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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25443: 20.º aniversário do nosso blogue (11): Seleção de poemas do "corredor de Guileje" ou "corredor da morte" (José Manuel Lopes, ex-fur mil, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "O Furriel Gomes, do Pelotão de Caçadores Nativos (Pel Caç Nat 68), o Amadú, um guia e amigo do mesmo pelotão, e eu, carregado de cadernos e livros apreendidos no 'corredor da morte' [ou corredor de Guileje]. De salientar a quantidade de livros escolares em português que o PAIGC tentava fazer chegar às zonas por eles controladas".


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Um momento de descanso nas operações diárias de patrulhamento, picagem e montagem de segurança aos trabalhos da nova estrada Aldeia Formosa (Quebo) - Mampatá - Salancaur...  Lendo e escrevendo... O fur mil arm pes inf, op esp, MA, José Manuel Lopes (Josema, como poeta). 

Fotos (e legendas) : © José Manuel Lopes (2008). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1. É um apanhado de alguns dos melhores poemas do Josema, escritos com "sangue, suor e lágrimas", no Sul da Guiné,  no "corredor de Guileje" ou "corredor da morte", entre 1972 e 1974, em lugares tão estranhos e já esquecidos (hoje,  à distância de 50 anos) como Mampatá, Nhacobá, Colibuía, Salancaur, Uane... 

A fonte é a série "Poemário do José Manel",  por nós publicada,  entre março de 2008 e setembro de 2009 (trinta postes, muitos deles com mais de um poema). A maior parte dos poemas não têm título, e nem todos são datados.  

Esta seleção, pessoal, feita pelo nosso editor LG, é também uma forma singela de homenagear o poeta de Mampatá (e do Douro) e de  o associar aos 20 anos do nosso blogue (**),


Naquela picada havia a morte,
havia a morte naquela picada,
de vinte e quatro
foi tirada a sorte,
para um foi a desgraça,
o diabo o escolheu
ou foi Deus que o esqueceu,
havia a morte naquele caminho,
naquela picada havia a morte.


Estrada de Nhacobá, 1973

Olhos semi cerrados 
querendo ver
para além das árvores,
passo controlado,
procurando caminho
já calcado e pisado,
orelhas a pino,
a querer ouvir
além da neblina,
todos os sentidos
são poucos,
escaparão com vida?
não ficarão loucos?

Carreiro de Uane, 1972

 

O sol queima em Colibuía,
e nas tendas de campanha
sentimos o seu abraço,
logo, logo, pela manhã
e é só o começar
de uma semana de rações,
sete dias de suores,
milhares de comichões,
de bons e maus humores
e outras complicações.

Os dias lá vão passando
entre picagens,
patrulhamentos,
em cordões de segurança
à construção da estrada
que avança lentamente,
como cobra gigantesca,
pelo matagal imenso.

A semana chega ao fim,
volta-se a Mampatá,
um paraíso afinal
e o bálsamo ideal
do inferno quinzenal.

s/l, s/d


Estradas amarelas

corpos cobertos de pó,
pica na mão à procura delas,
o polegar ferrado no pau,
tac, tac, tac, tac, tac, tac,
tateando por sons diferentes,
o Fernandes com cara de mau
espeta no solo o ferrão da pica,
tac, tac, tac, tac, tac, TOC...
o calafrio,
depois o grito,
anunciando o perigo,
o grupo é mandado parar,
chega o Vilas à frente
e todos manda afastar,
de joelhos no chão,
numa simulada carícia,
afaga a terra com a mão,
com gestos simples e perícia,
vai cavando devagar:
hei-la... está aqui,
lisa preta a brilhar;
parece inofensiva, a maldita,
deita-lhe a mão e grita:
és minha, já te tenho;
volta-a,
tira-lhe o detonador
e, entre dentes, diz:
esta não,
esta não causará dor.

s/l, s/d


Pior

que o inimigo
é a rotina,
quando os olhos já não veem,
quando o corpo já não sente,
quando já se não recorda
o nosso último abraço,
e a arma se tornou
um apêndice do braço;
pior
é quando nos esquecemos
dos afagos e carícias
que uma mão pode fazer,
da mensagem e melodia
que uma canção pode conter;
pior
que as chagas nas virilhas
ou o aço a entrar no corpo,
são os delírios sem sentido,
e o procurar esquecer
as pessoas mais queridas;
pior
é o despertar
do mal que há em nós,
e é preciso pensar
e é preciso parar
e é preciso sentir
que ainda estamos a tempo.


Salancaur, março 1973


Sangue derramado

Puseste o pé em sítio errado,
um som violento, o pó levantado,
escondeu por algum tempo
teu corpo violentado.

sem pensar em outras minas
correram em teu socorro,
o sangue fugia de teu corpo
e o hélio não chegava.

tua cara, ainda de criança,
ficava cada vez mais pálida,
tudo, num silêncio angustiado.

apesar dos teus vinte anos,
a vida fugia-te em golfada.
porquê tanto sangue derramado?

s/l, s/d

Sabes o que é morrer

com a vida por viver?
sabes o que é sentir
toda uma vida a fugir?
ter de cerrar os olhos
para voltar a sorrir?
eu fecho-os
para ver as vinhas e os montes,
eu fecho-os
para ver o Douro correr,
eu fecho-os
para ver uma mulher,
eu fecho-os
para não pensar
nem me lembrar
que também posso morrer.


