sábado, 24 de abril de 2010

Guiné 63/74 – P6232: Estórias avulsas (32): A minha experiência claustrofóbica (António Matos, Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790)


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,

Aqui fica uma pequena contribuição para o blogue:

Uma experiência claustrofóbica

Um “post” da autoria do Vasco da Gama onde descreve com primoroso realismo a tragédia dos 3 cadetes que morrem na lagoa de Mafra foi, em última análise, o leit motiv para me despertar para um outro acontecimento passado comigo que ainda hoje me provoca pesadelos ao recordá-lo.
A manhã corria sorrateira, ao ritmo da instrução militar na aldeia dos macacos...
Os meus antecedentes de ginasta na altura, permitiam-me desfrutar do prazer daqueles exercícios que executava com grande à vontade se bem que haviam dois que chocavam violentamente com a minha estrutura psicológica e que se relacionavam com as alturas (galho, slide e muro) e com a claustrofobia (túnel).
Aquilo era superior às minhas forças e sempre me neguei peremptoriamente a esboçar qualquer tentativa para os abordar.
Com um esforço absolutamente irreal, consegui um dia aventurar-me, perante a insistência do alferes, a caminhar sobre o tal muro.
Estrategicamente coloquei-me com apenas mais um camarada atrás de mim a fazer aquela travessia...
Para quem não conhecer o referido muro posso adiantar que a parte superior era arredondada (o que não permitia assentar direito os pés) e ia adquirindo altura em relação ao chão até chegar a uns bons 3, 4 metros.
Não foram precisos muitos passos para estacar e petrificar com a incapacidade absoluta de dar mais um passo que fosse.
Aliás, a visão do precipício era demolidora e a sensação do desequilíbrio e a queda iminente apavoravam-me.
Ao contar isto hoje provo que sobrevivi mas o trauma manteve-se para o resto da vida ainda que lute acerrimamente para vencer situações do género.
Não foi esta, porém, a estória que aqui quis vir contar.
Nesse mesmo dia, esperava-me pôr à prova uma nova experiência - o túnel.
Quem o fez recordará que dentro dele, só deitados cabíamos e o equipamento (bornal, arma e restante cangalhada) impossibilitava qualquer tentativa de fazer algo diferente de rastejar.
Eu sabia por relatos anteriores que aquele túnel tinha a configuração de um "Y" e que uma das pontas não tinha saída.
10 metros percorridos e a escuridão era total.
A minha 1ª reacção foi negar-me a entrar naquele verdadeiro sarcófago mas condescendi a fazer a experiência na certeza que mal os pés entrassem, eu sairia em alta velocidade e em pré estado de histeria claustrofóbica.
Deixei que todo o pelotão entrasse e eu fui o último.
Psicologicamente fiquei bem pois nada me barraria a saída em caso de necessidade.
Porém, 3 metros percorridos e eis que chega mais um cadete atrasado que tapa a minha hipótese de fuga.
Num esforço titânico, tentei acalmar-me e progredi mais uns 2 ou 3 metros.
Já sem ver nem a entrada nem a saída, toda a gente parou e chega uma mensagem do topo da fila a ser passada de boca em boca que dizia: esta merda não tem saída!, é preciso recuar!
(devo confessar que enquanto escrevo estas linhas o meu ritmo cardíaco já acelerou!!!)
Nessa altura pensei que morreria atacado de alguma apoplexia por via do pavor que se me instalou.
De imediato idealizei o que seria se eu fosse o tipo da frente e esbarrasse numa parede com 30 gajos atrás de mim e ater que esperar que todos eles reagissem no recuo...
Mas tinha que reagir e a maneira mais expedita que arranjei foi gritar para o tipo que estava atrás de mim: "meu caralho, ou sais imediatamente ou dou-te um tiro!"
Acto contínuo, não percebo como, a fila começou a andar novamente e uns segundos depois comecei a ver a luz ao fundo do túnel donde saí que nem uma toupeira espavorida, calculo que lívido, mas vivo!
Foto: © Abílio Rodrigues (2009). Direitos reservados

Talvez tenha sido um bom tirocínio para a posterior vida de "mineiro" que desenvolvi na minha comissão e onde foram treinados até à exaustão… os nervos .
Sei lá...

Abraços,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790
____________
Nota de M.R.:Vd. último poste desta série em:
10 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6139: Estórias avulsas (83): Emboscada em Lamel (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512)

4 comentários:

Anónimo disse...

Matos

Voltaste. Optimo.Tambem fazes falta por cá.

Na minha recruta,C.Rainha ,o que me quilhava e punha os cabelos em pé era o salto do muro em corrida. Era um murete maciço de quinas vivas,aí com um metro de altura.Creio que nunca o ultrapassei de salto unico!! Via-me sempre com as tíbias de fora da carne, as canelas a ser esfoladas como um carneiro(por causa do pelo!!) e a pele a ficar como "forra" do maldito obstáculo cimenteiro

Um abraço
Luis Faria

Jorge Fontinha disse...

Finalmente e bem hajas por regressar ao Blogue.És dos que fazem falta e é sempre mais alguém do meu Batalhão, que mal nos cruzamos em Bula pois o meu Grupo, o 4º da C. Caç. 2791, arrancou precocemente para Teixeira Pinto.Contudo, dá-me a sensação de te conhecer desde sempre, através deste blogue e aprendi a simpatizar contigo,com os teus escritos e com a tua frontalidade, sempre que se tem justificado.
Bem vindo e para continuares.
Aquele abraço.

JORGE FONTINHA

Anónimo disse...

"Comecei a ver a luz ao fundo do tunel".....Ainda bem,pois já nao era sem tempo o teu regresso! Um abraco.

Anónimo disse...

Caro António Matos,
Esta tua história faz-me pensar no tunel Y. Mais precisamente na perna que não tem saída...
Um abraço amigo,
José Câmara