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quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26260: Humor de caserna (86): O ”turra” e a boina verde da enfermeira paraquedista (Maria Arminda, ex-ten graduada enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70)




Tancos > RCP (Regimento de Caçadores Paraquedistas) > 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: Maria do Céu, Maria Ivone
 (†)  , Maria de Lurdes (Lurdinhas), Maria Zulmira (†)  , Maria Arminda e o capitão pqdt Fausto Marques (Director Instrutor). Nota: Para completar o grupo das "Seis Marias", falta(va) a Maria da Nazaré  (†)  que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois.


Foto (e legenda): © Maria Arminda (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A Maria Arminda Santos (tenente graduada enfermeira parquedista, 1961-1970) pertence ao grupo das Seis Marias, nome pelo qual ficou conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Paraquedistas portuguesas feito em 1961.  Arminda Santos (n. 1937), nossa grã-tabanqueira nº 500 (desde 23 de maio de 2011), é agora a decana ou a matriarca das antigas enfermeiras paraquedistas: tem uma "memória de elefante" , é à sua "base de dados" que recorro sempre que tenho uma dúvida ou uma pergunta sem resposta sobre o "curriculum vitae" das suas colegas).

Passou por todos os TO, e nomeadamnte Guiné (1962 / jan 63) e depois  1965/67, e 1969 (vários períodos no CTIG, nterrompidos, por outras missões), até passar à disponibilidade em finais de 1970 (*)

A história que se segue, julgamos que se passa em Cufar, na região de Tombali, em meados de 1965, por volta do de junho, e no decurso da Op Saturno (fiando-nos na memória do Mário Fitas, ex-fur mil, da CCAÇ 763, os "Lassas!, Cufar, 1965/66) (**)


2. É também uma excente contadora de histórias, como se pode ver a seguir (***). Tem 60 referências no nosso blogue. Vive em Setúbal.


O ”turra” e a boina verde 

da enfermeira paraquedista


por Maria Arminda


(…) Quase sempre, ao aproximar-me do DO-27 ou do AL III, para iniciar uma missão, ao chegar junto dele, instintivamente, dava-lhes duas palmadas na fuselagem, em jeito de saudação. Era assim como que a dizer-lhe: “Aqui estou eu! Leva-me em segurança”.

O incidente que passo a relatar, ocorreu  num DO-27. Eu tinha sido destacada para uma base de operações, em Cufar, em alerta para evacuação urgente de feridos. A operação desenrolava-se no Cantanhez, conhecida pelo “Reino do Nino”. (**)

Surgiu então uma missão de evacuação (…).

Havia três feridos para evacuar, todos africanos, supostamente do recrutamente local, todos metidos dentro do DO-27. Eu fiquei próxima do único que considerava estar em estado grave, a fim de melhor o poder socorrer durante o percurso. (O que aquele avião nos permitia fazer!)

Daqueles três feridos, o mais grave, e que ia junto a mim, era combatente do inimigo, um “turra” (…).  Mesmo que não me tivessem previamente informado desse facto ainda em terra,  eu facilmente chegaria a essa conclusão pela forma pouco amistosa com que os restantes  dois feridos o encaravam e, por vezes,  se lhe dirigiam, verbalmente.

O voo decorria  com normalidade e eu ia, evidentemente,  dispensando mais cuidados ao ferido “turra” por ser o único grave. Mss era bem visível que esta minha atitude não agradava aos outros, embora eu não entendesse bem o que eles diziam entre si.

Aí a meio da viagem, o sol começou a incidir sobre a cabeça  do guerrilheiro e, não tendo eu mais nada para o proteger do sol, coloquei a minha boina verde de paraquedista na cabeça dele.

Aí os outros não aguentaram mais! E foi a revolta! Houve quase um motim a bordo!

Indignados, gritavam para mim que ele, o guerrilheiro, era um “bandido”, e que não merecia  um bom tratamento. E muito menos que lhe pusesse na cabeça a minha boina militar!

Lá os acalmei como pude, gritando um pouco também, e consegui sossegá-los. Já me não recordo de que forma,  e como o consegui, mas foi com alguma dificuldade,  chegando mesmo a recear que eles agredissem o guerrilheiro.

O final do motim ainda me deu tempo, até aterrarmos em Bissalanca, para meditar sobre a importância que aqueles africanos  davam à boina de um militar. Tão grande, que era indecoroso  ser colocada na cabeça de um guerrilheiro.