Mampatá, 1973

Gostava de vos falar
dos esquecidos,
dos heróis que a história
não narra,
que as viúvas choraram
mas já não recordam,
daqueles
que nem tempo tiveram
de ter filhos
que os amassem,
descendentes
que os lembrassem,
daqueles
que nunca tiveram
o dia do pai,
vítimas de guerras
que não inventaram,
em tempo que já lá vai,
falar deles é prevenir,
se bem que de nada lhes valha,
de guerras que possam vir,
geradas pela ambição
dos que nunca morrerão
num campo de batalha.

s/l, s/d


Calor, cansaço, suor,
saudades de tudo
e de um rio...
mas podia ser pior,
pois há ali o Corubal,
com sombras e água boa,
nem tudo é mau, afinal,
não é o Douro, eu sei,
nem o Tejo de Lisboa,
são outros os horizontes,
falta o xisto e o granito,
as encostas e os montes,
mas diga-se, na verdade,
há o Carvalho, há o Rosa,
há um hino à amizade,
há o Gomes e o Vieira
a sonhar com a Madeira,
há o Farinha e o Polónia,
gestos e solidariedade,
há o Esteves e o Pinheiro,
amigos e sinceridade,
há o Nina e até amor,
também sofrimento e dor,
há o desejo de voltar
e um apelo à liberdade.

Mampatá, 1974

As duas faces da verdade 

a outra face da verdade
é só
o outro lado da história,
é apenas
outra maneira de sentir,
é só
o reverso da medalha,
o outro ângulo,
outra maneira de ver,
e põe em causa
a minha razão,
mas terei nunca
vergonha
desta farda que me cobre,
quero sim é entender
a outra face da verdade.

Mampatá, 1974

Ao Albuquerque (#)

O teu sangue não manchou
só a terra onde caiste,
apagou o futuro e
os filhos que não terás,
causou dor
nos que te perderam,
despertou loucuras
em noites perdidas
a recordar-te,
o teu sangue vertido
marcará para sempre
bem fundo, dentro de nós,
prometo não mais chorar,
quero rir por ti,
quero viver por ti,
quero gritar ao mundo
como foi inútil o teu sacrifício,
assim nunca serás esquecido.

Mampatá, 1973



É tempo de regressar às minhas parras coloridas

e ver a água a gelar,
esquecer mágoas e feridas,
e a todos abraçar, 
olho por cima dos ombros,
vejo a mata, lembro Amadú,
e nem tudo são escombros,
há a ilha de Bolama,
há Susana, há Varela,
as ilhas de Bijagós
e a vida pode ser bela,
se nunca estivermos sós,
houve prazer e amor
em terras de Mampatá,
senti a raiva e a dor,
saudades do lado de lá,
a distância e tanto mar,
mas não há ódio ou rancor
e um dia... vou voltar.


Bissau, 1974
____________

Nota do autor:

(*) O Albuquerque era um soldado do 3º grupo de combate. A segunda baixa da nossa companhia em Abril de 1973. Vítima de uma mina antipessoal quando o seu grupo procedia à picagem na frente de trabalhos da estrada [Quebo-Salancaur] que a Engenharia estava a abrir. 

Todos os dias se fazia a picagem até à frente de trabalhos, foram detectadas dezenas de minas antipessoal e anticarro. Era um trabalho que aqueles homens faziam com muito rigor e segurança, e que correu bem até aquele dia. 

O Albuquerque era um jovem alegre, quase sem barba, ainda hoje o vejo na vespera de Natal de 1972 a tourear uma cabra entre os arames farpados de Mampatá. O furriel Vieira um dos furriéis do 3º. grupo assistiu também à cena pois já o ouvi num dos nossos encontros referir-se a ela.

(Seleção, revisão e fixação de texto: LG)
___________

Notas do editor:

(*) 25 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25442: No 25 de abril eu estava em... (33): No regresso de uma operação no mato, já no dia 26, com a malta (que tinha ficado no aquartelamento) a gritar, eufórica, no heliporto, à nossa espera: ""Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou"...A notícia tinha sido escutada na BBC por um dos um militares, rádio-amador na vida civil (José Manuel Lopes, ex-fur mil, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74)

domingo, 13 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23781: Prova de vida (5): José Manuel Lopes, o Zé Manel da Régua, ex-fur mil op esp, CART 6250, "Unidos de Mampatá" (Mampatá, 1972/74), que faz hoje 72 anos...

 

1. O Zé Manel , o Zé Manel da Régua, o José Manuel Lopes, o poeta Josema, é um camarada que está aqui connosco desde 2008.  Foi fur mil  op esp, CART  6250, "Unidos de Mampatá" (Mampatá, 1972/74).

É um dos históricos da Tabanca Grande. Figura muito popular e querida, tem muitos e bons amigos por trodo o lado. Temo-nos visto ao longo destes anos todos, seja em casa, na sua quinta, seja nas nossos encontros e convívios, em Fânzeres / Gondomar, em Matosinhos, em Monte Real, seja nas mostras de vinhos... 

Tem cerca de uma centena de referências no nosso blogue. Faz hoje anos, 72 (*). Acabei de falar com ele ao telefone: está bem e recomenda-se, assim como a sua família, a cpomeçar pela "matriarca", a Luisa Valente,  O casal tem dois filhos, que seguiram destinos profissionais diferentes: a filha, a Marta, que  trabalha na indústria do cinema, publicidade e televisão, ligada à produção; o filho, o Vasco Valente Lopes,  que é enólogo (talentoso, e já com um invejável palmarés de prémios) e, além disso, DJ ("disc-jockey").

