domingo, 7 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4473: PAIGC - Quem foi quem (9): Luís Cabral, entrevistado por Nelson Herbert (c. 1999)



Ficheiro originalmente em áudio, gentilmente cedido pelo nosso amigo Nelson Herbert, contendo excertos de uma entrevista com Luís Cabral, 1º Presidente da nova República da Guiné-Bissau, de 1973 a 1978. A entrevista, telefónica, conduzida por Nelson Herbert, hoje editor sénior da Voz da América (serviço e português para África), remonta a 10 anos atrás.

Neste excerto, de cerca de 10 minutos, Luís Cabral aborda questões (ainda hoje dolorosas, para todos nós) como o fuzilamento de antigos comandos africanos: faz referência ao papel de dois dirigentes históricos, já desaparecidos, responsáveis máximos pela segurança do Estado, Constantino Teixeira e António Buscardini; faz referência explicitamente a dois antigos oficiais comandos, o Capitão Cmd graduado Adriano Sisseco ( e não Sissoco...) e o Tenente Cmd graduado Cicri Marques Vieira, da 2ª Companhia do Batalhão de Comandos Africanos.



Menciona também o apelo do antigo Presidente da República Portuguesa, General Ramalho Eanes (que, como se sabe, mantinha relações de amizade com o agora falecido Luís Cabral).

Foto, à esquerda, do Adriano Sisseco, de 1966, que era 1º cabo comando no tempo do nosso camarada, amigo e co-editor Vírgínio Briote, tendo feito operações em conjunto. O Sisseco, tal como o Justo, pertencia ao Grupo de Comandos Os Vampiros. Foi depois em 1970 para a 1ª Companhia de Comandos Africanos, onde era Alf Comd graduado. Foi seu instrutor o Cap Barbosa Henriques, supervisor o major Leal de Almeida, o capitão da companhia o João Bacar Jaló. (Foto: Cortesia do Virgínio Briote, blogue Tantas Vidas).


Vídeo (9' 54''): © Nelson Herbert / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados

1. Mensagem de Nelson Herbert, membro da nossa Tabanca Grande [Nascido em 1962, na Guiné-Bissau, de mãe guineense e pai caboverdiana, viveu a guerra colonial como criança e depois como adolescente, em Bissau; veio para Portugal, onde se licenciou em comunicação social (pela FCSH/UNL); emigrou para os Estados Unidos no início dos anos 90; hoje é editor sénior do serviço em português para a África, da Radio Voice of America / Voz da América, com sede em Washington; tem a nacionalidade norte-americana) (*)...

Meu caro Virgínio:

Quiçá melhor sorte tivera eu, nas várias "tentativas" de chegar à fala ao recém falecido primeiro presidente da Guine Bissau independente, Luís Cabral (**). Digo isto, porque entre as várias conversas, algumas "off", outras tantas "on record", que fui mantendo ao longo dos últimos anos com aquele nacionalista guineense,pelo menos uma teve por finalidade o seu registo em áudio.

Trata-se pois de uma entrevista de um pouco mais de duas horas e meia, gravada há cerca de dez anos e que pela sua importância documental e histórica, ainda conservo 'religiosamente' no meu acervo pessoal!

Na entrevista em questão, Luís Cabral aborda de forma desinibida alguns dos vários momentos, episódios e factos que marcaram a sua presidência da Guiné-Bissau e, obviamente, o caso dos fuzilamentos dos antigos elementos [do Batalhão] dos Comandos Africanos.

Deste acontecimento em particular, aquele dirigente histórico do PAIGC e do Estado guineense, faz referência a um aspecto que a história, por certo, encarregar-se-á um dia de clarificar. Refiro-me pois a uma alegada tentativa de instrumentalização de antigos elementos dos comandos africanos e militares nativos guineenses do Exército Português, para fins desestabilizadores do então embrionário Estado guineense (***).

Aconteceu, pois, no conflito que se seguiu à independência de Angola,com o Batalhão 32 ou Búfalo, criado pelos sul-africanos para conter uma então rotulada "ameaça comunista" na região. Experiência similar viveram os moçambicanos, nos primórdios da sua independência.

Por conseguinte, no caso da Guiné, terá esse risco existido ? Quem sabe, o livro em gestação, de Amadu Djaló (****), traga mais luz ao debate! Até lá, pela estima que me merece e com a certeza no interesse que a temática lhe desperta, segue em anexo um extracto (audio) da entrevista referente à matéria em epígrafe !

Mantenhas Nelson Herbert

2. Comentário do Virgínio Briote (que ainda não tinha ouvido o ficheiro áudio):

Caro Nelson,

O seu trabalho, apesar de eu não ter o registo áudio, que julguei vir em anexo, merece, por todas as razões, ser posto à disposição do grande público.