Consegui acalmá-los com dificuldade,  dizendo-lhes a verdade: que para as enfermeiras paraquedistas, aquele guerrilheiro era apenas mais um ferido,  a necessitar de todo o meu saber e empenhamento. E que, como era entre todos eles o mais grave,  era  a ele que tinha de dispensar mais cuidados.

Mas a eles pouco ou mesmo nada lhes interessavam estas teorias!


Fonte: Excertos de Ivone - "Aspetos humanos da nossa atividade:  O 'bandido' e a boina verde". In: "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pp. 323 / 324  (com a devida vénia) (Imagem à direita, a seguir: Capa do livro)


(Seleção, revisão / fixação de texto, título, introdução: LG) (**)


Coautoras (das 30 da lista, com a Rosa Serra, editora literária, 18 são Marias...):


Maria Arminda Pereira | Maria Zulmira André (†) | Maria da Nazaré Andrade (†) | Maria do Céu Policarpo | Maria Ivone Reis (†) | Maria de Lourdes Rodrigues | Maria Celeste Guerra | Eugénia Espírito Santo | Ercília Silva | Maria do Céu Pedro (†) | Maria Bernardo Teixeira | Júlia Almeida | Maria Emília Rebocho | Maria Rosa Exposto | Maria do Céu Chaves | Maria de Lourdes Cobra | Maria de La Salette Silva | Maria Cristina Silva | Mariana Gomes | Dulce Murteira | Aura Teles | Ana Maria Bermudes | Ana Gertrudes Ramalho | Maria de Lurdes Gomes | Octávia Santos | Maria Natércia Pais | Giselda Antunes (Pessoa) | Maria Natália Santos | Francis Matias | Maria de Lurdes Costa.


______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970

(**) Vd. poste de 29 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6487: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (14): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (2): Maria Arminda (Rosa Serra)

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16942: Inquérito 'on line' (98): total de respostas: 112. Resultados: mais de metade (53,6%) não vê impossibilidade de o inimigo de ontem ser amigo hoje... Menos de um terço (30,4%) é mais cauteloso, responde "talvez, depende das circunstâncias"



Foto nº 1

Foto nº 1 A
Guiné > Região de Quínara > Fulacunca > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974 > Vinda de um bigrupo (c. 50 elementos) do PAIGC, por sua iniciativa. Aqui, um grupo mais restrito (15 elementos,. "armados até aos dentes"mas já pouco disciplinados a avaliar pela falta de aprumo ,...)  com o alf mil Jorge Pinto, nosso grá-tabanqueiro. em visita, a seu pedido expresso,  ao porto fluvial de Fulacunda, por onde era feito o   reabastecimento das NT  [ vd. porto fluvial, no rio Fulacunda, poste P12368];
Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Percebe-se,  pelas fotos nº 1 e 1A, que   a "confiança", por parte dos militares do PAIGC, ainda era incipiente... Estávamos em julho de 1974... Vinham bem armados...

Em tempo oportuno agradeci ao Jorge Pinto a sua genersoidade  e a sua franqueza ao enviar-nos estas e outras fotos de encontros "amigáveis" com o PAIGC no pós 25 de Abril. Há camaradas deste tempo que ainda têm relutância em partilhá-las, no nosso blogue. Podia comprender-se tal atitude até há uns atrás, dado o "receio de crítica" por parte dos pares, sobretudo pelos "velhinhos" que apanharam os duros anos do iníco da guerra ou que combateram o PAIGC no tempo de Spínola.

Sabemos que expor estas fotos, é também expor-nos... Mas, como temos dito, seria uma pena não as publicar e, mais tarde, vê-las no contentor do lixo ou na feira da Ladra, vendidas pelos herdeiros ao desbarato...

Não é desonra nenhuma "posar" para a fotografia com o "inimigo de ontem"... Acontece, aconteceu em (quase) todas as guerras que, como tudo na vida humana, chegam a um fim... (Se calhar,  mais difícil do que   continuar a guerra, é saber fazer e manter a paz.).

Ao mesmo tempo também há, de parte a parte, a humana curiosidade em "conhecer o outro" que nos combatia, que se calhar nos teve, no mato, debaixo da mira da Simonov, ou da Kalash ou do RPG... ou que despejou carregadores de G3 contra o "filho da p... do turra" emboscado por detrás daquele bagabaga, junto à aquele bissilão na orla da mata, na picada que ia ter à bolanha e ao rio, naquele dia e naquela hora... Lembras-te, camarada ?