 Garantiu-me que a sua vindima este ano foi menor em quantiddae mas melhor em qualidade. Que o filho é o seu enólogo (trabalha  para mais quatro quintas do  Douco). Podia trabalhar no estrangeiro como tantos outros jovens enólogos portugueses por esse mundo fora, do Chile à Austrália, mas tem como o pai a paixão pelo Douro, o seu "terroir"... Há coisas que não têm preço...

É um camarada, além disso, amigo do seu amiigo, generoso e soldiário. Ainda ontem esteve na mesa da sessão de lançamehto do livro de poesia do José Teixeira, "Palavras que o Vento (E)leva". Disse-me que estava muita gente e que a sessão se realizou num sítio muito bonito, em Leça do Balio, junto ao mosteiro  que é monumento naciomal. Aproveitou, de resto, para visitá-lo, só conhecia por fora. Adorou e recomenda.

O Zé Manel Lopes não precisa de fazer prova de vida (**). Mas para quem não o conhece, recomendo a leutura do seu poemário, o "poemário do José Manuel", de que sepublicaram 30 postes, o último o P5033 (***).

Recorde que, sob o nome Josema  (seu pseudónimo literário), ele escrevia todos os dias um poema, durante a sua comissão na Guiné...Infelizmente, destruiu a maior parte deles... Salvaram-se umas escassas dezenas, e que já publicados no blogue. 

Foto da página do Facebook "Pedro Milanos /Quinta Senhora da Graça" (com a devida vémia...)

2.  Falei o com ele ao telefone em fevereiro de 2008. Foi o principio de uma boa amizade.  Descobri o  poeta (hoje infelizment "inativo" em matéria de poesia...) mas também o produtor de conhecidos e excelentes vinhos DOC, do Douro, de quep Pedro Milanos é o ex-libros. Tem um alojamento local, na sua quinta, a Quinta Senhora da Graça, com vista magnífica para o rioDouro e a serra do Marão...  

Foi nessa altura, em 27 de fevereiro de 2008, que ele entrou para  a nossa Tabanca Grande. Recordo aqui o que ele me disse, ou o essencial da longa conversa que mantivemos então ao telefone (****):

(i) teve conhecimento do nosso blogue, porque viu o programa Câmara Clara, da RTP Dois, a Paula Moura Pinheiro, edição de 24 de Fevereiro de 2004, que foi dedicado à literatura sobre a guerra colonial, e teve dois convidados em estúdio, os escritores Lídia Jorge (autor da Costa dos Murmúrios...) e Carlos Matos Gomes (que assina Carlos Vale Ferraz, o autor de Soldadó); nessa edição, o fundador e editor deste blogue foi entrevistado; o nosso blogue foi amplamente divulgado; o programa passa também na RTP África e na RTP Internacional;

(ii) ficou muito sensibilizado e até emocionado, e foi visitar o blogue de que passou a ser visita diária;

(iii) foi Fur Mil Inf Armas Pesadas, com o curso de Op Esp e a especialidade de Minas e Armadilhas;

(iv) a sua unidade era a CART 6250; esteve sempre em Mampatá, entre 1972 e 1974;

(v) fez segurança aos trabalhos da nova estrada Aldeia Fomorsa (Qubeo) - Mampatá - Salancaur, que ficou asfaltada antes do 25 de Abril... Tratava-se de uma obra que ia ao encontro da estratégia do Spínola, a da contra-penetração nas regiões libertadas do PAIGC: a  obra parou com o 25 de Abril: o novo troço deveria ter uns 30 quilómetros;

(vi) o José Manuel foi inesperadamente mobilizado para a Guiné, já com 18 meses de tropa... Juntou-e à malta da CART 6250, que era constituída por gente do interior (do Alentejo, das Beiras, do norte)... A unidade mobilizadora foi o regimento de Vila Nova de Gaia;

(vii) depois de Bolama, seguiram em LDG para Buba. onde tuveram logo o baptismo de fogo, como era da "praxe do PAIGC";

(viii) ele e a companhia dele seguiram os acontecimentos de Guileje, e saíram de Mampatá para fazer segurança à CCAV 8530, restantes forças e população civil, que andaram perdidos, nesse perigoso campo de minas, que era todo o corredor de Guileje, montadas umas pelo PAIGC e outras pelas NT; aliás, a sua CART 625o foi uma das unidades que mais minas levantou, durante a guerra e no final da guerra; recorda-se que se pagava mil escudos por cada mina levantada...

