1. Mensagem do nosso camarada Rogério Cardoso* (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em 11 de Abri de 2010:
NOTAS SOLTAS DA CART 643 (17)
A velha bajuda
Decorria o ano de 1964, Bissorã cada vez tinha mais movimento de tropas, zona bem perto da mata de Morés, ponto de passagem para diversos destinos, enfim havia um constante vai-vem de pessoal, o que fazia que o trabalho do vague-mestre e seus acólitos da cozinha fosse mais pesado, diga-se de passagem que de cozinha só tinha o nome, era simplesmente um telheiro que cobria as mesas, e dois caldeiros de ferro alimentados a lenha, tudo com uma higiene exemplar.
Se a ASAE ou outra instituição semelhante existisse na altura, era-nos concedido a medalha de "LIMPEZA EM TERRAS DISTANTES" cena digna de ser registada para ensinamento nas Escolas de Hotelaria.
Mas voltando ao trabalho da Companhia 643, para que houvesse um bom funcionamento do que atrás referi, as Companhias de Transporte afluiam a Bissorã com maior frequência, eram colunas de 10 a 15 Mercedes 322, que quqndo chegavam necessitavam de ser descarregadas.
O pessoal da cozinha era escasso e os operacionais andavam demasiadamente cansados, então havia que recorrer aos civis, normalmente eram recrutados a "gancho" nas populações que cruzavam a povoação.
Eles, os civis não gostavam muito de ajudar na descarga, porque pouco lhes davam, eles propositadamente deixavam cair uma ou outra caixa de batata, cebola, etc., para que no rescaldo apanhassem alguma coisa.
Entretanto o Vague-Mestre foi ligeiramente ferido num rebentamento de mina (Notas soltas da Cart 643 - P6034), sendo evacuado para Bissau, tendo o Cap. Silveira, Comandante da Companhia, ordenado para que eu tomasse o seu lugar por acomulação, temporáriamente.
Por coincidência chegava mais uma grande coluna de géneros, juntei alguns civis, tendo dito antes da descarga que se fosse rápida e sem malandrices, era-lhes distribuido arroz, farinha, batatas e conservas, como forma de pagamento.
De facto tudo correu com rapidez e eficiência, como antes nunca tinha acontecido, cumprindo eu o prometido, claro que fui logo alvo de grandes salamaleques, ficando eu tranquilo, o seu a seu dono.
Mas o melhor estava para aconteçer, um deles, salvo erro de etnia Manjaco, apareceu junto ao nosso alojamento e pediu para falar comigo.
Quando o vi julguei que ia pedir algo mais, mas enganei-me, era o contrário, ele abordou-me e falou-me deste modo:
- Ó meu Furrié, eu tem ronco para o Furrié - tendo eu agradecido sem saber o que era, julgando tratar-se talvez de uma peça de madeira, uma garrafa forrada a couro, ou outra peça regional.
Qual o meu espanto, quando ele me diz, tem aqui a minha irmã, julgando eu de repente ser sua mãe, ela vai tratar do Furrié, lavar roupa, fazer bianda com galina e também fazer conversa gira, vir para a tabanca aqui na outra banda, que era passando a ponte do Rio Armada.
Não esperava tamanha oferta de tais "serviços", a irmã no fim não era bajuda nenhuma, era sim a chamada "noiva", rapariga de mais idade, mas ainda sem homem, não sendo portanto "mulher grande".
E vá lá convencer o rapaz, eu disse-lhe que tinha já mulher na metrópole, respondendo ele que não fazia mal, podia ter mais como eles na Guiné, enfim foi o cabo dos trabalhos por não aceitar tal oferta.
Alguns camaradas assistiram à cena e passaram a dizer, este gajo tem cá uma sorte, a bajuda tem cá uns bacalhaus.
Rogério Cardoso
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 21 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6034: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (13): Perigo, mina na estrada Bissorã-Olossato
Vd. último poste da série de 16 de Abril de 2010
Guiné 63/74 - P6163: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (16): Comemorações do dia 10 de Junho de 1966 no Terreiro do Paço
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Rogério
Pois...é bem verdade que "uns nascem de cu virado para a Lua..." e são prendados pela sorte quando menos esperam!!!!
Mas,desculpa lá,e se os "bacalhaus" ainda não estivessem na seca ??!!??
Um abraço
Luis Faria
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