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domingo, 30 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25702: Fichas de unidade (36): CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)



Guiné > Região de Quínara > Buba > CCAÇ 2382 (1968/70) > Dia do "santo patacão", o do pagamento do pré. Cap Mil Art Gomes de Araújo, sentado, alf mil Curado, de pé, à direita, o sargento Boiça, à esquerda  e o fur Mil Henrique, ao centro, em segundo plano. 

A foto é do nosso camarada Manuel Traquina, retirada e editada, com a devida vénia, do seu livro, "Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné" (Abrantes: Palha de Abrantes, 2009, pág. 130).




Guião da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70), "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"... Um trocadilho bem achado..., ó Zé do Olho Vivo!

Companhia de Caçadores nº 2382

Identificação: CCaç 2382

Unidade Mob: RI2 - Abrantes

Crndt: Cap Mil Art Carlos Nery de Sousa Gomes de Araújo

Divisa: "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"

Partida: Embarque em 1mai68; desembarque em 6mai68

Regresso: Embarque em 3abr70

Síntese da Actividade Operacional

Em 18mai68, seguiu para Bula, a fim de efectuar a instrução de aperfeiçoamento
operacional com a CCaç 2312, sob orientação do BCav 1915, tendo tomado parte em operações realizadas nas regiões de Blequisse, Ponta Consolação e Bajope, nas quais obteve excelentes resultados. 

Entretanto, a referida instrução foi interrompida por razões operacionais e a subunidade seguiu para Aldeia Formosa, por fracções, em 3jun68 (dois pelotões) e em 8jun68, a fim de reforçar o dispositivo do BArt 1896 e depois do COSAF/COP 1, em face de pressão inimiga então verificada na região do Forreá.

Em 7jun68, dois pelotões ocuparam Contabane e em 11jun68, o comando e os outros dois pelotões instalaram-se em Mampatá; no entanto, em 18Jun68, a sede da subunidade passou para Contabane, ficando um pelotão
destacado em Mampatá. 

Em 1jul68, por evacuação de Contabane, voltou de novo a instalar-se em Mampatá, agora com dois pelotões destacados em Buba e Patê Embalá.

Em 13jul68, substituíu temporariamente a CArt 1612 no subsector de Aldeia Formosa até à chegada da CCaç 2381, em 8ag068, com os seus pelotões disseminados por Nhala, Mampatá, Chamarra e Patê Embalá, este até 3ag068 e depois deslocado para Buba, em reforço do BCaç 2834.

Em 12ag068, a subunidade foi então transferida para Buba, com um pelotão destacado em Nhala, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 2834, e depois do COP 4, quando criado, com a missão de intervenção e reserva; nesta função, efetuou diversas operações na zona de acção e exerceu o seu esforço na contrapenetração, tendo capturado elevadas quantidades de armamento e material e de que se destaca uma emboscada efectuada a uma coluna de reabastecimentos inimiga, no rio Chinconhe, em 22nov68.

Em 290ut69 e 8nov69, foi rendida, por frações, pela CCaç 2616 e recolheu a Bissau, a fim de se integrar no BArt 2866 e colaborar na segurança e  protecção das instalações e das populações, tendo ainda um pelotão destacado em Sanfim e João Landim.

Em14mar70, foi substituída pela CArt 2411, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 96 - 2ª Div/4ª  Sec, do AHM). 

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 367/368.

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 1 d maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25466: Fichas de unidade (35): BCAÇ 2856 (Bafatá, 1968/70)

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25694: S(C)em Comentários (41): Contabane, que depois, em 22 de junho de 1968, será praticamente riscada do mapa, acabando por ser evacuada em 1 de julho...


1. Face à pressão IN sobre a região do Forreá, a CCAÇ 2382 (que chegara ao CTIG em 6mai68, e estava a fazar a IAO em Bula), é colocada e
m 7jun68, à pressa,  no Sector S2 (Aldeia Formosa), com dois pelotões em  Contabane.  Veio redner forças da 5ª CCmds.

Em 11jun68,  instala-se o o comando e os outros dois pelotões em Mampatá; no entanto, em 18jun68, a sede da subunidade passou para Contabane, ficando apenas um pelotão destacado em Mampatá.  

Na noite de 22jun68, Contabane sofre um ataque de 3 horas e fica praticamente reduzida cinzas. (Também vi este "filme",  um ano mais tarde, ns zona leste, no subsetor de Mansambo: Candamã, tabanca fula em autodefesa do regulado do Corubal, é atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer do 30 de julho de 196; esse brutal ataque, com balas e granadas incendiárias,  em que o PAIGC utilizou dois bigrupos, reforçados, e armamento pesado,  surgiu na sequência do recrudescimento da actividade IN no tradicional triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, após a Op Lança Afiada, que decorreu de 8 a 18 de março de 1969; e foi comandado pelo famigerado Mamadu Indjai, um dos futuros conspiradores da ala militarista do PAIGC que irá assassinar o Amílcar Cabral.)

 Em 1jul68, Contabane, no Forreá,  é evacuada, a CCAÇ 2382 volta de novo a instalar-se em Mampatá, agora com dois pelotões destacados em Buba e Patê Embalá.

Este trecho do Carlos Nery (*) , a seguir reproduzido,  refere-se a um patrulhamento na véspera. Contabane era uma bela aldeia fula, bucólica, como Candamã e tantas outras, onde a vida parecia que corria normalmente. O régulo era o Sambel, e a "mulher grande" do régulo, uma grande senhora, a Fatumatá.  

 

Guiné-Bissau > Saltinho > Sinchã Sambel >  2005 > A mulher do régulo local. A que está a ordenhar a vaca é casada com o régulo de Sinchã Sambel,  Suleimane Baldé, antigo milícia, filho do antigo régulo de Contabane, Sambel Baldé.  Depois da evacuação de Contabane, em 1 de julho de 1968, a população dispersou-se por Mampatá e Aldeia Formosa. Mais tarde,foi reunida numa nova tabanca, junto ao Saltinho, Sinchã Sambel, em homenagem ao régulo, que foi sempre leal aos portugueses (era um firme alidado de Spínola).

Foto (e legenda): ©  José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(...) Contabane, a tabanca fula à nossa guarda, ia ficando para trás.

Acordáramos sentindo o seu frémito de vida. As mulheres no pilão descascando o arroz para as refeições do dia, num ritmo marcado por bater de palmas e cantares, as crianças brincando, a ladainha na escola árabe, as saudações complicadas dos «homens-grandes» que indagavam uns dos outros o bem-estar de todos os familiares e animais domésticos.

