A alimentação no quartel era um problema, nomeadamente quanto à aquisição de carne fresca. Por isso, de vez em quando, o capitão permitia que se matasse uma ou duas vacas da manada da Companhia. Dado o reduzido número de cabeças de gado, estas só poderiam ser abatidas por ordem do capitão. Há muito tempo que não se comia carne fresca, mas quando o desejo começava a ser muito forte o capitão autorizava o abate de uma vaca e durante um dia ou dois tirava-se a barriga da miséria.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2023
Guiné 61/74 - P23997: Notas de leitura (1544): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IX: o vagomestre e o petisco que não podia ser para todos: o caso da mão de vaca com grão...
A alimentação no quartel era um problema, nomeadamente quanto à aquisição de carne fresca. Por isso, de vez em quando, o capitão permitia que se matasse uma ou duas vacas da manada da Companhia. Dado o reduzido número de cabeças de gado, estas só poderiam ser abatidas por ordem do capitão. Há muito tempo que não se comia carne fresca, mas quando o desejo começava a ser muito forte o capitão autorizava o abate de uma vaca e durante um dia ou dois tirava-se a barriga da miséria.
terça-feira, 30 de agosto de 2022
Guiné 61/74 - P23568: Notas de leitura (1483): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte IV: as circunstâncias da morte do 2º sargento mecânico auto Rodolfo Valentim Oliveira, em 11/8/1965...
1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010/2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67, exemplar gentilmente facultado, a título de empréstimo, pelo cor inf ref Mário Arada Pinheiro] (*)
Embora o sargento não seja identificado pelo nome, deve tratar-se do 2º Sargento Mecânico Auto Rodolfo Valentim Oliveira, natural de Tavira, morto em 11 de agosto de 1965, um mês depois do Cap Inf Aurélio Manuel Trindade ter chegado a Bedanda.
Segundo o nosso coeditor e colaborador permanente Jorge Araújo, terá sido o 3º sargento a morrer no CTIG, de um total de 54 (**).
Escreve o autor do livro que temos vindo a citar:
(...) "Morreu em combate o sargento mecânico, um técnico excelente e um bom homem" (pág. 313).
O Manuel Andrezo (aliás. Aurélio Manuel Trindade) relata a seguir, sucintamente, as circunstâncias dessa morte para depois nos dar conta das suas fortes suspeitas sobre o soldado mecânico Fernandes, possível autor ou coautor do assassínio do 2º sargento mecânico da 4ª CCAÇ.
O sargento queria melhorar as condições de trabalho da oficina auto em Bedanda. Nomeadamente, queria construir uma plataforma com rampa para lavagem e melhor observação das viaturas. Para isso precisava de madeira. Pediu autorização ao capitão para ir cortar madeira nas proximidades do quartel, a 2 km, num sítio onde o pessoal costumava ir à lenha, e onde nunca até então houvera problemas. Teve o OK do capitão, desde que levasse segurança.
O sargento pegou na sua secção de mecânicos e condutores. E lá foi com uma equipa de 10 homens, munidos de serra mecânica e machados, e armados (os soldados da 4ª CCAÇ na altura ainda usavam a Mauser).
Passados duas horas, ouviu-se um curto tiroteio na mata. Uma pequena força, comandanda pelo Alf Mil Carvalho, saiu do quartel a correr para ir ver o que se passava, tendo deparado então, no local, com "o sargento morto, com um tiro na cabeça, e os soldados amedrontados" (sic) (pág. 313).
A explicação dada pelos soldados é que teriam sido "surpreendidos por uns guerrilheiros na estrada Mejo-Bedanda". Reagiram aos tiros e os guerrilheiros retiraram prontamente. A única baixa fora o sargento. Não souberam explicar "quantos eram e para onde foram" os guerrilheiros, já que fora tudo muito rápido.
O Alf Mil Carvalho fez uma pequena batida na zona mas não encontrou quaisquer vestígios da presença dos guerrilheiros, nem sequer invólucros. A haver trilhos confundiam-se com os da população, das milícias e das NT. Começou por isso a ter dúvidas sobre a versão do pessoal da ferrugem. E transmitiu as suas impressões (e apreensões) ao capitão.
Este fez questão logo de "considerar oficialmente a morte do sargento como sendo morte em combate numa emboscada da guerrilha" (sic) (pág. 315), mas mandou entretanto o Alf Mil Carvalho averiguar melhor o que se tinha passado, devendo para o efeito interrogar todos os homens da ferrugem que tinham estado com o sargento naquele fatídico local.
A versão de todos os soldados inquiridos era unânime: foram vítimas de emboscada do IN... Mas o alferes vai descobrir, no entanto, um "suspeito".
As relações do sargento com os soldados da sua secção não eram boas. Um deles, o Fernandes, que era de Bissau, "todo espevitado e mal encarado" (sic) (pág. 316), andava sempre a contestar as ordens do sargento. Três ou quatro dias antes, o sargento dera-lhe "duas valentes bofetadas" (sic). O Fernandes terá dito, em público, que se iria vingar. Houve testemunhas.
Chamado ao capitão, o soldado mecânico Fernandes foi de novo apertado:
(...)" Ouve, Fernandes. Eu não acredito na tua história da emboscada quando morreu o nosso sargento. Não houve nenhuma emboscada e foi uma arma vossa que o matou e todos combinaram isso da emboscada para enganar nosso capitão. Eu vou descobrir a verdade. Se descobrir que vocês me querim enganar, eu dou cabo de vocês. Tiveste uma discussão com o nosso sargento dois ou três dias antes. Disseste que te havias de vingar e vingaste-te. És capaz de ter morto o nosso sargento e inventaste depois a emboscada. Se eu descobrir que foi assim, limpo-te o sarampo como tu limpaste o nosso sargento. Ficas em constante vigilância do nosso capitão" (pp. 316/317).
