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sábado, 29 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8962: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (26): Calções da ordem



1. Em mensagem do dia 28 de Outubro de 2011 o nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66) enviou-nos esta Nota Solta da CART 643:


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (26)

CALÇÕES DA ORDEM


1965-Pista de Bissorã - DO 27


Sabemos perfeitamente que a rapaziada nunca gostou de cumprir o regulamentado pelas Chefias Militares. Estava na vulgarmente chamada "massa do sangue" gostar de fazer o contrário e deste modo marcar a
diferença.

Isto vem a propósito do uso de calções, que no meu tempo da chamada farda amarela, e que segundo o permitido, o seu comprimento deveria ficar a 4 dedos de travessa do joelho, ficando a meia também a 4 dedos de travessa, da parte inferior do referenciado joelho, assim deste modo a zona a descoberto seria muito reduzida.

Com o passar do tempo, a malta começou a encurtar os ditos calções, e se olharmos com alguma atenção no Blogue, com certeza aparecem alguns.

Do pequeno encurtar ao exagero foi um instante, cada um aparecia com os calções mais curtos, que mais pareciam "fatos de banho", uns largos na perna, outros apertados, enfim uma variedade que seria como
vulgarmente se diz - cada cor seu paladar.

Também o uso de cuecas parecia ter os dias contados, sendo o calor o principal culpado.
As noites em meados de Abril de 1964, antes da ida dos Águias Negras para as bandas do Oio, eram passadas na esplanada do Bento, beber uma cerveja, um leite com chocolate ou outra bebida era o normal, além da cavaqueira.

A postura habitual era o traçar de pernas, e eis que com a eliminação da cueca e o encurtamento dos calções, por vezes os "apêndices" tentavam saltar para o exterior, talvez para apanhar um pouco de ar, o
fresco da noite, ou por outros motivos que só eles sabiam.

Aí começaram os problemas, pois a esplanada também era frequentada por senhoras, que estavam em grupo de amigos ou mesmo com os maridos militares sediados em Bissau.

O facto era reparado, havia as que achavam piada pelo descaramento, outras, na sua maioria, com um olhar reprovativo fuzilavam quem tinha esse descaramento.

A partir de então presumo que a PM tivesse tido algum trabalho, não sabendo nós qual o resultado final, motivado pela nossa ida para Bissorã, Mansabá e Mansoa, que durou praticamente até ao embarque para
a Metrópole em Fevereiro de 1966.

Rogerio Cardoso
Ex-Fur.Mil.-Cart.643-AGUIAS NEGRAS
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6731: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (25): O meu Irmão Álvaro

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6731: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (25): O meu Irmão Álvaro

NOTAS SOLTAS DA CART 643 (25)

O MEU IRMÃO ÁLVARO

1. Mensagem de Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), com data de 11 de Julho de 2010:

Amigos da Tabanca Grande
Li com muita atenção o P6712 - Histórias do Jero: Na Guerra e na Paz... Até ao Fim...

Houve uma parte que me tocou bastante, quando ele chama de "irmão" ao ex-camarada Álvaro.

É que tenho um grande amigo, ex-camarada do BART 645 - Águias Negras, também de nome Álvaro, ex-Fur Mil da CCS, que nos chamava de "irmão" aos muitos amigos que tinha, o que me fazia alguma confusão, porquê esse tratamento?

Agora, passados 46 anos soube o motivo. Uma entrevista sua nas TARDES DA JÚLIA, o agora Dr. Álvaro (Psicologia Clínica) explica porque aplicava o "irmão" aos seus amigos e companheiros de armas.

O Álvaro é natural de Setúbal e foi de muito pequeno (5/6 anos) para um orfanato da cidade.

Contava com muita mágoa o seu infortúnio, no citado programa televisivo, com mais 50 rapazes, dos uniformes que usavam, da alimentação, etc.

Desde essa altura começou a tratar os pequenos amigos de "irmãos", de facto não o eram de sangue, mas como viviam 24 sobre 24 horas no mesmo Lar, achou por bem aplicar esse tratamento, porque afinal era a família mais próxima que tinha.

Saiu da instituição já perto da maioridade, tendo ao fim de pouco tempo ido para o serviço militar. Ao fim de 26 meses de tropa foi mobilizado para o CTIG, com a promessa de ficar só 5 a 6 meses, que seria rendido pelo curso seguinte.

Claro que tal não aconteceu e o nosso irmão Álvaro ficou até ao fim da comissão. Damos graças por esse seu contratempo, doutra forma não tínhamos privado com o GRANDE AMIGO E IRMÃO, acabando por ficar mais uns meses em Bissau, porque entretanto tinha conhecido a sua actual mulher, a amiga Estér, na altura filha de um militar residente.

Continua nosso irmão, não faltando aos convívios da nossa ASSOCIAÇÃO DE AMIZADE DO BART 645 - ÁGUIAS NEGRAS, que se realizam há 30 anos sem interrupção.

De Cascais para Alcobaça para o Jero, afinal somos da mesma altura. Estive em Bissorã de Junho de 1964 a 17 de Novembro de 65, data em que fui ferido em combate, regressando o restante pessoal do Cart 643 em príncipios de Fevereiro de 1966:

Um grande abraço,
Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
Cart 643 - Águias Negras
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6576: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (24):O miúdo Marciano Mamadú Sissé

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6576: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (24):O miúdo Marciano Mamadú Sissé




1. Nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem do dia 8 de Junho de 2010:

Amigo Carlos,
Este caso marcou-me profundamente.
Por aqui se vê a amizade que tivemos pelo povo da Guiné.



NOTAS SOLTAS DA CART 643 (24)

O MIÚDO MARCIANO MAMADU SISSÉ

Havia pouco tempo que a Cart 643 - Águias Negras - se encontrava em Bissorã, estávamos em Junho de 1964.

Os primeiros dias foram preenchidos com a instalação dos homens pelo chamado aquartelamento, ficando 3 pelotões em casernas, nos ex-armazéns de mancarra.

Os oficiais num edificio do arruamento principal dentro da povoação, frente à residência do Administrador, Aguinaldo Spencer Salomão.

Os sargentos, por sua vez ficaram alojados junto às casas de alguns civis, caso do Gardeth, Michel Ajouz e outros, isto numa rua paralela á principal, não longe do mercado indigena.

Os nossos quartos em numero de três, albergavam os 16 sargentos da companhia, alojados em beliche, com uma instalação sanitária para todos, o que não era nada mau, comparado com outros locais.

Então começaram a aparecer as chamadas lavadeiras, - Bo miste lavadera -, algumas ladeadas pelos filhos, uns pela mão e outros em atrelados.

Foi nessa altura que apareçeu um miúdo, simpático, sorridente, não largando a nossa porta durante todo o dia, oferecendo os préstimos em recados, enfim um sempre pronto para qualquer tarefa.
O nome dele era Marciano Mamadu Sissé, morava na estrada do Olossato, um pouco antes da pista de aviação.

A pouco e pouco foi promovido a Mascote da Sargentada, motivado pela sua simpatia e pela prontidão e boa vontade em nos servir. À noite regressava à sua morança, levando sempre uma quantidade apreciável de rancho, não de restos mas igual ao distribuído aos homens da companhia.

