1. Nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem do dia 8 de Junho de 2010:Amigo Carlos,
Este caso marcou-me profundamente.
Por aqui se vê a amizade que tivemos pelo povo da Guiné.
NOTAS SOLTAS DA CART 643 (24)O MIÚDO MARCIANO MAMADU SISSÉHavia pouco tempo que a Cart 643 - Águias Negras - se encontrava em Bissorã, estávamos em Junho de 1964.
Os primeiros dias foram preenchidos com a instalação dos homens pelo chamado aquartelamento, ficando 3 pelotões em casernas, nos ex-armazéns de mancarra.
Os oficiais num edificio do arruamento principal dentro da povoação, frente à residência do Administrador, Aguinaldo Spencer Salomão.
Os sargentos, por sua vez ficaram alojados junto às casas de alguns civis, caso do Gardeth, Michel Ajouz e outros, isto numa rua paralela á principal, não longe do mercado indigena.
Os nossos quartos em numero de três, albergavam os 16 sargentos da companhia, alojados em beliche, com uma instalação sanitária para todos, o que não era nada mau, comparado com outros locais.
Então começaram a aparecer as chamadas lavadeiras, -
Bo miste lavadera -, algumas ladeadas pelos filhos, uns pela mão e outros em
atrelados.
Foi nessa altura que apareçeu um miúdo, simpático, sorridente, não largando a nossa porta durante todo o dia, oferecendo os préstimos em recados, enfim um sempre pronto para qualquer tarefa.
O nome dele era Marciano Mamadu Sissé, morava na estrada do Olossato, um pouco antes da pista de aviação.
A pouco e pouco foi promovido a Mascote da Sargentada, motivado pela sua simpatia e pela prontidão e boa vontade em nos servir. À noite regressava à sua morança, levando sempre uma quantidade apreciável de rancho, não de restos mas igual ao distribuído aos homens da companhia.
O tempo foi passando, entrava no quartel como se fosse um dos nossos, entre outros serviços ajudava na cozinha e na oficina auto na pessoa do mecânico, um alentejano de Arcos-Estremoz, de nome Joaquim Cabaço.
Dia a dia, mês após mês, o calendário passava com naturalidade, até que chegou o meu fatídico dia 27 de Outubro de 1965, dia em que fui ferido com alguma gravidade.
Não mais regressei a Bissorã, sendo evacuado do mato diretcamente em heli para o HM241, mais tarde para o HMP em Lisboa.
A partir de então perdi o contacto com a minha familia militar, até porque 3 meses depois terminaram a comissão de serviço, regressando todos a casa. Perdi o contacto também com os meus amigos civis e naturalmente com o Marciano. Pouco tempo depois recebi um aerograma, deduzo que foi escrito por alguém da Cart 816, em 1966, com palavras do Marciano a seu mando.
Foi lido com atenção e emoção, mas acabei por não responder, encontrava-me no Hospital com muitos problemas de saúde, que durou entre 2 a 3 anos, como tal o que estava escrito, caiu no esquecimento.
Mais tarde decidi fazer uma pesquisa para saber se o Marciano era vivo e em caso afirmativo, o local da sua residência.
Recorri à Embaixada da Guiné-Bissau, solicitando informação junto de um funcionário, que me aconselhou escrever para as entidades oficiais de Bissorã, contando toda a história.
Acertei em cheio, depois de um tempo de espera, eis que surgem noticias, o Marciano Mamadu Sissé, era vivo e de boa saúde.
Disse que morava no mesmo local, mas depois da independência teve de fugir, e esteve anos por terras do Senegal. Fuga que foi motivada pela perseguição dos que colaboravam, ou se davam com a tropa Portuguesa, os que não conseguiram, foram impediosamente fuzilados, como me recordo do Quebá e Citafá (mandingas), nossos amigos e guias.
Entretanto o único telefone na altura existente em Bissorã, foi-me disponibilizado para poder falar com ele, foi um momento grande e emotivo, passou a chamar-me de Pai Rogério, enfim de miúdo a homem 30 anos depois.
Fiquei feliz, a minha teimosia deu frutos.
A sua descendência é de meia duzia de filhos, 2 em Bissau, 3 em Bissorã e um na cidade da Amadora, filho este que conheci mais tarde e tendo passado momentos com a minha familia, aliás foi com ele que tive conhecimento destas informações.
Hoje estou em contacto com alguma frequência, mas o sonho do Marciano era o de ter uma visita nossa à sua Bissorã.
A difícil luta pela sobrevivência é uma constante, o que de momento lhe posso garantir, é algum apoio material, tanto em dinheiro como em artigos diversos, claro quando tenho portador, o que é dificil por vezes.
Junto fotos, do Marciano aos 13 anos e mais tarde aos 45, aerograma de 1966 e carta do Secretário do Sector de Bissorã, dando a notícia que o tinha encontrado.
Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
Cart 643-Águias Negras
Marciano aos 13 anosMarciano aos 45 anos
Aerograma de Marciano dirigido a Rogério CardosoCarta do Secretário do Sector de Bissorã enviada a Rogério Cardoso, dando conta do paradeiro de Marciano.(Clicar nas imagens para ampliar)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Junho de 2010 >
Guiné 63/74 - P6559: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (23): O Comandante do BART 645, Coronel Braamcamp Sobral