Guião do BCAÇ 2835 (Bissau e Nova Lamego, 1968/69): Mobilizado pelo RI 15, partiu para o TO da Guiné em 17/1/1968 e regressou a 4/12/1969. Esteve em Bissau e Nova Lamego. Comandantes: ten cor inf Esteves Correia, maj inf Cristiano Henrique da Silveira e Lorena, e ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos. Subunidades de quadrícula: CCAÇ 2315 (Binar, Bissau, Mansoa, Mansabá, Mansoa, Nova Lamego, Dara, Madina Mandinga); CCAÇ 2316 (Bissau, Bula, Mejo, Guilejem, Gadamael, Bissau); e CCAÇ 2317 (Bissau, Bula, Mansabá, Guileje, Gandembel, Bula, Nova Lamego).
1. Comentário do nosso leitor e camarada Fernando de Sousa Ribeiro (*)
Chamo-me Fernando de Sousa Ribeiro e fui alferes miliciano em Angola, integrado na CCaç 3535, do BCaç 3880, entre 1972 e 1974 (**).
O primeiro oficial de operações e informações que o meu batalhão teve foi o capitão de Infantaria António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, mais conhecido por capitão Castel-Branco. Em comissão anterior, este capitão esteve na Guiné, onde comandou a CCaç 2316, do BCaç 2835, em Guileje.
A sua passagem por Guileje deixou-lhe profundas marcas psicológicas, que lhe afetaram de forma claramente visível o seu espírito. A sua posterior estadia no meu batalhão em Zemba, Angola, não melhorou em nada o seu estado mental e, ao fim de menos de um ano de comissão, veio evacuado para a Metrópole e internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Principal, como maníaco-depressivo.
Nunca, repito nunca, ouvi o capitão Castel-Branco fazer qualquer referência a Guileje e à sua experiência pessoal lá. Ele falava da Guiné em geral, contava casos passados em Bissau e noutros lados, mas a palavra "Guileje" nunca saiu da sua boca. Nunca.
Nunca, repito nunca, ouvi o capitão Castel-Branco fazer qualquer referência a Guileje e à sua experiência pessoal lá. Ele falava da Guiné em geral, contava casos passados em Bissau e noutros lados, mas a palavra "Guileje" nunca saiu da sua boca. Nunca.
Talvez o facto de ele se ter sentido incapaz de "deitar cá para fora" as suas recordações e os seus sentimentos em relação a Guileje tenha contribuído de forma determinante para a sua degradação psicológica. De resto, tirando o seu estado de espírito alterado, o capitão Castel-Branco foi um oficial de operações muito competente e que deixou boas recordações em quem com ele conviveu em Angola.
Antes de Angola e da Guiné, o capitão Castel-Branco esteve na Índia como alferes ou tenente, encontrando-se em Goa quando se deu a invasão pela União Indiana. Foi prisioneiro de guerra. Enfim, como se costuma dizer, «a sua vida dava um filme».
O capitão Castel-Branco nunca falava de Guileje, mas falava, e muito, de Goa e da sua situação como prisioneiro na Índia. Para começar, ele aprovava a atitude do general Vassalo e Silva, que lhe salvou a vida. O que ele não aprovava, mas compreendia, foi a forma desordenada como se deu a rendição. Segundo o Castelo Branco, os militares portugueses puseram-se em fuga diante do inimigo, em vez de se entregarem, e só a contenção e disciplina das Forças Armadas Indianas impediu que muitos deles fossem mortos. Contou ele que foi uma situação deste tipo: «Onde estão os indianos, estão ali? Então fujo para acolá».
Em resultado de tudo o que viu e viveu, o capitão Castelo Branco ficou a admirar profundamente as Forças Armadas Indianas, cujo aprumo, disciplina e cavalheirismo terão sido irrepreensíveis. Segundo ele, a população civil goesa foi tratada com toda a deferência e os prisioneiros de guerra foram tratados no mais estrito cumprimento das convenções internacionais. Ele mesmo foi tratado como um oficial e não como um prisioneiro. Disse o Castelo Branco que quase a única diferença entre ele e um oficial indiano da mesma patente, era que ele não podia comandar tropas e não podia voltar para casa. As saudades da família e a incerteza sobre a sua libertação é que foram o que mais lhe custou a suportar.
Um abraço
Fernando de Sousa Ribeiro
2. Há um primeiro comentário do Fernando de Sousa Ribeiro, sobre o cap Castel-Branco Ferreira, com data de 27/7/2018 (**)
Conheci em Angola o capitão de Infantaria António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, que terá rendido Joaquim Evónio de Vasconcelos no comando da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, em Guileje. O capitão Castelo Branco (como lhe chamávamos) foi o primeiro oficial de operações e informações que o meu batalhão (BCaç. 3880) teve em Zemba, no norte de Angola.