O tempo foi passando, entrava no quartel como se fosse um dos nossos, entre outros serviços ajudava na cozinha e na oficina auto na pessoa do mecânico, um alentejano de Arcos-Estremoz, de nome Joaquim Cabaço.

Dia a dia, mês após mês, o calendário passava com naturalidade, até que chegou o meu fatídico dia 27 de Outubro de 1965, dia em que fui ferido com alguma gravidade.

Não mais regressei a Bissorã, sendo evacuado do mato diretcamente em heli para o HM241, mais tarde para o HMP em Lisboa.

A partir de então perdi o contacto com a minha familia militar, até porque 3 meses depois terminaram a comissão de serviço, regressando todos a casa. Perdi o contacto também com os meus amigos civis e naturalmente com o Marciano. Pouco tempo depois recebi um aerograma, deduzo que foi escrito por alguém da Cart 816, em 1966, com palavras do Marciano a seu mando.
Foi lido com atenção e emoção, mas acabei por não responder, encontrava-me no Hospital com muitos problemas de saúde, que durou entre 2 a 3 anos, como tal o que estava escrito, caiu no esquecimento.

Mais tarde decidi fazer uma pesquisa para saber se o Marciano era vivo e em caso afirmativo, o local da sua residência.

Recorri à Embaixada da Guiné-Bissau, solicitando informação junto de um funcionário, que me aconselhou escrever para as entidades oficiais de Bissorã, contando toda a história.

Acertei em cheio, depois de um tempo de espera, eis que surgem noticias, o Marciano Mamadu Sissé, era vivo e de boa saúde.

Disse que morava no mesmo local, mas depois da independência teve de fugir, e esteve anos por terras do Senegal. Fuga que foi motivada pela perseguição dos que colaboravam, ou se davam com a tropa Portuguesa, os que não conseguiram, foram impediosamente fuzilados, como me recordo do Quebá e Citafá (mandingas), nossos amigos e guias.

Entretanto o único telefone na altura existente em Bissorã, foi-me disponibilizado para poder falar com ele, foi um momento grande e emotivo, passou a chamar-me de Pai Rogério, enfim de miúdo a homem 30 anos depois.

Fiquei feliz, a minha teimosia deu frutos.

A sua descendência é de meia duzia de filhos, 2 em Bissau, 3 em Bissorã e um na cidade da Amadora, filho este que conheci mais tarde e tendo passado momentos com a minha familia, aliás foi com ele que tive conhecimento destas informações.

Hoje estou em contacto com alguma frequência, mas o sonho do Marciano era o de ter uma visita nossa à sua Bissorã.

A difícil luta pela sobrevivência é uma constante, o que de momento lhe posso garantir, é algum apoio material, tanto em dinheiro como em artigos diversos, claro quando tenho portador, o que é dificil por vezes.

Junto fotos, do Marciano aos 13 anos e mais tarde aos 45, aerograma de 1966 e carta do Secretário do Sector de Bissorã, dando a notícia que o tinha encontrado.

Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
Cart 643-Águias Negras


Marciano aos 13 anos

Marciano aos 45 anos


Aerograma de Marciano dirigido a Rogério Cardoso

Carta do Secretário do Sector de Bissorã enviada a Rogério Cardoso, dando conta do paradeiro de Marciano.

(Clicar nas imagens para ampliar)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6559: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (23): O Comandante do BART 645, Coronel Braamcamp Sobral

terça-feira, 8 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6559: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (23): O Comandante do BART 645, Coronel Braamcamp Sobral

1. Nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem do dia 5 de Junho de 2010:


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (23)

O COMANDANTE DO BART 645 - ÁGUIAS NEGRAS, COR. BRAAMCAMP SOBRAL


O Bart 645 - ÁGUIAS NEGRAS, foi formado em Santa Margarida, a partir de Novembro de 1963, data em que fui transferido do RAC de Oeiras.
Portanto desde esta data até 4 de Março de 1964, data do embarque, houve tempo suficiente para conhecimento da maioria dos camaradas.

Desde cedo e logo de principio, que o Bart 645 estava destinado a Moçambique, província que na altura estava em completa paz. Então eu e a minha mulher, combinámos ficar em África no fim da comissão, por conseguinte decidimos casar, assim como fizeram alguns camaradas.
Mas o tempo ia passando e nunca mais o Batalhão embarcava, deste modo todos nós começámos a ficar um pouco apreensivos, e lá se aplicou o velho ditado "contar com o ovo no c... da galinha "

Lá pela altura do Natal ou Janeiro, não preciso bem, o Comandante vei-nos dizer que Moçambique estava fora de hipótese, concerteza Angola nos esperava.
Foi a desilusão geral, as familias receberam a notícia com um certo choque emocional, mas eu e outros pensámos numa defesa para com os familiares mais chegados. Dissemos que nem tudo era mau em Angola, se fosse a Guiné é que era a desgraça total, ainda por cima tinha caído em combate, um filho de um amigo de meu pai, eu achei que a justificação que apresentava, era a melhor tática, mas a ida da minha consorte, já estava à partida com menos 50% de hipóteses.

O tempo ia passando, o Comandante Braamcamp Sobral, sabia de antemão a sorte do Batalhão, dizia-se que o tinha oferecido para a Guiné, porque havia uma dívida de honra a pagar. Um dos seus filhos, oficial quando da invasão da Índia, "ausentou-se" e a forma que de momento achou melhor, foi a do oferecimento dos Águias Negras.

Lá para o fim de Fevereiro, houve a reunião de todo o pessoal, numa noite depois do jantar. Quando deu a notícia, perante cerca de 600 homens, houve um ah geral, ouviram-se alguns comentários, o chamado grande melão, pois só meia duzia de oficiais e sargentos sabiam o destino.

O Comandante Braamcamp Sobral, é aí que se encontra o grande homem que era, soube contornar a situação, as suas palavras foram de encorajamento, enaltecendo tudo e todos os Águias Negras, e meia hora depois tinha conquistado a simpatia geral.

Era um fantástico condutor de homens, assim até 4 de Março, data do embarque e mesmo até fim da comissão, teve um dos melhores batalhões que passaram pela Guiné. Estando em Mansôa, visitava com regularidade as companhias de Bissorá e Mansabá, e mesmo com aquela idade, chegou a ir ao mato, dando exemplo e mostrando como se comandava uma companhia a um certo capitão, que em Santa Margarida mostrava ser aguerrido, audaz e ousado, mas na realidade era completamente o contrário, não mostrando apetência para o lugar, sendo substituido porque era o unico que destoava daquela grande familia.

Enfim o Comandate Braamcamp Sobral, homem de alta estatura com mais de 1,90 e elevada compleição fisica, farta cabeleira totalmente branca, vulgarmente chamado pelos nativos de " Cavalo Branco", era um exemplo de homem, respeitado por nós, populações e pelo IN. Os homens dele eram intocáveis, nem a PM que às vezes em Bissau nos fazia a vida negra, ele respondia por todos o que lhe valeu alguns aborrecimentos.

Não posso nem devo terminar, sem deixar uma nota de apreço pelo nosso primeiro 2.º Comandante Major Glória Alves, homem de grande educação e amigo de todos os subordinados.

Já partiram, deixando saudades de quantos lidaram com eles.

Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
Cart 643 - Aguias Negras
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6480: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (22): 1.º Cabo António Melo e Soldado Manuel Bernardes, as nossas únicas baixas mortais

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6480: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (22): 1.º Cabo António Melo e Soldado Manuel Bernardes, as nossas únicas baixas mortais

1. Mais uma Nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso, ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (22)


Os nossos mortos: António Melo e Manuel Bernardes (Carrapichana)

Na Cart 643 - Águias Negras, ao longo da sua actividade operacional, aconteceram 2 baixas e dezenas de feridos, sendo eu Rogerio Cardoso, o ultimo deste elevado lote.

A primeira baixa aconteceu a 16-08-64, na área de Morés, na pessoa do 1.º Cabo Atirador ANTONIO MELO.

Tombou em combate, depois de uma série de 7 emboscadas, sendo a última maioritariamente com granadas de mão, sendo atingido, caiu para sempre. Houve mais 14 feridos, sendo um deles com gravidade o que provocou a sua evacuação para o HMP, isto já perto do Olossato.

O 1.º Cabo ANTONIO MELO era um moço excepcional, tinha festejado com todos nós, o nascimento de um filho, uns 15 dias antes, filho que nunca chegou a conhecer. Porque foi a nossa primeira baixa, e pelo que
atrás descrevi, nunca nos vai esquecer.
Foi sepultado no Cemitério de Bissau, campa n.º 1055.

A segunda baixa aconteceu a 07-11-64, na pessoa do soldado atirador MANUEL BERNARDES, mais conhecido pelo "CARRAPICHANA", nome dado por pertencer àquela povoação.

Já no regresso de uma saída, lá para as bandas do Olossato, seriam talvez umas 15 horas, calor abrasador, vínhamos em fila já na estrada para Bissorã, quando o Comandante do Pelotão notou que o Carrapichana ia ficando atrasado e a cambalear.
Foram buscá-lo e repararam que a sua pele apresentava umas saliências tipo "bexigas" e muito seca, sendo de imediato diagnosticada uma  insolação grave.

Já no aquartelamento, o médico e a equipa de enfermagem lutaram contra o tempo para o tirarem daquela situação, com soros, sacos de gelo pelo corpo, etc., vitória que foi conseguida.

Claro que ele ficou deveras debilitado, fraco e sem forças, mas ao fim de alguns dias começou a levantar-se, a ir ao refeitório e ao cafezinho no bar, que se situava junto ao edificio da secretaria, ao ar livre.
Esse bar tinha uma espécie de esplanada, 4 mesas feitas com tampos de bidons de gasolina, sendo os pés de aduelas de barris de vinho. Era iluminada por umas pequenas lâmpadas, cujo fio eléctrico era esticado com arame, que por sua vez agarrava ao arame farpado, vedação do aquartelamento.

Aconteceu que o fio pela acção do tempo ficou com o cobre à vista, consequentemente passando a corrente eléctrica ao arame farpado.
O Carrapichana depois do normal jantar e na conversa com camaradas, distraidamente e porque não sabia, nem ele nem ninguém, pôs a mão no arame. Agarrado, ainda um camarada tentou tirá-lo daquela situação,
mas sem êxito.

O nosso amigo Carrapichana, por estar em convaslencença, muito fraco e sem grandes defesas, não aguentou a descarga eléctrica.
Foi sepultado no Cemitério de Bissau, campa n.º 1171.

Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
Cart 643-Águias Negras
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6429: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (21): As CARTs 643 e 730 a olharem para o céu

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6429: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (21): As CARTs 643 e 730 a olharem para o céu

1. Mais uma Nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem de 16 de Maio de 2010.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (21)

As CARTs 643 e 730 a olharem para o céu


Estávamos em 1964, BISSORÃ tinha na altura duas Companhias operacionais, a CART 643, a "residente" e a CART 730. As operações eram em catadupa, operações em áreas complicadas, como ao célebre Morés e casas de mato circundantes, uma espécie de flôr, Morés a coroa e as pétalas as casas de mato envolventes, tudo muito complicado. Para oeste a dificil casa de mato denominada Biambi, lá para os lados de Bula e Binar, diga-se de passagem com um chefe guerrilheiro de muito respeito, todo o cuidado era pouco, quando havia necessidade de o enfrentar.

O pessoal "maçarico" não podia ser lançado para aquelas zonas sem ser acompanhado de pessoal experiente.

Lembro-me de um 2.º Sargento do QP, açoriano, não querendo receber conselhos dos "velhos", dizendo que tinha vindo de Angola, para ele aquilo era "canja", mas ficou em grandes dificuldades numa emboscada, que durou muito tempo, foi em seu socorro um Pelotão da Cart 643, para os tirar daquela embrulhada.

Os feitos destas Companhias eram deveras considerados pelas chefias militares, tenho ideia de uma operação, salvo erro em Cambaju, em que as NT capturaram uma quantidade apreciável de material de guerra, houve grande ronco no regresso a Bissorã, tendo o ComChefe Gen. Arnaldo Shultz enviado uma mensagem, que pela importância operacional daquele dia, queria a todo o custo, dar um abraço às Cart 643 e 730, e que apareceria a qualquer momento.

Os Capitães, sabendo da visita, ordenaram que todos se apresentassem devidamente ataviados, porque o nosso General iria chegar dentro em pouco.

Eram talvez 14 horas, todos a olhar para o céu, para ver quando despontava o héli. O tempo corria, 15,00 h., 16,00 h., até que o sol começa a desaparecer no horizonte. Houve a chamada desilusão generalizada, todos se interrogavam, esta malta não nos liga nenhuma, aplicando-se o velho slogan "a retaguarda está firme que nem uma rocha" e era verdade.

Nesta altura que tanto se fala da actuação do Gen Spinola, quando ComChefe do CTIG, tenho a certeza, que pelo que contam, não fazia uma acção deste género.

Havia uma grande distância entre os militares do mato, os operacionais, e alguns da cidade de Bissau. A própria PM perseguia por assim dizer, aqueles pobres militares, que às vezes se excediam, quando apanhavam 2 ou 3 dias de folga, como prémio pela sua actuação em combate, portanto não era de admirar a não comparência do ComChefe no mato, ter de se expôr a algum perigo no vôo, a retaguarda era quase sempre assim.

E para terminar, posso contar mais uma cena, esta comigo.

Em Outubro de 1965, mais precisamente a 27, fui ferido, sendo evacuado para o HM241. O meu ferimento, fractura exposta do femur esquerdo e outras complicações, não podia ser tratado ali, como era uma recuperação que demoraria mais de 6o dias, tinha que ser evacuado, o mais rápidamente possível.

Começou a haver complicações, como infecções constantes, de que resultou uma ostaíte crónica de que continuo a padecer.

Não havia lugar no avião militar para Lisboa, sabendo eu que nesses aviões, além dos feridos a embarcar, também seguiam militares de férias, prémios Governador, esposas de oficiais superiores e até acompanhantes, para ajudarem nas suas compras em Lisboa.

Eu sentia-me cada vez pior no meu estado geral de saúde. No dia 16 de Novembro, fui visitado pelo meu Comandante Cor.Braancamp Sobral, para saber do meu estado. Nesse momento perdi a cabeça, disse-lhe o que pensava dos chamados SENHORES DA GUERRA. Sem me dizer nada saiu. Passadas cerca de duas horas, segui para o bloco do hospital, fui engessado e na manhã
do dia seguinte, 17 de Novembro, embarquei para o HMP, onde estive internado 7 meses, 2 nas urgências e o restante no anexo, mais vulgarmente conhecido pelo TEXAS.