(ix) tem histórias fantásticas, como a de um camarada nosso, natural da Régua, que foi encontrado inaninado, desidatrado, doente, no Rio Corubal, numa piroga à deriva, depois de ter fugido de uma zona controlada do PAIGC (...);

(x) há outras histórias, que vão enriquecer o nosso blogue e a nossa memória, incluindo o período do pós-25 de Abril, em que o José Manuel teve contactos frequentes e intensos com a malta do PAIGC (cujos graduados "andavam sempre com livros e cadernos debaixo do braço e tinham muito nível"); soube do 25 de Abril, quando vinha de uma operação no mato e viu os restantes camaradas, no heliporto de Mampatá, agitadíssimos, muito eufóricos, com os soldados a gritar "Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou!"; sto passou-se a 26 de Abril, a notícia tinha sido escutada na BBC por um dos um militares, que na vida civil era rádio-amador;

(xi) durante a sua comissão , ele próprio costumava andar com um lápis e um caderninho n0 bolso, onde nomeadamente ia escrevendo os seus poemas; tem muitas coisas dessa época, que nunca publicou nem mostrou a ninguém, além de inúmera documentação fotográfica; escreveu versos que eram acompanhados com músicas conhecidas da época, de autores contestatários como o Zeca Afonso; vai-me mandar o Cancioneiro de Mampatá (foi assim que eu logo o baptizei...); inclusive, prontifficou-se a mandar-me um poema por dia;

(xi) durante anos não falou da guerra colonial com ninguém, só mais recentemente foi ao convívio anual do pessoal da CART 6250;

(xii) esteve sempre em Mampatá onde a tropa vivia misturado com a população (maioritariamente, futas-fula), razão por que nunca foram atacados; não tinham artilharia, só mais tarde é que passaram a ter obus 14, que dava apoio às operações de segurança de construção da estrada Aldeia Fomorsa (Quebo)-Mampatá-Salancaur.; também aqui, em Salancaur, abriram um destacamento (arame farpado, valas e tendas...);


(xiiii) fala da Guiné com a mesma paixão com que fala do seu Douro (donde nunca mais saiu, desde que regressou da Guiné, em Agosto de 1974)...

Passámos rapidamente a tratar-nos por tu, como velhos camaradas. Convidei-o a integrar a nossa Tabanca Grande, o que aceitou com visível regozijo... Quando puder entregará as fotos da praxe. Fica à espera do filho, para lhe digitalizar as fitos (Ele é um jovem enólogo e está neste momento fazer uma estágio na Austrália) (...)

José Manuel, estás apresentado. Estás em casa, entre amigos e camaradas! Sê bem vindo! Como vês, não há viagens sem regresso... A não ser as da morte. E por falarem regresso, tens histórias fabulosas de Mampatá, escritas por um velhinho, que por lá passou, um anos antes de ti, o nosso camarada Zé Teixeira (2)...L.G.
___________



(***) Vd. poste de 29 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5033: Poemário do José Manuel (30): O sol queima em Colibuia...

(---) O sol queima em Colibuía,
e nas tendas de campanha
sentimos o seu abraço,
logo, logo, pela manhã
e é só o começar
de uma semana de rações,
sete dias de suores,
milhares de comichões,
de bons e maus humores
e outras complicações.

Os dias lá vão passando
entre picagens,
patrulhamentos,
em cordões de segurança
à construção da estrada
que avança lentamente,
como cobra gigantesca,
pelo matagal imenso.

A semana chega ao fim,
volta-se a Mampatá,
um paraíso afinal
e o bálsamo ideal
do inferno quinzenal.

Colibuía 1973

josema

[Enviado em 4/4/2008. Revisão / fixação de texto: L.G.] (...)

domingo, 28 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18261: O Cancioneiro da Nossa Guerra (5): O hino dos "Unidos de Mampatá", a CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74)



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250/72 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > O repouso do guerreiro... O Zé Manel, ou o Josema (pesudónimo literário), "a reler o que havia escrito, numa pausa durante a protecção a uma coluna de Buba para Aldeia Formoso".
Fotos (e legendas): © José Mnauel Lopes  (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Nhala > 1974 > Foto nº 1 > Os "Unidos de Mampatá", CART 6250/72, em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala,  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).


Guiné > Região de Tombali > Nhala > 1974 > Foto nº 2 Os "Unidos de Mampatá", CART 6250, em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala,  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).

Comentário do António Carvalho (ex-fur mil enf, da CART 6250):

"Primeiramente devo manifestar a minha gratidão ao Murta, por ter guardado e nos ter proporcionado esta vista do regresso da nossa companhia a Bissau, via Nhala e Buba. As fotografias são muito interessantes, sob o ponto de vista da história da guerra do ultramar porque mostram a alegria transbordante pelo fim da comissão e a anarquia reinante com ausência de armamento, agora já imprestável naquele irrepetível tempo, posterior ao 25 de Abril. Para trás ficava Mampatá e a memória dos nossos dois mortos - o Mata e o Albuquerque. Eu já não me lembrava daquela paragem em Nhala que não terá sido só para atazanar os periquitos mas para retemperar energias com mais umas cervejas. Aquela viajem foi gloriosa também porque estávamos a inaugurar a estrada nova Aldeia Formosa- Buba, agora percorrida em menos de uma hora." (*)


Fotos (e legendas): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuamos o nosso projeto de reunir, numa só série (**), os versos e outros textos poéticos do nosso Cancioneiro, do "cancioneiro da nossa guerra"...

O "Hino dos Unidos", já aqui reproduzido há 10 anos,  data  muito provavelmente de princípios de 1974 (***). Segundo o José Manuel Lopes, produziram-se, no seu tempo, diversas letras que parodiavam fados, canções e baladas em voga. Primeiro escolhia-se uma música, e depois encaixava-se, muitas vezes a martelo (como é aqui o caso...), uma letra. Ele próprio foi autor de algumas letras que ficou de identificar, no "baú da casa da avó"... Havia também um furriel madeirense, da CART 6250/72.  que era um bom letrista...