Logo desde o primeiro dia da comissão se notou que o capitão Castelo Branco "não batia bem da bola". «Ele esteve em Guileje, na Guiné», dizia-se. «Aquilo foi tão mau, que ele ficou maluco», acrescentava-se. E ninguém se atrevia a contrariar o Castelo Branco, não por receio do que ele pudesse fazer, mas por respeito por alguém que tinha comido o pão que o diabo amassou.
Como pessoa, o capitão Castelo Branco era bondoso e compreensivo, ou pelo menos assim parecia. Quando não se tem responsabilidades de comando de tropas, como ele não tinha, é relativamente fácil ser compreensivo. Não sei como ele se comportaria no comando de uma companhia.
Como militar, o capitão Castelo Branco deu provas de uma enorme competência. O maior êxito que o meu batalhão teve, e que valeu a promoção do comandante a coronel, deveu-se sobretudo à forma cuidada como o capitão Castelo Branco planeou uma determinada operação. Nessa operação, os guerrilheiros da FNLA foram completamente apanhados de surpresa, abandonaram uma vasta região e deixaram de exercer pressão militar sobre o distrito do Cuanza Norte.
À medida que o tempo foi passando, o estado de saúde mental do capitão Castelo Branco foi-se agravando cada vez mais. Ao fim de dez meses de comissão, mais ou menos, teve que ser evacuado para a Metrópole e internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Principal. Vi-o uma vez em meados dos anos 90 e pareceu-me estar com excelente aspeto. Faleceu por volta de 2014.
Antes de Angola e da Guiné, o capitão Castel-Branco esteve na Índia como alferes ou tenente, encontrando-se em Goa quando se deu a invasão pela União Indiana. Foi prisioneiro de guerra. Enfim, como se costuma dizer, «a sua vida dava um filme».
O capitão Castel-Branco nunca falava de Guileje, mas falava, e muito, de Goa e da sua situação como prisioneiro na Índia. Para começar, ele aprovava a atitude do general Vassalo e Silva, que lhe salvou a vida. O que ele não aprovava, mas compreendia, foi a forma desordenada como se deu a rendição. Segundo o Castelo Branco, os militares portugueses puseram-se em fuga diante do inimigo, em vez de se entregarem, e só a contenção e disciplina das Forças Armadas Indianas impediu que muitos deles fossem mortos. Contou ele que foi uma situação deste tipo: «Onde estão os indianos, estão ali? Então fujo para acolá».
Em resultado de tudo o que viu e viveu, o capitão Castelo Branco ficou a admirar profundamente as Forças Armadas Indianas, cujo aprumo, disciplina e cavalheirismo terão sido irrepreensíveis. Segundo ele, a população civil goesa foi tratada com toda a deferência e os prisioneiros de guerra foram tratados no mais estrito cumprimento das convenções internacionais. Ele mesmo foi tratado como um oficial e não como um prisioneiro. Disse o Castelo Branco que quase a única diferença entre ele e um oficial indiano da mesma patente, era que ele não podia comandar tropas e não podia voltar para casa. As saudades da família e a incerteza sobre a sua libertação é que foram o que mais lhe custou a suportar.
Um abraço
Fernando de Sousa Ribeiro
2. Há um primeiro comentário do Fernando de Sousa Ribeiro, sobre o cap Castel-Branco Ferreira, com data de 27/7/2018 (**)
Conheci em Angola o capitão de Infantaria António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, que terá rendido Joaquim Evónio de Vasconcelos no comando da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, em Guileje. O capitão Castelo Branco (como lhe chamávamos) foi o primeiro oficial de operações e informações que o meu batalhão (BCaç. 3880) teve em Zemba, no norte de Angola.
Logo desde o primeiro dia da comissão se notou que o capitão Castelo Branco "não batia bem da bola". «Ele esteve em Guileje, na Guiné», dizia-se. «Aquilo foi tão mau, que ele ficou maluco», acrescentava-se. E ninguém se atrevia a contrariar o Castelo Branco, não por receio do que ele pudesse fazer, mas por respeito por alguém que tinha comido o pão que o diabo amassou.
Como pessoa, o capitão Castelo Branco era bondoso e compreensivo, ou pelo menos assim parecia. Quando não se tem responsabilidades de comando de tropas, como ele não tinha, é relativamente fácil ser compreensivo. Não sei como ele se comportaria no comando de uma companhia.
Como militar, o capitão Castelo Branco deu provas de uma enorme competência. O maior êxito que o meu batalhão teve, e que valeu a promoção do comandante a coronel, deveu-se sobretudo à forma cuidada como o capitão Castelo Branco planeou uma determinada operação. Nessa operação, os guerrilheiros da FNLA foram completamente apanhados de surpresa, abandonaram uma vasta região e deixaram de exercer pressão militar sobre o distrito do Cuanza Norte.
À medida que o tempo foi passando, o estado de saúde mental do capitão Castelo Branco foi-se agravando cada vez mais. Ao fim de dez meses de comissão, mais ou menos, teve que ser evacuado para a Metrópole e internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Principal. Vi-o uma vez em meados dos anos 90 e pareceu-me estar com excelente aspeto. Faleceu por volta de 2014.