Como nota final, tenho a certeza que se fosse evecuado de imediato, talvez não ficasse marcado para sempre.

Rogério Cardoso
Ex-Fur Mil
CART 643 - Águias Negras
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6349: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (20): Bem haja senhor Grilo, maquinista do navio Ana Mafalda

sábado, 8 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6349: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (20): Bem haja senhor Grilo, maquinista do navio Ana Mafalda

1. 20.ª nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem de 4 de Maio de 2010.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (20)

Bem haja senhor Grilo, maquinista do navio Ana Mafalda


Estava eu em Bissorã, decorria o ano de 1964. A DO 27 dando voltas à povoação, esperando que o grupo de assistência à pista fosse rápidamente fazer a segurança.

Era uma visita sempre bem-vinda, o correio sempre esperado por todos.

Como de costume recebia uma quantidade considerável de cartas e "bate estradas", notícias enviadas pela minha mulher, pais, avó, sogros e demais amigos.

Dentro dessas notícias vinha uma de meu pai, em que dava conta do envio de uma encomenda, com os chamados "comes". Ele, meu pai, teve a ousadia de dirigir-se ao navio Ana Mafalda, quando atracado em Lisboa, pedir ao primeiro tripulante que avistasse, no caso foi o maquinista Sr.Grilo, para transportar um embrulho com alguma dimensão, para seu filho que se encontrava na Guiné, isto sem conhecer ninguém.

A resposta foi logo afirmativa, mas havia um problema, o destino do navio era Bissau e eu encontrava-me em Bissorã.

Também, quando soube do feito de meu pai, já o navio se preparava para zarpar de Bissau, no dia seguinte à noticia por mim recebida.

O maquinista Sr. Grilo, porque eu não aparecia, telefonou para os CTT de Bissorã para falar comigo, conseguiu mas dizendo que tinha da ir buscar até à noite sem falta, estávamos no principio da manhã, não me lembro de que dia e mês.

Falando com o Comandante da Companhia, Cap. Silveira, obtive autorização para me deslocar a Bissau, Unimog rápidamente preparado, uma Secção de voluntários e lá vamos integrados numa coluna que se dirigia a Mansôa.

Quando chegámos a Bissau, ao Pijiguiti, já o sol se tinha posto, suados, sujos com aquele pó vermelho que todos nos lembramos, com o Sr. Grilo inquieto e preocupado, como de sua família se tratasse.

Saltei da viatura, entrei no navio, quando ele me perguntou, vocês já jantaram? Como obteve uma resposta negativa, obrigou-nos a todos a entrar e serviram-nos uma jantarada, com alguns elementos da tripulação, inclusivé o Comandante, janta essa que há muito não nos passava pelo estreito canal.

Findo o lauto repasto, ele e os amigos, distribuiram diversos alimentos como, conservas de fruta, leite com cacau, bolachas, chocolates, bebidas, etc. com alguma abundância.



Eu e os meus camaradas, não tivemos palavras de agradecimento, para tão grande gesto de amizade dos intervenientes que atrás descrevi.

São passados muitos anos, cerca de 45, só agora houve oportunidade de contar em público estes gestos de solidariedade, graças ao blogue LUIS GRAÇA E CAMARADAS DA GUINE.

Concerteza, já muitos ou quase todos partiram para o além, mas se lá no alto tais gestos forem compensados, têm de certeza um lugar muito especial.

Rogerio Cardoso
Ex-Fur Mil
Cart 643 - AGUIAS NEGRAS
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6306: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (19): Alguns momentos agradáveis

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6306: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (19): Alguns momentos agradáveis

1. Mais uma nota solta enviada pelo nosso camarada Rogério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), em mensagem de 23 de Abril de 2010.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (19)

ALGUNS MOMENTOS AGRADÁVEIS

O dia a dia nos anos 64/65 no interior da Guiné, era de facto muito difícil, muito mais complicado que em Bissau, onde os dias corriam mais ou menos bem. Na chamada "Guerra do ar condicionado", havia restaurantes para quando havia vontade, e claro haver o velho patacão, cinema, cafés com as sua esplanadas, actividades desportivas, etc. Estando os felizardos da capital, "muito bem", o incómodo não passava além do ataque ao mosquiteiro, mais precisamente do anofelis e o calor intenso.

No nosso pequeno burgo, "cá tem" restaurantes, cinema, cafés e jornadas desportivas, então como passava o pessoal os raros momentos de lazer?

Lembro-me, que às vezes aparecia um elemento da Especialidade de Foto-Cine, com uma pelicula para ser exibida à noite, claro ao ar livre, para que o fumo em recintos fechados não atacasse as nossas vias respiratórias. Depois do acostumado e suculento jantar, era passado o filme com o ecran colocado numa viatura, sendo a plateia e balcão de pé, para todos somarem mais uns centimetros de altura. O filme era exibido sem interrupção, no entanto os nossos amigos do PAIGC, invejosos por não poderem assistir, obrigavam-nos por vezes a fazer um intervalo.

Certa vez o Foto-Cine apresentou o filme mexicano CURRITO DE LA CRUZ, a historia de um puto que queria ser toureiro, passou-o 3 vezes em dias seguidos. Quando se preparava para seguir para outro aquartelamento, eis que o IN minou algumas pontes em redor de Bissorã, ficando a Cart 643 isolada por terra durante uma série de dias, o que implicou a permanência do homem da máquina, que se instalou nos nossos alojamentos temporariamente.

Como não havia outro filme, aplicou-se o chamado vira o disco e toca o mesmo, enquanto ele esteve em nossa casa, todos os dias era visionado e até chegou ao ponto, conforme ideia de um camarada, passá-lo de trás para a frente, já que todos nós já sabíamos de cor todos os diálogos
do Currito de la Cruz e los companheros.

Outro grande momento de lazer, era ouvir de um gravador de fita, que o ex-Fur Mil Fernando Sousa possuia, as músicas do Festival de San Remo 1964, para nós o melhor festival de sempre.
Quem venceu foi a Gigliola Cinquetti com a peça Non Ho L'Età, canção que foi à Eurovisão onde também venceu .

Também cantava o Bobby Solo - Una Lagrima Sul Viso, o Domenico Modugno - Che Me Ne Importa a Me, entre outras de bom nível.

Posso afirmar que ultimamente a fita já tinha fraca qualidade, foi ouvida centenas de vezes, eramos 6 no quarto, acabando por adormecer ao som daquelas melodias, era um tónico que nos fazia lembrar a longínqua metrópole, no fim pouco nos contentava.

Hoje interrogamo-nos, que mal fizemos à sociedade para merecer tal castigo. Na altura os que fizeram mal, eram colocados nos presídios, vivendo melhor, refeições a horas, visitas familiares e divertimentos diversos, e sem perigo de vida. Estavam encerrados, também nós, só que o nosso presídio era muito maior, sem visitas e claro muito mais longe, a nossa vantagem era o Registo Criminal limpo, os que conseguiram regressar.

