sábado, 3 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6102: PAIGC - Quem foi quem (10): Abdú Indjai, pai da Cadi, guerrilheiro desde 1963, perdeu uma perna lá para os lados de Quebo, Saltinho e Contabane (Pepito / Luís Graça)



Guiné-Bissau > Guerrilheiros do PAIGC em movimento em mata (Foto do PAIGC, s/d, reproduzido em Mikael Levin - Cristina's History. Cherbourg-Octeville: Le Point du Jour; Lisboa: Museu: Colecção Berardo, 2009, p. 91) (Com a devida vénia).

1. Texto do nosso amigo Pepito, com data de16 de Março último:


Assunto:  Pai da Cadi (*)

Luís

Seguem alguns dados referentes a Abdú Indjai [, foto de João Graça, à direita], pai da Cadi, tal como me havias pedido:

(i) Nasceu em Farim de Cubucaré,  em 1947;

(ii) O pai foi militar português que prestou serviço em Macau;

(iii) Entrou na Luta Armada logo no seu início, no dia 23 de Janeiro de 1963, na Base Central de Cubucaré, na Barraca Miséria, centro de recrutamento;

(iv) Especializou-se como fuzileiro em 64;

(v) Entrou no Exército Regular em 66, sob o comando de Kubói Nam'Bá, sendo Comissário Político Braima Camará;

(vi) Comandava então um grupo designado por "sete homens";

(vii) Fez missões militares em Como, Catchil [ou Cachil], Tombali, Cufar, Medjo [ou Mejo]  e Guiledje [ou Guileje];

(viii) Mais tarde, fez a guerrilha na zona 7 (Quínara), com o Comandante Gaio (cubano), sob a direcção do Comandante Nino Vieira;

(ix) Em 1968 intervém na Guerra da Ponte de Balana (tanto na pontezinha, como na ponte grande);

(x) Depois desloca-se para Quebo [, mapa de Xitole,] Saltinho e Contabane [, mapa de Contabana,] sob a chefia do Comandante Augusto Patchanga;

(xi) Nessa altura cai numa mina e fica sem uma perna [, possivelmente em 1969];

(xii) Evacuado para o Hospital de Boké,  na Guiné-Conacri, acaba por ir para a RDA em tratamento;

(xiii) Regressa a Conacri  na véspera da operação Mar Verde, assalto organizado por Spínola e Alpoím Calvão [, em 22 de Novembro de 1970];

(xiv) É nesta cidade que está quando a Independência da Guiné-Bissau é proclamada [, a 24 de Setembro de 1973];

(xv) Hoje é agricultor e Presidente da Associação dos Antigos Combatentes de Cantanhez.

abraço
pepito

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Pepito, pelos elementos curriculares que nos mandaste do antigo Combatente da Liberdade da Pátria, Adbu Indjai, pai da Cadi, homem afável que o João Graça conheceu e fotografou em Iemberém, quando por lá passou em Dezembro passado. Infelizmente não tenho essa foto comigo, no meu novo portátil. Estou em Montalegre, em pleno coração do Barroso, viajando pelo Portugal profundo e periférico, nas miniférias da Páscoa... Estou no hotel, chove lá fora, e eu estou preocupado com as notícias que vêm de Bissau, com mais uma intolerável tentativa dos militares guineenses de fazerem sobrepor a força das suas armas à voz do povo e à legalidade do poder político...
Há quem culpe todos males da Guiné-Bissau ao parto (violento) que foi o nascimento da Nação e aos pais-fundadores que foram os guerrilheiros do PAIGC. Diz-nos a história que é sempre um desastre quando os guerrilheiros tomam conta do aparelho de Estado ou se convertem em exército regular. Amílcar Cabral não viveu o tempo suficiente para equacionar este problema, muito menos para resolvê-lo...Ainda bem para ele, e para a sua memória histórica...

Mas eu não quero falar hoje dos que, sem qualquer legimitidade histórica e muito menos política, se arvorarm em donos do  destino da Guiné-Bissau,  tentando interromper, bloquear ou aniquilar a seu bem-prazer o lento, difícil, doloroso mas inevitável  e irreversível processo de democratização da Guiné-Bissau. Há hoje gente, corajosa  e patriota que quer (e luta por) uma Guiné-Bissau, justa e democrática, por um Estado digno e respeitado no seio da comunidade internacional.

Louvo a iniciativa do AD - Acção para o Desenvolvimento no sentido de dar voz aos anónimos guerrilheiros do PAIGC, nomeadamente aos que operaram na região sul,  e que souberam despir a farda e entregar a arma depois da independência. De facto, no âmbito do Projecto Guiledje, equipas de investigadores da AD - Acção para o Desenvolvimento têm entrevistado, gravado e filmado alguns desses homens.  Os seus depoimentos são importantes para se fazer a história da moderna Guiné-Bissau.

Olhando para os rostos de alguns desses homens que eu conheci pessoalmente, em 2008,  ou  que conheço apenas por fotografia (**),  não é difícil concluir como eles ficaram  precocemente envelhecidos por uma vida duríssima (anos e anos de guerrilha pura e dura, a que se somaram as não menos penalizantes condições de vida e de trabalho num novo país independente, em construção, que pouco ou nada lhes tinha para oferecer em paga pela sua participação na luta armada), eu só conseguia descortinar,  há dois anos atrás,  por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje, serenidade, sabedoria, coragem, experiência de vida... Aaqui e ali podia adivinhar-se orgulho pela missão (cumprida), orgulho por terem sido protagonistas da sua própria história e da história do seu paí... Talvez, aqui e ali (e é preciso adivinhar), também alguma desilusão, algum desencanto, algum desapontamento pelo rumo que os acontecimentos tomaram  nos úlltimos 35 anos a seguir à independência.  Mas em Bissau, em Março de 2008, eu não vi ódio, nem agressividade, nem ressentimento...

Como já escrevi, "foram homens, idealistas e generosos, que eram tão jovens como nós, e que amavam a sua terra como nós amamos a nossa, oriundos de diferentes comunidades e grupos, partilhando diferentes credos (animistas, muçulmanos, cristãos...), reunidos sob a mesma bandeira, e que, como combatentes, foram bons, determinados, abnegados, corajosos...

"Também tiveram sorte no campo de batalha, que a sorte protege os audazes (como dizem os nossos comandos): hoje estão vivos; mas muitos milhares dos seus camaradas pagaram, com o sacrifício da sua própria vida, a sua opção pela luta de libertação... Estão vivos, mas não tiraram benefícios pessoais por ter sido guerrilheiros do PAIGC, combatentes da liberdade ou heróis vivos, aos olhos dos seus filhos, parentes, amigos, vizinhos"...
A maior parte deles, como o Abdu Indjai, voltaram  a ser camponeses, como sempre foram, filhos,  netos e bisnetos de camponeses ou de pastores...

"Homens que ontem eram o IN, eram nossos inimigos (não individualmente, mas como exército, como máquina, como entidade mítica; porque estávamos, objectivamente, de um lado e de outro do campo de batalha, empunhando uns a Kalash e outros a G3...); homens que hoje queremos que sejam nossos amigos e até irmãos; homens que, no mínimo, merecem o nosso respeito, senão mesmo a nossa admiração... Há sempre em todas as guerras uma estranha cumplicidade entre combatentes de um lado e de outro...