Afastávamo-nos pois daquele agregado humano, das mulheres preparando as refeições, tratando dos filhos ou lavando a roupa na fonte, dos homens partindo para o trabalho em lavra próxima ou orando, prostrados no chão, virados para Meca.

Numa larga «pontuada» atravessávamos zonas de capim seco, de denso «mato escuro», enterrávamos as botas de lona nos cursos de água engrossados pelas chuvas que chegavam. Suspendo o movimento da coluna. O pessoal agacha-se no terreno, armas para fora, perscrutando o mato hostil. O calor é pesado. Desarrolham-se cantis, bebem-se curtas goladas. Moscas minúsculas bailam teimosas à nossa volta insistentes nos nossos ouvidos e olhos. O «ladrar» do macaco-cão ouve-se perto. (...) 

2. Este trecho merece ser destacado na série  "S(c)em comentários" (**). (LG)

Guine 61/74 - P25693: 20º aniversário do nosso blogue (17): Alguns dos melhores postes de sempre (XIII): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte III: um texto antológico de Carlos Nery (ex-cap mil, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)


Carlos Nery, foto de perfil do
Facebook. Grande ator
da Companhia Maior




1. Texto soberbo, antológico, escrito com garra, raiva e objetividade, do  Carlos Nery Gomes de Araújo, o nosso Carlos Nery, ex-cap mil inf, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70. 

Poucos dos comandantes operacionais, com apenas um mês de Guiné,  seriam capazes de vir a público dizer isto, no final de uma ataque devastador de 3 horas, uma experiência brutal para o Carlos Nery, os seus homens e o povo de Contabane :

 "As palavras soam-me tragicamente absurdas, 
sinto na garganta um aperto inenarrável e,
 com as lágrimas de revolta que me queimam a cara — as minhas últimas verdadeiras lágrimas —,
 sinto que muito de mim se perde, 
se perde irremediavelmente".







Noite Longa em Contabane

por Carlos Nery Gomes de Araújo


— Morteiro 60?

— Pronto, meu capitão!

— Lança-granadas?

— Presente!

— Dilagrama?

— Estou aqui!

Olhei os homens à minha frente. Trabalhadores rurais, pescadores, empregados do pequeno comércio ou indústria, estudantes.

— Meter uma bala na câmara!

O ruído das culatras das G3 introduzindo os cartuchos nas câmaras fez-se ouvir, áspero.

— Patilhas em segurança!

Os soldados obedeceram. Recém-chegados à Guiné, pouco familiarizados com as armas recentemente distribuídas, sentíamos os camuflados novos flutuando sobre a pele.

— Está «no ir»!

Procurando aparentar segurança, utilizei a expressão ouvida aos veteranos. O dispositivo desdobrou-se numa sinuosa e reticente «bicha de pirilau».

Passámos além dos homens que faziam rolar grossos troncos de palmeira para cobertura de mais um abrigo de combate ou que desenrolavam arame farpado concluindo uma segunda rede de protecção.

— Aumentar os espaços entre cada dois homens!

— Se houver contacto de fogo, não abrir de rajada! Sempre tiro-a-tiro! Disciplina de fogo!

As ordens passavam agora de homem para homem em voz baixa. Naquele início de comissão resumiam o essencial dos meus conhecimentos de contra-guerrilha. Com menos de um mês de Guiné e escassos dias na região do Forreá tudo nos parecia estranho e assustador. Fiávamo-nos nos conhecimentos de mato dos três caçadores nativos que nos serviam de guias (Caç Nat na documentação operacional).

Contabane, a tabanca fula à nossa guarda, ia ficando para trás.

Acordáramos sentindo o seu frémito de vida. As mulheres no pilão descascando o arroz para as refeições do dia, num ritmo marcado por bater de palmas e cantares, as crianças brincando, a ladainha na escola árabe, as saudações complicadas dos «homens-grandes» que indagavam uns dos outros o bem-estar de todos os familiares e animais domésticos.

Afastávamo-nos pois daquele agregado humano, das mulheres preparando as refeições, tratando dos filhos ou lavando a roupa na fonte, dos homens partindo para o trabalho em lavra próxima ou orando, prostrados no chão, virados para Meca.

Numa larga «pontuada» atravessávamos zonas de capim seco, de denso «mato escuro», enterrávamos as botas de lona nos cursos de água engrossados pelas chuvas que chegavam. Suspendo o movimento da coluna. O pessoal agacha-se no terreno, armas para fora, perscrutando o mato hostil. O calor é pesado. Desarrolham-se cantis, bebem-se curtas goladas. Moscas minúsculas bailam teimosas à nossa volta insistentes nos nossos ouvidos e olhos. O «ladrar» do macaco-cão ouve-se perto.

Vou à frente procurando aperceber-me da forma como é conduzida a coluna.

– Capitão, há aqui perto uma tabanca abandonada, podíamos ir ver...

Encaro o jovem Caçador Nativo. Apercebo-me que não possui, afinal, a experiência que a princípio lhe atribuíra. Sinto-o imaturo. Afinal um adolescente excitado por acompanhar a tropa, envergando camuflado igual e empunhando uma arma.

Uma tabanca abandonada. Não terá merecido a atenção do inimigo? Mas, nesta região para nós desconhecida, há que estabelecer contacto com o real.

– Vamos lá então ver essa tabanca.

******

Durante anos a guerra passara ao largo da região onde estávamos. No Quebo, baptizado pelos portugueses de Aldeia Formosa, residia o Cherno Rachid, chefe espiritual de vasta área que se estendia para lá da fronteira.

O PAIGC, atendendo, certamente, à sua presença, evitara levar ali a guerra. Mas a guerrilha era portadora de uma ideia nova que, como todas as ideias novas, vinha para dividir.

Os tradicionalistas agarrados a hábitos, costumes e cultura ancestrais recebiam-na com indisfarçável reserva. Outros, seduzidos por essa mesma ideia, desapareciam indo engrossar as fileiras do exército revolucionário.

– Isto é uma guerra entre casados e solteiros... Pessoal casado, com casa, com filhos, não pode deixar tudo.

– Rapaz novo pode abandonar... — dir-me-ia Amadu, milícia em Buba.