3. Comentário do editor LG:
Obrigado, camarada Sousa Ribeiro, pelo depoimento... O nome do capitão António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira figura na lista dos ex-prisioneiros de guerra da Índia com direito a uma pensão, conforme despacho conjunto dos ministros da defesa e das finanças.
Identifico igualmente o meu primo, de Ribamar, Lourinhã, Luís Filipe Maçarico... Não vejo o nome do general Vassalo e Silva, que nãio consta da lista pela simples razão de já ter morrido (em 1985).
Despacho conjunto 648/2004
A Lei 34/98, de 18 de Julho, regulamentada pelo Decreto-Lei 161/2001, de 22 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei 170/2004, de 16 de Julho, veio estabelecer um regime excepcional de apoio aos ex-prisioneiros de guerra, nomeadamente a atribuição de uma pensão.
Assim, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei 161/2001, de 22 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 170/2004, de 16 de Julho, e concluída que está a instrução dos processos pelo respectivo ramo das Forças Armadas, determina-se a concessão aos ex-prisioneiros de guerra constantes da lista anexa ao presente despacho, do qual faz parte integrante, a pensão a que se refere o artigo 4.º do referido decreto-lei.
O presente despacho produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2004.
15 de Outubro de 2004. - O Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Paulo Sacadura Cabral Portas. - O Ministro das Finanças e da Administração Pública, António José de Castro Bagão Félix.
ANEXO
(...) António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira
Caro Sousa Ribeiro, vejo que és leitor, mais ou menos assíduo do nosso blogue, e já não é o primeiro contributo que dás para a partilha de memórias entre todos nós que fizemos a guerra do ultramar / guerra colonial (**). O nosso blogue integra camaradas que passaram por outros teatros de operações, incluindo Angola. Não há fronteiras rígidas. Por razões de "mera economia de tempo e espaço", este blogue tem-se centrado na experiência operacional dos militares que passaram pela Guiné, entre 1961 e 1974. Mas temos falado também de outros territórios, incluindo Angola, Cabo Verde, Índia...
Obrigado por nos teres trazido notícias de um camarada da Guiné, o então cap inf Castel-Branco Ferreira que não conheci, e infelizmemte já falecido, como dizes, em 2014. Deve ter-se reformado como coronel de infantaria. Conheci, isso sim, em 1969, o oficial que o foi substituir na CCAÇ 2316, o cap art Octávio Manuel Barbosa Henriques, mas noutras funções, como instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga (Setor L1, Bambadinca),
Nessa medida venho-te convidar para te juntares à nossa "caserna virtual" onde cabe sempre mais um camarada e/ou amigo da Guiné. Somos 779 entre vivos e mortos. Tu poderás ser o 780 a sentares debaixo o nosso mágico e fraterno poilão...Só tens que mandar as duas fotos da praxe (uma atual e outra do tempo da tropa), mais o teu endereço de email. Um alfabravo. Luís Graça
4. Ficha de unidade: CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835
Foi mobilizada pelo RI 15, partiu para o TO da Guiné em 17/1/1968 e regressou a 4/12/1969. Esteve em Bissau, Bula, Mejo, Guileje, Gadamael e Bissau. Teve 4 comandantes:
(i) cap inf Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos;
(ii) cap inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira;
(iii) cap art Octávio Manuel Barbosa Henriques;
e (iv) cap cav José Maria Félix de Moraes.
O BCAÇ 2835 esteve em Bissau e Nova Lamego. Tinha como subunidades, além da CCAÇ 2316, a CCAÇ 2315 e a CCAÇ 2317. Comandantes: ten cor inf Joaquim Esteves Correia; maj inf Cristinao Henrique da Silveira e Lorena; ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos.
Temos 14 referências à CCAÇ 2316 no nosso blogue, e 20 ao BCAÇ 2835.
______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 28 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19142: Manuscrito(s) (Luís Graça) 147): Tinha 14 anos em 1961, o "annus horribilis" de Salazar e da Nação... Depois do desastre da Índia, em 18-19 de dezembro de 1961 e de cinco meses de cativeiro, o general Vassalo e Silva e outros oficiais foram expulsos das Forças Armadas, em 22 de março de 1963... Era um aviso sério para os que combatiam em África.
(**) Vd.poste de 30 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10093: In Memoriam (120): Cor inf ref e escritor Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (Funchal, 1938 - Lisboa, 2012), comandante das CCAÇ 727 (1964/66) e CCAÇ 2316 (1968/69) (António Costa / Carlos Vinhal)
(**) Vd.poste de 30 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10093: In Memoriam (120): Cor inf ref e escritor Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (Funchal, 1938 - Lisboa, 2012), comandante das CCAÇ 727 (1964/66) e CCAÇ 2316 (1968/69) (António Costa / Carlos Vinhal)
(***) Último poste da série > 12 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19095: O nosso livro de visitas (196): Comentário de Fernando Sousa Ribeiro, antigo combatente em Angola, deixado no nosso Blogue