africana..... muito depois de nós!

Não será portanto de estranhar que um Senhor  Comentador, sempre atento a todas as oportunidades de "reeducar" politicamente a História e os cidadãos (então muito em uso pelo Oriente,e não menos por alguns dos pseudo revolucionários portugueses), tivesse de imediato colocado a seguinte pergunta: 

"O que teria sido se os malfadados colonialistas lá tivessem ficado mais umas dezenas de anos?" (O termo "malfadados" é obviamente usado com semântica contraditória)

"O que teria sido se....?" ,pergunta o mesmo comentador, se nos tivessem oferecido a oportunidade de mais uma dúzia de anos coloniais.

Se nos tivessem oferecido a oportunidade de conseguirmos (ou sequer tentássemos) fazer nessa dúzia de anos o que não realizamos em seiscentos anos de colonialismo na Guiné?

"O que teria sido se...?" a herança cultural e social que por lá ficou tivesse sido antes em educação de profissionais especializados em Administração, Medicina, Engenharia, Economia, Indústria, Agricultura, Pesca, etc. (E lá volta o Senegal,Dakar, tão próximo e tão distante em tudo o acima referido.)

Os neocolonialismos tão sonhados por alguns dos nossos patrioteiros, ao mesmo tempo que convenientemente esquecem que para tal se torna necessário economias robustas e forças militares significativas?!

A França em relação à África Ocidental,e outros arrivistas mais modernos sem passados coloniais importantes são exemplos interessantes.

"O que teria sido se...?" não tivéssemos sido obrigados pela guerrilha a nos reagrupar estrategicamente, em processo cada vez mais acelerado, abandonando Madina do Boé, Gandembel, Guileje, e outros Destacamentos, menores mas não menos importantes estrategicamente .

"O que teria sido se...?" o mesmo iluminismo-saloio dos geniais políticos, que levou à perda de Goa, se viesse a repetir na Guiné ?!. Marcelo Caetano referiu essa possibilidade. Os Chefes Militares da época também o fizeram.

"O que teria sido se...?"

Com tal tipo de pergunta cai-se no que em meios jurídicos norte-americanos se denomina "infantilidade analítica".

Pergunta que,  aplicada a toda e qualquer situação, seja ela pessoal ou coletiva (, histórica no exemplo referido), é verdadeiro exercício de retórica que pode nos levar a qualquer resposta,ao mesmo tempo que não nos leva a resultado algum.

Uma forma de infinito....caseiro.

Um abraço do J. Belo (***)

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(**) Vd. Tabana do Centro > quarta-feira, 15 de julho de 2020 > P1241: Já passaram 50 anoss... > A cidade de Bissau em  ‘68/’70, por Carlos Pinheiro

(***) Último poste da série > 18 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21179: Da Suécia com saudade (77): Os Vikings, os capacetes... e os cornos (, que só aparecem em 1820 e que hoje são de plástico, "made in China") (José Belo)