O Fernandes manteve a sua versão até ao fim, protestando a sua inocência.
E a história acaba assim:
"Na companhia, oficialmente, só o Alferes Carvalho e o capitão duvidavam da versão dos soldados. Aliás, o capitão tinha a certeza de que o sargento tinha sido morto por um soldado, e pelo Fernandes com muita probabilidade" (pág. 317).
O Cap Cristo não quis, porém, esticar a corda e agravar o mal-estar já existente na companhia. Informou, no entanto, o Comando em Bissau , "em nota pessoal e confidencial das suas desconfianças e das razões que justificavam a sua atitude".
Por sua vez, "o soldado Fernandes, que estava no fim do seu serviço normal, pouco tempo depois passou à disponibilidade e, apesar de querer continuar e de ser um bom mecânico, tal não foi autorizado. As dúvidas que sobre ele existiam, influenciaram a decisão. O capitão considerava-o responsável pela morte do sargento e nunca lhe perdou" (pág. 317).
Uma história edificante? Pode perguntar-se por que é que o capitão não mandou levantar um auto de notícia e não se procedeu à autópsia do corpo do sargento, como seria normal noutras circunstâncias?... Não sabemos mais pormenores do caso. E convém lembrar que a fonte que estamos a usar é um livro de memórias, em parte ficcionado...
E depois o capitão tinha chegado há um mês, havia problemas de disciplina na 4ª CCAÇ, e Bissau fará questão de lembrar, a propósito da entrega ou não das espingardas automáticas G3 (em substitituição da velha Mauser), que se tratava de uma "companhia de negros em quem não confiamos totalmente" (sic) (pág. 139)...
O enviado de Bissau a Bedanda, um tenente coronel, Chefe do Serviço de Material, lembrou ainda ao Capitão Cristo que já houvera lá "uma tentativa de revolta e ninguém nos diz que não possa haver outra, e era muito aborrecido se eles fugissem para o mato com as G3" (pág. 139)...
De qualquer modo, sabemos de outros casos, que no CTIG o exército lidava mal com estas situações de mortes por "acidente com arma de fogo" (termo que em geral era um eufemismo para escamotear as verdadeiras causas de acidentes mortais como o suicídio ou o homicídio).
Para proteger seguramente a família e honrar a memória do 2º sargento Rodolfo Valentim Oliveira, este foi dado como "morto em combate", tendo sido louvado e agraciado, a título póstumo, com a Medalha da Cruz de Guerra de 4ª Classe bem como a Medalha da Cruz de Guerra, colectiva, de 1ª classe.
2. Lê-se, a propósito, no portal UTW - Ultramar TerraWeb, dos Veteranos da Guerra do Ultramar (com a devida vénia...)
Honra e Glória - Rodolfo Valentim Oliveira (...)
(...) Louvado, a título póstumo, por feitos em combate, publicado na Ordem de Serviço n.º 118, de 1965, da 4.ª Companhia de Caçadores Indígena (4ª CCaçI);
Agraciado, a título póstumo, por feitos em combate, com a Medalha da Cruz de Guerra de 4.ª classe, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 4 de Março de 1966, publicado na Ordem do Exército n.º 13 – 3.ª série, de 1966;(Publicado na Ordem de Serviço n.º 118, de 1965, da 4.ª Companhia de Caçadores):
Louvado, a título póstumo, o 2.º Sargento, Rodolfo Valentim de Oliveira, da 4.ª Companhia de Caçadores, porque tomando parte numa patrulha a Cobumba, frente a um inimigo superior não só em efectivo, como em armamento automático, mostrou coragem, sensatez, sangue-frio e inteligência no comando da sua Secção, apesar de ter apenas alguns dias de Comissão, pondo sem dúvida em evidência, qualidades de um militar exemplar.
Contudo, durante a retirada do Pelotão, fazendo parte da força de cobertura, foi ferido pelo inimigo, do que adveio o seu falecimento. (...)
3. O que diz o nosso coeditor e colaborador permanente, Jorge Araújo, no poste P18953 (**) ?
A 3.ª BAIXA: - 2.º SARGENTO CMD RODOLFO VALENTIM OLIVEIRA, DA 4.ª CCAÇ, EM 11AGO1965
(...) A morte do 2.º Sargento Cmd Rodolfo Valentim Oliveira, natural de Santiago, Tavira, ocorrida em 11 de Agosto de 1965, 4.ª feira, é considerada a terceira na cronologia dos Sargentos do Exército falecidos em combate no CTIG.
O Sargento Rodolfo Valentim Oliveira pertencia à estrutura orgânica da 4.ª CCAÇ [Companhia de Caçadores Nativos (ou indígenas) constituída por praças africanas de Recrutamento Local, que eram enquadrados por oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole.
Criada e instalada primeiramente em Bolama em finais de 1959, mudou-se em Julho de 1964 para Bedanda, por necessidades operacionais, uma vez que um dos objectivos intrínsecos para a sua criação foi/era a segurança e/ou a defesa das suas populações, estando assim implícito o conceito de "missão" ou "actividade operacional" na luta contra os grupos da/de guerrilha armados. Três anos após a instalação dos seus primeiros efectivos em Bedanda, esta Unidade é renomeada, em 1 de Abril de 1967, passando a designar-se por Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6 - "Onças Negras"] (vidé: P18387 e P18391). (...)