Rogério Cardoso
CART 643 - Águias Negras
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6269: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (18): Recordando o nosso Comandante de Companhia Capitão Ricaro Silveira

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6269: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (18): Recordando o nosso Comandante de Companhia Capitão Ricaro Silveira

1. Mensagem do nosso camarada Rogério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em 20 de Abri de 2010:


A HONESTIDADE DO CAP RICARDO SILVEIRA

Quem conhecia o Cap. Ricardo Silveira como eu, sabia que era um oficial honesto em tudo. Por ser um individuo bastante disciplinador, não era muito popular no dia a dia com o pessoal, homem de poucas falas e de poucos sorrisos, mas ao mesmo tempo tinha a admiração de todos, operacionalmente era muito responsável, não se furtando a saídas difíceis, o que às vezes acontecia, mesmo a nível de pelotão, havia uma certeza, podia-se confiar no "chefe", algo de muito importante para a auto-confiança de um grupo.

Passo a narrar dois episódios que demonstram a honestidade do nosso Comandante de Companhia:

O 1.º Sargento da Companhia, chefe de secretaria a quem era confiada entre outras funções, a elaboração dos prés, foi evacuado com uma "doença de estômago", doença essa que se agravou, quando os ataques nocturnos passaram a ser com alguma frequência. O já citado 1.º Sargento, talvez por não ter espaço de manobra, cumpria em tudo o que o capitão ordenava.

Entretanto veio para Bissorã o seu substituto, homem da mesma escola do anterior, mas que não estava a par das exigências usuais.

Chegou o fim do mês, a Companhia formou para receber o pré como era costume, os primeiros soldados em ritmo ligeiro iam recebendo os míseros escudos, até que chegado ao fim da folha do livro, ouviu-se a voz do 1.º Sargento:

- Meu Capitão assine a folha por favor.

O Capitão de rompante:

- Olhe lá, o senhor quer que assine a folha com as contas feitas a lápis? A Companhia que destroce e quando tiver tudo feito como deve ser, avise-me, para se proceder ao pagamento.

Sem comentários.


No outro caso e passados uns tempos, o Furriel Vaguemestre é evacuado por ter sido ligeiramente ferido. O Cap. Silveira mandou-me chamar, assim como ao 1.º Cabo Cozinheiro Adérito Fernandes, dizendo que a partir daquele momento eu, Furriel Mil. Rogério Cardoso, acumulava mais aquele cargo e que me "desenrascasse".

Então e a partir daquela nomeação, procurei fugir às refeições da M.M., como salsichas, atum e cavala, dobradinha desidratada, etc. e conseguir dar alguns frescos, como carne de vaca, porco e galinha, confeccionados de diferentes modos, aí o pessoal da cozinha colaborou, diga-se de passagem que éramos uma família. Deste modo iria de certeza conseguir lucros, que não eram usuais.

Para verem a honestidade do Capitão Silveira, fui informá-lo de que tinha conseguido uma verba, motivado pela gerência mais cuidada, perguntando eu o que fazer com essa quantia. Obtive como resposta, a de mandar comprar bebidas como whisky, aguardente velha e cerveja, e distribuir ao pessoal no final do jantar, o dinheiro que sobrou e eles pertencia.

Homens como este não abundavam no nosso Exército, havia muitos os chamados Capitães Batata e outros afins, esses sim continuam fazendo das suas.

Rogerio Cardoso
ex-Fur. Mil.
Cart 643-ÁGUIAS NEGRAS
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6199: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (17): Velha bajuda para fazer conversa gira

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6199: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (17): Velha bajuda para fazer conversa gira

1. Mensagem do nosso camarada Rogério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em 11 de Abri de 2010:

NOTAS SOLTAS DA CART 643 (17)

A velha bajuda


Decorria o ano de 1964, Bissorã cada vez tinha mais movimento de tropas, zona bem perto da mata de Morés, ponto de passagem para diversos destinos, enfim havia um constante vai-vem de pessoal, o que fazia que o trabalho do vague-mestre e seus acólitos da cozinha fosse mais pesado, diga-se de passagem que de cozinha só tinha o nome, era simplesmente um telheiro que cobria as mesas, e dois caldeiros de ferro alimentados a lenha, tudo com uma higiene exemplar.
Se a ASAE ou outra instituição semelhante existisse na altura, era-nos concedido a medalha de "LIMPEZA EM TERRAS DISTANTES" cena digna de ser registada para ensinamento nas Escolas de Hotelaria.

Mas voltando ao trabalho da Companhia 643, para que houvesse um bom funcionamento do que atrás referi, as Companhias de Transporte afluiam a Bissorã com maior frequência, eram colunas de 10 a 15 Mercedes 322, que quqndo chegavam necessitavam de ser descarregadas.
O pessoal da cozinha era escasso e os operacionais andavam demasiadamente cansados, então havia que recorrer aos civis, normalmente eram recrutados a "gancho" nas populações que cruzavam a povoação.

Eles, os civis não gostavam muito de ajudar na descarga, porque pouco lhes davam, eles propositadamente deixavam cair uma ou outra caixa de batata, cebola, etc., para que no rescaldo apanhassem alguma coisa.

Entretanto o Vague-Mestre foi ligeiramente ferido num rebentamento de mina (Notas soltas da Cart 643 - P6034), sendo evacuado para Bissau, tendo o Cap. Silveira, Comandante da Companhia, ordenado para que eu tomasse o seu lugar por acomulação, temporáriamente.

Por coincidência chegava mais uma grande coluna de géneros, juntei alguns civis, tendo dito antes da descarga que se fosse rápida e sem malandrices, era-lhes distribuido arroz, farinha, batatas e conservas, como forma de pagamento.
De facto tudo correu com rapidez e eficiência, como antes nunca tinha acontecido, cumprindo eu o prometido, claro que fui logo alvo de grandes salamaleques, ficando eu tranquilo, o seu a seu dono.

Mas o melhor estava para aconteçer, um deles, salvo erro de etnia Manjaco, apareceu junto ao nosso alojamento e pediu para falar comigo.
Quando o vi julguei que ia pedir algo mais, mas enganei-me, era o contrário, ele abordou-me e falou-me deste modo:

- Ó meu Furrié, eu tem ronco para o Furrié - tendo eu agradecido sem saber o que era, julgando tratar-se talvez de uma peça de madeira, uma garrafa forrada a couro, ou outra peça regional.

Qual o meu espanto, quando ele me diz, tem aqui a minha irmã, julgando eu de repente ser sua mãe, ela vai tratar do Furrié, lavar roupa, fazer bianda com galina e também fazer conversa gira, vir para a tabanca aqui na outra banda, que era passando a ponte do Rio Armada.

Não esperava tamanha oferta de tais "serviços", a irmã no fim não era bajuda nenhuma, era sim a chamada "noiva", rapariga de mais idade, mas ainda sem homem, não sendo portanto "mulher grande".

E vá lá convencer o rapaz, eu disse-lhe que tinha já mulher na metrópole, respondendo ele que não fazia mal, podia ter mais como eles na Guiné, enfim foi o cabo dos trabalhos por não aceitar tal oferta.

Alguns camaradas assistiram à cena e passaram a dizer, este gajo tem cá uma sorte, a bajuda tem cá uns bacalhaus.