Recorde-se que esta companhia, a CART 6250/72 [, não confundir com a CART 6250/73,] especializou-se em operações de segurança aos trabalhos de construção da estrada, que ia de Buba, Quebo, Mampatá, Cumbijã, Nhacobá, Salancaur, até ao corredor da morte... O José Manuel Lopes ("Josema") e os seus camaradas passaram dias e dias, semanas e semanas, meses e meses, a picar, a levantar minas, a montar segurança, a fazer emboscadas, a dormir e a comer na estrada, acompanhando a sua abertura, em direcção ao sul... Havia, portanto, tempo para tudo: desde o Leça que escrevia todos os dias areogramas para a sua amada, até ao Josema, que escrevia todos os dias um poema... (Infelizmente só chegaram até nós umas escassas seis dezenas, reproduzidas na série "O poemário do José Manuel").

Havia, por outro lado, três ou quatro camaradas que tinham jeito para a música e tocavam instrumentos (nomeadamente viola). Havia, inclusive, um baterista de um conjunto que na época teve algum sucesso em Portugal. Ele disse-me o nome, ao telefone, mas não fixei (***). Na época, eram, raros infelizmente os gravadores de som. Não haverá, por isso, muitos registos fonográficos deste "outro lado da guerra"... Há, comn certeza, memórias ainda vivas dessa produção poético-musical, que de resto temos vindo aqui a recolher e a divulgar...

Além do Cancioneiro de Mampatá, tenho outros,  espalhados pelos mais de 18 ,mil postes até agora publicados no nosso blogue. desde 2004: Cachil, Bafatá, Bambadinca, Bissau, Canjadude, Empada, Gandembel, Mansoa, Xime/Ponta do Inglês, Bedanda...

Estamos a fazer um esforço para "salvar",  "salvaguardar" e  divulgar outros mais, todos eles "pedaços da nossa memória" (, individual e coletiva).


2. O cancioneiro da nossa guerra > Hino da CART 6250/72 (Mampata, 1972/74)

Refrão

Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Mampatá, patá, patá, patá,
Mampatá, Mampatá, Mampatá.

Andam bocas por aí
Que os Unidos só sabem piar,
Mas a realidade
É bem fácil de se provar.

Refrão

Deixai lá falar
E cumpramos o nosso lema,
Sempre Unidos cem por cento,
Venceremos para sempre.

Isto aqui é nosso,
É Mampatá, patá, patá, patá,
Mampatá, tá, tá, tá,
Mampatá, patá, patá, patá.

A protecção à estrada
Que os Unidos estão a fazer,
Basta p’ra provar
Qu’ aqui se trabalha a valer.

Refrão

Começámos sem ter lar
E já temos o nosso abrigo,
Esta é aquela máquina,
Só possível aos Unidos.

Refrão

Esta CART dos Reguilas,
Como alguém do outro lado lhe chamou,
Será sempre honrada
Como herói qu’aqui suou e lutou.

Refrão

Mampatá espera de nós
O Progresso e a promoção do seu povo,
Nós lhe prometemos
Que terá esse MUNDO NOVO!

Letra recolhida por José Manuel Lopes [Josema],
ex-fur mil da CART 6250 , "Os Unidos de Mampatá" (Mampatá, 1972/74)

Texto: © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservados. [ Edição / revisão / fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14277: A minha homenagem aos "Unidos de Mampatá" (CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), António Carvalho, José Manuel Lopes (Josema) e Carlos Farinha... (António Murta, ex-alf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

(...) Tenho duas fotografias, que anexo, de um momento importante da sua comissão na Guiné e que é, precisamente, o fim dela (comissão). Os rapazinhos estão de malas feitas e vão para a peluda. Foram a Nhala despedir-se e atazanar os periquitos locais.  Podem reconhecer-se também nas fotos o nosso poeta de Mampatá, José Manuel Lopes [, Josema,] e o Alfero Carlos Farinha, todos nossos Grã-Tabanqueiros. (...)

terça-feira, 1 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15813: (De)Caras (31): José Manuel Lopes (Josema), o poeta duriense de Mampatá... Relembrando um dos seus poemas de antologia, Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250/72 (1972/74) > "Uma mina A/C e três A/P. Das dezenas que o Vilas Boas e o Fernandes levantaram. Ainda hoje me interrogo como só tivemos uma baixa em minas, além dos seis trabalhadores que foram vitimas de uma mina A/C ao beber água de um carro cisterna que molhava a terra da estrada acabada de terraplanar para lhe dar consistência. A picagem era mesmo um trabalho bem planeado e bem feito,onde o método, o rigor, a paciência eram fundamentais. A pica era mesmo o sexto sentido dos soldados da CART 6250, Os Unidos."

Foto (e legenda): © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservado



1. Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

por Josema [José Manuel Lopes] (*)

Estradas amarelas,
corpos cobertos de pó,
pica na mão à procura delas,
o polegar ferrado no pau,
tac, tac, tac, tac, tac, tac,
tacteando por sons diferentes,
o Fernandes, com cara de mau,
espeta no solo o ferrão da pica,
tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!...


O calafrio,
depois o grito,
anunciando o perigo!


O
grupo é mandado parar,
chega o Vilas à frente,
e a todos manda afastar:
de joelhos no chão,
numa simulada carícia,
afaga a terra com a mão,
com gestos simples e perícia,
vai cavando devagar...