É a partir dessas vivências colectivas anteriores, partilhadas em palcos comuns, que se vem a saber da morte do 2.º sargento Rodolfo Valentim Oliveira. Por ausência de informações mais precisas quanto aos detalhes que originaram a sua morte em combate, citamos o que foi possível apurar neste âmbito:
"Voltamos a caminhos de Cabolol mas seguindo a estrada, passamos nas bordinhas da mata e vamos atá à tabanca de Cobumba, numa acção punitiva, por a sua população dar guarida a um grupo de guerrilheiros, que teria causado várias baixas à 4.ª CCAÇ estacionada em Bedanda, entre as quais se contava um sargento [Rodolfo Valentim Oliveira]" [Poste P17130].
Para que não fiquem na "vala comum do esquecimento", como costumamos afirmar, eis os quadros estatísticos dos 54 (cinquenta e quatro) sargentos [Ajud., 1.ºs e 2.ºs], nossos camaradas dos três ramos das Forças Armadas, que tombaram durante as suas Comissões de Serviço na Guerra no CTIG, sendo 13 em acidente (24.1%), 17 em combate (31.5%) e 24 por doença (44.4%). (...)
quinta-feira, 7 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23414: Blogpoesia (773): A CCS, "Era aquela Companhia", por Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 - Parte I - (2)
Bom Dia Carlos Vinhal, Bom Dia Tabanca Grande
Desta vez é, "ERA AQUELA COMPANHIA", parte 1, e depois será a segunda parte.
E muito mais haverá para enviar à Tabanca. É que agora pensei em não te dar sossego , é muito o trabalho aqui acumulado.
Para todos os que habitam na Tabanca Grande vai um bom abraço em especial para os Chefes de Tabanca.
Albino Silva
ERA AQUELA COMPANHIA
Parte I - (2/2)
Santos era o Sargento
Era um pouco desordeiro
Mas era excelente pessoa
E muito bom corneteiro.
Fernando Guerreiro Nunes
Outro Sargento então
Na CCS como nós
A cumprir sua Missão.
Sargento Alfredo António
Na Oficina a trabalhar
Como era bom mecânico
Punha os motores a roncar.
O Furriel Moreira
Era Rádiomontador
Fazia o que sabia
Mudava bem o transístor.
O Nunes era mecânico
E Furriel também
Com rajadas na bolanha
Vendo se tudo estava bem.
Como era mecânico de armas
Para ver se estavam zeladas
Mandava fazer ensaios
Tiro a tiro e rajadas.
O Furriel Garrido
Um militar verdadeiro
Não ligava puto à tropa
E era ele Enfermeiro.
Como era responsável
Lá naquela Enfermaria
O trabalho que era dele
Era eu que o fazia.
Furriel Guimarães
Aquele bom bracarense
Em Teixeira Pinto então
Na CCS Amanuense.
Era bom camarada
Todo o soldado dizia
Estivesse ou não de serviço
Ou mesmo de sargento dia.
O Aires bom Furriel
Brincalhão bem humorado
Cumpria bem seu dever
Andava por todo lado.
O Furriel Carvalho
Miliciano e bom
Era ele o responsável
Pela nossa alimentação.
No seu Depósito de Géneros
Onde ele tudo guardava
Quando mais nada havia
Na bolanha ele pescava.
Ele era bom brincalhão
Se podia desenrascava
Quantas vezes em canecas
O vinho que ele me dava.
O Furriel Ribeiro
Sapador a comandar
Nos mais variados serviços
Cumpriu bem a trabalhar.
Com serviços no Quartel
Sua equipa comandar
Com ele estive na Ponte
Quando a fomos guardar.
Coimbra N. Furriel
De Amanuense fazia
Era bom miliciano
Lá na nossa Companhia.
Até o Furriel Freitas
No Pelotão de Reconhecimento
Mais tarefas praticava
Sempre que tinha um momento.
Nosso Furriel Rodrigues
Comandava as Transmissões
Recebia e transmitia
Em várias ocasiões.
Furriel Miliciano Sena
Reconhecimento e Informação
E quando jogava à bola
O Sena era mesmo bom.
O Furriel Fernandes
Comandava secção
Como era Sapador
Na CCS era bom.
Também o Silva Rodrigues
Sapador a comandar
Em tantos e mais serviços
Cumpriu sempre a trabalhar.
Na CCS o Lima Pereira
Era outro Furriel
Lá em sua secção
Fazia bem seu papel.
Havia outro Amanuense
O Furriel Amaral
Pertencia à CCS
E como nós era igual.
O Furriel Almeida
No Reconhecimento lá estava
Procurando tudo aquilo
Que no Quartel faltava.
O Furriel Ferreira
Na CCS do Batalhão
Dizia o que mais sabia
Pois era da informação.
Depois de Oficiais e Sargentos
Muitos Cabos lá haviam
Uns que faziam tudo
Outros que nada faziam
Com Alferes e Tenentes
Furriéis muitos havia
Sargentos e muitos Cabos
E Soldados da Companhia
Gostando de falar da Tropa
Porque dela não esqueci
Numa espécie de brincadeira
Assim isto escrevi.
Foi escrito sem maldade
Com todos brinquei assim
Lembrei Oficiais e Sargentos
Tudo escrito por mim.