A morte de Luís Cabral é mais um livro que se consome na fogueira do tempo, são páginas e páginas de vidas escritas com o sofrimento de muita gente, é injusto ficarem em cinzas. Aliás, insinuei isto mesmo ao Presidente Luís Cabral, mas a resposta que lhe dei (nos "comandos, Senhor Presidente") quando me perguntou em que parte da Guiné tinha prestado serviço, a partir daí vi o interesse dele a esboroar-se...

Nelson, pense em editar um artigo sobre o Luís Cabral. É importante para a História da Guiné-Bissau. Hoje vi num semanário Sol, uma página dedicada ao Luís Cabral, escrita por um tal Pedro d'Anunciação, com o título "Luís Cabral, Perdido pela voracidade do poder".

Um abraço, Nelson.
vbriote
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2652: Guineenses da diáspora (3): Nelson Herbert, o nosso Correspondente nos EUA (Virgínio Briote)

(**) Vd. postes de:

1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4447: PAIGC - Quem foi quem (7): Luís Cabral (1931/2009) (Virgínio Briote)

1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4449: In Memoriam (23): Luís Cabral ou o respeito por um homem que lutou por um ideal (Virgínio Briote)

4 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4461: O segredo de... (5): Luís Cabral, os comandos africanos, o blogue Tantas Vidas... (Virgínio Briote)

(***) Sobre os comandos africanos e outros antigos combatentes guineenses que lutaram do lado dos portugueses, contra o PAIGC, e foram depois fuzilados no período em que Luís Cabral era o chefe de Estado da República da Guiné-Bissau,vd. os seguintes postes (incluindo os da I Série do nosso blogue):

13 de Maio de 2009 >Guiné 63/74 - P4332: Os Nossos Camaradas Guineenses (8): Braima Baldé, ex-Alf Cmd Graduado, BCA (1938-1975) (Amadu Djaló / Virgínio Briote)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2839: Ainda os Comandos fuzilados a seguir à independência (I): O Justo Nascimento e os outros (Carlos B. Silva / Virgínio Briote)

14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2760: Notas de leitura (8): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros... ou a guerra que não estava perdida (A.Graça de Abreu)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (7): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (6): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos

19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXVIII: Ainda sobre os fuzilados... ou comentário ao texto do Jorge Cabral (João Tunes)

16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIV: Fala-se em 11 mil fuzilados (Leopoldo Amado, historiador)

6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)

(****) Vd. postes de:

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

Sonre o Amadu Dajló e o livro que está a escrever, com a colaboração do Virgínio Briote, nosso co-editor, vd. os seguintes postes:

22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4067: Os nossos camaradas guineenses (3): Amadu Djaló, Fula de Bafatá, comando da 1ª CCA, preso, exilado... (Virgínio Briote)

25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4076: Os nossos camaradas guineenses (4): Amadu Djaló, com marcas no corpo e na alma (Virgínio Briote)

27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4086: Os nossos camaradas guineenses (5): O making of do livro do Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4102: Os nossos camaradas guineenses (6): Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)

21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4229: Os nossos camaradas guineenses (7): Amadu Djaló, as memórias do Comando Africano continuam (Virgínio Briote)

8 comentários:

Anónimo disse...

Mas o que devia ter saído na "rifa" aos guineenses:

Um colonizador lusófono no meio de um universo francófono e isso é um atrevimento que vai continuar a sair caro.

E uns descolonizadores totalmente "contra-natura", que nem durante a luta de libertação se adaptaram ao povo (só com violência o conseguiram), e depois da independência não há comentários.

Quando Luis Cabral foi derrubado em 1980, o povo era maltratado como nunca vi fazer aos chefes de posto coloniais e conheci imensos chefes de posto em Angola, principalmente caboverdeanos e que se relacionavam maravilhosamente com as populações.

Felizes os Caboverdeanos que não sentiram a luta de libertação no seu território!

Antº Rosinha

Luís Graça disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís Graça disse...

No sítio da Voz da América, há ficheiros áudio, com depoimentos sobre o Luís Cabral, recolhidos em Lisboa, durante o seu funeral, e noutros lugares de países lusófonos:

http://www.voanews.com/portuguese/2009-06-02-voa6.cfm


"O Lassana Cassama assistiu ao funeral de Luis Cabral em Lisboa no cemitério do Alto São João. Tony Tcheca teve a oportunidade de conversar com um dos filhos de Cabral. Em Cabo Verde, o Eugénio Teixeira ouviu Aristides Pereira, e em São Tome, o Óscar Medeiros conversou com outro contemporâneo de Cabral, Carlos Tiny. Ouça a cobertura aqui na Voz da America, sobre 'o Adeus' a Amílcar Cabral".

Luís Graça disse...

...É claro que o adeus não ao Amílcar mas ao Luís... Cabral. O lapso é do "site" da Voz da América...

Luís Graça disse...

...É claro que o adeus não ao Amílcar mas ao Luís... Cabral. O lapso é do "site" da Voz da América...

Anónimo disse...

Camaradas,
Já referi antes, que os líderes dos movimentos emancipalistas em África, depois das independências, foram dizimados pelos que desenvolveram a violência das guerras. Na Guiné, a falta de um líder, depois de Amilcar, veio revelar as fragilidades de um estado impreparado, sem instituições que respondessem às necessidades, com dirigentes que depressa se dedicaram à voragem.
Qualquer sociedade organizada precisa de cultura, cultura social e política, por forma a cimentar e controlar as funções do estado. Para além de outros vícios de que a Guiné enferma e do imenso painel de raças que, ainda há cem anos, se degladiavam e disso conservam reminiscências, falta à Guiné uma motivação polarizadora (Angola tem as imensas riquezas), faltam infraestruturas, políticas económicas, competência na educação escolar, na saúde, etc.
E em casa onde não há pão...
A responsabilidade de LC pode ainda estar por apurar, como refém do novo regime, eventualmente. Mas não lhe conheço uma acção moderadora e modernista.
Fiquei surpreendido com um apelo do Fadul ao auxílio por parte das nações ricas, onde parece sugerir que, sob controle apertado, pede auxílio ao desenvolvimento. Uma espécie de neo-colonização, mas que me parece acertado.
Abraços
José Dinis

Luís Graça disse...

Não devemos misturar os nossos sentimentos com a missão, neste blogue, que é também a de procurara a verdade, confrontar as diferentes versões, fazer a triangulação das várias fontes....

Recordo aqui o exemplo (nobre, corajoso, desafiador, eticamente correcto) do 'velho comando' de Brá (1965/67), o Virgínio Briote, nosso amigo, camarada e co-editor, seguramente aquele que tem mais autoridade para falar de homens que ele conheceu e que combateram com ele, e que foram depois importantes quadros do Batalhão de Caomandos Africanos (BCA), como o Justo, o Jamanca, o Sisseco, Djassi, o Bacar Mané - sem esquecer o Marcelino da Mata e outros (que não pertenceram ao BCA):

"Enquanto viver, talvez como tantos de nós, não vou esquecer que o Bacar Djassi, o Djamanca, um bom companheiro de tantas caminhadas, o Sisseco, figura muito mais controversa hoje que no meu tempo, o Justo Nascimento, com quem partilhei uma especial afinidade, o Bacar Mané, do meu grupo, um homem simples e afável, e, infelizmente, outros com quem convivi, repito, não posso esquecer que foram executados sem julgamento, sem qualquer hipótese de defesa. Não esqueço, como não posso esquecer as responsabilidades de governantes portugueses, civis e militares, que não foram capazes de prever o que viria a acontecer aos antigos Camaradas Africanos.
Podem dizer que os tempos, pós-Indepenência, foram propícios a ajustes de contas. Mas os Homens é nos tempos conturbados que são precisos.

"Luís Cabral era o Chefe máximo nessa altura. Talvez muita coisa lhe escapasse, no meio de tantas prioridades. Mas não tenho informação que lhe diminua a responsabilidade na execução de tantas vidas. Este é um ponto.
O outro, é o homem que pôs a sua vida nas mãos de um ideal, a Independência do seu País. Curvar-me ante o seu corpo foi, para mim, a manifestação do respeito perante alguém contra quem combati, apenas isso. Como o faria e voltarei a fazer perante qualquer outro que se tenha cruzado comigo, de armas na mão, nos mesmos trilhos. Por isso, no livro de condolências escrevi: 'Com o respeito de um ex-militar português que cumpriu a comissão na Guiné, entre 1965 e 1967. V Briote'.

Luís Graça disse...

Meus amigos:

Tremo com a ideia de que a Guiné-Bissau esteja já bater no fundo... Nunca o cenário do narco-Estado, baseado na economia do crime, passou a ser tão verosímil...

Onde está o Estado, a autoridade legítima, o exército subordinado ao poder político, legitimado pelo voto popular ?

Qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, a viver em Bissau, a viajar pela Guiné-Bissau, pode hoje ser assassionado, a frio, por esquadrões da morte, fardados, oriundos das próprias Forças Armadas, herdeiras da "luta histórica pela libertação e pela independência"...

Para onde caminhas, querida Guiné-Bissau ? Mais do que nunca os nossos amigos e irmãos da Guiné-Bissau precisam da nossa ajuda, da nossa solidariedade, do apoio dos países lusófonos, do apoio da União Europeia, do apoio da comunidade interncional...

Por razões que se prendem com as próprias regras que criámos, não devemos "imiscuir-nos" na política interna na Guiné-Bissau... Isso não nos impede de manifestar a nossa preocupação em relação ao que se está a passar, e que em última análise pode levar ao 'banimento' do Estado, independente, que Amílcar Cabral um dia sonhou...