"Oxalá possam, todos estes antigos guerrilheiros do PAIGC, viver o que resta das suas vidas em paz, em segurança, em dignidade" (...).

____________

Notas de L.G.:


Último poste desta série: 


30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2143: PAIGC - Quem foi quem (2): Abílio Duarte (1931-1996)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2159: PAIGC - Quem foi quem (3): Nino Vieira (n. 1939)

18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC - Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)

12 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)





(**) Vd. postes de:

12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3728: PAIGC: O acampamento (barraca) Osvaldo Vieira (Pepito)

Guiné 63/74 - P6101: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (24): Diário da ida à Guiné - 04/03/2010 - Dia Um

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 30 de Março de 2010, que nos vai contar tudo sobre a sua recente viagem à Guiné-Bissau:

Caro Carlos:
Tardo em mandar o relato do Dia Um do Diário da Ida à Guiné, pois ando deveras atrapalhado, com a passagem das gravações da câmara de filmar para o PC, a qual comprei dois dias antes de ir e ainda não estou senhor de todo o seu software.
Para já, vou ilustrando as estórias com fotos só da máquina fotográfica.

O primeiro episódio de “NA KONTRA KA KONTRA” está quase a rebentar. (A primeira cena é mesmo uma explosão).

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BÁFATA - 24

Diário da ida à Guiné - Dia um (04-03-2010)


Cerca das duas menos um quarto da manhã: - “Senhores passageiros mantenham os cintos apertados até o avião se encontrar imobilizado e os motores estarem parados”.

Começa a saída do avião. Estava ansioso por passar a porta da cabine e sentir o cheiro que quarenta e dois anos antes me impressionara, quando do atracar do “Ana Mafalda” na Ponte Cais da Amura.

Para ser sincero, não senti esse odor inebriante a África. Mentalmente procurei explicações e a mais provável poderia ser a de agora se estar em avançada época seca e em Julho de 68 se estar em plena época das chuvas.

Desci as escadas do avião e às duas da manhã o calor parecia o mesmo de há quarenta anos, incomodativo. Já na plataforma reparei que o asfalto, pelas dimensões das fissuras, qual lamaçal seco, poderia ser o mesmo. O autocarro que nos levou à gare, distante 50 metros, também poderia ser o mesmo. Depois notei que os carrinhos de transporte das bagagens pareciam os mesmos, mas não eram, ou seriam, apesar de agora se estar na gare do Aeroporto Osvaldo Vieira e não na antiga gare de há quarenta anos.

Já dentro do edifício tive que ir para a fila dos estrangeiros mostrar o passaporte. De novo o choque, agora já menor. Coisa estranha, os africanos foram todos também para a mesma fila, dos estrangeiros… Deviam ter todos passaporte português.

Quando já estava a pisar o risco amarelo que precedia a mostra do passaporte, já estava completamente distraído a rever todo aquele ambiente, já sentido por mais de dez vezes há quarenta anos. O funcionário deve ter chamado por mim. Estava completamente absorto. Foi preciso todas as outras pessoas chamarem-me à atenção, com sorrisos à mistura. A minha euforia ia ter uma pausa.

Na sala a seguir “pesquei” o saco que veio no porão. Estava um pouco preocupado pois trazia lá algo passível de confisco. Um funcionário remexeu tudo mas não deu com nada. Como havia um saco plástico fechado pediram para eu o abrir. Era um bolo-rei que levava para os amigos. Perguntaram o que era aquilo. Quando lhes estava a explicar, o melhor que podia o que era um bolo-rei, o funcionário avançou com o dedo indicador para o espetar no bolo, mas fosse pelo meu olhar cáustico, fosse por ele próprio ter medo de meter o dedo em algo que podia ser perigoso, ordenou-me que fosse eu a meter o dedo. Enterrei o dedo no bolo e como não explodiu e o dedo não veio cheio de pó branco, aproveitei e parti o bolo ao meio mostrando que era apenas bolo. Perante esta atitude libertaram-me de mais formalidades.

As minhas dúvidas quanto ao ir do Aeroporto para qualquer hotel desvaneceram-se. O Chico Allen, o Pimentel, o Mesquita, o Pires e o filho estavam à minha espera. Estes dois últimos, sabendo do estado da minha coluna, carregaram as minhas bagagens (ficando muito grato por isso), sobretudo o saco mais pesado onde levava as prendas para os companheiros e para distribuir pelos africanos.

O Chico depressa fez o percurso de uns 30 quilómetroa para Norte, em direcção ao empreendimento meio abandonado, que ele próprio está a “gerir”: o Anura Club, a 6 quilómetros de Bula na estrada para o Ingoré e perto da tabanca balanta de Bofo. Pelo caminho, a polícia, numa das muitas caricatas barreiras que noutro dia descreverei, quis ver as minhas bagagens. Na expectativa da cena do bolo-rei se repetir, o Chico, já com alguma experiência dessas situações, levou-os na conversa e lá seguimos mas ainda tivemos de parar em mais quatro ou cinco barreiras policiais, ou do exército.

Deitámo-nos às quatro da manhã e acabei por dormir só duas horas. A excitação era muita.

Levantei-me cedo e, como algumas mulheres e bajudas que moravam nuns armazéns do empreendimento, estavam junto do poço a tirar água, aproveitei para tirar as primeiras fotos e fazer as primeiras cenas em filme.

Junto ao poço, um grupo de bajudas e o Nelson, em baixo à direita.

A bajuda Elisa, de 14 anos.

A bajuda manjaca Missinda, de 14 anos.

Tomado o pequeno almoço, confeccionado por nós, aliás como todas as refeições que fazíamos no Anura Club, fomos a Bissau pois era urgente trocar dinheiro e comprar um cartão de telemóvel para uma rede local. Aconselharam-me a MTN. A compra de francos cfa foi feita numa loja de materiais de construção onde o cambista (dono da loja), sentado atrás duma secretária que se confundia com a anarquia dos materiais expostos e lixo à mistura, não era mais do que um irmão do Major Valentão! Noutra loja ali perto comprou-se o cartão para o telemóvel, embora rodeando as pessoas andassem sempre muitos miúdos a tentar vendê-los.

A manhã estava no fim e decidimos almoçar em Bissau. O Chico escolheu o restaurante “A Senegalesa” e encomendou-se um chabéu de peixe. Aí, vi a bajuda mais espectacularmente bela, em termos estéticos, de todas as que vim a ver. Parecia vestida para uma passagem de modelos africana. Tinha um vestido até aos pés de cores muito sóbrias, um lenço branco à “Benasir Butto” e, a envolver-lhe os ombros, um lenço grande amarelo, todo bordado, estabelecendo uma ligação estética perfeita entre o lenço da cabeça e o vestido. A rematar tudo isso ela estava a pilar quiabo de um verde tal que estabelecia um contraste ideal com as suas vestes. Perguntei-lhe se a podia fotografar (como faço sempre) mas disse que não pois era muçulmana. Teria cometido uma heresia se não estivéssemos com pressa. Utilizaria o zoom do outro lado da rua.

Fomos fazer horas e passámos pelo ponto de encontro dos europeus, principalmente cooperantes: O restaurante “O Porto”. Como aí o prato do dia era feijoada à transmontana, rapidamente se mudou de ideias e lá foi o Chico desmarcar o chabéu. Foi das melhores feijoadas que comi (estaria já a ser apanhado pelo clima?). Sopa, prato, cerveja e café, sete mil francos cfa.

