A bondade não será a crueldade reduzida ao mínimo ? (p32)
A ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água (p29)
A corrupção favorece as ideias novas (p18)
A esperança, a fé, a caridade, vivem do Matadouro Municipal, onde bois e vitelas, santos e anjos, são assassinados às centenas e repartidos, em bifes, pela macacaria darwinista (p34)
A ideia de água antece todas as coisas (p11)
A imagem das vacas tem maior nitidez que a das pessoas (p16)
A inocência é a auréola do crime (p22)
A luz dos olhos devora tudo. Ser visto é quase morrer. (p24)
A miséria ri-se das barrigas fartas e preside a todos os banquetes (p36)
A Natureza odeia a linha reta (p32)
A probabilidade perfeita ou absoluta representa-a um sim sobre um não (p34)
A vaidade é a sinceridade em pessoa (p20)
Agir é construir, destruindo (p32)
Andamos e não chegamos. O andar é tudo: princípio e fim. (p179
As coisas são possibilidades realizadas contendo inúmeras possibilidades realizáveis (p16)
Basta a miséria de um desgraçado, para que todos nós sejamos miseráveis (p14)
Como é que um animal que fuma pode crer na imortalidade ? (p39)
De que serve ressuscitar ? Toda a gente continua a ver o morto.(p18)
Deus não sabe como se chama ! (p14)
Existir não é pensar: é ser lembrado (p19
Joaquim, eis o meu epitáfio! (p19)
Morrerás da tua beleza! (p25
Nascer, é pôr a máscara (p23)
O andar é uma hesitação que se desloca (p23)
O berço e o túmulo não são para os olhos de quem neles está deitado (p15)
O cão ladra e uiva, é já sábio e poeta (p33)
O homem não vive; nasce e morre (p13)
O ideal da nuvem é o rochedo (p38)
O ladrar é literatura (p22)
O mar é a carne do planeta (p23)
O nome desfigura as coisas (p19)
O ódio brame como os tigres, o amor geme como os cães, a tristeza canta de sapo, e a alegria é uma bêbeda, ó Santa Mónica! (p35)
O pecado é mais fecundo do que a virtude (p20)
O português é indeciso e inquieto, como as nuvens em que as suas montanhas se continuam e as ondas emq ue as suas campinas se prolongam (p26)
O riso brota dos dentes que mordem (p28)
Os penedos não são felizes (...) (p33)
Os velhos riem-se da velhice (...) (p22)
Quanto mais estranhos, mais íntimos (p23)
Sem a estupidez dos penedos, que seria do nosso espírito ? (p12)
Ser uma coisa evidente é ficar reduzido a quase nada (p31)
Só a nudez é luminosa (p21)
Todas as almas são perfeitas (p24)
Todo o enigma da vida está fechado na cabeça duma formiga (p29)
Um homem é ele e o mundo. Um boi é ele sozinho, armado de cornos contra os lobos (p14)
Fonte: Excertos de: Aforismos, Teixeira de Pascoaes: seleção e organização de Mário Cesariny, LIsboa: Assírio & Alvim, 1998, 39, pp (Gato Maltês, 36).
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Notas do editor LG:
(*) Último poste da série > 12 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27007: A Nossa Poemateca (10): Ovídio Martins (Mindelo, 1928 - Lisboa, 1999), um grande poeta cabo-verdiano bilingue
(**) A palavra portuguesa aforismo vem do grego ἀφορισμός (aphorismós), que deriva do verbo ἀφορίζειν (aphorízein), significando “delimitar, definir, distinguir”:
(i) o prefixo ἀπό- (apó) = “separar de, afastar”;
(ii) a raiz ὁρίζειν (horízein) = “traçar limites, definir” (a mesma origem da palavra “horizonte”=linha aparente, em que o céu e a terra ou o mar parecem encontrar-se)
Em grego, aforismós significava originalmente “definição” ou “enunciado que delimita com clareza”.
Recorde-se que é do grego Hipócrates (séc. V a.C.) a obra Aforismos, um conjunto de sentenças breves sobre a saúde, a doença e a arte de curar e de cuidar (a medicina). A palavra passou a designar uma sentença curta e precisa que condensa um princípio ou verdade.
Em poesia reduz-se muitas vezes a uma metáfora ou a um curto pensamento sincrético. Os aforismos aqui selecionados não são enunciados filosóficos, não expressam um axioma, uma verdade, um conceito... Valem pela sua capacidade de operar como uma metáfora, fundindo uma ideia abstrata e uma imagem do real: "O nome desfigura as coisas" ou "Deus não sabe como se chama" ou "O mara é a carne do planeta".