Guiné > Brá > 29 de Junho de 1973, o Dia do Comando > Cerimónia de imposição de crachás aos novos comandos do Batalhão de Comandos Africanos, na presença do General Spínola (aqui na foto). Foto de Voz da Guiné, n.º 203, Separata, 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia do Comando > Nesse dia, o Batalhão de Comandos da Guiné passou a ter mais 2 Tenentes, 1 Alferes, 12 Primeiro-Sargentos, 3 Segundo-Sargentos e 24 Furriéis.
Foto da autoria do fotógrafo Álvaro Geraldo. Imagem gentilmente cedida por Magalhães Ribeiro (2006), nosso camarada e amigo da Tabanca de Matosinhos, e editada por nós (L.G.)
1. Mensagem do Virgínio Briote (na foto, à esquerda), com data de 21 de Março, em reposta a um pedido meu para nos falar um pouco mais do manuscrito do Amadu Djaló (*), antigo comando do Batalhão de Comandos Africanos (terá chegado ao posto de Alferes comando graduado; vive do amor e da caridade de duas filhas, em Portugal; está velho e doente, próximo dos 70; sente-se abandonado pelas autoridades portuguesas, civis e militares; considera-se um fula português, conhece a história de Portugal):
Caro Luís,
Perdoa o laconismo da mensagem que te enviei hoje à noite. Tinha que sair e não queria deixar-te sem resposta. Agora tenho mais tempo para te contar o que tenho feito.
Como é do teu conhecimento, tenho entre mãos uma obra com muito interesse, as Memórias do Amadu Djaló. São quatro maços A4, de um lado e doutro, escritos pela mão dele, em letra grande. Do mal o menos. Sempre seguido, nada de vírgulas, pontos, não tem nada. A escrita é de um negro com muito pouca instrução escolar, mas é uma escrita de alma grande, com sabedoria, senso, inteligência.
Vê-lo a descrever as peripécias em que se envolveu é um descobrimento.
A vida dele na cidade natal, Bafatá. Família, amigos.
As idas e vindas, feito djila, ao Senegal.
As hesitações nas incorporações militares.
Abertura de uma banca negocial no Mercado de Bafatá.
A entrada na tropa, ainda antes da abertura oficial das hostilidades.
As deambulações, como condutor por Cacine, Bedanda, Catió, Cufar, Farim, entre 62 e 64.
A entrada para os Comandos do saraiva, em 1964.
A história incrível da mina em Madina [do Boé], que matou toda a malta que vinha na 2º e última viatura (Uma tarde inteira, à beira da estrada para Madina, a guardar os mortos e a assistir ao morre este, agora aquele, atè à noite, quando chegou o socorro).
A odisseia de uma ida ao Como, e a teimosia do Saraiva em não querer sair dali, sem trazer uma MP que tinha sido usada contra eles. Obrigou-os a voltar a um acampamento em chamas, contra todas a regras do bom senso e da prudência. Com as consequências que se seguiram, foram todos atingidos. Dos 10 que voltaram ao acampamento, um morreu e todos os outros ficaram feridos.
A ida para o Gr Cmds do Rainha e a participação num golpe de mão, em que também este escriba entrou, na fronteira com o Senegal.
A 1ª operação helitransportada a Jabadá, de reforço ao meu Grupo. E nova teimosia, desta vez do Rainha, numa ida ao Como, para vingar as baixas que o Grupo tinha tido no AA.
O regresso à 4ª Rep, à sempre eterna casa-mãe do Amadu.
A ordem de Spínola para todos os cmds guineense regressarem a Bissau, para fazerem novo curso para a constituição da 1ª CCmds Africanos.
As primeiras operações com o João Bacar. A morte deste e o encontro da 1º linha do João Bacar no HM frente ao corpo dele coberto por um lençol. A chegada do Spínola e o levantamento do lençol.
A constituição do BCCmds com o Bruno... Fá Mandinga, Bambadinca...
As operações a Morés, sob o comando do Zacarias e a terrível derrota, talvez a maior de todas que os Cmds tiveram em toda a guerra na Guiné, com um saldo completamemnte negativo, 5 mortos e um nº incontável de feridos. Uma azelhice, fruto da fanfarronice do Saiheg, que não acabou pior porque o Bruno foi para lá com lobos maus e quase toda a esquadrilha dos AL III para os tirar de lá de qualquer maneira e talvez também porque o IN estava saciado.