Hei-la... está aqui,
lisa, preta, a brilhar,
parece inofensiva,  a maldita,
deita-lhe a mão e grita:
– És minha , já te tenho.

Volta-a,
tira-lhe o detonador
e entre dentes, diz:

– Esta, não,
esta não causará dor.



 Josema, Guiné, s/l, c. 1972/74 [Revisão e fixação de texto: LG]


2. Mensagem do José Manuel  Lopes, com data 28 de abril de 2009:



[José Manuel Lopes, vitivinicultor, duriense, poeta, ex-fur mil, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74]


"Camarada Luís: Enviei até agora 62 poemas que tinha guardados. Algures em casa de minha avó, na
Régua, onde vivi até me casar em 83, devo ter mais alguns junto às coisas que trouxe da Guiné. Me lembro que numa altura, perturbado, sem saber o que fazia, destrui parte do que trouxe.

Tudo que conseguir recuperar enviarei para o nosso Blogue, por agora pouco mais tenho para enviar, pois algumas coisas são muito pessoais e outras podem ferir a sensibilidade de terceiros.

Um abraço, José Manuel"


3. Nota do editor:

Havia 5 armas do IN (e seus aliados "naturais") que nos infundiam respeito, em campo aberto, nas picadas ou no mato, de noite ou de dia:

1 - As abelhas selvagens, as formigas bagabaga, os mosquitos, a cobra verde, a bolanha,, os rios...
2 - As minas e armadilhas
3 - O RPG 2 e 7
4 - A Kalash
5 - A "costureirinha" (PPSH)...

Este poema do Josema merece figurar em qualquer antologia da poesia da guerra: é uma homenagem aos nossos "picas" e sapadores, metropolitanos e guineenses, que eram na altura os melhores do mundo...

É também um grito contra essa arma, a mina (A/C, A/P),  que era um "assassino silencioso", usado tanto pelo IN como pelas NT... Todas as armas são "sujas", esta era talvez a pior de todas... Há centenas e centenas de camaradas nossos que ainda hoje trazem no corpo e na alma as suas "marcas", fora os que infelizmente morreram por ação, direta e indireta, de minas e armadilhas...

Obrigado, Josema!
LG
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de


terça-feira, 29 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P5033: Poemário do José Manuel (30): O sol queima em Colibuia...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250, Os Unidos de Mampatá (1972/74) > O heliporto de Mampatá, um héli aguarda que alguém chegue da mata...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250, Os Unidos de Mampatá (1972/74) > Avançando pela mata...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250/72, Os Unidos de Mampatá (1972/74) > A descansar na mata...

Fotos, legendas e poema: © José Manuel Lopes (2009). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250/72, Os Unidos de Mampatá (1972/74) > O Zé Manel, ou o Josema (pseudónimo literário), que durante a sua comissão na Guiné escrevia todos os dias um poema (*)...

Infelizmente, destruiu a maior parte deles... Salvaram-se umas escassas dezenas, que têm vindo a ser aqui publicados (**)...

Neste poema há uma referência à estrada em construção que, vinda de Mampatá, seguia para Colibuía, Cumbijã, Nhacobá e Salancaur, em pleno corredor de Guileje.

Amanhecer em Colibuía

O sol queima em Colibuía,
e nas tendas de campanha
sentimos o seu abraço,
logo, logo, pela manhã
e é só o começar
de uma semana de rações,
sete dias de suores,
milhares de comichões,
de bons e maus humores
e outras complicações.

Os dias lá vão passando
entre picagens,
patrulhamentos,
em cordões de segurança
à construção da estrada
que avança lentamente,
como cobra gigantesca,
pelo matagal imenso.

A semana chega ao fim,
volta-se a Mampatá,
um paraíso afinal
e o bálsamo ideal
do inferno quinzenal.

Colibuía 1973

josema

[Enviado em 4/4/2008. Revisão / fixação de texto: L.G.]
______________

Notas de L.G.

(*) Sobre o José Manuel Lopes, vf. poste de 3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3165: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (6): Com o José Manuel, in su situ, um pé no Douro e uma mão no Marão (Luís Graça)

(**) Vdc. postes anteriores desta série:

29 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4757: Poemário do José Manuel (29): Como eram belas as bajudas que conheci...

2 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4451: Poemário do José Manuel (28): Matar ou morrer ? Não...

11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4011: Poemário do José Manuel (27): Um ruído vem do céu / e há cabeças no ar, / hoje é dia de correio...

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3884: Poemário do José Manuel (26): O regresso a Mampatá, 35 anos depois...

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3787: Poemário do José Manuel (25): A Morte

17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3468: Poemário do José Manuel (24): Sabes o que é morrer... ?

9 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3289: Poemário do José Manuel (23): Naquela mata o silêncio magoa...

23 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3145: Poemário do José Manuel (22): (...) Como os dias passam devagar / Contados a riscar um calendário...

22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3084: Poemário do José Manuel (21): O recordar dos sentidos: como é bom ver, sentir, ouvir, cheirar, saborear, falar...

9 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3039: Poemário do José Manuel (20): Mãe, se eu não regressar, lembra-te do meu sorriso...

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3010: Poemário do José Manuel (19): Aqueles assobios por cima das nossas cabeças...

22 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2973: Poemário do José Manuel (18): Não se morre só uma vez...

15 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2946: Poemário do José Manuel (17): A Companhia dos Unidos

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

25 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2844: Poemário do José Manuel (13): A matança do porco, o Douro, os amigos de infância, os jogos da bola no largo da igreja...

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

2 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

24 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra

14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2757: Poemário do José Manuel (8): Nhacobá, 1973: Naquela picada havia a morte

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...

5 de Abril de 2008 Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4757: Poemário do José Manuel (29): Como eram belas as bajudas que conheci...

Guiné > Região de Tombali > Simpósio Internacional de Guiledje > Visita ao sul > 3 de Março de 2008 > Imagens, eternas, do Rio Corubal: rápidos do Saltinho (a primeira, de cima) e as esbeltas lavadeiras.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > O Zé Manel, ou o Josema (pseudónimo literário), que durante a sua comissão na Guiné escrevia todos os dias um poema... Infelizmente, destruiu a maior parte deles... Salvaram-se umas escassas dezenas, que têm vindo a ser aqui publicados (*)...

Poema enviado em 3/4/2008. Republicaçção. Série Poemário do José Manuel (**)

Comentário de L.G.:

Da Quinta da Senhora da Graça vêm-nos boas e más notícias: boas notícias dos néctares que o nosso camarada Zé Manel, mais a Luísa, e mais o seu talentoso enólogo Vasco Lopes, por acaso filho de ambos, continuam a produzir e a arrecadar prémios; más notícias, por outro lado, no que diz respeito ao famoso baú da avó, na Régua: mais poemas "cá tem"...

Resta-me ir ao rabisco, como se diz na minha região, o Oeste estremenho... Neste caso fui 'repescar' um poema já publicado, mas que passou despercebido, por que ia numa molhada (como aconteceu aos primeiros postes)... Os poetas têm mais liberdade de (re)criação do que nós, pobres editores deste blogue... Em todo o caso, já no píncaro do verão e nas vésperas de partida para as férias de Agosto (para os profs como eu, o mês de férias por excelência), aqui fica uma bela sugestão poética do Josema... É também um reforço da ideia de que, no nosso blogue, não há tabus (ou não deveria haver): por exemplo, falar de amores e desamores em tempo de guerra... Que também os houve, lancinantes, impossíveis, dramáticos, grotescos, cafrealizados, passageiros, incorrespondidos, platónicos, mercantis, sofridos, gozados, curtidos... Amores de verão, como os dos estudantes ? Amores de cais, como o dos marinheiros ? Amores com múltiplas barreiras, a começar pela guerra e o choque de culturas ?... Amores livres como a liberdade livre de que fala o António Ramos Rosa ?... Que respondam os poetas e os amantes...(LG)


Como eram belas
as miúdas que conheci
as amigas as amantes
as de amores realizados
as de amores imaginados
as que ficavam distantes
todas todas
todas sem excepção
quero beijá-las quero amá-las
para matar a solidão
não há raparigas más
não existem rostos feios
só vejo corpos esbeltos
só vejo pernas e seios

Bissau 1974

josema

__________

Notas de L.G.:

(*) Sobre o José Manuel Lopes, vf. poste de 3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3165: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (6): Com o José Manuel, in su situ, um pé no Douro e uma mão no Marão (Luís Graça)

(**) Postes anteriores da série Pomeário do José Manuel

2 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4451: Poemário do José Manuel (28): Matar ou morrer ? Não...


11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4011: Poemário do José Manuel (27): Um ruído vem do céu / e há cabeças no ar, / hoje é dia de correio...

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3884: Poemário do José Manuel (26): O regresso a Mampatá, 35 anos depois...

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3787: Poemário do José Manuel (25): A Morte

17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3468: Poemário do José Manuel (24): Sabes o que é morrer... ?

9 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3289: Poemário do José Manuel (23): Naquela mata o silêncio magoa...

23 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3145: Poemário do José Manuel (22): (...) Como os dias passam devagar / Contados a riscar um calendário...

22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3084: Poemário do José Manuel (21): O recordar dos sentidos: como é bom ver, sentir, ouvir, cheirar, saborear, falar...

9 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3039: Poemário do José Manuel (20): Mãe, se eu não regressar, lembra-te do meu sorriso...

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3010: Poemário do José Manuel (19): Aqueles assobios por cima das nossas cabeças...

22 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2973: Poemário do José Manuel (18): Não se morre só uma vez...

15 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2946: Poemário do José Manuel (17): A Companhia dos Unidos

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

25 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2844: Poemário do José Manuel (13): A matança do porco, o Douro, os amigos de infância, os jogos da bola no largo da igreja...

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2824: Poemário do José Manuel (12): Ao Zé Teixeira: De sangue e morte é a picada...

2 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

24 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

19 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2776: Poemário do José Manuel (9): Nós e os outros, as duas faces da guerra

14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2757: Poemário do José Manuel (8): Nhacobá, 1973: Naquela picada havia a morte

10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...

5 de Abril de 2008 Guiné 63/74 - P2723: Poemário do José Manuel (6): Napalm, que pões branca a negra pele, quem te inventou ?

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2694: Poemário do José Manuel (5): Não é o Douro, nem o Tejo, é o Corubal... Nem tudo é mau afinal.... Há o Carvalho, há o Rosa...

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?

13 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...


terça-feira, 2 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4451: Poemário do José Manuel (28): Matar ou morrer ? Não...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > O repouso do guerreiro... O Zé Manel, ou o Josema (pesudónimo literário), "a reler o que havia escrito, numa pausa durante a protecção a uma coluna de Buba para Aldeia Formoso". Foto editada (LG).


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 62590 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > Um foto aérea de Quebo (ou Aldeia Formosa)...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > "Eu e o Álvaro, soldado de transmissões e meu companheiro de tabanca, baterista do Pop Five , um dos conjunto Rock mais famosos naquela época, autores da música que abria um dos programas mais ouvidos na Rádio Renascença. Nunca mais o vi, não vai aos encontros. Gostava de lhe dar um abraço, mas não sei por onde anda nem como está" (JML)


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > "Num campo de futebol construído pela Companhia de Engenharia que fez a estrada [até Nhacobá]. Grande equipa de futebol:o Vieira, madeirense, que jogou nas camadas jovens (Iniciados, Juvenis e Juniores) dos três grandes, Benfica, Porto e Sporting; o Pinheiro, do Desportivo de Aves, o melhor médio que vi jogar até hoje; o Plácido, o guarda redes acrobata; o Alferes Esteves, o Simões, o Camilo (mais tarde deputado pelo PS), o Gomes e eu, o terceiro da Esquerda, na fila de pé, que jogava porque era quem fazia a equipa e também era o dono da bola" (JML).

O Capitão da companhia era um miliciano, Luís Marcelino, "um amigo, antes de ser capitão", um homem por quem o José Manuel ainda hoje nutre um sentimento de respeito e de amizade... Apareceu há dias no Nosso Livro de Visitas, e já recebeu um convite do Carlos Vinhal para se juntar a nós (**)

Fotos, legendas e poemas: © José Manuel Lopes (2009). Direitos reservados.


1. O nosso camarada José Manuel Lopes veio recentemente da Guiné-Bissau, aonde foi em romagem de saudade (**), com mais três ou quatro camaradas (o Nina, o Carvalho, o Leça, o Silvério Lobo, este, de Aldeia Formosa)... Já aqui nos deixou cinco crónicas desse longo e até de certo modo dramático, regresso ao passado (em particular, a Mampatá, na Região de Tombali)... Mandou-nos o ano passado uma colecção de cerca de seis dezenas de poemas, que temos vindo a publicar nesta série, Poemário do José Manuel... (***). Hoje fomos ao rabisco, e descobrimos mais dois poemas, inéditos. Estamos à espera que ele passe pela casa da avó, na Régua, e descubra o paradeiro de mais duas dezenas que se salvaram do auto de fé que ele um dia fez com os seus papéis da Guiné... Recorde-se que ele todos os dias escrevia um poema, enquanto abria a estrada Buba-Quebo-Mampatá-Nhacobá-Salancaur (inconcluída com o 25 de Abril de 1974)...

O último mail dele, de 20 de Maio, trazia-nos excelentes notícias sobre os seus vinhos, que são a menina dos seus olhos, lá na Quinta Senhora da Graça, no Alto Douro, Património Mundial da Humanidade:

Bom dia, Luís:

Claro que vou [ ao nosso IV Encontro, no dia 20 de Junho], eu e a Luisa, que está em Madrid com o Vasco , fomos convidados a apresentar os vinhos. O Pedro Milanos Reserva 2006, depois da Medalha no 'Wine Masters Challenge', teve uma crítica muito boa na Revista 'Wine' de Abril e esta em 10º. lugar no Top 100 dos vinhos de mesa. Não consegui fazer a inscrição pelo blogue, quando o meu filho regressar de Madrid vou pedir para o fazer por mim. Um abraço, jose manuel.


_____________

Sangue derramado

Puseste o pé em sítio errado,
um som violento, o pó levantado
escondeu por algum tempo
teu corpo violentado.

Sem pensar em outras minas,
correram em teu socorro,
o sangue fugia de teu corpo
e o héli não chegava.

Tua cara, ainda de criança,
ficava cada vez mais pálida,
tudo num silêncio angustiado.

Apesar dos teus vinte anos,
a vida fugia-te em golfadas,
porquê tanto sangue derramado?

s/l, s/d

Josema

[Enviado em 27/2/08]

Não matarás!mandamento por cumprir
por quem fala
em nome de Deus,
em nome da lei,
pela humanidade,
a quem sempre
sai a sorte,
neste xadrez
da vida e da morte
só nos resta
não ser peça
nesse jogo diabólico
e ficar na esperança,
não da vingança,
mas na passagem
da mensagem
para que acabem
de vez
os peões da desgraça.

Bissau 1973
Josema

[Enviado em 18 de Março de 2008]

[Fixação / revisão de texto: L.G.]


__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4437: O Nosso Livro de Visitas (65): L.J.F. Marcelino, ex-Cap Mil da CART 6250, Mampatá, 1972/74

(**) Vd. postes de:

15 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4033: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (1): Da Tabanca de Matosinhos ao Cabo Bojador

15 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P4034: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (2): Do Trópico de Câncer à Mauritânia

21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4061: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (3): Do Trópico de Câncer à Mauritânia (2.ª Parte)

26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4081: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (4): Senegal e Guiné-Bissau

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4118: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (5): Finalmente chegados a Mampatá

(***) Vd.último poste desta série > 11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4011: Poemário do José Manuel (27): Um ruído vem do céu / e há cabeças no ar, / hoje é dia de correio...