Rogério Cardoso
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6034: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (13): Perigo, mina na estrada Bissorã-Olossato

Vd. último poste da série de 16 de Abril de 2010

Guiné 63/74 - P6163: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (16): Comemorações do dia 10 de Junho de 1966 no Terreiro do Paço

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6163: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (16): Comemorações do dia 10 de Junho de 1966 no Terreiro do Paço

1. Mensagem do nosso camarada Rogério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em Março de 2010, a quem peço desculpa pela demora:

Amigo Carlos
Aqui vão fotos do dia 10 de Junho de 1966 no Terreiro do Paço em Lisboa.
Os tabanqueiros podem tentar descobrir eles mesmo ou algum camarada amigo.
De seguida segue as fotos em pormenor.

Um abraço
RC


CERIMÓNIA PROTOCOLAR DE IMPOSIÇÃO DE CONDECORAÇÕES NO DIA 10 DE JUNHO DE 1966



À esquerda da foto o Cor Braamcamp Sobral, CMDT do BART645, e à direita o Fur Mil Rogério Cardoso, ambos assinalados na foto.



Fur Mil Manuel Basílio Soares Domingos da CART 564, assinalado na foto
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6094: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (15): As famosas costeletas do Asdrúbal, e não só

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6094: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (15): As famosas costeletas do Asdrúbal, e não só (Rogério Cardoso)

1. Nota solta do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 29 de Março de 2010.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (15)

As costeletas do Asdrúbal


No pouco tempo que a Cart 643 esteve em Bissau, deu para que todos os locais onde houvesse petisco, fossem visitados. Eram consumidos uns caranguejos do rio, camarão, ostras, etc.

Todos se lembram de um restaurante perto do Forte da Amura, que era conhecido pelo Asdrúbal, ou também pela alcunha do Porco Sujo.
A freguesia abundava, mesmo sabendo que a limpeza não era predicado que se aplicasse, mesmo assim era capaz de ser melhor do que se passava nos aquartelamentos e messes.

Então o que fazia aquela malta acorrer com tal abundância?

Eram dois os motivos, o primeiro é que as refeições eram servidas por uma filha do Asdrúbal, rapariga nova, forte, buçal, com um abundante manto cabeludo distribuido pelo corpo visual. Aplicando-se o velho ditado que "na terra de cego quem tem olho é rei", era o melhor que se conseguia ver por aquelas bandas.
O segundo motivo eram as gostosas costeletas, que deliciavam a freguesia, incluindo eu e alguns camaradas, só que mais tarde, mas dentro do espaço da nossa permanência em Bissau, foi descoberto que elas provinham do desgraçado do chamado Macaco Cão, descoberta feita por acaso, quando um nativo dos arredores, vindo com um às costas e interrogado, afirmou que era costume fornecer o Asdrúbal com tal produto.

Mais tarde, ouvimos dizer que houve grande cena de pancadaria, com destruição de parte do Restaurante, não sei se por causa do macaco se pela cabeluda filha, que era um deslumbre para o Zé Tropa.

R.C.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6072: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (14): Recordando o Fur Mil Américo Leong Monteiro, Maitá

terça-feira, 30 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6072: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (14): Recordando o Fur Mil Américo Leong Monteiro, Maitá

1. Mais uma nota solta do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 19 de Março de 2010:

NOTAS SOLTAS DA CART 643 (14)

Recordando uma manifestação de amizade


Felizmente todas as Companhias tinham elementos que eram o exemplo da amizade.

O Américo Leong Monteiro, ex Furriel Miliciano, mais vulgarmente conhecido pelos amigos como MAITÁ, era um deles.

Oriundo de uma familia tradicional chinesa, nascido, criado e residente na longínqua Macau, veio para a Metrópole por obrigação prestar o serviço militar, tendo mais tarde sido mobilizado para a Guiné, como elemento da CCS do BART 645.

O Batalhão embarcou a 4 de Março de 1964, mas no fim de Setembro de 1963 já estava em formação em Santa Margarida. Foi nesse aquartelamento, como todos sabem localizado num "deserto", que fizemos amizade, portanto estivemos juntos cerca de 5 meses, foi em Santa Margarida que os AGUIAS NEGRAS criaram "endurance", nas noites gélidas e chuvosas do inverno de 63.

Mas estas notas soltas, simplesmente querem dar a conhecer que o MAITÁ em certa altura mostrou novamente a verdadeira amizade. Todos nós esperávamos ansiosamente pela sexta-feira, para o desejado fim de semana, mas havia obrigações de serviço à Companhia, o Sargento de Dia e da Guarda, que quando calhava nesse período era uma seca das grandes, mas claro este sacrifício passava por todos.

Chegou o Natal e Fim de Ano, ao Rogério Cardoso calhou o serviço de Dia e Guarda, nesse período citado. Fiquei aborrecido por saber que toda a malta ia para casa e eu casadinho de fresco, a 22 de Setembro, ficava naquele deserto.

Então o MAITÁ sabendo que eu estava "condenado", veio junto a mim e disse:

- Oh Rogério, eu não tenho ninguém de familia por cá, o que é que eu vou fazer numa cidade como Lisboa, por exemplo, portanto vai tu para junto dos teus pais e mulher e desejos de um Natal Feliz para todos vós. - Foi com estas palavras que tomou a decisão.

Claro que fiquei deveras contente, de repente e sem esperar vi o meu problema resolvido.

Todos os anos o MAITÁ vem a Portugal, lá para Maio, este ano passado de 2009 estivemos a almoçar no Estoril, tinha que ser Chinês, eu lembrei-me de falar neste assunto, ele não se lembrava ou não estava interessado, mas uma coisa é certa, a mim nunca me vai cair no esquecimento, atitudes desta natureza são para ser divulgadas, aliás ele era considerado por todos os elementos da CCAÇ 645.

Um abraço do sempre amigo
Rogério.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6034: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (13): Perigo, mina na estrada Bissorã-Olossato

domingo, 21 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6034: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (13): Perigo, mina na estrada Bissorã-Olossato

1. Outra nota solta do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 16 de Março de 2010.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (13)

Atenção, mina na estrada Bissorã-Olossato


Estávamos nos primeiros meses de 1965, o quotidiano da Cart 643 era sempre igual para os não operacionais, mas no final de um destes dias, o comandante de companhia, Cap Ricardo Silveira mobilizou extraordináriamente o condutor Benjamim Salgado, Substiken de alcunha, e o seu Unimog, viatura que servia habitualmente a cozinha no transporte de géneros, à ordem do Furriel Vaguemestre Massano (falecido).

Pelo fim da noite sairam para o Olossato dois pelotões, como reforço da guarnição local por alguns dias, e no meio da coluna ia o citado Unimog carregado com géneros alimentícios para esse período.

Eram cerca de 21,00 horas, passados uns 3 quilómetros, deflagrou uma mina anticarro, precisamente na terceira viatura conduzida pelo Benjamim Salgado, onde o Fur Massano ocupava o lugar ao lado do condutor.

Por sua vez a mina fez explodir os dois depósitos de gasolina, o Fur Massano é cuspido com a explosão e sofre queimaduras ligeiras nas mãos e rosto, mas o condutor sai da viatura bastante queimado, em virtude de ter de sair pelo lado contrário. O Unimog por não ser operacional usava as portas de origem e a do lado dele não abriu, pelo que ele saiu a arder pela do lado contrário numa verdadeira tocha humana.