A outra e mais outra ida a Morés, vingança sobre vingança.
Os estranhos preparativos no mar e na ilha de Soga e a surpresa da missão.
A odisseia das recusas, as hesitações do Cmdt BCmds, as intervenções do Alpoím Calvão e do próprio Spínola.
A mudança das fardas e das armas, a partida para uma Conacri em fim de semana e o episódio de regressarem apenas 15 dias depois a Bissau, com eles em Soga, sem saberem o que fazer, e aparentemente também sem os superiores saberem como deveriam proceder com eles.
Kumbamory, operações atrás de operações...
O 25 de Abril, a entrega das armas, a vida civil sem amigos, as prisões dos camaradas, os fuzilamentos. O caso dos 90 mortos em Farim, a prisão dele e a escapadela incrivel.
Bissau em 1975, uma cidade triste, com Luís Cabral, os recolheres obrigatórios, as denúncias, a falta de arroz, a falta de tudo.
O golpe de Estado do Nino, o renascer de uma esperança, a desilusão e a vinda para Portugal.
Uma obra que me empolga. Estou totalmente absorvido nesta história. Dividi o meu trabalho em três fases:
1. Passagem daqueles caracteres todos para o computador, a correr (Já vou ficando com uma ideia do que vou fazer a seguir). Penso que é o mais moroso.
2. Redacção da obra com o estilo dele, africano. Perde interesse se não for assim. Eliminação de capítulos e adição de outro/s com factos que, ele, ou omite deliberadmente, ou resolveu abreviar, caso de Conacri.
3. Redacção definitiva para entrega à Associação de Cmds para publicação.
Estou a chegar ao fim da 1ª fase. Estou cansado. Mas é uma obra que me está a dar muito gosto fazer.
Quanto ao nosso, que tenho perdido estes dias, conto retomar o trabalho embora com alguma parcimónia, enquanto não acabar o trabalho do Amadu. Espero e agradeço que me compreendas.
Um abraço grande para ti e para o Carlos
vb
________
Nota de L.G.:
(*) 25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4076: Os nossos camaradas guineenses (4): Amadu Djaló, com marcas no corpo e na alma (Virgínio Briote)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
Assinem, se assim o entenderem:
Petição para a
Candidatura de Henrique Rosa à presidência da República da Guiné-Bissau:
http://www.peticao.com.pt/henrique-rosa
"Bissau em 1975, uma cidade triste, com Luis Cabral, os recolheres obrigatórios, as denuncias, a falta de arroz, a falta de tudo", diz AMADU DJALÓ,
e atrevo-me a relatar minha interpretação desse periodo de Luis Cabral: O PAIGC, era visto pelo povo como "um corpo estranho e envenenado, enquistado na Guiné".
E interpretei sempre desde 1961, que os "nossos" povos africanos, adivinhavam tudo isto.
Daí, eu pessoalmente nunca ter misturado a nossa guerra com politiquices, e daí viver de "alma lavada" e consciência tranquila.
É a única maneira que tenho de honrar quem quiz resistir...ao lado dos negros AMADÚ´s das ex-colónias.
Antº Rosinha
Camaradas
O primeiro comentário, afinal, é uma acção prosélita para uma candidatura à presidência da república da Guiné. Não me parece correcto o aproveitamento, nem o método de tentar angariar subscrições entre pessoas que não o conhecem.
Eu conheço-o, relativamente, embora. Trata-se uma pessoa do maior crédito, nascido de pai português e mãe guineense, posso afirmar tratar-se de um africano dos quatro costados, com grande amor pela sua terra.
Infelizmente, a Guiné-Bissau está a anos-luz da integridade, da cultura,e do sentido cívico do Henrique. A guiné é hoje um "farwest", sem rei nem roque, sem instituições, sem respeito, sem crédito politico, a afundar-se na pobreza, cenário em que os próximos dirigentes, sem a protecção internacional, correm para a morte, ou lideram a falcatrua.
Não desejo isso para o Henrique.
Abraços fraternos
José Dinis
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