O Jorge Pinto [, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74] é  natural de Turquel, Alcobaça; foi  professor do ensino secundário, ensinou história, e está reformado.

Sublinhe-se a grande lição que ele nos dá,  a coragem,  a naturalidade, o fair-play e  a dignidade com que o Jorge Pinto aparece nas fotos. A propósito comentou ele na devida altura:

 "A 'exigência' da ida ao porto de Fulacunda, no mesmo dia da visita, considerei-a inútil, pois não fomos fazer nem ver nada de novo. Nesta viagem de 4/5 km iam cerca de 15 (guerrilheiros), bem armados, conforme fotos demonstram. Da parte das NT ia eu, um furriel e o cabo condutor, totalmente desarmados. Nenhum elemento da população nos acompanhou. Esta ficou dentro do recinto que era cercado por arame farpado conversando com os restantes elementos do PAIGC"...

II. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"O MEU INIMIGO DE ONTEM 

NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO" (*)


1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo > 13 (11,6%)

2. Sim, poderá vir a ser meu amigo > 60 (53,6%)

3. Talvez, depende das circunstâncias > 34 (30,4%)

4. Não sei responder > 5 (4,4%)

Total > 112 (100,0%)



Total de votos apurados: 112  | Inquérito encerrado em 9/1/2017, àS 18h36.


III. Comentários:
(i) Luís Graça (*)

Como em todas as guerras, os "dois" lados nunca estão preparados para fazer a paz... Na Guiné, se a guerra tivesse acabado, mais cedo, em 1969/71, quando eu lá estive, confesso que também não saberia como agir... Nem eu nem os restantes graduados da minha CCAÇ 12... Isso era tanto verdade para nós como para o PAIGC... Fomos preeparados (mal) para fazer a guerra, não estávamos "programados" para fazer a paz...

O António J. Pereira da Costa que era oficial do quadro nunca deve ter tido "aulas" sobre como proceder em caso de cessar fogo e conversações de paz... Nenhum dos lados previa, em teoria, essa hipótese. A guerra acaba com a vitória sobre o inimigo...

No fundo, o nosso "nacional-porreirismo!" mais não foi do que uma manifestação do nosso proverbial sentido de desenrascanço e vontade para pôr um ponto final num conflito que já lavrava há 13 anos, sem um fim (razoável) à vista...

A paz está no ADN dos seres humanos, faz parte do património genético dos portugueses... E na realidade é bem maia difícil fazer a paz do que a guerra... Exige muito mais sabedoria, inteligência emocional, capacidade de negociação, empatia, comunicação, "pôr-se na pele do outro", saber ouvir, etc.

Admiro os nossos camaradas que estavam na Guiné no 25 de Abril e que apanharam com a "batata quente" nas mãos... O PAIGC estva com pressa de chegar a Bissau e ocupar o palácio do governador... os nossos camaradas estavam com pressa de chegar a casa, e na metrópole jovens maoístas e tostkistas tentavam impedir a partida de barcos com "carne para camhão", gritava no cais da Rocha de Conde de Óbidos, "nem mais um soldado para as colónias", Em 4 de maio de 1974, militantes do MRPP impedem, pela primeira vez, um embarque de tropas para as colónias...


(ii) Carlos Vinhal (**)

Acho que estamos a balancear entre extremos o que acaba por confundir um pouco. O título do P16905 diz: Inimigos de ontem, amigos de hoje - uma frase afirmativa. Eu no meu poste escrevi: Inimigos de ontem, amigos de hoje? - uma frase interrogativa
O título da sondagem é: O meu inimigo de ontem nunca poderá ser meu amigo - outra frase afirmativa, mas de sentido contrário da primeira.

Houve apenas uma pequena minoria (o reforço é propositado) que teve oportunidade de contactar e abraçar o inimigo depois de terminada a guerra. O que cada um fez, se abraçou, ignorou ou evitou o ex-IN é com cada qual. Nós, os mais velhos, que entramos e saímos em estado de guerra, só podemos falar de nós próprios e da nossa eventual reacção.
Como refere o Torcato Mendonça noutro local, provavelmente eu cumprimentava cordialmente o meu antagonista, se possível, ambos desarmados, e até com continência se essa pessoa tivesse no seu exército um posto superior ao meu. A isto chama-se respeito e não amizade.  Abraçar o ex-IN, acho que: "nunca, jamais, em tempo algum".