Tenho mais para escrever
Continuar na brincadeira
Pois lembrar bons Camaradas
Acho ser boa maneira.
É dos Cabos que vou começar
Depois passarei ao Soldado
Depois de fazer isto tudo
Dou meu trabalho acabado.
Parte um e parte dois
E como na Guiné dizia
Com o mesmo nome que dei
Era aquela companhia.
FIM DA 1ª PARTE
Segue com Cabos e Soldados
____________
Nota do editor
Último poste da série de 5 de Junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23411: Blogpoesia (772): A CCS, "Era aquela Companhia", por Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 - Parte I - (1)
quinta-feira, 19 de novembro de 2020
Guiné 61/74 - P21560: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (17): Recordação/Homenagem de reconhecimento a Guedes Barbosa
1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 16 de Novembro de 2020:
Caros amigos,
Como já faz tempo que não envio colaboração, aqui vai uma coisa "ligeira", que penso pode ser colocada na minha série "Histórias em tempo de guerra".
Em parte talvez sirva para amenizar um pouco a agressividade verbal (escrita) que tem aparecido mais recentemente aqui no Blogue.
Por outra parte entendo ser um assunto, o da reconhecimento da faceta humana e solidária por parte de alguns homens do Quadro que connosco se cruzaram e de homenagem aos seu comportamento.~
Será talvez dar corpo à minha faceta de "conciliador-mor" mas não me sinto mal com isso.
Como de costume isto está "fraco" de imagens que possam ajudar a enquadrar o texto e amenizar a sua leitura mas tenho ideia que no Post que cito há por lá uma imagem da parada do Quartel. Não tenho nenhuma foto de quem estou a recordar e mesmo minhas também são raras.
Envio duas fotos de há 3 anos desse Quartel do RTm, a da entrada actual que pouco difere da do meu tempo e onde se vê um pouco do interior da parada com várias viaturas e uma do Edifício do Comando, bastante degradado e uma outra foto pessoal, mais recente, tirada na Feira do Livro de Lisboa o ano passado, aquando da apresentação do livro do Zé Ferreira.
Saudações
Hélder Sousa
Recordação/Homenagem de reconhecimento a Guedes Barbosa
Caros amigos
Vou fazer referência a um “Homem do Quadro” que me marcou e que considero necessário e importante dar aqui testemunho disso e porquê.
Há por norma alguma “animosidade” contra esses homens (haverá algumas razões, com certeza) mas também já apareceram referências a Oficiais e elementos da classe de Sargentos do Quadro que não desmereceram a qualidade de nossos camaradas.
Portanto, o “porquê” destas linhas poderão verificar no final e esclareço também que da pessoa em causa não tenho notícias já faz bastante tempo, ignoro se é viva (e espero que sim), nem falei com ele recentemente de modo a obter anuência para o que vou escrever.
Trata-se de Guedes Barbosa. Ao tempo que o conheci, no então RTm (Regimento de Transmissões), no Porto, chefiava a Secretaria e, embora sem qualquer certeza agora, julgo que era 2.º Sargento. Este Homem era um militar de carreira, do Quadro, um “chico” como dizíamos, mas era dotado de grande sentido humanista e também de humor.
Ora bem, antes do episódio que agora recordo, ocorrido aí em finais de Julho de 1970, devo dizer que estava nesse Quartel em funções de formação de futuros Oeradores de Morse e que por circunstâncias várias estava a chefiar um Pelotão de instruendos, tal como vários dos meus camaradas de Curso, aqueles a quem por hábito costumo designar por “Ilustres TSF”. Por via disso, dessas funções, era corrente ter que tratar de assuntos vários na Secretaria e, naturalmente, interagir com o senhor Sargento Guedes Barbosa.
Então, esperando que não me chamem muitos nomes por agora “puxar a brasa à minha sardinha” (o amigo Branquinho perdoará este meu “falar sobre o meu umbigo”), sempre vos digo que arranjei maneira de termos (os “Cabos Milicianos” que estávamos de “instrutores”) uma semana de férias, quando isso normalmente não teria sido possível.
E como foi? Ora bem, por aqueles tempos faltavam “Aspirantes” e, como disse acima, nós, os “Ilustres” é que estavam a comandar os Pelotões de Instrução. Algures no Regulamento (RDM) eu li que “quem estivesse a desempenhar funções normalmente cometidas a um 'superior', por um período igual ou superior a 3 meses, tinha direito a 1 semana de licença".
Na posse desta informação (não sei precisar se cheguei lá de “motu próprio” ou foi “soprada” por alguém), a verdade é que fui com isso ao Guedes Barbosa, argumentei, reconheceu que tinha razão (estava no RDM….) mas que isso não era habitual, e que seria difícil acontecer mas que, no entanto, ia apresentar a situação ao Senhor Comandante e que, caso houvesse deferimento, não poderíamos ir todos ao mesmo tempo.
Não era habitual acontecer mas aconteceu! Essa minha semana de férias, inédita volto a dizer, ocorreu de 24 ou 25 de Agosto a 1 de Setembro quando regressei e fiquei logo de “Sargento de Dia”.
Nesse dia, 1 de Setembro de 1970, ocorreu então em “encontro imediato” com um personagem sinistro que havia no Quartel, um tal Capitão Carneiro (a quem chamavam “cobra cuspideira” porque quando vociferava – ele raramente “falava” – enchia o interlocutor de perdigotos”) mas isso é outra história, mais comprida, e já a contei aqui no Blogue, no poste P10341, de 6 de Setembro de 2012, intitulado “Abuso de poder”.