O Pimentel e outros elementos do grupo na esplanada do “O Porto”.

O Pavimento da rua em frente ao restaurante “O Porto”.
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2010). Direitos reservados.


A tarde foi passada na agradável esplanada do “O Porto”, pertinho do antigo Grande Hotel, agora totalmente degradado e a cair aos bocados. Conversou-se com imensa gente que ia aparecendo, elementos do grupo que foi por terra, cooperantes portugueses e doutros países, (até o nosso Presidente da Associação de Municípios lá apareceu) e residentes. De um destes, e por intermédio do Pimentel, tive uma proposta de trabalho, que se se vier a concretizar, levar-me-á à Guiné com frequência. Mas o segredo é a alma do negócio…

Regressámos ao Anura, comemos uma sopa que o Chico já tinha feita, ligámos o gerador, vimos o Noticiário da RTP-1 na TV África e, como fazíamos todas as noites, dissemos aos guardas (que não recebendo nada há cinco ou seis anos se mantêm fiéis no seu posto…) para desligarem o gerador passada meia hora de termos ido para vale de lençol (e não de lençóis, pois lá sempre fez muito calor).

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6048: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (23): Diário da ida à Guiné - 03/03/2010 - dia zero

Guiné 63/74 - P6100: Tabanca Grande (211): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74 (Agostinho Gaspar)

1. Mensagem de Agostinho Gaspar* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), com data de 30 de Março de 2010:

Amigos da tabanca grande
A minha apresentação já foi feita pelo comandante da tabanca o mês passado (P5898), tenho seguido o blogue há alguns anos e chegou a vez de dizer quem sou.

Sou o Agostinho Gaspar, moro na Boa Vista, Leiria e fui 1.º Cabo Auto Rodas da 3.ª CCAÇ/BÇAÇ 4612/72, que esteve em Mansoa.

Não venho falar de guerra, mas sim do tempo de tropa do meu serviço militar.
No meu pensar, classifico os que fizeram a tropa em três classes: felizardos, felizes e infelizes, no meu caso, devo estar no grupo dos felizes.

Em 1970 fui à inspecção militar, nos editais da freguesia contavam (19) dezanove nomes, mas no dia (das sortes) compareceram somente onze (11), os outros já tinham passado a fronteira, uns com família, outros sem família, e a viver nos arredores de Paris.

Fiz a recruta em Janeiro de 1972, na CICA 4, em Coimbra, passei para EPSM, Sacavém, onde tirei a Especialidade de Mecânico, estagiei no RI 7 de Leiria.

No tempo de estágio, assentou praça o jogador do F. C. do Porto, os benfiquistas devem ainda lembrar-se dele… os (4-0), o Lemos.

Estando eu em Julho de 73 em Gadamael Porto e CACINE, chegou uma Companhia nova para aquela zona, onde vinha o Lemos, segundo se falava na altura ele ia para S. TOMÉ, mais uma que foi repescada.

Neste último almoço da tabanca do centro, eu e o Manuel Reis estivemos a comentar este episódio: um jogo de futebol, jogaram oficiais, sargentos e praças, as equipas eram feitas pelo Exército, Pára-quedistas e Marinha, todos equipados a rigor, o resultado não me lembro, tenho uma vaga ideia que a equipa, da qual fazia parte o Lemos, esteve a perder algum tempo.
CACINE era mais calmo do que os arredores, para quem se lembra era local da tropa recuperar forças.

Mudando de assunto, para a próxima falarei da Guiné. Terminado o estágio, novamente na EPSM durante a semana iam chegando os estagiários do meu turno de vários quartéis, no final mês de Agosto, fim-de-semana sai na ordem de serviço as mobilizações… dos cento e poucos do meu curso, metade estava na lista para a Guiné, e eu fui deles! Calhou-me na rifa o BCaç 4612/72 que estava a formar no RI 16 em Évora, outros foram para várias unidades que embarcaram na mesma altura. A 5 de Outubro de 1972 rumei nos aviões da TAM com destino a Bissau.

Para a próxima continuarei novos episódios

Um abraço a todos os amigos e leitores da tabanca
Agostinho Gaspar


2. Comentário de CV

Caro Agostinho Gaspar
Já tens, então, um endereço próprio de e-mail para seres contactado.
Começa agora a elaborar as tuas histórias e se tiveres mais fotos vai mandando também. Não te esqueças das legendas.

Não chegaste a enviar um foto tua actual para guardarmos nos nossos ficheiros. Quando puderes, envia-a.

De novo te damos as boas-vindas, aproveitando também para te desejar boa Páscoa.

Recebe um abraço da tertúlia.

Carlos Vinhal
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5898: Tabanca Grande (206): Agostinho Gaspar, de Alqueidão, Boavista, Leiria, ex-1-º Cabo Mec Auto, 3ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74)

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6098: Tabanca Grande (210): Fernando da Costa Gomes de Araújo, (ex- Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74)

Guiné 63/74 - P6099: A Guiné aos olhos das actuais gerações (2): Sinto que estou a aprender e a crescer na Guiné-Bissau (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

1. Mensagem de Hélder Sousa* (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 29 de Março de 2010:

Caros amigos Editor e Co-Editores e restantes camaradas
Aqui vos envio o 2.º texto com as crónicas da Marta Ceitil, enviadas aquando da sua aventura como formadora em terras da Guiné e para colocarem na série respectiva.

Neste episódio a Marta já começou a dar a primeira série de formações, em Bissau, sendo que a sua aprendizagem vai ser dura mas profunda e duradoura.

Escrevi aprendizagem porque foi exactamente isso que se passou: a Marta foi ensinar e acabou aprendendo também!

Aprendeu a dar novos valores às coisas da vida, aprendeu a dar e a receber, aprendeu a gostar da Guiné.

Um abraço
Hélder Sousa


A GUINÉ AOS OLHOS DAS ACTUAIS GERAÇÕES (II)

HÉLDER SOUSA / MARTA CEITIL




Depois do seu mail de 29 de Julho, em que dava conta das impressões iniciais e onde tudo era novidade, a Marta enviou novo mail em 9 de Agosto, já então com algum tempo de estadia e também de trabalho.

O mail foi o que se segue:

Saudades di mi terra :)
9 Aug 2009 18:49:02 +0000

Olá Família
E Kuma? Kurpo sta diritu? ;)

Pois é, já lá vão duas semanas e parece que já cá estou há um mês. Aqui é tudo tão diferente, a noção de tempo a passar também é diferente.

Já demos a nossa primeira formação, começou na terça-feira e acabou no sábado. Foi incrível. Não estava nada à espera de ter tanto jeito para isto! Nem estava à espera de gostar tanto de dar formação. Substimei o nível de conhecimento dos meus formandos, e levei um ‘estaladão’ na cara invisível: superaram todas e quaisquer expectativas que eu tinha. Foi uma experiência incrível e sinto que estou a aprender e a crescer a cada dia que passa. Sinto também que estou a mudar algumas coisas, ainda é cedo para dizer isto, mas agora, no presente, sinto que cada vez mais dou importância ao que realmente é importante e relativizo aquilo que não vale a pena, nomeadamente coisas minha e fúteis, que como um bom leão que sou, tenho e faz parte do meu ser, ser vaidosa e gastar (se me pudesse dar a esse luxo…) rios de dinheiro em cremes, em roupa, em botas Timberland. Não estou a dizer que quando voltar, vou ser toda ‘Shanti Shanti’ e ser contra o consumismo, mas aqui e agora isso não vale nada. Esta confrontação das duas realidades é brutal e está a fazer-me muito bem. O desafio é saber gerir bem esta confrontação e saber questionar sem me deixar levar pelo extremismo. Mas acho que estou a conseguir.