Já agora uma pequena achega ao comentador acima. O meu camarada Alferes Couto ficou em bocadinhos O meu camarada Soldado Vieira ficou esventrado por um rocket O meu camarada Barbosa ficou todo "furado" com estilhaços

Não participei em nenhum jogo electrónico de guerra, era mesmo guerra com tiros, armas pesadas e minas, tudo a sério. E muito importante, cada um de nós só tinha uma vida, não havia segunda hipótese.


(iii) Cândido Cunha (**)

Carlos Vinhal,tal como tu afirmas,também "Não participei em nenhum jogo electrónico de guerra, era mesmo guerra com tiros, armas pesadas e minas, tudo a sério. E muito importante, cada um de nós só tinha uma vida, não havia segunda hipótese." E,usámos as mesmas maquinetas de guerra que tu. Formámos a CART 11, depois CCaç 11 que ficou sediada até 74 em Paúnca. Pois, Vinhal, eu também não esqueço as minas entre Piche e Canquelifá em julho ou aggosto de 69 ,(seis mortos),um dos quais um cabo enfermeiro todo negro da explosão,que um srg como louco, tentava acordar .Tivemos sorte, sim, senhor, foi termos saído de lá em 70.Como não esqueço aquela noite e madrugada já perto de me vir embora,em que estive a contar histórias ao Aladje Silá que ficou a esvair-se em sangue à espera do Allouette que pousou cerca das 7:30. Ele morreu quinze minutos antes. Como sabes,  o Salazar ,não nos tinha fornecido meios capazes de nos evacuar de noite. Lembro-me do 1º,durante umas fogachadas em Nova Lamego, quando eles andavam a preparar os Katiuschas que passavam e rebentavam a quilómetros, ironizando comigo e a dizer-me que os meus "amigos" nos queriam matar. Portanto, nós hoje, e também graças ao 25 de Abril, escolhemos os amigos que quisermos. Nem hoje  nem nesse tempo os culpei pela Guerra .Já agora prefiro a amizade do que o "respeitinho" militar e a continência !


(iv) José Diniz Carneiro de Sousa e Faro (**)

Não poderá ser meu amigo, acho que será trair os meus camaradas que morreram. Os abraços que vi via TV em 74, entre inimigos de ontem e amigos de hoje, eram de alívio por parte dos meus camaradas (era um chegar ao fim de uma guerra), mais do que de amizade. Os altos Comandos Militares, não tiveram Dignidade na Rendição e da parte do inimigo muito menos,  foi um "Adeus, oh vai-te embora".  Os nossos mortos não mereciam nem tão pouco o Povo da Guiné que ficou entregue a uma mão cheia de recalcados. Passados este anos todos ficaram muito pior. Portanto o "Tal abraço" não passou disso mesmo. Abraços.


(v) António J. Pereira da Costa (*)

Há quem diga que a guerra é o bastão da cólera de Deus. Por isso a guerra cairia em cima dos povos que se "portaram" mal. Era uma teoria. Creio que já está em desuso.

As FA [Forças Armadas] são, portanto, uma espécie de pau que bate no cão e, muitas vezes, a guerra torna-se tão impopular que as FA - de ambos os beligerantes - ficam responsáveis pela guerra, perante o povo a que pertencem. É uma leitura deficiente por partir da ideia de que há guerra porque há FA e não o contrário. É como se dissesses que as pessoas são mortas porque há navalhas e facas... Ou seja o cão tem tendência a morder no pau em vez de se atirar ao homem que lhe bate. É assim com quase todos os povos e exemplos não faltam...

Do mesmo modo que a guerra é determinada por quem manda ou a quem os povos concedem autoridade para os conduzir, a paz é feita pelos mesmos que a determinaram. Não há muitos exemplos de pazes feitas, no terreno, entre forças combatentes, nem sequer tréguas. Por isso é natural que os combatentes não estejam preparados para fazer a paz. De outro modo poderiam fazê-la sem ordens e era uma "desgraça". Além disso, a guerra é feita para impor a nossa vontade ou objectivos ao inimigo e, por isso,  quem faz a guerra aprendeu (normalmente) a fazê-la e mais nada. Por consequência não está preparado para fazer a paz. 

O afastamento do ex-inimigo é o último assomo de valentia que resta ao derrotado. Como, neste caso, foi o PAIGC que atingiu os objectivos e a guerra é um fenómeno total que colide com todas as áreas de actividade de um país, é por isso que eu digo que o PAIGC venceu a guerra.