Desse “encontro” resultou uma ameaça do tal sinistro personagem de me “embrulhar” numa participação. Acontece que, por sua vez, houve quem me aconselhasse a “fazer queixa” dele, já que o desaforo foi exercido contra um militar em funções, com imensas testemunhas desde o Oficial de Dia aos instruendos de 5 Pelotões que estavam formados à porta do Refeitório.
Por coincidência, no rescaldo dessa refeição foi dado conhecimento da minha mobilização para a Guiné, juntamente com mais alguns.
Quem foi então que me ajudou? Claro, o Sargento Guedes Barbosa! Em primeiro lugar pelo tal conselho de “fazer queixa” (fazer “participações” não era nossa prerrogativa) e depois por ter demovido o tal Capitão de avançar com a participação “porque o rapaz acabava de ser mobilizado para a Guiné e já chegava de “castigo”).
Mas acabou aqui o meu relacionamento com o Guedes Barbosa? Não!
Também ele acabou por ir parar à Guiné e aí já me recordo de ser 1.º Sargento. Por essa época, estando eu a desempenhar funções no “Centro de Escuta”, o 1.º Guedes Barbosa vivia numa moradia ali ao lado e cruzámo-nos várias vezes, trocando impressões. Numa ocasião queixei-me de dores no estômago e não é que o “nosso 1.º” se afadigou em arranjar e fazer um chazinho para o estômago? Pois é, caí em graça e já se sabe que “mais vale cair em graça que ser engraçado”.
Terminou? Não!
Alguns anos mais tarde, não sei agora precisar mas estimo que no início da década de 80, eu e o Nelson Batalha, acompanhados das respetivas “consortes”, metemo-nos ao caminho desde Setúbal para ir visitar um camarada nosso, o Manuel Martinho que julgo por essa altura ainda habitar em S. Martinho do Campo.
No caminho passámos no Porto, fomos até à Arca d’Água, chegámos à porta de armas do Quartel das Transmissões e pedimos para falar com o “senhor 1.º Sargento Guedes Barbosa”. Nessa altura, já não sei se o sentinela, se o “sargento de dia” que entretanto apareceu, retorquiram: “1.º Sargento não, nosso Capitão Guedes Barbosa” e informaram que ele se encontrava num edifício que ficava no interior logo que se saía da parada para o lado das salas de instrução, que bem conhecíamos.
Com a devida autorização fomos até lá. Ficámos à entrada do portão do edifício, uma espécie de armazém de material, em perfeita contra-luz para quem estava no interior em penumbra e dissemos em uníssono “meu Capitão, dá licença”? De imediato ele volta-se para nós e diz: “Olha o Batalha e o Bigodes”!
Foi comovente, pois passados aí uns 10 anos foi capaz de nos reconhecer num ápice. Não sei mais nada dele, espero que esteja bem, mas guardo boas e gratas recordações.
Abraços
Hélder S.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 6 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13249: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (16): A Carta de Condução
segunda-feira, 14 de setembro de 2020
Guiné 61/74 - P21358: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (6): a evaporação das cervejas
Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > s/d > Largada de frescos e correio, de paraquedas... Foto do álbum de Herlânder Simões, ex-fur mil da companhia de "Os Duros de Nova Sintra", de rendição individual, tendo estado no TO da Guiné, em Nova Sintra e depois Guileje, entre maio de 1972 e janeiro e 1974.
Foto ( e legenda): © Herlânder Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Região de Quínara > Mapa de São João (1955) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bolama, São João, Nova Sintra, Serra Leoa, Lala, Rio de Lala (afluemte do Rio Grande de Buba)
1. Mais uma pequena história do Carlos Barros, um de "Os Mais de Nova Sintra", 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974:
Chegado ao local, esperavamos pela chegada das lanchas e, enquanto aguardavamos, uma criança africana que tinha sido transportada numa Berliet de Nova Sintra, pega num fio de electricidade, com um chumbo improvisado, um “joelho” de canalização enferrujado, um anzol com isco e lançou ao rio.
Passados cinco minutos sente-se um grande puxão e o miúdo alou a “pesqueira” e pescou um grande peixe-serra que foi puxado para a margem e, com uma afiada faca do mato, foi morto e esquartejado , servindo mais tarde, de alimento para a tabanca.
Um dos graduados do 3º grupo de combate levou uma granada ofensiva e lançou-a para um cardume de peixes que nadavam à superfície e, após da explosão, só se viam peixes “à tona” e só foi recolhê-los para uma caixa que serviram de jantar, na Messe para os graduados, e quase todos comeram, menos o sargento Rasteiro, para nós, “persona non grata”…
Foi o regresso das viaturas e militares ao destacamento , sendo conferido todas as bebidas e materiais transportados e, como era habitual, faltavam cervejas …
As viaturas “ marchavam” de regresso a passo de caracol para dar tempo aos soldados beberem as suas cervejas para arrelia do Rasteiro…
Naturalmente que nós, graduados, sabíamos da marosca e eramos cúmplices. A tropa manda(va) desenrascar…
Carlos Barros, Nova Sintra 1974 (**)
(*) Vd. poste de 10 de maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1747: Tabanca Grande (8): Herlânder Simões, ex-Fur Mil, um dos Duros de Nova Sintra (1972/74)
domingo, 26 de agosto de 2018
Guiné 61/74 - P18953: Os 54 sargentos que tombaram no CTIG (1963-1974), por doença (n=24), em combate (n=17) e por acidente (n=13) (Jorge Araújo)
Lisboa (Cais da Rocha Conde de Óbidos), 6 de Outubro de 1964, 3.ª feira. Desfile de despedida do contingente da Companhia de Caçadores 726 [CCAÇ 726], momentos antes do embarque a bordo do N/M «Uíge», rumo a Bissau, unidade comandada pelo capitão Martins Cavaleiro [foto de autor desconhecido editada no cmjornal em 05.06.2010, in: http://www.cmjornal.pt/mais-cm/eu-reporter-cm/correio-do-leitor/detalhe/cacadores-726-convivem (com a devida vénia)].