A semana que passou também foi um bocado tensa, afinal o sítio onde nós estamos não é assim tão protector dos animais como nós achávamos. No outro dia chegámos a casa, e os donos do aparthotel estavam cá fora no jardim a jantar e perguntaram se éramos servidas. Agradecemos e dissemos de imediato que não, o cheiro estranho a carne era insuportável! De seguida vou à cozinha (que é partilhada) para preparar o nosso jantar, quando... na bancada da cozinha está a cabeça da Nucha, a nossa bambi!!! Não aguentei e desatei a chorar!! Que horror! Percebi logo o que é que os outros estavam a jantar!!

Eu sei, estou na Guiné e é normal estas coisas... mas bolas, criámos uma relação com os animais e aos poucos estão todos a ser comidos! O Galo, já era, também já foi morto, (nem sabia que se comiam Galos, pensava que eram só galinhas), qualquer dia é o Manel e a Maria os nossos chimpanzés!!!

Enfim, estas e outras coisas fazem-me crescer e o ter de lidar com elas também!
O que vale é que amanhã vamos já para Mansoa, já estamos um bocado fartas de Bissau. Também é por isso que estou a escrever, vou ficar até ao dia 26 de Agosto em Mansoa, e aí não há mesmo internet, só o telemóvel. Estamos ansiosas para ir, vamos para a Escola Nacional de Voluntariado, funciona como um Campo de Férias com vários jovens que se inscrevem para ter formação em: Associativismo Juvenil, Saúde Sexual Reprodutiva, Planeamento Estratégico, e Metodologia de Projecto. Eu vou ser coordenadora e responsável pela Formação de Saúde Sexual Reprodutiva, e acho que vai correr novamente bem. Já temos os nossos amigos que são impecáveis, ontem à noite começou a doer o ouvido à Telma, eu com uma lanterna espreitei o ouvido... tinha um bichinho lá dentro. Tínhamos de ir a uma farmácia, ligámos ao nosso amigo Cemjoão (não é o 99 é o cem) que tem uma mota, para nos ajudar a encontrar uma farmácia. Impecável, tratou de tudo e conseguiu as tais gotas para o ouvido que mata o bicho!

Hoje ligámos à nossa médica que nos confirmou que fizemos bem. Só aventuras!!! Cada vez que andamos de Táxi é um filme, mas o lado bom é como os taxistas são todos senegaleses, farto-me de falar francês e afinal não estou assim tão mal quanto achava estar.

Estamos a ser muito bem tratadas e bem recebidas por todos. Andamos na rua e parece que estamos na aldeia, toda a gente nos conhece :)

Bem, este mail está a ficar muito grande, só para vos mandar um grande beijinho e dizer que tenho muitas saudades vossas :)

Espero que esteja tudo bem convosco. Na terça-feira ligo à Joana para dar os parabéns ao Francisco!

Beijinhos grandes
Marta Ceitil



O que se pode dizer quanto a isto?

A aprendizagem desta jovem faz-se a um ritmo acelerado. O contraste entre a sua realidade até então vivida e a dura realidade guineense contribui fortemente para um crescimento mental, um crescimento interior, que a vão levar a novos e mais elevados patamares do relacionamento humano.

É verdade que a atitude ajuda muito. Se se parte com o espírito de grupo, de partilha, o ensino e a aprendizagem entrelaçam-se e atingem-se resultados positivos.
De qualquer modo essa aprendizagem tem, como sempre, aspectos duros.

Veja-se a descoberta de que a Casa/Pensão não era propriamente um zoológico ou um habitat/refúgio de animais indefesos…

Veja-se como se aprende que não se pode ir para estes locais com preconceitos, pois rapidamente se pode levar um ‘estaladão’…

Mas também se veja como a Guiné permite, se assim se quiser e estiver disposto a isso, que rapidamente as pessoas procurem superar os seus limites e se questionem sobre os valores da Vida.

Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6054: Controvérsias (68): Preciso de entender coisas que não alcanço (Hélder Sousa)

Vd. primeiro poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5961: A Guiné aos olhos das actuais gerações (1): Marta Ceitil, cooperante na área da Formação (Hélder Sousa / Marta Ceitil)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6098: Tabanca Grande (210): Fernando da Costa Gomes de Araújo, (ex- Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74)


1. O nosso Camarada Fernando Araújo* (ex-Fur Mil da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512, Jumbembem, 1973/74), enviou-nos a sua primeira mensagem, solicitando a adesão à Tabanca Grande, com data de 2 de Abril de 2010:




Camaradas passo a apresentar-me a esta grande tertúlia cibernáutica,

Nome: Fernando da Costa Gomes de Araújo
Nº. Mec.º:
19740272
Especialidade: Operações Especiais/RANGER (4º Curso de 1972)
Posto: Furriel Miliciano
Local na Guiné:
Jumbembem
Período:
1973/1974
Unidade: 2º pelotão - 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512


Andei envolvido com o meu pelotão numa coluna a Guidage, cuja acção decorreu imediatamente antes da execução no terreno da famosa e mortífera operação Ametista Real e numa terrível emboscada em Lamel (região situada entre Jumbembem e Farim), acções estas de que vos darei a minha visão pessoal dos factos, em futuras mensagens.

A presente mensagem e a próxima serão dedicadas ao aquartelamento de Jumbembem e alguns aspectos de que disponho fotografias.

Foto 1 > Jumbembem > 1974 >2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 > Em primeiro plano: o refeitório, caserna do 4º pelotão e espaldão do Obus 10,5 cm. Ao fundo: a escola e a Tabanca da milícia

Foto 2 > Jumbembem > 1974 > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512

Foto 3 > Jumbembem > 1974 > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 > Caserna do meu 2º pelotão

Foto 4 > Jumbembem > 1973 > Parada do quartel

Foto 5 > Jumbembem > 1974 > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 > Tarefa diária do Sargento de Dia à Companhia era a cerimónia do arriar da bandeira. Neste dia tocou-me a mim

Foto 6 > Jumbembem > 1973 > A chegada de um helicóptero com o correio

Foto 7 > Jumbembem-1973 > Instantâneo da chegada do helicóptero com a correspondência. Esta foto foi obtida da porta do meu quarto

Foto 8 > Jumbembem > 1973 > Picada de Canjambari

Foto 9 > Jumbembem > 1974 > O pessoal do 2º pelotão

Foto 10 > Jumbembem > 1974 > A caserna do 2º pelotão

Foto 11 > Jumbembem > 1974 > Os dois Comandantes da Companhia: Cap Mil Aires da Silva Gouveia e o Cap Mil OpEsp RANGER Avelar de Sousa (já quase sem cabelo)

Foto 12 > Jumbembem > 1974 > Messe. Sentados, da esquerda para a direita: Eu, Gomes, Alf Mil Moura, Cap Mil Aires Silva Gouveia, Cap Mil OpEsp/RANGER Avelar de Sousa

Foto 13 > Jumbembem > 1973 > Natal na messe

Foto 14 > Jumbembem > 1973 > Eu a tocar viola e, ao meu lado direito, está o nosso Comandante

Foto 15 > Jumbembem > 1974 > 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512 > Aqui estou eu a “votar” discurso na messe

Foto 16 > Jumbembbem > 1974 > Escrevendo à minha futura mulher, Rosa Maria ou Romy (como eu lhe chamo), no meu quarto
Um abraço,
Fernando Araújo
Fur Mil OpEsp/RANGER da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512

2. Comentário de MR:

A partir de agora o nosso Camarada Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), já tem no blogue mais um elemento do seu batalhão.


Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
Fotos: © Fernando Araújo (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 DE ABRIL DE 2010 >
Guiné 63/74 - P6093: Tabanca Grande (209): Regressei a Portugal depois de 36 de ausência, mas encontrei a mesma burocracia (João Bonifácio)

Guiné 63/74 – P6097: Agenda Cultural (69): Homenagem da Câmara Municipal de Lisboa ao Marechal António Spínola (Mário G. R. Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,

Creio ser do interesse de todos os ex-Combatentes, que sob das suas ordens combateram na Guiné, quando desempenhou a função de Governador e Comandante-chefe do CTIG:

HOMENAGEM DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA AO MARECHAL ANTÓNIO SPÍNOLA

Realiza-se no próximo dia 11 de Abril de 2010, por altura do centenário do nascimento do Marechal Spínola, uma justa homenagem ao homem que na Guiné se tornou lendário nas qualidades de Comandante-chefe do Exército Português e Governador do Território.

O "Caco" como era respeitosamente conhecido, era estimado na generalidade e odiado por alguns devido a diversos motivos, vai finalmente ter o seu nome inscrito numa artéria da cidade de Lisboa (prolongamento da Av. Estados Unidos da América com a rotunda Infante D. Henrique).

As cerimónias vão contar com a presença de altas individualidades do nosso país, destacando-se o Sr. Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, Fernando Spínola (sobrinho do falecido marechal) e o Embaixador, Dr. João Diogo Nunes Barata, que foi Secretário e Conselheiro de António de Spínola, quando Governador da Guiné e Chefe da sua casa civil, quando Presidente da República, logo a seguir ao 25 de Abril.

Recorda-se que o Marechal António Spínola, nasceu em Estremoz em 11 de Abril de 1910 e faleceu em 13 de Agosto de 1996.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

13 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5989: Agenda Cultural (66): Homenagem aos ex-combatentes da Guerra Colonial do Concelho de Moura, dia 10 de Abril (Francisco Godinho)

Guiné 63/74 - P6096: Meu pai, meu velho, meu camarada (20): Nunca te esqueças de escrever à tua mãe (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 29 de Março de 2010:

Caros Luis, Vinhal, Magalhães e restantes tabanqueiros
É uma pequena homenagem que faço ao meu pai.

Um abraço
Juvenal Amado



MEU PAI MEU AMIGO

“Nunca te esqueças de escrever à tua mãe”.



O meu pai à esquerda

Estas foram as suas últimas palavras quando me abraçou, naquela madrugada fria de Dezembro, à porta de armas do RI 2 em Abrantes.

Assim foi, nunca passei uma semana em que não escrevesse para a minha mãe, no fim mandava beijos e abraços para o meu pai e irmãos. Ele estava lá sempre em segundo plano, mas garantindo que tudo se passava como o previsto.

Era um homem afável com um elevado sentido de humor.

Foi Soldado de Artilharia Antiaérea e Defesa de Costa na Trafaria onde prestou serviço à volta de 1946.

Sobre a sua passagem pela vida militar, conheci as estórias dos desenfianços e do pouco apego à instituição militar bem como à disciplina que ela impunha.

Desenhador de profissão, ilustrava estórias de cowboys e índios para nos divertir. Chegou a fazer banda desenhada e inúmeros cartazes para os bombeiros e outras associações que deles necessitavam para campanhas de recolha de fundos.

Também fez parte de grupos musicais que abrilhantavam os bailes das associações. Tocava bateria e compunha assim o orçamento familiar com mais uns “cobres”.

Vagamente lembro-me com quatro ou cinco anos dormir com o seu casaco por cima, atrás do palco quando já não aguentava mais o sono.

Mais tarde ensinou-me os princípios básicos da sua profissão, os seus ideais sobre um país novo e livre, fui aprendendo observando-o ao longo dos anos que privei com ele em casa e no emprego.

A nossa relação foi distante enquanto eu fui garoto, o que era natural, pois a figura do pai era sempre austera e menos acessível que a mãe, mas foi fortíssima na minha idade adulta especialmente após o meu regresso da Guiné.

Identificávamo-nos no essencial no plano social e político, gostávamos em grande parte dos mesmos petiscos, filmes e escritores, deferíamos no gosto musical como era natural, mas acima de tudo o que gostávamos mais, era de estarmos juntos.

Qualquer mesa, qualquer café ou um pouco de pão e queijo era o suficiente para saborearmos um copo e o prazer de estarmos juntos. A minha mãe muitas vezes dizia: "tal pai tal filho".

Não me lembro de ele ter pedido algo que fosse só para si.

No dia do Pai percorri a memória e a saudade que tenho dele.
Nunca lhe disse o quanto o amava, talvez convencido que isso estava à vista desarmada.
Sinto que não gozei o suficiente a sua companhia

A sua morte no dia 13 de Janeiro de 1995 foi o acontecimento mais triste da minha vida e hoje lembrei-me de que nunca lhe escrevi uma carta.

Juvenal Amado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6006: O 6º aniversário do nosso Blogue (9): O Blogue, o futuro, os nossos encontros, os dias em que não me sinto fora de prazo... (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5154: Meu pai, meu velho, meu camarada (19): Cabo Verde, 1942: Plano de defesa do arquipélago, de Santos Costa (José Martins)

Guiné 63/74 - P6095: Os nossos regressos (22): Os cruzeiros da minha vida (Armandino Alves)

1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos uma mensagem, em 1 de Abril, que a seguir publicamos:


Os cruzeiros da minha vida

Camaradas,

Tenho lido muitas descrições sobre o transporte marítimo do pessoal mobilizado para a Guiné.
Eu não sei como o mesmo se processava no Uíge e no Niassa, certo é que, em tempos de paz, esses navios estavam destinados exclusivamente à movimentação de cargas e passageiros.
Não estavam, com certeza, dimensionados para acolher, como muitas vezes o fizeram, um batalhão e outras unidades.
Segundo me apercebi, em algumas viagens chegaram a transportar um batalhão e mais uma ou duas companhias.
Mas eram considerados barcos estáveis em alto mar.
Alguns dos navios empenhados nestas tarefas, de leva e trás, eram adaptados, mal e toscamente, de transporte de cargas para passageiros, transformando os porões de armazenamento de cargas em longas e atrofiadas camaratas.
Agora, aqueles que não viveram esse pesadelo, imaginem o que são cento e tal homens, enfiados num barco que normalmente transportava meia dúzia de passageiros.
A sua vocação era inequívoca, o transporte de cargas.
Então os poucos camarotes eram destinados aos oficiais e sargentos e o restante pessoal ia no porão, apinhado em colchões de palha, alinhados pelo pavimento sem qualquer tipo de cobertura, ou outra protecção. Privacidade zero!
Para os cabos e praças as instalações sanitárias eram construídas em madeira, sobre uma das amuradas do barco e consistiam, basicamente, num caixote em madeira dividido em três, com uma tábua transversal e um buraco no meio onde o pessoal se sentava.
Os resultados das evacuações caiam directos no mar (sem como é óbvio passar por nenhum tratamento residual).
Quanto a banhos estamos falados, até para lavar a cara era preciso levantar cedo para ter direito a água potável.
A alimentação não era da pior, só que a cozinha não estava dimensionada para servir tanta gente.
Eu, à boa moda da tropa de então ”desenrasquei-me”, pois comecei a entabular conversa com o pessoal da cozinha e a ajudá-los no transporte dos congelados da câmara frigorífica, cuja entrada obrigava a vestir um casaco de peles até aos pés, com carapuço e luvas do mesmo, pois o frio era “mais que muito”.
Assim, viajei todo o percurso dentro da casa das máquinas, pois era um dos poucos sítios onde se sentia menos o balanço do barco e, por isso, menos enjoativo.
Havia na parede um dispositivo com uma escala e um ponteiro no meio, que se deslocava ora para a esquerda ora para a direita, indicando o grau de inclinação do barco.
Acompanhei os mecânicos, de uma ponta à outra do barco, ou seja da casa das máquinas até à hélice a inspeccionar o veio principal de transmissão.
No regresso à Metrópole não tive tanta sorte, mas como o tempo era de Verão passei-o bem e, como vinha de retorno a casa nem liguei a isso. Quanto mais depressa chegasse melhor.
A viagem para a Guiné, foi a bordo do navio Manuel Alfredo e o regresso foi no Ana Mafalda (dois transatlânticos do meu tempo).


Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589 (1966/68)
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

1 de Abril de 2010 >
Guiné 63/74 - P6089: Os nossos regressos (21): No dia 1 de Abril de 1970, a CCAÇ 2381 finalmente despede-se em Parada Militar (Arménio Estorninho)

Guiné 63/74 - P6094: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (15): As famosas costeletas do Asdrúbal, e não só (Rogério Cardoso)

1. Nota solta do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 29 de Março de 2010.


NOTAS SOLTAS DA CART 643 (15)

As costeletas do Asdrúbal


No pouco tempo que a Cart 643 esteve em Bissau, deu para que todos os locais onde houvesse petisco, fossem visitados. Eram consumidos uns caranguejos do rio, camarão, ostras, etc.

Todos se lembram de um restaurante perto do Forte da Amura, que era conhecido pelo Asdrúbal, ou também pela alcunha do Porco Sujo.
A freguesia abundava, mesmo sabendo que a limpeza não era predicado que se aplicasse, mesmo assim era capaz de ser melhor do que se passava nos aquartelamentos e messes.

Então o que fazia aquela malta acorrer com tal abundância?

Eram dois os motivos, o primeiro é que as refeições eram servidas por uma filha do Asdrúbal, rapariga nova, forte, buçal, com um abundante manto cabeludo distribuido pelo corpo visual. Aplicando-se o velho ditado que "na terra de cego quem tem olho é rei", era o melhor que se conseguia ver por aquelas bandas.
O segundo motivo eram as gostosas costeletas, que deliciavam a freguesia, incluindo eu e alguns camaradas, só que mais tarde, mas dentro do espaço da nossa permanência em Bissau, foi descoberto que elas provinham do desgraçado do chamado Macaco Cão, descoberta feita por acaso, quando um nativo dos arredores, vindo com um às costas e interrogado, afirmou que era costume fornecer o Asdrúbal com tal produto.

Mais tarde, ouvimos dizer que houve grande cena de pancadaria, com destruição de parte do Restaurante, não sei se por causa do macaco se pela cabeluda filha, que era um deslumbre para o Zé Tropa.

R.C.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6072: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (14): Recordando o Fur Mil Américo Leong Monteiro, Maitá

Guiné 63/74 - P6093: Tabanca Grande (209): Regressei a Portugal depois de 36 de ausência, mas encontrei a mesma burocracia (João Bonifácio)

1. Mensagem do nosso camarada João Bonifácio* (ex-Fur Mil SAM, CCAÇ 2402, , Mansabá e Olossato, 1968/70), com data de 27 de Março de 2010:

Olá Caros Amigos e Camaradas;

Os melhores cumprimentos ao Carlos, Graça e restantes responsáveis por este local de encontro.

Como em tempos informei, eu tomei uma decisão radical e que foi mudar de temperaturas. Assim, e depois de 36 anos num país frio e com uns verões muito curtos, resolvi regressar a Portugal. Não, eu não retornei... eu regressei apenas ao meu country de origem.

Tem sido muito complicado. Primeiro porque deixei neve e frio no dia 9 de Janeiro, e logo para me habituar melhor, Portugal premiou-me com chuva, vento e frio. Eu nada fiz para merecer este castigo, mas como não chegasse, e vindo do Canadá, pensei que duas semanas depois poderia fazer a escritura de um andar que o verão passado comprei na Quinta do Bom Retiro, Vale Figueira, na freguesia da Sobreda.

Eu tinha tantas informações, confirmações e contactos que até pensei: eh pá... Portugal está muito mudado, e daí asneira. Acreditei. Calculem que até vendi a minha casa no Canadá em 48 horas... e hoje dia 27 de Março ainda não estou no andar.

Papéis, inspecções, burocracia, fins de semana longos, férias para tudo e mais, Carnaval e com a Páscoa tão perto, já vi filmes mais bonitos.

Estou a tentar manter a calma, mas até me tem parecido o mesmo da nossa idade para a Guiné. Tudo feito à balda e em cima do joelho, e nós os "combatentes" nem água tínhamos naquele campo quente e de barracas que eu nem me lembro já onde era.

É evidente que a chegada chuvosa a Portugal foi melhor. Tive direito a uma recepção, mas sem a red carpet, mas uma viagem sem "minas" pela segunda circular, eixo norte-sul e depois sobre a sempre espectacular ponte sobre o Tejo, que nem digo o nome, em caso que algum ministro sem pasta... ou quase, se lembre de acordar um dia e deixar de ser 25 de Abril.

Finalmente, parece que a primavera está já à porta em termos reais, pois das datas estou eu cansado. Nós fazemos barulho porque temos 15 graus e no meu segundo país, refilam porque está vento e baixa a temperatura para menos 14 como foi nos últimos dois dias.

Ainda não estou preparado para o combate, mas estou a tentar por-me em forma.

Para já este mail a dizer que cá estou, e a partir de agora, tentar rapidamente adaptar-me a tudo, incluindo aos serviços de saúde.

Por intermédio do Carlos, renovo os meus cumprimentos a todos e obrigado pela atenção dispensada.

João Gomes Bonifácio
CCAÇ 2402
Guiné/1968-70


2. Comentário de CV:

Caro Bonifácio
Pois é... mudar mentalidades é muito complicado, e este país é um caso sério.

Serviço público que se preze atira para as mãos do utente uma molhada de papéis para preencher. Tratam-nos por senhor José, senhor Carlos, quando não, por você.