Com uma cena desta natureza, a coluna não seguiu o trajecto inicialmente previsto, voltando para Bissorã para socorro dos feridos.
O Substiken apresentava queimaduras extensas no peito e pescoço, braços e mãos, com certa gravidade. Foi socorrido pelo médico da companhia Dr Lourenço, Furriel Enfermeiro Peixoto (falecido), Cabos Enfermeiros e alguns voluntários, entre os quais eu mesmo.

Durou até de manhã o nosso acompanhamento, até que chegou o heli para o transportar para o HM241, donde por sua vez, devido à gravidade do seu estado, foi transferido para o HMP de Lisboa.

Unimog destruido pela mina. A viatura incendiou do que resultaram 2 feridos, o condutor (natural de Barcelos), que tinha a alcunha de Substikem, (grave), e o Fur Mil Vaguemestre Massano, (ligeiro). Este último já faleceu.

Nunca mais soubemos dele, até que há dois anos apareceu no 28.º Encontro Anual da Associação de Amizade do Bart 645 - Aguias Negras, isto passados 43 anos, sendo uma grande alegria para todos nós, uma vez ele era um moço extraordinário no convívio diário e muito bem formado.

Mas voltando à saida frustrada, como é que o IN soube da nossa saída e quem colocou a mina, se a ordem foi-nos comunicada muito pouco tempo antes?

A incógnita e o pensamento não nos largava, tínhamos de "vingar" o nosso amigo. Até que um dia num interrogatório a um comerciante dono de uma "tasca", o célebre Papa, suspeito de ser informador do PAIGC, o que se veio a confirmar, contou como foi.

O posto de socorros militar era composto por uma sala que fazia parte do edifício que era também enfermaria civil. Essa sala tinha uma pequena janela interior, chamada janela de bandeira, ou basculante, que estava sempre aberta, assim quem estava do lado civil ouvia todas as nossas conversas, uma falta nossa. Nesse dia o enfermeiro civil, natural da Guiné, escutou a ordem com pormenores, dada a um cabo enfermeiro para se preparar.

Saiu, foi a casa, pegou na bicicleta e num saco de pano com a mina, indo colocá-la na estrada pouco tempo antes da nossa saída.

Claro que levou meses a ser descoberto o enigma, mas se o Sargento Miliciano Hipólito ainda fosse vivo, iria contar para nós o que aconteceu depois.

Todos os elementos da Cart 643 respiraram de alívio, o nosso amigo Substiken estava vingado.

RC
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5995: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (12): Galinhas bem temperadas

segunda-feira, 15 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5995: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (12): Galinhas bem temperadas

1. Mais uma nota solta do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 8 de Março de 2010.



NOTAS SOLTAS DA CART 643 (12)

GALINHAS BEM LUBRIFICADAS


A Cart 643 tinha pouco mais de um mês de Guiné e como já contei numa nota anterior, os homens estavam "instalados" num armazém junto ao cais em condições mais que precárias. Era sábado de Páscoa e o Comandante de Companhia, Cap Silveira, ordenou-me que com alguns voluntários, fosse para fora de Bissau às tabancas da periferia, desencantar pelo menos 70 galinhas, que seria meia para cada homem para o Domingo de Páscoa.

De manhã bem cedo lá estava eu com os galináceos, bem nos custou essa tarefa porque os nativos não as queriam vender, mas com a ajuda de um guia lá iamos conseguindo, duas ou três de cada sitio.

Para a matança e depenagem foi fácil conseguir mão de obra, o pessoal estava eufórico porque iria haver Rancho Melhorado em substituição da velha cavala, atum com "ciclistas", dobradinha Armur com feijão branco, ou pior.

A cozinha era ao ar livre, equipada com um caldeiro de ferro aquecido a lenha, galinha para dentro, tempero para cima e lá para o meio dia já cheirava, estando o pessoal já em fila de espera.

Começou a distribuição, notando nós que a soldadagem torcia um pouco o nariz. Havia um sabor esquisito que ninguém conseguia decifrar, estava intragável. O Sílvio Pereira, Ajudante de Cozinheiro, perguntou ao Adérito que era o Cabo do Rancho:

- Eh pá, temperaste as galinhas com que garrafão?

- Com este aqui ao lado.

No garrafão estava escrito: ÓLEO DE LIMPEZA N.º 1
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5976: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (11): Pilão, a visita obrigatória

sexta-feira, 12 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5976: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (11): Pilão, a visita obrigatória

1. Décima primeira história do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 8 de Março de 2010.

Notas soltas da CART 643 (11)

Pilão, uma visita obrigatória

Quem não se lembra do célebre Bairro do Pilão, junto às bombas de gasolina da SACOR.

Bairro situado à saida da cidade de Bissau, junto à estrada para Bissalanca, problemático pois diziam esconder elementos inimigos, que não era difícil porque eles não estavam rotulados, eram iguais em tudo aos restantes residentes.
Estas afirmações têm fundamento, na medida em que em certa altura houve um incêndio de grandes proporções, que se assistiu ao rebentamento de munições e granadas.

Mas não estou escrevendo estas NOTAS SOLTAS para contar o que foi o Pilão, todos nós o sabemos de sobra, mas sim para narrar uma cena que poderia ser fatal para mim.

Certa noite, sendo eu ainda muito "maçarico", tendo talvez pouco mais de um mês de Guiné, e sendo o Café Bento na avenida principal o meu local preferido para depois de jantar, fui abordado por dois ex-combatentes, solicitando a minha permissão para se sentarem nas duas cadeiras junto à minha mesa, já que estava a esplanada cheia.

Claro eu respondi-lhes afirmativamente e de imediato os três bebemos umas cervejas frescas. Eles eram sobejamente conhecidos, um o Fuzileiro de alcunha "Mouraria" e o outro o Pára "Braga", dois elementos que desde logo me pareçeram uns camaradões, mas que mais tarde vim a saber serem individuos complicados no aspecto disciplinar, estavam sempre prontos para a pancada por tudo e por nada.

Entretanto e depois das cervejas, fui convidado por eles para uma visita ao Pilão, havia lá um bailarico com mornas e coladeras e claro, material feminino.

Lá fomos entusiasmados pela juventude dos 23 anos, de facto era verdade e a nossa integração no bailarico foi imediata.

Entretanto o Mouraria arranja logo um desaguizado com um elemento cabo-verdiano que dançava com uma guineense de alcunha "a muda". O nosso amigo queria a toda a força dançar com ela, e palavra puxa palavra, empurrões à mistura e rapidamente passaram à agressão fisica.

Os amigos do cabo-verdiano, cerca de 20, igualmente entraram na luta, assim como o Braga e claro logicamente eu também. A desvantagem como facilmente se percebe era abismável e os dois com conhecimento de sobra, tanto da nossa desvantagem como do terreno para uma fuga com êxito, não esperaram e evaporaram-se em segundos. Eu não tive alternativa, fugi também e rapidamente, sem saber para onde ir, e depois de andar deambulando pelos becos com uma noite com escuridão total, decidi esconder-me debaixo de uma "casa", pois elas estavam implantadas sobre pilotis de madeira.