1. INTRODUÇÃO
Este projecto de actualização das listas dos camaradas que tombaram no CTIGuiné durante a «Guerra do Ultramar» ou «Guerra Colonial» (1961-1974), estruturado por patentes segundo a tríade em que foram agrupadas as causas das suas mortes – acidente, combate e doença – teve o seu início com os «Alferes» [P18860], seguindo-se depois os «Furriéis» [P18925, P18927 e P18935].
Hoje, apresento ao Fórum a lista dos camaradas «Sargentos» dos três ramos das Forças Armadas, organizada segundo a metodologia anterior, os mesmos quadros de categorias e ordem cronológica.
Continuamos a considerar a hipótese desta lista estar incompleta, tal como as já publicadas, na justa medida em que existem casos de militares que tombaram nos diferentes TO que estão ainda por registar e/ou recensear.
Quanto aos camaradas «Sargentos do Exército», que faleceram em combate na Guiné, recordo os nomes dos três primeiros casos, por sinal os únicos ocorridos ao longo do ano de 1965, ou seja, dois anos após o início do conflito, e que foram:
● Em 28FEV1965 – o 1.º Sargento Inf Joaquim Lopo Covas Balsinhas, da CCAÇ 726,
● Em 19JUL1965 – o 2.º Sargento Inf Leandro Vieira Barcelos, da CCAÇ 763,
● Em 11AGO1965 – o 2.º Sargento CMD Rodolfo Valentim Oliveira, da 4.ª CCAÇ.
Idem. Em “A” continua a ser o 1.º sargento Joaquim Balsinhas; “B”: o fur enf Manuel Rodrigues; “C”: o 2.º sargento José Bebiano; “D”: o fur trms Carlos Cruz e “E” elementos da CART 495 [fotos do camarada António Pires (Teco), com a devida vénia (P2360)].
2. AS PRIMEIRAS TRÊS BAIXAS EM COMBATE NO EXÉRCITO
2.1. A 1.ª BAIXA: 1.º SARGENTO INF JOAQUIM LOPO COVAS BALSINHAS, DA CCAÇ 726, EM 28FEV1965
Da História da CCAÇ 726 [Guileje, Mejo e Cachil, 1964-1966] consta que esta Unidade foi mobilizada pelo Regimento de Infantaria 16 [RI 16], de Évora, tendo desembarcado em Bissau a 14 de Outubro de 1964, 4.ª feira, rendendo a CART 676 no dispositivo e manobra do BCAÇ 600. Sob a orientação da CCAÇ 508, fez a adaptação operacional na zona de Quinhamel, perto da capital. Em 28 de Outubro e 17 de Novembro de 1964, foram destacados para Guileje o 1.º GrComb e o 2.º GrComb, respectivamente.
Em 25 de Novembro de 1964, 4.ª feira, todo o colectivo da CCAÇ 726 estava colocado no Sector de Guileje, então criado [daí ser considerada a primeira Companhia a ocupar Guileje], primeiro na dependência do BCAÇ 513, depois na do BCAÇ 600 e ainda na do BCAÇ 1861. Anteriormente Guileje esteve ocupado por um GrComb da CART 495 [Fev1964-Jan1965].
A CCAÇ 726, ao longo da sua permanência neste Sector, só ou em conjunto com outras subunidades, tomou parte em diversas operações, patrulhamentos e emboscadas no chamado "Corredor de Guileje". Por períodos variáveis forneceu, também, Gr'sComb para reforçarem, temporariamente, as guarnições de Gadamael e Cacine.
Em 30 de Março de 1965, 3.ª feira, na sequência da «Op. Arpão» ocupou a povoação de Mejo, aí ficando instalados dois GrComb. Em 27 de Janeiro de 1966, 5.ª feira, destacou dois GrComb para o Cachil, para reforçar a CCAÇ 1424, então na zona de acção do BCAÇ 1858. Em 2 de Julho de 1966, sábado, passou a integrar o dispositivo do BCAÇ 1858, por rotação com a CCAÇ 1424, assumindo a responsabilidade do subsector de Cachil, mantendo ainda um GrComb em Mejo.
Em 16 de Julho de 1966, sábado, foi substituída pela CCAV 1484, do Capitão Cav Rui Pessoa de Amorim, seguindo para Catió, onde se manteve até à chegada da CCAÇ 1587, do Capitão Mil Inf Pedro Reis Borges. Em 6 de Agosto de 1966, sábado, seguiu para Bissau, onde no dia seguinte embarcou a bordo do Paquete «Rita Maria» de regresso à Metrópole.
A CCAÇ 726, durante a sua comissão de vinte e dois meses, teve três comandantes: o Capitão Martins Cavaleiro, o Capitão Inf Arménio Teodósio e o Capitão Art Nuno Rubim. [vidé P2360 e P10576].