Não te esqueças da gorjeta que sempre lubrifica o sistema e retira umas pedras da engrenagem.

Bem-vindo ao nosso Portugal imutável e corrupto, e vê se não compras algum andar já vendido a outrem ou ainda hipotecado pelo construtor.

O perigo espreita onde menos esperares.

Em nome da tertúlia desejo-te as maiores felicidades neste teu velho país.

Se puderes envia as tuas fotos da praxe, uma antiga e outra actual para os nossos registos.

Recebe um abraço dos editores e da restante tertúlia.

Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5256: Tabanca Grande (186): João Bonifácio regressa em Janeiro de 2010 ao solo pátrio (Os Editores)

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5981: Tabanca Grande (208): Daniel Matos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74)

Guiné 63/74 - P6092: Notas de leitura (87): Antologia O Corpo da Pátria, de Pinharanda Gomes (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Março de 2010:

Queridos amigos,
Não conheço mais obras sobre literatura de nacionalistas que combateram na Guiné ou à Guiné aludam.
Peço a amabilidade a quem possua livros de exaltação nacionalista, proveniente de antigos combatentes na Guiné, que me facultem para se proceder a inventário.
Recordo que já aqui se fez referência a uma Antologia do Conto Ultramarino organizada por Amândio César.

Um abraço do
Mário


O corpo da Pátria:
Dar voz aos nacionalistas que combateram na Guiné


Beja Santos

Alguns dos poemas publicados por Rodrigo Emílio em “Vestiram-se os Poetas de Soldados” tinham aparecido na antologia “O Corpo da Pátria” (Editora Pax, Braga, 1971) organizada por Pinharanda Gomes, um intelectual e filósofo que nunca escondeu o seu ideal nacionalista. Aos poetas nacionalistas que não combateram ou combatiam em África chamou-lhes poetas da retaguarda (caso de Fernanda de Castro, Natércia Freire, Fernando Guedes e Pedro Homem de Mello); aos poetas combatentes chamou-lhes poetas da frente, incluindo, entre outros, Rodrigo Emílio, José Valle de Figueiredo, Jorge Silveira Machado, Almeida Matos, Armor Pires Mota e João de Mattos e Silva. Como se compreenderá, iremos referenciar os poetas que combateram na Guiné e que pelo seu canto se assumiam pela integridade territorial, usando as expressões possíveis que a lírica, o epigrama, a épica e a apologética consentem, revelando sentimentos exaltados, de apelo ao heroísmo, por vezes de consciência abismada e patética. Diz Pinharanda no prefácio: “O leitor encontrará um mundo vário de motivações: o amor, a morte, a saudade, a promessa, o ódio, o medo (o medo!), a indecisão, o regresso, a viagem sem retorno – o testemunho vivo, directo, de quem reagiu ao empurrão. Ainda que a validade intrínseca de alguns poemas possa ser posta em causa, todos os poemas antologiados são vivo testemunho de um lance histórico da vida portuguesa”.

Como se passa a exemplificar. De Jorge Silveira Machado, natural de São Jorge, Açores, oficial condecorado, o poema “Quem é o inimigo”:

Só conhecemos o inimigo
quando começa o tiroteio
a força a violência o ódio os berros
e a morte pelo meio

quem é o inimigo
quando há silêncio na floresta
no rio no tarrafo no capim
esperar é o que nos resta

só conhecemos o inimigo
quando o fogo cresce à nossa volta
e tudo acaba como principia
quando se volta
..............................................

só conhecemos o inimigo
quando começa o tiroteio
a dúvida o perigo
e a morte pelo meio



De Almeida Mattos o poema “Guiné/67”

Solenes, voltaremos.
E sobre o mar as cicatrizes ficam
livres da dor, do ódio desta guerra

Inútil e eterna essa lembrança
breve e inútil como nossas vidas.

Amanhecerá no teu corpo um pleno verão,
feito de frutos desta longa ausência
dos corpos que ficaram nas bolanhas
que em nossos próprios corpos viverão.



De Armor Pires Mota e do seu poema “Cântico”

Vou partir para a metralha, Senhor!
Carrego de morte os bolsos e os olhos
doidos de manhãs de claras, rasgadas no infinito.
Afivelo a alma bem dentro da alma
e, de medo, trauteio a marcha do rio Kwai.
Não sujo as mãos de qualquer remorso,
não seja cobarde: tenho o meu povo, a minha bandeira! –
e, se tombar no sangue, na lama,
seja para Ti, Senhor,
a força do meu cântico.



A minha maior surpresa foi encontrar nesta colectânea “Poema de uma Guerra Longe”, de Ruy Cinatti, datado de 1970. Conhecia-o, recebi-o na Guiné, era a resposta a uma descrição que eu fizera de um encontro com guerrilheiros. Carta e poema foram oferecidos à Sociedade de Geografia de Lisboa:

Sete horas húmidas, algures.
Progressão, fardas ensopadas.
Silêncio na terra de combate.
Silêncio nos corpos.
Estacas calcinadas.

O piar da aves, o olhar súplice.
Dois tiros quase num só eco.
O desabar das folhas, ramos rápidos.
Um grito que se apaga.

Missão cumprida, a meta adivinhada.
Febre sem alma ou acordo.
O peso súbito de um morto

Caindo nos ombros estreitos,
Doloridos,
da minha miséria.

__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6087: Notas de leitura (86): A Lebre, de Álvaro Guerra - a intervenção da tolerâcia numa escrita que escapou à censura (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6091: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (27): Teixeira Pinto - o dia-a-dia

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 26 de Março de 2010:

Amigo Vinhal
Mais uns apontamentos de “Viagem …” que se calhar te vai dar um pouquito de trabalho, ajudando-te na saúde, que espero esteja bem.

Um abraço extensivo a todos
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (27)

Teixeira Pinto – o dia a dia


A actividade operacional da “FORÇA” em Teixeira Pinto foi tão intensa ou mais do que em Bula, mas tivemos na verdade outras condições dadas pelo comando do CAOP 1

Ao que me disseram, parece que fomos destacados para lá por a nossa operacionalidade no sector de Bula ter sido considerada eficiente. É verdade que tínhamos sido a Companhia do Batalhão que mais combates travou nas matas de Bula e ao que sei, mais estragos causou ao IN, que nos teria “um certo respeito”.

Talvez por essas razões, ficamos à ordem não do BCAÇ 2905 mas do comando do CAOP 1, que nos utilizou em “rotação” com os Fuzos, Páras e Comandos lá estacionados, como se fôssemos também Tropa Especial. Só não fizemos saídas de heli!

Assim sendo, a breve trecho e após provas dadas(?!) recebemos certas contrapartidas de maneira a minimamente satisfazer o “para trabalho igual, salário igual “ do pós 25 Abril, digo eu (!!!), sendo que neste caso o salário era a alimentação e o armamento. O trabalho era o que todos sabemos!

Talvez para que mantivéssemos a dinâmica e a boa operacionalidade no ”trabalho”, passamos a ter rancho melhorado, suplemento e ração de combate especial, ao que recordo idêntica à dos Fuzileiros. Quanto ao armamento, para além da nossa dotação normal, acumulamos mais duas MG, um (dois ?) morteiro 60 e creio que mais um lança-granadas, ao que recordo por GCOMB. Estas armas eram-nos também dispensadas pelos Fuzileiros que, sem desprimor para as outras tropas Especiais, era um Pessoal diferente, impecável, de fácil convivência sempre prontos a nos apoiar e ajudar no que pudessem.