Mas, ao aceitar armas aos portugueses, os fulas do Forreá comprometeram a imagem de neutralidade até aí existente. O PAIGC, acusando-os, também, de veicular informações para a tropa, abriu então, violentamente, hostilidades contra as populações que haviam aceitado colocar-se em autodefesa.

Perante os ataques a Contabane e Mampatá 
[de 22 de maio e 11 de junho de 1968, respetivamente] e a emboscada a uma viatura em que são «apanhados à mão» vários militares portugueses e passados pelas armas alguns milícias considerados traidores, são deslocados à pressa efectivos para a área.

A companhia cujo comando me fora entregue, interrompeu assim o seu treino operacional em Bula, a norte de Bissau, e foi enviada para o Sul onde rendeu a 5.ª Companhia de Comandos que, na emergência, ali fora colocada dias antes.

Numa curva de mato denso surge-nos o que resta da tabanca. Naquela zona de África nada é perene. Os vestígios deixados pelo homem cedo são engolidos pela natureza estuante.

O colmo, que cobrira as casas, apodreceu, as chuvas desfizeram as paredes de adobe, a vegetação ameaça tudo invadir. Pretendo estabelecer uma meia-lua de segurança e efectuar um reconhecimento cauteloso. De súbito perco o controlo da situação. Os soldados descobrem, à entrada da tabanca, um renque de vegetação donde pendem, abundantes, ananases maduros e sumarentos.  As facas de mato brilham em movimentos rápidos e os bolsos dos camuflados enchem-se da dádiva inesperada.

Sinto o perigo desta quebra de disciplina, mas não tenho tempo para actuar. O rebentamento ecoa surdo e violento. Num ápice estamos cosidos à poeira procurando descobrir se somos alvo de algum ataque.

Ninguém se lembra mais dos ananases, embora alguns os sintam esmagar-se entre os corpos e o chão.

- Capitão! Capitão! — ouço num apelo lancinante.

Procuro descobrir donde vem o chamamento. Caído no caminho de acesso à povoação, rodeado ainda da espessa nuvem negra do rebentamento de uma mina, descubro o jovem Caçador Nativo que me sugerira «ir ver» a tabanca abandonada.

– Acode-me! Capitão, acode-me!

Vejo-o no seu desespero, sem o pé esquerdo, canela transformada em brutal flor de sangue.

– O enfermeiro! 

A ordem percorre os homens ainda de borco. A resposta chega-me a medo.

– Não veio...

Com os diabos, se há responsável sou eu! Como foi possível esquecer-me do enfermeiro! Ninguém se atreve, no receio de um campo de minas, a ir junto do ferido. Tenho que ir eu. Agarra-se a mim num desespero. Sinto os seus dedos enclavinhados no meu camuflado.

– Salva-me, capitão!

Puxo do meu penso individual de combate. À distância são-me atirados outros. E não sei — ai, não sei!, não, não sei! — como improviso um torniquete, como ligo aquela ferida absurda, descobrindo o que é o cheiro do sangue e sentindo o seu contacto viscoso e espesso nas mãos.

Uma porta meio queimada e duas G3 improvisam uma maca. Peço pela rádio a evacuação do ferido. Ouço, nítidas, interferências inimigas, na rede, utilizando os nossos indicativos.

Interrompo a comunicação. A tarde cai, os helicópteros não virão a esta hora.

Regressamos, em marcha acelerada, transportando o ferido, carregados de apreensão, no amargo daquele fim de tarde de Junho de 1968.

*******

O inimigo, ultimando a cuidadosa instalação para o ataque que viera fazer, viu ser arredado o cavalo de frisa colocado à entrada de Contabane e sair uma viatura a grande velocidade.

Assistiu ao seu regresso, transportando o ferido que, abandonados os cuidados da progressão a corta-mato, trazíamos pela estrada.

Viu também entrar a tropa apeada. Tudo observou sem se revelar. O planeado não sofria alteração, mesmo quando um alvo inesperado se oferecia a escassas dezenas de metros.

Instalar os canhões em posição de tiro direto, colocar-lhes junto as munições a utilizar, lançar um dispositivo de segurança, não é coisa fácil se se não quer ser pressentido.

Fizeram-no e aguardaram o sinal de iniciar o ataque.

******

Recebêramos, dias antes, a visita de Spínola. Acompanhado do seu séquito, descera dos helicópteros que haviam pousado numa aberta junto do arame farpado.

Camuflado de bom corte, botas de cabedal reluzentes, luvas negras, pingalim e monóculo penetrara na tabanca num passo rápido e decidido. As mulheres da população faziam adejar à sua volta lenços e panos coloridos. Afastou, com aparente desagrado, a manifestação de cortesia.

Vinham ainda longe os tempos da guerra psicológica e das suas tentativas de intervenção política «Por uma Guiné Melhor». Viera falar de guerra, com quem, em princípio, ali estava para a fazer.

Quis ser conduzido ao posto de comando, ser informado da situação. Fez perguntas de que conhecia, certamente, as respostas, tentando avaliar da minha capacidade para assumir a responsabilidade daquela posição tornada subitamente quente.

Por trás dele, Almeida Bruno fazia-me sinais encorajando as minhas respostas certamente pouco satisfatórias.

Carlos Nery (2010).
Nasceu no Funchal em 1933.
Aos 35 anos estava a comandar
um companhia operacional
na Guiné

******

Cumprindo, em tempo de paz, o meu serviço militar obrigatório, voltara a ser
chamado, dez anos depois, para frequentar um curso de comandantes de companhia em Mafra. À medida que a guerra se prolongava, mais escasseavam as «vocações» para a carreira de militar profissional. Nos últimos anos contavam-se pelos dedos de uma só mão o número de inscrições nos cursos das três armas em funcionamento na Academia Militar. Houve, então, que recorrer aos milicianos para assegurar o comando de companhias operacionais.

Abandonada a minha mesa de trabalho num banco da Baixa lisboeta, juntara-me a um grupo  
de «chefes de família», melhor ou pior instalados na vida,  que, não escondendo a suacontrariedade, iam ser preparados «à pressão»  para assumir
 o  comando de homens nas três frentes 
de combate em África.

Estranhamente, os nossos instrutores em Mafra só conheciam a guerra da leitura dos manuais ou dos relatos dos seus camaradas com experiência de combate.

Pertenciam ao curso do filho de um ministro de então e esta «coincidência» garantiu-lhes, durante anos, um estatuto de especialistas de contra-guerrilha sem nunca terem ouvido assobiar uma bala em combate.

Numa casa de colmo transformada em improvisado posto clínico, o enfermeiro dá soro ao ferido. Há que esperar pelo nascer do dia para proceder à evacuação.

– Um homem de cada abrigo vem buscar as terrinas com o jantar para o seu pessoal — ouço-me dizer, numa inspiração que vai poupar muitas vidas.

Tiro o meu dólmen suado e, de tronco nu, encosto a G3 e aceito um prato de sopa onde mergulho a colher.

Subitamente o lusco-fusco acende-se num turbilhão de fogo. De diversas direcções o inimigo abre o ataque com rajadas de bala tracejante apontada aos tetos de colmo seco das casas.

Em segundos o incêndio alastra por toda a tabanca em grossas labaredas crescendo para o negro da noite que desce. Os canhões sem recuo despejam toda a munição sobre nós. A seguir, os morteiros ajustam também o seu fogo.

Consigo atingir a posição do nosso morteiro 81. Abrigados no círculo definido por bidões cheios de terra, uma mulher com um filho de colo, três rapazitos tentando ajudar no manuseamento da arma coletiva, eu e o alferes Mendes Ferreira. Combatentes inexperientes, sem possuir ainda a serenidade que nos permita detetar a zona de instalação inimiga, inclinamos a olho o tubo e vamos introduzindo, uma após outra, as munições de que dispomos.

Encosto-me inadvertidamente ao tubo aquecido e sofro no peito um vergão de fogo.

Próximo, o paiol improvisado, onde depositáramos a dotação de munições da companhia, é atingido. Aos rebentamentos das granadas inimigas, junta-se o barulho indescritível dos cunhetes de cartuchos e de granadas rebentando em girândola infernal. Balas e estilhaços assobiam em todas as direções.

A nossa companheira do refúgio foge com o filho agarrado. Esgotadas as munições de morteiro, não faço nada ali e exponho-me a qualquer granada que possa cair próximo.

– Vou ver se encontro uma G3 e procurar atingir um abrigo de combate.

O alferes fará o mesmo, procurando outro abrigo. Corro para a cozinha de campanha onde vira uma arma encostada a um caldeiro. Agarro-a. Custa-me orientar na confusão em que tudo se transformou, perdidos os pontos de referência a que me habituei.

Abrigados junto de uma parede semidestruída, vislumbro os vultos do jovem guia dessa tarde e do furriel enfermeiro da companhia.

– Então, como está ele? — pergunto.

– Está porreiro, meu capitão, aguenta-se!

Corro, curvado, para o abrigo que me parece mais exposto ao fogo do inimigo, esperando poder ter aí algum controlo do que acontece à minha volta.

O meu vulto iluminado pelo clarão do incêndio é alvejado. Ouço as balas assobiar à minha volta. Enfio-me no abrigo cavado no chão coberto de troncos de palmeira e de terra batida, extensa abertura permitindo a utilização de armas individuais.

Os homens lá dentro reagem de maneiras diversas. Há quem combata, mas há também quem chore ou reze no chão. Vou para a seteira e incito estes últimos a combater também.

– Estamos a pôr balas nos carregadores... — ouço a justificação frouxa.

O espaço em frente, fortemente iluminado pelas chamas do incêndio que lavra nas nossas costas, é varrido pelos nossos olhos assustados. Sinto, mas sinto claramente, os dentes baterem enquanto disparo, dois tiros rápidos e pausa, em resposta aos clarões das armas inimigas, em frente.

Em combate noturno fazer fogo é revelar a nossa posição, é dos livros e facilmente comprovável agora. Por outro lado, no escuro, não se vê o ponto de mira da arma, pelo que não é fácil fazer tiro com um mínimo de precisão. Ah, quem tivesse previsto a situação e posto ali um pingo de tinta branca!

Os pensamentos sucedem-se, caóticos. E se eles vêm ao arame farpado? Se o ultrapassam nalgum ponto e se se aproximam do abrigo introduzindo-lhe uma granada de mão?

Julgo ver vultos deslocando-se em direcção ao abrigo. Saio de arma em riste. São vacas que correm em pânico entre as duas fiadas de arame, acossadas pelo fogo do combate.

Volto a entrar. Não sei se consigo sorrir do meu susto. O Boiça, sargento da companhia, desloca-se de abrigo para abrigo substituindo comunicações que desapareceram no incêndio e na confusão.

– Há mortos?

– Não, meu capitão. Só alguns feridos... Há abrigos atingidos por morteiradas, mas aguentaram. Quer que transmita algumas instruções?

– Evitem o tiro de rajada. Respondam aos disparos inimigos com séries curtas de dois ou três tiros. E você não ande para aí a expor-se inutilmente.

– É só levar um pouco de ânimo ao pessoal, capitão, e ver se há falta de munições nalgum abrigo.

O perigo da situação residia, efetivamente, em ficar-se sem munições ou encravarem-se as armas se demasiado aquecidas em resultado de uma utilização sem critério.

O aparente enfraquecimento da nossa resposta encoraja uma tentativa de assalto que é repelida pelo aumento de intensidade dos nossos disparos.

A poderosa tempestade africana chegou, subitamente, feita de grossas cordas de água, relâmpagos e trovões assustadores.

O incêndio extingue-se e, agora, só a luz dos relâmpagos permite vislumbrar a faixa de terreno que nos separa dos atacantes. Em breve, a água acumulada no fundo do abrigo atinge os nossos joelhos.

O fogo dos canhões e morteiros suspende-se, finalmente, substituído pelo das armas individuais que redobra de intensidade.

Sinal de retirada, viríamos a saber.

******


Clareia o dia.

Dos abrigos e da mesquita árabe — único edifício de tijolo, cimento e cobertura de zinco — saem militares e elementos da população observando as consequências do ataque.

O incêndio, os impactes dos projéteis inimigos, tudo reduziram a ruínas.

Fatumatá, mulher grande do régulo Sambel 
[foto acima, de 2005] (*),  apoia-se no meu braço e chora em silêncio. Rapazitos vasculham procurando entre as cinzas objetos que satisfaçam a sua cobiça.

Comenta-se a precisão e a violência do ataque, contam-se os impactes dentro do recinto defensivo, avaliam-se os prejuízos materiais.

A preocupação maior, porém, são os nossos feridos. Além do Caçador Nativo, vítima da mina antipessoal acionada na véspera, há mais três soldados feridos com gravidade e três civis atingidos.

O reconhecimento às posições inimigas, surpreendentemente próximas do arame farpado, revela sinais de corpos arrastados e, apesar da chuva abundante que caiu, vestígios de sangue.

******

'Nino', comandante da Frente-Sul, o combatente lendário, cruza a fronteira à frente dos seus homens, terminada mais uma missão.

Encharcados pela chuva, carregando canhões e morteiros, os guerrilheiros sentem, também, a dureza da guerra, dureza traduzida nas baixas sofridas. Uma vez mais tinham tomado a iniciativa, ocupando posições necessariamente mais expostas do que as da tropa instalada defensivamente, e isso tinha o seu preço, também.

******

Estamos isolados em resultado da destruição de todo o material rádio. Por outro lado, o improvisado posto clínico desapareceu, não dispondo nós, sequer, de meios mínimos para primeiros socorros.

Um civil oferece-se para levar uma mensagem ao quartel mais próximo utilizando a sua bicicleta. Não é necessário.

Somos sobrevoados por jatos da Força Aérea e, pouco depois, dois helicópteros pousam na periferia da tabanca.



A então ten enf pqdt Ivone Reis
 (1929-2022),
em Cacine, 12/12/1968. 
Foto: António J. Pereira
da Costa
 (2013)



Envergando o seu camuflado de paraquedista, adianta-se uma mulher:

– Os helicópteros vão levar os feridos ligeiros a Aldeia Formosa, regressando imediatamente para recolher os mais graves que vão comigo para Bissau. Embora tenha ordens para nunca ficar em terra, vou abrir uma exceção e espero aqui com vocês.

Junto das quatro macas alinhadas no cenário desolado, contra o céu azul da manhã, Ivone, a enfermeira paraquedista, é oficiante de um ritual rigoroso. Frascos de sangue vermelho-negro levantam-se ao céu,  facilitando a passagem do seu conteúdo para as veias dos feridos.

Paro junto do soldado Fortuna, atingido na cabeça por um estilhaço de granada que atingira o seu abrigo.

– Para vocês “isto” acabou. Vais voltar para a terra, até é melhor... 
 ouço-me dizer.

Será evacuado para o Hospital Principal em Lisboa. Talvez tenha terminado a guerra para ele. A que preço?

Ajoelho junto do jovem africano, pouso a mão na sua cabeça, enquanto procuro palavras de conforto:

– Vais ser bem tratado, a tropa não te esquece. Vais para o hospital, vais ter um pé novo, ninguém vai notar a diferença.

 
As palavras soam-me tragicamente absurdas, sinto na garganta um aperto inenarrável e, com as lágrimas de revolta que me queimam a cara — as minhas últimas verdadeiras lágrimas —, sinto que muito de mim se perde, se perde irremediavelmente. 

Carlos Nery Gomes de Araújo (**)

In Memórias da Guerra Colonial, volume 2: carne para canhão.
 S/l, Andrómeda Publicações, 1984, 158 pp.


(Revisão / fixação de texto, negritos, para efeitos de publicação deste poste: CV/LG)

__________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 9 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7252: (In)citações (18): Branco, na volta! Branco, na volta!, repetia a Fatumatá em 2005... Com a sua morte perde-se um elo de ligação com os portugueses que passaram pelo regulado de Contabane (José Teixeira)

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25690: 20º aniversário do nosso blogue (16): Alguns dos melhores postes de sempre (XII): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte II: a versão de Carlos Nery, na história da unidade (pp. 10,11,12 e 13)

 


Guiné > Região de Tombali > Setor S (Aldeia Formosa) > CCAÇ 2382 (19689/70) > s/l > 1969  >  Pontão dos mal entendidos...


Guiné > Região de Tombali > COP 4  (Buiba) > CCAÇ 2382 (19689/70) > s/l > 1969  >   Reabastecimento das NT.... Como passar?

Fotos (e legendas): © Carlos Nery  (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Leiria Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional da Tabanca Grande > A paixão do teatro e da Guiné: o João Barge e o Carlos Nery.... 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Carlos Nery  (Carlos Nery Gomes de Araújo, de seu nome completo) foi o comandante da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)...Era capitão miliciano. Tem cerca de 40 referências no nosso blogue. Entrou para a Tabanca Grande em 18/4/2010. Foi também ele o autor da história da unidade, de que vamos reproduzir as pp. 10 a 13, com referência ao ataque de Contabane, de 22 de junho de 1968... 

Durante 3 horas, a tabanca (e destacamento) esteve a ferro e fogo, e ficou reduzida a cinzas. O novo comandante-chefe, o brigadeiro Spínola, uma das medidas que tomou, logo no início do seu mandato,  dentro da economia de meios, e na impossibidade de obter rapidamente os reforços que lhe prometeram, foi "desmilitarizar" uma série de pontos, nomeadamenet no sector Sul... Contabane está na lista: "Banjara, Beli, Madina do Boé, Ché Che, Contabane, Colibuia, Cumbijã, Ponte Baiana, Gandembel, Mejo, Sangonhá, Cacoca, Cachil, Ganjola e Gubia". (Só Banjara pertencia a zona leste.)

Vamos revisitar as páginas que escreveu, sobre o ataque a Contabane, na história da sau unidade.


Contabane, a ferro e fogo

por Carlos Nery










 

terça-feira, 25 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25681: 20º aniversário do nosso blogue (16): Alguns dos melhores postes de sempre (XI): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte I: a versão de Manuel Traquina (ex-fur mil mec auto, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)




Guiné > Região de Tombali > Contabane > CCAÇ 2382 (1968/70) > Malta da CCAÇ 2382 instalada nma monumental bagabaga (candidato ao concurso O Melhor Bagabaga da Guiné...), nas proximidades de Contabane, uma tabanca e destacamento destruídos na sequência do ataque, de três horas, levado a cabo pelo PAIGC em 22 de junho de 1968.

Contabane foi então abandonado pelas NT e pela população. Mais tarde será feito um reordenamento, mesmo frente ao Saltinho. Por lá passou o nosso camarada Paulo Santiago, quando foi comandante Pel Caç Nat 53 (1970/72). A povoação hoje chama-se Sinchã Sambel.

Foto (e legenda): © Manuel Traquina (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guião da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70), "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"... Um trocadilho bem achado..., ó Zé do Olho Vivo!




1. O Manuel Batista Traquina,
  "ribatejano, escritor e fadista", com vivências ang0lanas, ex-fur mil mec auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes, onde nasceu em 1945.  [foto de 2008 à equerda].   

Podia ter sido apanhado à unha. Ou até ter sido morto. Teve sorte: esteve lá nesse pavoroso ataque a Contabane, em 22 de junho de 1968, e relatou-nos o essencial do que viu e viveu, no seu livro "Os Tempos de Guerra: de Abrantes à Guiné"   (Abrantes, editora Palha de Abrantes, 2009. ISBN 978-972-98796-6-1,228 pp.). A CECA (Comissão para o Estudo das Companhas de África) não faz qualquer referência a este ataque, que reduziu a cinzas Contabane que era até então um importante tampão fula (eixo Contabane - Aldeia Formosa), contra a fúria do PAIGC na região do Forreá.

Beja Santos
e Hermínio Marques

Este episódio de guerra foi recentemente evocado aqui pelo Beja Santos que, no passado dia 17, foi abordado pelo Hermínio Marques, antigo sold cond da CCAÇ 2382, o qual lhe contou como perdeu tod0s os seus haveres há 56 anos, em Contabane.

Ambos estava de passagem pela ilha de Santa Maria. O Hermínio Marques, que vive na América, casado com uma açoriana, reconheceu, no Hotel, o Beja Santos, sendo visita assídua do nosso blogue! (*).


Vamos convidar o Hermínio, que já nos escreveu, a juntar-se a esta tertúlia que é a Tabanca Grande, e onde já cá estão alguns bravos da CCAÇ 2382, a companhia do Zé do Olho Vivo, como o Manuel Traquina, o Carlos Nery, o José Manuel Cancela, o Alberto Ferreira, 
o padeiro, também conhecido por "Geada").



O Ataque a Contabane (**)

por Manuel Traquina

Era o dia 22 de Junho daquele ano de 1968, a Companhia estava na Guiné havia pouco mais de um mês e, ao ser deslocada para a região de Aldeia Formosa, (Quebo) dois pelotões fixaram-se em Mampatá, os restantes bem como o Comando foram deslocados para a aldeia de Contabane. 

Ali parecia respirar-se a paz, a população era numerosa e bastante acolhedora, e como habitual faziam-se alguns patrulhamentos na região, que ficava a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conákri.

Naquela aldeia os militares acomodavam-se nas próprias moranças cedidas pelo chefe da Tabanca. À volta da aldeia tinham sido abertos no terreno algumas valas e abrigos, além de duas fiadas de arame farpado. 

Tudo parecia correr dentro da normalidade, naquela tarde eu próprio com mais quatro militares saímos no Unimog a buscar água do poço que se localizava a curta distância.

Porém, já próximo do anoitecer, um dos elementos nativos que connosco efetuavam um patrulhamento, pisou um engenho explosivo, que lhe deixou um pé seriamente afectado. Este foi o primeiro sinal de que toda aquela paz não era real, o grupo recolheu à aldeia/aquartelamento, era a hora de jantar e na improvisada enfermaria o furriel enfermeiro Chambel com grande dificuldade, tentava encontrar uma veia onde pudesse administrar algum soro ao militar milícia, que com um pé decepado tinha perdido muito sangue.

Entretanto o sargento João Boiça, apercebendo-se da situação, corria de uma ponta à outra da aldeia, não parava de alertar todos para que de imediato se deslocassem para os abrigos, talvez ao tomar esta medida tenha evitado algumas mortes.

Tinha anoitecido e, de repente,  algumas explosões deram inicio a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à morança onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças arrastou-se até á porta e, no escuro,  sem que nos apercebesse-mos desapareceu rastejando, só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia reduzida a cinzas mais parecia um inferno. Mo final foi uma forte trovoada que, transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. 

Não tenho dúvidas de que nós,  os militares,  que naquela tarde fomos à água, pasámos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e só não fomos feitos prisioneiros porque o objetivo era o ataque. 

Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos,  dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado, grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida. 

Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero, era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. 

Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que, ao pisar a armadilha,  foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos.

Neste agora passado dia 22 de junho de 2008, ao completarem-se quarenta anos sobre este ataque, quero homenagear os dois camaradas mortos,  não neste ataque, mas noutros que se seguiram, furriel Ramiro de Sousa Duarte e o soldado Elidio Fidalgo Rodrigues, pertencentes a esta Companhia.

 Quero também saudar todos os militares da CCAÇ 2382, estou convencido que todos os que viveram este acontecimento o recordam e jamais esquecerão aquelas horas difíceis ali vividas. (***)

Manuel Batista Traquina
Ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)


Guiné > Região de Tombali > Carta de Contabane (1959 > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Contabane, a sul de Saltinho e do rio Corubal, a caminho da fronteira... A nordeste, Quirafo, também de trágica memória para as NT (abril de 1972).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  22 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)



Vd.poste anterior: 4 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)

sábado, 22 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Pelo adiante vos contarei a alegria que tive em encontrar um soldado a quem dei recruta na ilha de S. Miguel, de outubro a dezembro de 1967, uma amizade indefetível, não nos víamos há umas boas décadas, o prazenteiro andou-me a mostrar as belezas da ilha de Sta. Maria, ele é do Santo Espírito, este encontro foi primeiro milagre; o segundo ocorreu no dia seguinte, alguém que me questiona à hora do pequeno-almoço, o mais importante de tudo é que ele nos acompanha lá onde vive, entre Nova Iorque e Boston, fiquei a conhecer a família, a quem fui apresentado, espontaneamente decidimos tirar uma fotografia, tão eloquente quanto a nossa Tabanca é Grande. E ouvi com pormenores o que se passou em Contabane, em 22 de junho de 1968.

Um abraço do
Mário



Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane

Mário Beja Santos

Hora do pequeno-almoço, 17 de junho de 2024, Hotel Colombo, Vila do Porto. Mordiscando com apetite uns ovos mexidos com bacon, antevendo as delícias panorâmicas que me serão proporcionadas durante um passeio a uma boa parte da ilha de Sta. Maria, eis que se aproxima da mesa alguém que pede desculpa pela interrupção, não leve a mal, o senhor lembra-me alguém que escreve num blogue que eu frequento regularmente lá na América, estou aqui de visita porque a minha mulher nasceu e viveu aqui bem perto, trouxemos a família para conhecer a terra natal da mãe da avó, é que eu estive na guerra da Guiné e o senhor lembra-me alguém, não se ofenda se não for essa pessoa.

Então levanto-me, confirmo que ele está certo, é o soldado condutor Hermínio Marques, escrevo à pressa CCAÇ 2382, andarilharam por Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, mas ele quer falar-me de Contabane, uma flagelação que durou três horas, ficou tudo reduzido a um caco, perdeu os seus haveres, sobrou uma mala de cartão toda empapada, cada um dos que lá estavam ficou com o que tinha vestido. Contagiou-me a alegria deste homem cuja existência, como compreenderão, ignorava completamente, para amenizar o ambiente falei-lhe de um telefonema que há muitos anos recebi do João Crisóstomo, ele tinha adquirido no aeroporto um dos volumes do meu Diário da Guiné, estava profundamente emocionado, prometi que nos iriamos conhecer quando viesse a Portugal.

O Hermínio leva-me junto da família, sinto-me como tivesse chegado da Lua, falo-lhes da Guiné e do que vivemos, a mulher do Hermínio vai-me respondendo, o resto da família parece ignorar a língua portuguesa. Estamos todos num embaraço, o Hermínio insiste que eu tenho de saber o que viveram em Contabane, a mulher leva-me a um corredor e mostra-me uma casa lá no alto, era a casa dos avós, e é nisto que Hermínio insiste, vamos tirar uma fotografia, peço licença para a divulgar no blogue, então porque não? Prometemos voltar à fala, ao fundo da sala alguém põe um dedo em cima de um relógio, e eu não quero partir para a Praia Formosa, Farol da Maia e Baía de S. Lourenço sem o estômago aconchegado. Novo abraço, fico a saber que o Hermínio vive entre Nova Iorque e Boston, nasceu na região de Viseu, só me faltou perguntar-lhe se também vai levar a família ou já a levou à sua terra natal.
Vila do Porto, Santa Maria, Açores, 17 de Junho de 2024 - Mário Beja Santos e Hermínio Martins

Vou passar a manhã dividido entre este encontro e o espetáculo de uma ilha desconhecida, aonde quero voltar, eu tenho a impressão que já lera um texto do Manuel Traquina[1], nosso confrade, sobre a destruição de Contabane, no meio da conversa o Hermínio falava-me nos Palhaços, na irreverência que o Capitão Carlos Nery caprichara para uso do estandarte, é facto que é uma completa desobediência aos preceitos castrenses, é quase uma diversão.[2]


E pronto, que o Hermínio e os seus gozem de muita saúde e que ele nos acompanhe lá dos EUA, da minha parte, e até poder, deste lado do oceano endosso-lhe notícias do que vou fazendo, com lembranças da Guiné.

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Notas do editor

[1] - Vd. post de 19 DE AGOSTO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

[2] - Vd. post de 8 DE JUNHO DE 2010 > Guiné 63/74 - P6561: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (3): Fui o criador do emblema da Companhia, e gosto

Último post da série de 29 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25575: (De) Caras (208): António Baldé, ex-1º cabo , CIM Bolama (1966/69), Pel Caç Nat 56 (São João, 1969/70), e CART 11 (Paunca, 1970/71): "Eu tinha um sonho: ser apicultor no Cantanhez"...

segunda-feira, 10 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24468: Notas de leitura (1596): "O Capitão Nemo e Eu, Crónica das Horas Aparentes", por Álvaro Guerra; Editorial Estampa, 1973 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
O comentário é óbvio, talvez uma banalidade: não há nada como revisitar um bom livro e descobrir nele outra dimensão de luminosidade e inspiração; ou no caso vertente, apreciar com outros olhos aquele, na ótica de quem aqui está a escrever, é o mais belo parágrafo da literatura da guerra da Guiné. O Capitão Nemo e Eu, publicado em 1973, encerra um ciclo em que é indisfarçável a atração de álvaro Guerra pela técnica do Noveau Roman, um movimento literário que fez furor a partir do final da década de 1950 e que teve cultores que ainda hoje são classificados como gigantes da Literatura, caso de Claude Simon ou Nathalie Sarraute ou Alain Robbe-Grillet. A partir de agora, o estilo de guerra altera-se e para meu pesar os temários guineenses desaparecem. Este livro é profundamente autobiográfico, Guerra foi ferido em combate, recomposto partiu para Paris, dessas andanças aqui faz registo. Lastimável é que esta obra permaneça no limbo, terrível imerecimento. E fico feliz de a ela voltar e de vos dar a reler o tal parágrafo cimeiro da literatura que a nós diz respeito.

Um abraço do
Mário



O mais belo parágrafo da Literatura da Guerra da Guiné

Mário Beja Santos

"O Capitão Nemo e Eu, Crónica das Horas Aparentes", por Álvaro Guerra, Editorial Estampa, 1973, representa a despedida do escritor das temáticas da guerra da Guiné, território onde combateu e foi ferido.

É uma obra injustamente esquecida, muito provavelmente porque ainda está marcada pela corrente do Noveau Roman, que tanto seduziu o escritor na primeira fase da sua carreira, hoje atrai mais os estudiosos, continua a desorientar profundamente o leigo que nela mergulha.
Álvaro Guerra despede-se e sai pela porta grande, vamos encontrar neste seu romance páginas admiráveis, logo a abertura:
“Que perdi a memória – dizem. E logo dão o nome a esta imunidade que pretendem retirar-me. Dizem isso com precaução e manha como se quisessem disfarçar o despeito. Defendo-me. Só agora, na metade do tempo em que a droga do sono se esgota e sei que é meu o que me circula nas veias, só agora me visito: primeiro, o estojo duro e branco que esconde o grande golpe na coxa direita, as ligaduras que encontro ao passar a mão pela testa. Também procuro os resíduos invisíveis das anestesias e só me revelo um estranho gosto na boca. É uma visita tosca e breve, que se cansa de mim ou me recusa para repousar nas quatro paredes brancas e no teto branco e nos brancos panos da cama, simetria nem ao de leve desfeita pelos retângulos da porta e da janela velada por cortinas de cassa tão leves que, constantemente ondulantes, me repetem existência do ar em movimento, ar sossegado, filtrado, prisioneiro e puro, e não com partículas de sal lançadas em bátegas por um vento furioso varrendo as duríssimas arestas das rochas...”.

É o ferido que retoma consciência em ambiente hospitalar, e logo acrescenta: “Devo sujeitar-me aos horários dos remédios, às injeções, a ser colocado sob as placas de vidro dos aparelhos de radiografia e ao emaranhado de fios presos à cabeça, através dos quais é possível ler o meu cérebro…”. E vemo-lo na Guiné, fala na língua Fula, há por ali crianças acocoradas à nossa frente, ventres inchados entre pernas cruzadas, isto passava-se sobre o cheiro adocicado da terra da Guiné, e tudo se articula com outras histórias, num cosmopolitismo parisiense, que Álvaro Guerra conheceu, pois ali estudou e trabalhou antes de vir professar o jornalismo em Lisboa, no jornal República. Há reminiscências da infância, um pouco à semelhança do que o escritor praticou em obras anteriores, um carrossel de imagens que podem meter cenas taurinas, vida agrícola, a imensidão da lezíria.

A memória anda à solta naquele hospital onde o ferido se trata, e o autor lembra um capelão militar que lhes procura incutir denodo e lançar para o bom combate: “Irmãos, longe dos vossos lares, das vossas famílias, das vossas noivas, de todos os entes-queridos, tendes por consolo e por razão o amor da Pátria e a fé em Cristo que aqui vos trouxeram para defender a terra dos vossos antepassados que vieram oferecer ao gentio selvagem, com suor e sangue, a verdade, a justiça e a fé em Deus Nosso Senhor. Vós sois os soldados de Cristo que combatem os infiéis, os ímpios. Vencereis, tal como São Jorge venceu o dragão. Que Deus seja convosco, meus bem-amados irmãos”. Depois, suportando mal os 47ºC à sombra, inundado num suor incrivelmente espesso, o capelão almoçava carne de vaca com molho picante, na messe. “Aplicado, ruidoso, tasquinhando o bife, sem se distrair do apetite, lutava com a mão sapuda contra o permanente ataque dos mosquitos”.

O doente já se passeia de muleta, no jardim, à sombra de castanheiros e chorões, volta ao Forreá, a Contabane, de novo conversa na língua Fula, o espírito anda num vaivém, as feridas se hão de curar, há talvez feridas que nunca passem, e de novo o passado entremeado com tudo o que se passou naquele Sul da Guiné que levou Álvaro Guerra ao hospital, por ali ciranda também um anjo branco que serve de ponte entre o passado e aquele encaracolado presente.

Estamos a caminho do parágrafo mais admirável de toda a literatura da guerra da Guiné. O alferes recorda a viagem de avião para a Guiné, tudo começou com uma manhã fustigada por vento gelado. “De tudo o que espreitei lá de cima, nas longas horas desse voo, se devem referir três pontos cruciais: a linha de espuma branca que separava o deserto do mar, uma ilha cor de ferrugem, sem vegetação nem água, onde o avião pousou e levantou; e o pântano onde o verde escuro do mato alternava com o quadriculado dos arrozais e os minúsculos círculos das moranças. Foi no meio desse pântano que o avião desceu e me deixou. Durante dois anos, por mais de uma vez, amaldiçoei os fidelíssimos enviados do Infante que se aventuraram até à foz do Geba.
Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injetou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo, nem a presença da morte o pode aniquilar”
.

Naquele hospital ele sabe que a tudo o que se passou e foi arrancado, entre a vida e a morte, e desabafa a alguém: “Ao princípio, tinha medo de adormecer, porque chegavam os fantasmas, as explosões, os tiros, o sangue, o sorriso de Safi, uma aldeia a arder e os gritos das pessoas. Por fim, consegui olhar para a cicatriz, sem me lembrar de muitos pormenores. Pois é. Tudo passa. Por fim, pensei que tinha perdido definitivamente qualquer coisa que só agora julgo saber o que é”.

E segue-se a viagem a bordo do Nautilus, com o Capitão Nemo. Nem tudo ficou para trás esquecido, como o autor adiantará:
“Desmontar uma pistola metralhadora foi a tarefa mais complexa e inquietante que até hoje executei, talvez apenas superada pelo trabalho de a montar com correção. Experimentava depois uma falsa sensação de consciência em paz, ao verificar que a culatra oleada deslizava impecavelmente. Até ao último momento nunca me convenci que teria de puxar o gatilho, visando um homem, porque nunca o instinto foi tão feroz como quando tudo isso aconteceu, ao cair sobre mim uma chuva de balas. Se nenhuma delas me matou, alguma coisa ficou liquidada para sempre, e nunca mais um dever cumprido trouxe paz à minha consciência”.

E o Nautilus prossegue viagem, mas o poder da memória é mais forte, e de novo se regressa à Guiné por uma outra viagem que até pode ser de caravela, e onde se guardam aspetos que maravilharam os primeiros descobridores ou aventureiros, como o voo fulvo do faisão, os grous emigrantes sobre as bolanhas, a gesticulação do macaco cão, e cruza-se com Mariama, à cabeça a roupa de lavar – Tanaala? No pindá? E como se estivesse profundamente angustiado, como criatura de Shakespeare, Álvaro Guerra interroga-se: “Se não é esta a minha terra, para que me fizeram aqui vir?”.

Aqui se fecha o livro da memória guineense, ou quase, porque somos forçados a interpelar o que ali se passou, como ele o faz e descaradamente naquele ano de 1973 em que pontificava a censura:
“Perguntando nós que guerra era aquela, sempre ouvimos como resposta grandes palavras ocas e, muitos anos depois de termos escapado do pântano, quando tínhamos começado, há muito, a comer refeições quentes a horas certas, a fazer filhos legítimos, a pagar prestações, a passear de automóvel aos domingos, a ir ao Jardim Zoológico, ao cinema, a casa uns dos outros, muitos anos depois, dizia, a guerra ainda lá estava, feroz e persistente, perante o nosso absurdo esquecimento”.

E tanto quanto me é dado saber, para meu pesar, este escritor vila-franquense a quem a sua terra natal lhe dedicou uma bela escultura perto da nova biblioteca à beira-rio, como se contrariasse as recordações dessa guerra feroz e persistente, não voltou à Guiné, pelo menos em literatura, ficou aquele parágrafo que é ímpar e tudo leva a crer que jamais será ultrapassado.

Álvaro Guerra na Guiné, em 1962, imagem do Museu do Neorrealismo, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24458: Notas de leitura (1595): "Mariazinha em África, o bestseller de Fernanda de Castro com ilustrações de Ofélia Marques (2) (Mário Beja Santos)