Entretanto, numa das missões de contra-penetração efectuadas no «Corredor de Guileje», morre em combate, em 28 de Fevereiro de 1965, domingo, por efeito de explosão de uma armadilha IN, o 1.º Sargento Inf Joaquim Lopo Covas Balsinhas, natural de S. Brás e S. Lourenço, Elvas.
A morte de Joaquim Balsinhas, considerada a segunda baixa do contingente da CCAÇ 726 [a 1.ª foi a do Furriel António Gonçalves da Silva, natural de Penude, Lamego (P18927), ocorrida em 29NOV1964, durante um ataque à tabanca e ao quartel de Guileje (P2360)], ficou grafada na historiografia da Guerra no CTIG como a primeira em combate de um Sargento do Exército, numa altura em que o conflito armado somava, então, vinte e cinco meses.
2.2. A 2.ª BAIXA: - 2.º SARGENTO INF LEANDRO VIEIRA BARCELOS, DA CCAÇ 763, EM 19JUL1965
A morte do 2.º Sargento Inf Leandro Vieira Barcelos, natural de Porto da Cruz, Machico (Madeira), ocorrida em 19 de Julho de 1965, 2.ª feira, é considerada a segunda na cronologia dos Sargentos do Exército falecidos em combate no CTIG, e a primeira da CCAÇ 763 [Cufar, 1965-1966].
Da História da CCAÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra") consta que esta Unidade foi mobilizada pelo Regimento de Infantaria 1 [RI 1], Amadora, Oeiras, tendo embarcado a 11 de Fevereiro de 1965, 5.ª feira, a bordo do T/T «Timor» rumo a Bissau, onde desembarcou seis dias depois, em 17 de Fevereiro de 1965, 4.ª feira. Aí chegada, a CCAÇ 763 ficou instalada em Santa Luzia no BCAÇ 600, aguardando ordens para seguir para Cufar, região de Tombali, na Frente Sul, de modo a reforçar o BCAÇ 619, sediado em Catió. O seu regresso à metrópole aconteceu a 26 de Novembro de 1966, sábado, a bordo do N/M «Niassa».
Quanto à descrição do contexto onde ocorreu a morte do 2.º Sargento Leandro Vieira Barcelos vamos encontrá-la no livro de memórias "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" do nosso camarada Mário Vicente [Mário Fitas, ex-fur mil op esp da mesma companhia], o qual faz parte do riquíssimo espólio deste blogue.
No P17130 é referido: […]
"Em 8 de Julho de 1965 [5.ª feira], a Companhia [CCAÇ 763] embarca em Impungueda a fim de levar a efeito a «Op Satan». Pelas quatro horas da madrugada as três LDM que transportam a CCAÇ [763] encontram-se frente a Caboxanque. Detectadas, as forças do PAIGC abrem fogo contras as NT, as lanchas conseguem acostar e o primeiro GrComb a desembarcar contra-ataca, desalojando os guerrilheiros.
Conseguindo progredir através de Caboxanque e depois Flaque Injã, pelas 07h00 consegue-se detectar e assaltar um acampamento, o qual foi destruído bem como várias instalações e uma grande escola do PAIGC, onde é apreendido bastante material e documentação. Entre a documentação são encontradas várias fotografias, uma das quais de "Nino" [Vieira, 1939-2009] em Pequim.
Na descida de Flaque Injã para Caboxanque somos emboscados. Reagindo bem, a Companhia consegue abater seis guerrilheiros, capturar uma espingarda automática e diverso equipamento. No cais de Caboxanque, onde se nos juntara a 4.ª CCAÇ de Bedanda, enquanto se aguardava o embarque, fomos de novo fortemente atacados, mas o IN foi repelido. Sofremos um ferido grave que foi evacuado de helicóptero para Bissau. […]
[Em 18 de Julho de 1965, domingo] voltámos a Cabolol. O guia vindo do Batalhão [BCAÇ 619] garante-nos haver um novo acampamento, mas não encontramos nada. Leva-nos ao antigo acampamento que verificamos continuar destruído. Divergimos para a tabanca de Cantumane que verificamos encontrar-se deserta. Procedimento normal em termos de anti-guerrilha, proceder à revista de todas as moranças e depósitos de arroz.
Quando o grupo destinado executava essa tarefa, a CCAÇ 763 foi violentamente atacada por um numeroso grupo IN que se encontrava emboscado na mata a norte. Três ataques sucessivos cor armas ligeiras e RPG, verifica-se a impossibilidade de utilização de morteiros, resultante da proximidade em que as forças se encontram.
Nessa ocasião é-nos dada a oportunidade de contactarmos com um novo, para nós, método de
emboscada: a utilização de abelhas.
[imagem de cortiço de abelhas africanas]. Fonte: iStock, com a devida vénia.
Os cortiços são postos em pontos estratégicos e, ao desencadearem a emboscada, fazem fogo sobre os
referidos cortiços. As abelhas "lassas" saem lançando-se enfurecidas sobre os nossos homens, desarticulando completamente o dispositivo dos grupos de combate, ficando muita gente incapacitada para o combate, e para responder à emboscada [vidé P7674].
Com algum esforço, consegue-se fazer o envolvimento do IN provocando-lhe várias baixas confirmada. Por parte das NT sofremos mais um ferido grave que não viria a resistir, o nosso "Madeira". O 2.º sargento Leandro Vieira Barcelos é atingido no fígado por uma bala depois de lhe ter perfurado o rádio. O Barcelos não se aguentou e fina-se no dia seguinte no HM241, em Bissau. A CCAÇ 763 sofre mais três feridos graves por picadelas de abelhas, que foram também evacuados para o Hospital. E assim termina a denominada «Op. Trovão»" [P17130].