Claro que estas “benesses” nos ajudavam à auto-confiança e moralizavam o Pessoal nas constantes acções a desenvolver naquelas matas belicosas. Dava-me gozo e confiança olhar para a Rapaziada do bi-grupo (por norma reduzido) formada na parada antes das saídas e vê-los com aquela disciplina, aquele “porte” e aquele armamento!

Na verdade sinto orgulho e emoção por ter ajudado a comandar e ter feito parte integrante daquele grupo de Rapaziada que, como tantos e tantos milhares de outros, a troco de nada se sacrificaram e deram o seu melhor incluindo sangue e vida, na defesa da que sentiam sua Pátria e do seu símbolo maior a Bandeira, também naquelas latitudes flamejante e que nos tempos actuais são tão pouco ou nada reconhecidos, esquecidos e maltratados em nome(?) de uma vergonha (?!) absurda, que nos querem fazer sentir, mas que eu não sinto nem aceito! Como tantos milhares, cumpri o meu dever o melhor que soube e pude e volto a afirmar que me sinto orgulhoso por o ter conseguido, com a ajuda de Deus e dos meus Camaradas de armas.

Foto 1 > O meu 2.º GCOMB completo

Foto 2 > Elementos 4.º GCOMB

Recebidas todas estas “cerejas”, faltava o “bolo” propriamente dito que não tardou a ser servido ! Foi um grande e pesado bolo com doses de veneno que foi sendo cortado em fatias que pareciam não acabar, sobrando sempre mais uma !!!! Íamos comê-las lá para o Balanguerês e Burné, por norma a todas as trinta e seis horas durante cinco meses até primeiros de Dezembro, com interregno de Agosto em que fomos para o AGREBIS. O pior é que algumas dessas fatias nos “caíam” pior por ficarem estragadas, afectando-nos o corpo e a Alma!

Para de certo modo “desenjoar” deste bolo e para fugir um tanto ao ambiente e disciplina castrenses, alguma da Furrielada (creio que só?) alugamos uma vivenda situada numa perpendicular à Av. Principal e próxima do quartel, que usávamos parcialmente nas nossas trinta e seis horas de descanso.

Aberta a todos os que quisessem confraternizar de mente aberta e sem hierarquias, por lá passou quem quis e continuou a lá ir quem se sentia bem naquele ambiente de sinceridade e espontaneidade. Eram momentos de recuperação psicológica em que nos permitíamos quase tudo, inclusive… sonhar!

Era uma vivenda simpática, com o seu belo alpendre onde não faltavam a cadeira de baloiço que nos embalava numa leve modorra e os sempre presentes (julgo que em toda a Guiné) “bancos –caixote” a par de umas cadeiras. Já se dizia “o seguro morreu... de velho” e assim também não faltava nunca pelo menos uma ou mais G3 à mão, já que na segurança “mais valia prevenir que remediar” e elas podiam vir a fazer a diferença, mesmo considerando Teixeira Pinto um “oásis de paz”!

Por lá passávamos bons momentos em amenas cavaqueiras por norma “des-intelectuais” e pseudo-filosóficas que não nos levavam a lado algum a não ser a umas gargalhadas e a uns “arriões” vocabulares susceptíveis de fazer corar um “militar de carreira” e o meu amigo Portuense “Teixeira Malcriado”!!!…
As escritas mais ou menos comentadas, as “confidências – disseminadas” de amores e desamores temporários, os comentários e as criticas jocosas normalmente com base no feminino… iam-nos escorrendo as horas. O importante era não ter tempo para pensar muito nas incertezas do amanhã!

A entremear, também lá aconteciam as “cerimónias” de fazer inveja a qualquer batucada, em que o whisky, as Casal Garcia e as “bazucas” fresquinhas, acompanhadas ou não por petisco eram quem comandava, nos punham a desopilar com cantorias infernais ao desafio, sincopadas ou não por viola e “batuque” na meia cabaça ou na mesa e nos podiam levar a fazer as ditas e consideradas “figuras tristes”!!! Eram espectaculares estas cerimónias e aconteciam quase sempre que chegávamos da mata.

Foto 3 > "Cerimónia” – Urbano de pé eu à viola

Foto 4 > "Cerimónia" com a G3 à mão

Claro que muito do tempo também se passava no “lar doce lar” do quartel, por onde cirandavam a “Belinha” e a "Sheilinha”, duas canídeos rafeiras que me adoptaram e de quem gostava muito. Por onde andasse no quartel, elas seguiam-me e já crescidotas, quando saíamos nos “Unimog” elas seguiam-no até à saída da povoação, até que um dia um “inteligente” lhes mandou um tiro. Nunca mais as vi!

Foto 5 > A Bélinha e a Sheilinha

O nosso BAR (Furriéis) era o dos Comandos. Por lá se bebiam uns valentes copos e se passavam tempos agradáveis em conversas talvez meio “sérias da treta”, já não recordo e em que algumas vezes no final, o caminho mais curto entre dois pontos deixava de ser a linha recta para ser a sinusoidal!!!

Havia também por lá a “mota da Companhia”, isto é, a motorizada do Alferes Barros (guineense) em que dávamos umas voltitas e fazíamos umas “habilidadezitas”. Esta motorizada era o transporte que o Barros usava para se “desenfiar” com o pretexto de visitar a família (dizia), deixando-me e ao Castro “órfãos” do comando do 2.º GCOMB e até bi- grupo em algumas das saídas para o mato.

- Oh Alferes… outra vez? Foda–se… a família é grande com'ó caralho…!!! - Dizíamos-lhe (bocas no género) rindo!

- Sabes onde está o Barros? Sei lá…, deve-se ter “posto nas putas”… e a gente que se “foda”…!!! - Dizíamos bem dispostos.

Ele era (é) um “gajo porreiro”, valente e que confiava em nós. Por isso é que de quando em vez “abusava” sem dizer népia! Na verdade formávamos uma boa equipa.

Foto 6 > “Mota da Companhia”- a minha “habilidade” com o descanso no chão !!!

Foto 7 > “Clientes da mota da Companhia”, montada pelo dono. Da esquerda: Alf Mil Freitas Pereira; Fur Mil Fontinha; eu; Alf Mil Barros e Alf Mil Gaspar

O rio, onde se davam umas braçadas e uns mergulhos para refrescar e desanuviar, mesmo com o risco de “ganhar elefantíase”, pródiga naquelas paragens como tive ocasião de constatar, era também um local que de quando em vez visitava e apreciava, que me transmitia uma certa paz de espírito e me ajudava a “reformatar” para a próxima saída.

Enfim, todos os pretextos eram bons e úteis para gastar o tempo, evitando questionar-me sobre o futuro! Vivia o dia a dia e… era só!

Foto 8 > Bolanha - rio

Foto 9 > Banho retemperador com faca no cinto por causa dos “elefantes”!!!

Foto 10 > À procura do Mundo - bolanha ao fundo
Fotos: © Luís Faria (2010). Direitos reservados


Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5984: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (26): Teixeira Pinto, Julho de 1971, no pico da época das chuvas