Claro que a sobranceria do vencedor é um factor a ter em conta e em África, naquele tempo (e talvez hoje ainda) muito mais.  Não sei, mas já tenho admitido que, na sua maioria, os guerrilheiros, em pouco dias, descobriram a pobreza que se adivinhava e reconheceram que o partido não iria conseguir dominar correctamente a situação, por nada ter para dar.

Em resumo, vivia-se melhor junto das NT do que junto da guerrilha e, a partir daí era sempre em perda. Mas, no fundo, eles também queriam deixar de sofrer e de morrer.
___________________

domingo, 8 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16930: Estórias cabralianas (93): Porra, meu Alferes, não sabia que os Turras também tinham Mãe!?! (Jorge Cabral)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) > Ao centro, de pé, o alf mil art Jorge Cabral que, entre outros muitos interesses, também era cinéfilo..

Foto: © Jorge Cabral (2005). Todos os direitos reservados.


1. A primeira mensagem do ano, do nosso "alfero Cabral"

Data: 6 de janeiro de 2017 às 19:26

Assunto: Estória

Ao fim de quase 50 anos, a minha Amiga Cinéfila, devolve-me as 23 cartas que lhe escrevi de Missirá. Eis uma, mas há mais...
ABRAÇO!



2. Estórias cabralianas (93): Porra, meu Alferes, não sabia que os Turras também tinham Mãe!?

por Jorge Cabral

NI-OI, NI-OI, NI-OI… Continuamos Amigos e Cinéfilos, Dalila.Tu vês filmes, eu, entro neste, tragicomédia que nunca mais acaba…

Desta vez houve guerra, dois mortos em Salá, mesmo junto a um limoeiro. O milícia Demba pisou uma mina reforçada e desapareceu da cintura para baixo. Os gajos abriram fogo e o meu soldado Guiro de rajada lerpou um turra, de pistola à cinta. 

- NI-OI, NI-OI,NI-OI… - berrava o turra. 
- O que é que o gajo diz - perguntou o Cabo Gaspar.
- É Balanta, está a gritar pela mãe. 

Improvisada uma padiola, lá os levámos aos dois, lado a lado, o milícia Fula e o turra Balanta…
À noite ao jantar o ambiente era pesado. Eis quando, o Cabo Gaspar se interroga:
- Porra, meu Alferes, não sabia que os Turras, também tinham Mãe?!

(...) Bacalhau ensaboado e os Três Reis Magos. Poucos são os Natais de que me lembro. E no entanto, já passei mais de setenta. Mas este, Missirá 1970, nunca esqueci. Tínhamos bacalhau. Tínhamos batatas, Fomos tarde para a mesa, a mesma de todos os dias, engordurada, sem toalha. Chegou o panelão fumegante e começámos.
– Caraças!, o bacalhau sabe a sabão! – disse o Branquinho. (...) 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16926: Inquérito 'on line' (97): Nas primeiras 80 respostas, 55% dos respondentes considera, sem reservas, que poderia ser hoje amigo do inimigo de ontem... O prazo termina na 2ª feira, dia 9, às 18h36...Falta pouco para chegarmos às 100 respostas...


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Em quase todos os aquartelamentos do CTIG, houve a seguir ao 25 de Abril de 1974, entre Maio e Junho, tentativas mais ou menos bem sucedidas de aproximação do PAIGC com vista ao cessar-fogo, ao fim da guerra e à reconciliação (e vice-versa). Nesta foto, vemos o camarada, amigo, ex-fur mil José Manuel Lopes (o poeta Josema) com um guerrilheiro do PAIGC. Mais difícil foi, de facto,  a aproximação entre o PAIGC e os militares guineenses que estavam do lado das NT, como foi o caso dos Comandos Africanos.

Foto: © José Manuel Lopes (2008). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"O MEU INIMIGO DE ONTEM

NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO" (**)




Nº de respostas (provisórias), às 15h de hoje = 80



1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo  > 11 (13%)

2. Sim, poderá vir a ser meu amigo  > 44 (55%)



3. Talvez, depende das circunstâncias  > 21 (26%)


4. Não sei responder  > 4 (5%)



Total de respostas > 80 (100%)


Prazo de resposta termina dia 9, 2ª feira, às 18h36

II. Comentários:
 

(i) José Marcelino Martins (*)

Esta pode ser uma "oportunidade" para redimir alguns excessos praticados, quer de um lado quer do outro, apesar de ser só por colocação de um "x". Porém, para muitos chegará.



