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quinta-feira, 13 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26578: Nunca tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (7): Cristina Silva, ten grad enf pqdt, a única das 46 que foi ferida em combate

Lisboa > 8º Festival Internacional do Cinema Independente > Culturgest > 13 de Maio de 2011 > Estreia do filme Quem Vai à Guerra (Portugal, 2011), de Marta Pessoa > No hall do Grande Auditório, a realizadora, Marta Pessoa, e a uma das participantes, a ex-enfermeira paraquedista, tenente graduada, Cristina Silva, ferida em combate em Moçambique.

 Foto (e legenda): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. A Maria Cristina Silva, tenente graduada enfermeira pqdt, foi a única, das 46 que prestaram serviço na guerra do ultramar / guerra colonial, que foi ferida em combate (em 1973, durante uma evacuação, no TO de Moçambique, na região de Mueda, alvejada com um tiro na cabeça que, felizmente, não foi fatal) (*). 

É uma história de guerra que, apesar de tudo, tem um feliz como ela já cá nos contou, quer no filme de Marta Pessoa, "Quem Vai à Guerra" (Portugal, 2011), quer no depoimento para o livro "Nós, as Enfermeiras" (coord ed. Rosa Serra, Porto, Fronteira do Caos, 2014).

Vale a pena dar a conhecer, para um público mais vasto, esse testemunho na 1ª pessoa. Ainda hoje ela guarda a bala que os médicos lhe extrairam da cabeça. Aliás, mostrou-o no filme. É agora um talismã. 

O cartaz do filme reproduz uma das fotos do seu ãlbum.





Quem Vai à Gerra (Portugal, 2011) > Ficha Técnica: Realização > Marta Pessoa
| Direcção de Fotografia > Inês Carvalho | Cenografia > Rui Francisco | Montagem > Rita Palma | Direcção de Som > Paulo Abelho, João Eleutério e Rodolfo Correia | Maquilhagem > | Eva Silva Graça | Marketing e Comunicação > Fátima Santos Filipe | Direcção de Produção > Jacinta Barros | Produtor > Rui Simões | Produção > Real Ficção



Moçambique > c. 1973 > Cristina Silva > A única enfermeira paraquedista que foi ferida em combate...



Foto (e legenda): Marta Pessoa / Quem Vai à Guerra (Facebook) (2011) (Reproduzido com a devida vénia)... Legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné










Excerto de "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), pp. 289-2901 (com a devida vénia). 
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Nota do editor:

(*) Último poste da série >  12 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26575: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (6): Homenagem às enfermeiras paraquedistas em livro recente sobre a "História da Enfermagem em Portugal"... Por sua vez, reproduzimos excerto de um depoimento de Aura Teles sobre a morte da fur grad enfermeira pqdt Maria Celeste Ferreira da Costa (Tarouca, 1945 - Bissalanca, 1973)

sábado, 28 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25989: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (10): evacuado numa maca, no Dakota, para Lisboa, com mais 4 feridos graves, ao lado de umas senhoras de "altas patentes", que não nos nos ligaram puto...

 

Interior de um Douglas C-47 Skytrain ou Dakota. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikimedia Commons.



1. Estamos a reproduzir alguns excertos do melhor que o A. Marques Lopes escreveu, nomeadamennte no seu livro de memórias "Cabra Cega" (*).

Seguimos o texto, respeitando a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 9 de agosto de 2019.
  
Aqui a narrativa é já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro (edição de 2015) era o seu "alter ego", ou seja, o alferes Lopes (pp.  439-442).



Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015,  582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).



Evacuado numa maca, no Dakota, para Lisboa, com mais 4 feridos  graves, ao lado de umas senhoras de "altas patentes", que não nos nos ligaram puto... 
 

por A. Marques Lopes (1944-2024)


Três dias depois de ter chegado ao hospital  [HM 241, em Bissau ], passou pela minha cama um velho amigo e conhecido. Era o Herculano Carvalho, do mesmo pelotão que eu nos primeiros meses do COM.

− O que é que te aconteceu?  −  perguntou-me.

Expliquei-lhe que tinha ido ao ar com uma mina. O Herculano disse-me que estava ali porque tinham descoberto que era hemofílico e que no dia seguinte seria evacuado para a metrópole.

 E não descobriram isso logo quando foste para os comandos?

 − Parece que não sabes como é. Alguma vez os gajos se preocupam com isso? Lembras-te bem que, em Mafra, além da injeção cavalar, que diziam dar para todos os males, não se preocupavam em saber mais nada. Menos, é claro, em ver aqueles que tinham cunhas para os serviços auxiliares. Serves para o que queremos e toca a andar, era assim.

 
− É verdade, eu sei bem. Mas como é que descobriram isso agora?

−  Por acaso, foi sorte. Tive um pequeno ferimento aqui na perna durante uma operação  
− arregaçou um bocado a calça e mostrou a perna direita ligada.  − O enfermeiro viu que o sangue não estancava e topou logo.

A conversa derivou. Contei-lhe a história toda da mina e por onde andara e ele contou-me do Cantanhez onde acabara por ser ferido.

Ele foi no dia seguinte e eu foi no fim dessa semana evacuado para o HMP , para Lisboa.

Fui só com as calças e uma camisa, era o que tinha quando rebentara a mina. Nunca me lembrara quando estava a comprimidos mas ocorreu-me quando estava a entrar para o Dakota.

− Eu tinha uma mala…

 
− Não há mala nenhuma  −  disse-me um dos pilotos.

Estava a ver. O pessoal da companhia nunca mais lhe tinha ligado depois daquilo. Podia ter-lhes exigido que lhe mandassem a mala que tinha debaixo da cama lá do quarto. Eram coisas pessoais que lá estavam mas era sobretudo o livro da escola do PAIGC e a  Kalashnikov da professora que queria ter. Eram recordações minhas que iriam ser agarradas por um outro qualquer. Fiquei lixado.

Mais fiquei quando já estava dentro do avião. Iam também outros feridos. Os bancos que estavam à frente, logo após a cabina dos pilotos, foram ocupados por umas senhoras, não soube quem eram, mas os cinco feridos foram esticados em macas no corredor. Ainda disse que não estava assim tão mal e que podia ir sentado. Que não, disseram-me, tinha de ir numa maca. Quando o avião já estava alto,  comecei a deitar sangue pelos ouvidos, era o meu ferimento principal.

Ninguém me 
ligou, teve que se ir limpando com um lenço.

As mulheres cavaquearam durante a viagem. Por entre os roncos do avião uma dizia que o meu marido é isto, outra que o marido tinha feito aquilo, outra que o dela comandava o batalhão tal, uma loura gabava-se de o marido ser amigo do governador [gen Arnaldo Schulz].

Eu não ouvia quase nada, ia limpando o sangue que me pingava dos ouvidos. O que estava ao meu lado, o que tinha ficado sem uma perna numa armadilha, é que comentava o que elas diziam. Cada um deles também disse porque é que vinha ali. Esforcei-me por ouvi-los. Era o que tinha caído na armadilha, o que estava mais perto de mim, um que tinha apanhado uma roquetada e estava todo ligado, um que tinha apanhado bilharziose, um que tinha apanhado uma rajada que lhe fodera um pulmão e o quinto ia com uma hepatite aguda. No meio deles, vi que ainda era o que estava melhor.

Contavam o seu caso em voz alta mas as senhoras nunca viraram a cara, não se perturbaram. Aquele era outro mundo, estranho àquele das boas relações em que elas se moviam. Ainda pensei que lhes ficaria bem chegaram-se ao pé das macas para saber o que cada um tinha e desejarem melhoras. Mas nem isso, não se interessaram puto. Elas, senhoras das altas patentes, iam agora meter-se com a soldadesca... Nem pensar, até parecia mal ao seu estatuto.

Ao fim de cinco ou seis horas, não soube bem, não me deu para contar o tempo, chegámos ao aeroporto militar de Las Palmas. Foi o que disse um piloto, e que quem quisesse podia sair para descontrair.

– Empresta-me a tua perna 
  rosnou o que caíra na armadilha.

Deles só eu é que saí. As mulheres também, mas não soube para onde foram. Estava cheio de fome porque não lhes tinham dado nada, nem as queridas rações de combate. Vi vários militares e olhei para uma porta que me pareceu a entrada para um bar. Fui até lá e entrei.

Olharam para mim mas ninguém pareceu espantado, já deviam estar habituados a estas visitas. Pedi uma cerveja e uma sandes. Devorei-as, era a fome. No fim fiquei atrapalhado porque dei que não tinha dinheiro. Nem escudos, nem pesos da Guiné, muito menos pesetas. 

Baixei a cabeça e fui-me afastando devagar até à porta. Ninguém reparou em mim, pareceram distraídos. Já fora, zarpei o mais rápido que pude para o Dakota. Já esticado na maca e enquanto o avião arrancava para Lisboa, ainda pensava, na dúvida, se fora eu que tinha sido esperto ou se tinham sido eles que, compassivos, me deixaram sair sem me agarrarem para pagar.

Ao fim de não soube quantas horas chegámos a Figo Maduro. Os meus pais e a minha irmã, bem como familiares dos outros feridos, estavam lá à espera. Só lhes tinham dito que vinham evacuados, não como vinham. 

Expetativa geral, angústia nos olhares e corações de os poder ver sem pernas ou sem braços, cegos ou meio mortos. Foram lágrimas e abraços aos que conseguiam estar de pé, beijos e mais lágrimas para os que continuavam nas macas. Os meus ficaram contentes por me verem de pé. Durou pouco tempo o encontro porque nos meteram, quase logo, em ambulâncias em direcção à Estrela.

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor:

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25927: (Ex)citações (429): Ainda a situação do nosso camarada guineense Seco Mané. Sei que há boa vontade a rodos mas quanto a resolver mesmo o problema, tudo com dantes (Morais da Silva, Coronel Art Ref)

1. Mensagem do nosso camarada Coronel Morais da Silva (ex-Cap Art, CMDT da CCAÇ 2796, Gadamael; instrutor da 1.ª CCmds Africanos, Fá Mandinga; Adjunto do COP 6, Mansabá, 1970/72), com data de 8 de Setembro de 2024:

Meus caros camaradas

A propósito da deplorável atitude do HFAR e do CEMGFA, logo que soube da situação do combatente Seco Mané difundi, em 2 de Agosto, o texto que anexo e enviei não só aos meus camaradas como à PR, Min. Defesa, CEMGFA e CEME. Como nada mais soube, julguei o assunto encaminhado. Infelizmente, na passada 6ª feira, o Presidente do Núcleo de Lisboa da ADFA, senhor Janeiro, informou-me que a papelada já estará pronta mas o nó continua.

Não consigo entender porquê o CEMGFA não ordenou imediatamente ao HFAR para tratar o ex-militar Seco Mané ultrapassando a burocracia que tudo asfixia. Caramba, comandar é incompatível com lassidão e muito menos com inacção.

O cor. Armando Ramos acaba de me fazer o ponto de situação da iniciativa que desenvolveu há alguns dias acompanhado do Fernando. Sei pois que há boa vontade a rodos mas quanto a resolver mesmo o problema, tudo com dantes. Mais um exemplo do que somos como equipa eficiente, porque joga bonito, mas INEFICAZ porque não mete golos!

Abraço
Morais da Silva


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2. Transcrição do texto que o Coronel Morais da Silva enviou à PR, Ministério da Defesa, CEMGFA e CEME:

Caros camaradas
Há dias horríveis e hoje foi um deles.
Visitei a ADFA onde, pela voz do presidente da delegação de Lisboa, Sr. Janeiro, soube das situações aflitivas e de miséria em que vivem, alquebrados e velhos, ex-combatentes da guerra do Ultramar.