Depois de uns minutos que me pareciam horas, porque ouvia e sentia que era perseguido por um grupo numeroso, pelas vozes e barulho, aproveitei um silêncio repentino e saí, e eis que senti um pouco mais à frente uma mão no meu braço e uma voz dizendo:
- Oh meu Furriel,  venha já comigo.

Senti que era um amigo e segui-o rapidamente, finalmente estava a umas escassas dezenas de metros da estrada principal. Quem me ajudou, estava presenciando a cena de longe, conheceu-me porque eu tinha sido seu instrutor em Santa Margarida uns meses atrás.

Serviu-me de lição, primeiro não me meter em terrenos desconhecidos, segundo saber escolher os companheiros de farra.

RC
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5921: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (10): Os patos pagos pelo pato

terça-feira, 2 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5921: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (10): Os patos pagos pelo pato

1. Mais uma história do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 28 de Fevereiro de 2010. Nesta, o feitiço virou-se contra o feiticeiro.


OS PATOS PAGO PELO PATO

As instalações dos sargentos da Cart 643 em Bissorã que mais tarde foi bar da Companhia seguinte, edifício geminado de um lado com uma casa, mas do outro afastado talvez uns 5 metros da propriedade vizinha, havia um portão de madeira, que dava acesso ao logradouro tardoz.

Certo dia, estando eu a escrever um "bate-estradas", debaixo da cobertura junto à porta principal, reparei que diversos animais como galinhas tradicionais, galinhas do mato, as chamadas fracas, cabritos, patos normais e gansos, andavam errantes esgravatando uns, comendo erva outros, ali pela frente dos alojamentos. No momento tive uma ideia luminosa, chamei o impedido, o Ventoinha, mandei-o ao Cabo do Rancho o Adérito, para que lhe desse uma pequena quantidade de arroz. A minha ideia foi levada à prática, era fazer um carreiro de arroz até dentro do quintal, para que os animais entrassem, fechar o portão e proceder à matança, com a consequente ocultação das provas, como penas, peles, etc., que seriam enterradas.

Se assim o pensei e ordenei, melhor o Ventoinha o fazia, todas as semanas havia petisco para alguns Sargentos, assim depois do produto limpo era levado à D. Maria do senhor Maximiano, para que durante a tarde houvesse lanche ajantarado.

Durante muito tempo assim aconteceu, mas como em tudo há sempre um dia que as coisas não correm como nós queremos.
Certo dia, fui mais uma vez voluntário numa coluna Bissorã/Olossato, a chamada carreira de tiro, como tantas vezes fazia, era a ajuda que eu podia dar aqueles camaradas tão sacrificados, pois a minha Especialidade era de Manutenção Auto que me dava pouco que fazer, então lá ia eu, até que um dia fui ferido com certa gravidade, mas não me arrependo, fiz aquilo que todos deviam fazer, ajudar a equilibrar o sacrificio. Mas voltando à história, antes da saida atrás descrita e depois de três gansos darem entrada no quintal, dei ordem ao Ventoinha para os levar depenados e arranjados como de costume à D. Maria.

Entretanto ele foi chamado ao Capitão para desempenhar uma tarefa e como viu que não tinha tempo para fazer o nosso serviço foi entregar por depenar, mas já mortos, os gansos à senhora, que por sua vez e por não ter oportunidade os levou a uma vizinha, que claro que como se está mesmo a ver era a dona dos animais.

Quando cheguei já no fim do dia, tinha uma senhora à minha espera junto aos alojamentos, era a mulher de um cabo-verdiano de nome Pedrinho, que me disse de rompante:

- Senhor Furriel tenho a receber já 60 pesos, 20 de cada pato ganso.

Eu ainda hesitei, ela percebendo ameaçou-me logo que ia ao Capitão Silveira, que não era para brincadeiras. Claro que paguei de imediato, tomei o meu banho, e lá fui para o petisco onde me esperavam os meus amigos.

No fim do repasto contei o que tinha sucedido, pedindo a divisão da despesa e obtive como resposta:

- Oh Rogério, estes Gansos souberam-nos a "PATO", e claro com esta resposta não vi o patacão.

Bissorã > Casa do senhor Maximiano, onde a maior parte da sargentada "matava a fome"

Bissorã > Estação dos Correios
Fotos: © Ex-Fur Mil Geraldo da CART 643. Direitos reservados


Mansoa > 1970 > Edifício dos CTT de Mansoa. Seria assim o de Bissorã, à época.
Foto: © César Dias. Direitos reservados

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5900: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (9): Memórias da viagem no Uíge, de 4 a 10 de Março de 1964

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5900: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (9): Memórias da viagem no Uíge, de 4 a 10 de Março de 1964

1. Mais uma Nota Solta da 643, enviada ao Blogue pelo nosso camarada Rogério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), no dia 24 de Fevereiro de 2010.

MEMORIAS DA VIAGEM NO NAVIO UIGE, DE 4 a 10 de Março de 1964

Um embarque naquelas condições, era uma cena que nem quero lembrar, a todos nós foi doloroso.

Deixar os nossos familiares, pais, mulher e filhos, em alguns casos, e amigos, num choro convulsivo, íamos para a guerra, pelo menos a maior parte de nós.

Passadas aquelas primeiras horas e depois da terra desaparecer, particularmente eu como sou de Cascais, foi o ultimo local a deixar de vêr, o que me custou umas lágrimas junto à proa do navio, pois o esquecimento embora momentâneo estava no meio de nós.

Os dias eram passados ora na sala de jantar, diga-se de passagem que pelo menos a Sargentada era bem tratada, ora no bar onde se jogavam umas cartadas até de manhã, a maior parte das vezes. Também eram projectados filmes no convés do navio com o ecrã num dos mastros, o que quando havia vaga lateral e com os olhos fixos no mastro, com as estrelas no fundo a andarem de um lado para o outro, provocava alguns enjôos,mas claro o mar estava ali mesmo ao lado.

No dia da chegada, todo o pessoal ficou a admirar a lenta entrada do Uige no Rio Geba até Bissau.

O navio não atracou no Pidjiguiti, e antesde sermos transportados no ferry, fomos visitados pelos nossos queridos camaradas do SPM que nos vieram dar as boas-vindas. Boas-vindas que se traduziam na venda de selos, postais e trocando as notas de Escudos Metropolitanos, por Escudos da Guiné, mais vulgarmente chamados de Pesos, claro Escudo por Escudo, e nós inocentemente lá fomos na onda dos nossos amigos, posso dizer que foram muitos milhares trocados, éramos um Batalhão mais uma Companhia independente, mais uma vez obrigado aos nossos amigos do SPM, pelo grande barrete que nos enfiaram até às orelhas, porque mal pusemos pés em terra, os civis que eram às dezenas, vinham propôr a troca a 15 e 20% de ganho.

Logo deu que pensar, se isto é para amigos, o que nos fará o inimigo.

Saudações a todos ex-combatentes do
Rogério Cardoso

Foto 1 > 5 de Março de 1964 > Na sala de jantar do Uíge > À esquerda: Furs Mil Dias, Magalhães e Amaral. À direita: Fur Mil Massano (falecido), 2.º Srgt Justiniano e Fur Mil Pereira Almeida.

Foto 2 > Uíge > Na sala de jantar, Furs Mil: Rogério, Cabeças, Águas, Inácio e Peixoto (já falecido)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5842: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (8): Momentos de lazer