(ii) António José Pereira da Costa (**)

(...) Não estive na descolonização, mas aquela de "andemos à porrada, mas agora semos todos uns gajos do baril" não me seduz. Claro que o fenómeno é complexo. Eles começaram por ser portugueses dissidentes a quem outros portugueses tinham de subjugar. Por razões exógenas acabou não com uma vitória/rendição, mas isso não quer dizer que caiamos nos braços uns dos outros. Tenho para mim, sem hipótese de prova, que eles simularam uma "amizade" que não sentiam e nós tomámos a atitude do "nacional-porreirismo" habitual dos portugueses. Claro que o denominador comum disto era o fascismo e o colonialismo de segunda categoria do regime político que dominava o país aquém e além mar. 

Mas acho que o PAIGC conseguiu o que queria e, caído o fascismo, nós todos metropolitanos queríamos regressar são e salvos. Há ainda os guineenses que eram portugueses e deixaram de o ser e esses não creio que alguma vez tenham sido abraçados pelos guerrilheiros. Isto diz de um certo ódio larvar que felizmente não se cevou em nós. Poderia ter acontecido e sabemos bem as "confusões" que se sucederam no momento em que os colonialistas saíram e as gloriosas hostes dos guerrilheiros tomaram o poder. Na Guiné, talvez nem tanto, mas em Angola houve problemas sérios...

Creio que a receita para o relacionamento das NT com o PAIGC é aquela que o Torcato Mendonça e o Vinhal defendem. De outra forma há um desrespeito por quem "ficou" no terreno. (...)

(iii) Henrique Cerqueira (***)

(...) Eu tive a oportunidade de apertar a mão do inimigo no seu próprio ambiente.Já documentei num poste deste blogue incluindo fotos.Senti nessa altura grande alegria pelo momento. No entanto o principal sentimento era o da confirmação que a guerra estava no fim e que de certeza iria voltar para a minha terra na Metrópole.

Quanto a amizade ,seria completamente impossível.Até porque a amizade se constrói e não se adquire no momento. Depois há ainda o facto de não esquecer o que os nossos inimigos fizeram posteriormente com os combatentes que lutavam do nosso lado e que por necessidade,obrigação ou devoção acreditavam que estavam a combater do lado certo.

Carlos Vinhal ainda bem que levantaste a questão,poderá assim acontecer que caiam aqui alguns falsos "amiguinhos" do Inimigo e que ás vezes se dedicam ás caridadezinhas,enquanto os responsáveis do governo Guineense vivem como uns nababos ricos e gordos pior que colonialistas de outrora.
Eu tenho o maior desejo que o povo da Guiné consiga ser feliz,no mínimo como me sinto no meu país livre e democrático. Mas jamais seria amigo de antigos combatentes que lutaram contra mim mesmo reconhecendo que era essa a sua obrigação pelos ideais e interesses que nutriam pela sua(?) Guiné,a interrogação é que ainda hoje a Guiné é sua(dos Guineenses) (...)


(iv) João Sacôto (***)

Camaradas:

Não esqueçam nunca os nossos heróicos camaradas guineenses que ao nosso lado bravamente combateram, muitos caíram em combate, para defender a sua terra das influencias estrangeiras (Chinesas, Cubanas e Soviéticas), como foram o meu amigo João Bakar Jaló, o Domingos Demba Djassi, Queba Sambu, Marcelino (felizmente vivo e na nossa companhia) e tantos outros.

O PAICG prometeu tratá-los com humanidade. Portugal acreditou, pagou-lhes seis meses de ordenado e pediu-lhes que entregassem as armas. Ainda que renitentes, os 27 mil militares guineenses do Exército português aceitaram. Mal as autoridades portuguesas abandonaram o país, logo o novo poder executou os primeiros.. Mortes reconhecidas na sinceridade das certidões de óbito: “faleceu por fuzilamento”, diziam. As autoridades guineenses pós-Luís Cabral falam em 500 mortos. O jornal “Nô Pintcha” chegou a publicar uma lista de nomes. Mas os sobreviventes calculam que pelo menos um milhar terá comparecido diante do pelotão de fuzilamento - alguns em aeroportos e campos de futebol, diante das populações.  (Isto, a nossa geração, não pode perdoar.) (...)


(***) Vd. poste de 2 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16908: (In)citações (104): Inimigos de ontem, amigos de hoje? (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732)