2.3 . A 3.ª BAIXA: - 2.º SARGENTO CMD RODOLFO VALENTIM OLIVEIRA, DA 4.ª CCAÇ, EM 11AGO1965
A morte do 2.º Sargento Cmd Rodolfo Valentim Oliveira, natural de Santiago, Tavira, ocorrida em 11 de Agosto de 1965, 4.ª feira, é considerada a terceira na cronologia dos Sargentos do Exército falecidos em combate no CTIG.
O sargento Rodolfo Valentim Oliveira pertencia à estrutura orgânica da 4.ª CCAÇ [Companhia de Caçadores Nativos (ou indígenas) constituída por praças africanas de Recrutamento Local, que eram enquadrados por oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole.
Criada e instalada primeiramente em Bolama em finais de 1959, mudou-se em Julho de 1964 para Bedanda, por necessidades operacionais, uma vez que um dos objectivos intrínsecos para a sua criação foi/era a segurança e/ou a defesa das suas populações, estando assim implícito o conceito de "missão" ou "actividade operacional" na luta contra os grupos da/de guerrilha armados. Três anos após a instalação dos seus primeiros efectivos em Bedanda, esta Unidade é renomeada, em 1 de Abril de 1967, passando a designar-se por Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6 - "Onças Negras"] (vidé: P18387 e P18391).
Na sequência da actividade operacional da CCAÇ 763, caracterizada pelo camarada Mário Fitas no livro acima referido, da qual resultou a morte do 2.º sargento Leandro Vieira Barcelos, já descrita no ponto anterior, encontrámos uma primeira referência à 4.ª CCAÇ, onde dá-se conta de missões conjuntas envolvendo as duas Unidades.
É a partir dessas vivências colectivas anteriores, partilhadas em palcos comuns, que se vem a saber da morte do 2.º sargento Rodolfo Valentim Oliveira. Por ausência de informações mais precisas quanto aos detalhes que originaram a sua morte em combate, citamos o que foi possível apurar neste âmbito:
"Voltamos a caminhos de Cabolol mas seguindo a estrada, passamos nas bordinhas da mata e vamos atá à tabanca de Cobumba, numa acção punitiva, por a sua população dar guarida a um grupo de guerrilheiros, que teria causado várias baixas à 4.ª CCAÇ estacionada em Bedanda, entre as quais se contava um sargento [Rodolfo Valentim Oliveira]" [P17130].
Para que não fiquem na "vala comum do esquecimento", como costumamos afirmar, eis os quadros estatísticos dos 54 (cinquenta e quatro) sargentos [Ajud., 1.ºs e 2.ºs], nossos camaradas dos três ramos das Forças Armadas, que tombaram durante as suas Comissões de Serviço na Guerra no CTIG, sendo 13 em acidente (24.1%), 17 em combate (31.5%) e 24 por doença (44.4%).
3. QUADROS POR CATEGORIAS E ORDEM CRONOLÓGICA
Fontes consultadas [com cruzamento]:
http://www.apvg.pt/
http://ultramar.terraweb.biz/index_MortosGuerraUltramar.htm (com a devida vénia)
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
24AGO2018.
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Nota do editor:
Vd postes relacionados com este último:
19 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18935: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - III (e última) Parte: Por doença (n=14) (Jorge Araújo)
16 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18927: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte II: Em combate (n=139) (Jorge Araújo)
15 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18924: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte I: Por acidente (n=68) (Jorge Araújo)
20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)
26 de4 agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18953: Os 54 sargentos que tombaram no CTIG (1963-1974), por doença (n=24), em combate (n=17) e por acidente (n=13) (Jorge Araújo)
sábado, 30 de junho de 2018
Guiné 61/74 - P18795: (De) Caras (111): O 1º srgt trms ref, Henrique A. Mendes, CART 797 (Tite e Nhacra, 1965/67)
Fotos (e legendas: © Sandra Mendes (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de Sandra Cristina Ferreira Alves Mendes, com data de ontem, às 15h55
Transmitirei na integra esta sua resposta (*). E tentarei junto do "Mendes" (, meu pai sempre gostou de ser tratado por Mendes,) saber mais informações.
Ele seguiu mesmo a vida militar, sempre, até ser obrigado a reformar-se pelo tempo, como por outras razões.
Quanto à vida familiar, ele próprio, só se casou após o 25 de abril (, em 1976) e os filhos apenas vieram em 1979 (eu) e o meu irmão (1983).
Sempre fui muito agarrada ao pai, eu era "o soldado dele", já que cresci no quartel de São Gonçalo, Ponta Delgada, Açores.
Eu sempre o conheci como 1º sargento e ele responde sempre, que sempre foi sargento, gosto de picá-lo...
Pelo que o Luís me diz, deve ter sido, na Guiné, quando ele estudou para 1º sargento... (suponho eu).
Ele bem teima comigo que era sargento... (ele sempre foi sargento!)
De cabeça está perfeitamente bem. Agradeço e manterei contacto.
Envio-lhe uma foto que tenho, até no meu facebook, do meu pai... no ultramar.. penso que seja em Tete, Moçambique... onde ele passou mais tempo. Esta é de 1971. A outra foto é de 1979, em São Gonçalo, Ponta Delgada, Açores., comigo bébé.. E tem outra também, em São Gonçalo, com ele e outros militares-
2. Comentário de LG: