Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250/72 (1972/74) > "Uma mina A/C e três A/P. Das dezenas que o Vilas Boas e o Fernandes levantaram. Ainda hoje me interrogo como só tivemos uma baixa em minas, além dos seis trabalhadores que foram vitimas de uma mina A/C ao beber água de um carro cisterna que molhava a terra da estrada acabada de terraplanar para lhe dar consistência. A picagem era mesmo um trabalho bem planeado e bem feito,onde o método, o rigor, a paciência eram fundamentais. A pica era mesmo o sexto sentido dos soldados da CART 6250, Os Unidos."
Foto (e legenda): © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservado
1. Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!
por Josema [José Manuel Lopes] (*)
Estradas amarelas,
corpos cobertos de pó,
pica na mão à procura delas,
o polegar ferrado no pau,
tac, tac, tac, tac, tac, tac,
tacteando por sons diferentes,
o Fernandes, com cara de mau,
espeta no solo o ferrão da pica,
tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!...
O calafrio,
depois o grito,
anunciando o perigo!
O grupo é mandado parar,
chega o Vilas à frente,
e a todos manda afastar:
Hei-la... está aqui,
lisa, preta, a brilhar,
parece inofensiva, a maldita,
deita-lhe a mão e grita:
– És minha , já te tenho.
Volta-a,
tira-lhe o detonador
e entre dentes, diz:
– Esta, não,
esta não causará dor.
2. Mensagem do José Manuel Lopes, com data 28 de abril de 2009:
[José Manuel Lopes, vitivinicultor, duriense, poeta, ex-fur mil, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74]
"Camarada Luís: Enviei até agora 62 poemas que tinha guardados. Algures em casa de minha avó, na
Régua, onde vivi até me casar em 83, devo ter mais alguns junto às coisas que trouxe da Guiné. Me lembro que numa altura, perturbado, sem saber o que fazia, destrui parte do que trouxe.
Tudo que conseguir recuperar enviarei para o nosso Blogue, por agora pouco mais tenho para enviar, pois algumas coisas são muito pessoais e outras podem ferir a sensibilidade de terceiros.
Um abraço, José Manuel"
(*) Vd. postes de
Estradas amarelas,
corpos cobertos de pó,
pica na mão à procura delas,
o polegar ferrado no pau,
tac, tac, tac, tac, tac, tac,
tacteando por sons diferentes,
o Fernandes, com cara de mau,
espeta no solo o ferrão da pica,
tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!...
O calafrio,
depois o grito,
anunciando o perigo!
O grupo é mandado parar,
chega o Vilas à frente,
e a todos manda afastar:
de joelhos no chão,
numa simulada carícia,
afaga a terra com a mão,
com gestos simples e perícia,
vai cavando devagar...
numa simulada carícia,
afaga a terra com a mão,
com gestos simples e perícia,
vai cavando devagar...
Hei-la... está aqui,
lisa, preta, a brilhar,
parece inofensiva, a maldita,
deita-lhe a mão e grita:
– És minha , já te tenho.
Volta-a,
tira-lhe o detonador
e entre dentes, diz:
– Esta, não,
esta não causará dor.
Josema, Guiné, s/l, c. 1972/74 [Revisão e fixação de texto: LG]
2. Mensagem do José Manuel Lopes, com data 28 de abril de 2009:
Régua, onde vivi até me casar em 83, devo ter mais alguns junto às coisas que trouxe da Guiné. Me lembro que numa altura, perturbado, sem saber o que fazia, destrui parte do que trouxe.
Tudo que conseguir recuperar enviarei para o nosso Blogue, por agora pouco mais tenho para enviar, pois algumas coisas são muito pessoais e outras podem ferir a sensibilidade de terceiros.
Um abraço, José Manuel"
3. Nota do editor:
Havia 5 armas do IN (e seus aliados "naturais") que nos infundiam respeito, em campo aberto, nas picadas ou no mato, de noite ou de dia:
1 - As abelhas selvagens, as formigas bagabaga, os mosquitos, a cobra verde, a bolanha,, os rios...
2 - As minas e armadilhas
3 - O RPG 2 e 7
4 - A Kalash
5 - A "costureirinha" (PPSH)...
Este poema do Josema merece figurar em qualquer antologia da poesia da guerra: é uma homenagem aos nossos "picas" e sapadores, metropolitanos e guineenses, que eram na altura os melhores do mundo...
É também um grito contra essa arma, a mina (A/C, A/P), que era um "assassino silencioso", usado tanto pelo IN como pelas NT... Todas as armas são "sujas", esta era talvez a pior de todas... Há centenas e centenas de camaradas nossos que ainda hoje trazem no corpo e na alma as suas "marcas", fora os que infelizmente morreram por ação, direta e indireta, de minas e armadilhas...
Obrigado, Josema!
LG
É também um grito contra essa arma, a mina (A/C, A/P), que era um "assassino silencioso", usado tanto pelo IN como pelas NT... Todas as armas são "sujas", esta era talvez a pior de todas... Há centenas e centenas de camaradas nossos que ainda hoje trazem no corpo e na alma as suas "marcas", fora os que infelizmente morreram por ação, direta e indireta, de minas e armadilhas...
Obrigado, Josema!
LG
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Notas do editor:
Notas do editor:
(**) Último poste da série > 15 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15751: (De)caras (30): vencendo o medo, a estigmatização e a hipocrisia social gerados pela doença oncológica: mensagens de apoio à coragem e diginidade do nosso camarada António Eduardo Jerónimo Ferreira
1 comentário:
Parece que os estou a ver...rostos tensos, jovens que não queriam ficar amputados, muito menos perder ali 21 anos de vida nova, por nada.
Um abraço
Carvalho de Mampatá
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