Eis alguns exemplos pungentes:
- pensões da ordem de 300€, doentes e deficientes, sem eira nem beira
- amputados, aguardando ANOS para substituição/manutenção de próteses que lhes garantam alguma mobilidade
- nativos militares na guerra, que vêm a Portugal (de que já foram nacionais!) na esperança de ser tratados das mazelas que os afligem e que esbarram nas barreiras da indiferença.

A última vítima da indiferença dos actuais mandantes é Seco Mané que já foi militar português enquanto a guerra precisou dele durante 11 anos e 195 dias sendo agora um guineense com 75 anos. Ferido gravemente na Guiné (Bedanda) foi tratado no HMP em 1974 após o que regressou à Guiné.

Velho e alquebrado conseguiu vir a Lisboa à procura de tratamento para as mazelas da perna ferida e o inaudito aconteceu. O HFAR recusa-se a tratá-lo porque não é nacional e, portanto não pode ser considerado Deficiente das Forças Armadas. Onde já chegamos!
Temos agora gente boa, liderante na ADFA, a tentar remover a muralha burocrática que nos asfixia, com um Ministério da Defesa inoperante e nominal e um CEMGFA incapaz de ordenar o tratamento imediato do militar ferido ao serviço de Portugal.

Tutelas e Chefias destas, que não respeitam o passado dos que combateram em África, não merecem ser respeitadas e envergonham os velhos profissionais que combateram e bem conhecem as trágicas consequências da guerra.

Nada mais acrescento que não seja dar-vos conta da minha indignação e revolta.

Abraço e muita saúde
Morais Silva
02Ago24

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Notas do editor

Vd. post de 8 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25923: Ser solidário (272): Actualização da situação do processo do nosso camarada guineense Seco Mané, que em Portugal procura resolver a sua precária situação de saúde resultante de ferimentos contraídos em combate ao serviço do Exército Português (Fernando de Jesus Sousa)

Último post da série de 22 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25197: (Ex)citações (428): O sistema AAA, do final da II Guerra Mundial, que "defendia" o aeroporto de Bissalanca e a cidade de Bissau no meu tempo (António J. Pereira da Costa, cmdt da Btr 3434, mai 71/ mar 73)

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25706: Direito à indignação (17): Seco Mané, antigo Combatente da CCAÇ 6, não tem direito à nacionalidade portuguesa nem aos tratamentos a ferimentos recebidos em combate, nos anos 70, na então Guiné Portuguesa, ao serviço de Portugal (Joaquim Mexia Alves / Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão e CCAÇ 15, Mansoa, 1971/73) com data de hoje, 1 de Julho de 2024:

Caros amigos
Fui alertado por amigos desta notícia saída na Revista Sábado, e que também foi transmitida no canal Now ontem ou sábado às 18.30
Trata-se de uma situação incrível, como é habitual, de desprezo e abandono daqueles que lutaram sob a bandeira portuguesa.
Sugiro que fosse objecto de publicação nos blogues, pedindo a quem puder e tiver influência para isso, a ajuda a este combatente guineense.
Afinal as gémeas brasileiras tiveram a nacionalidade de um dia para o outro, mas este camarigo que combateu ao nosso lado anda de "herodes para pilatos", num desprezo total pela sua vida.
https://www.sabado.pt/portugal/amp/amigos-na-guerra

Ainda sobre o assunto enviei hoje ao Presidente da República, ao Primeiro Ministro e Ministro da Defesa Nacional, o email que anexo.

"Exmo. Sr. Presidente da República
Reporto-me à notícia da Revista Sábado n.º 1052, que refere um antigo combatente guineense, Seco Mané, que serviu nas Forças Armadas Portuguesas, tendo sido ferido em combate, e que vive agora uma situação desesperada em Lisboa.
Trata-se de obter a nacionalidade portuguesa, (o que é estranho não lhe ser de imediato concedida, tendo ele sido para todos os efeitos um militar português, quando a outros sem essa condição já a têm), para que possa ter direito os tratamentos de saúde inerentes, ainda, aos seus ferimentos em combate por Portugal.
Sou um antigo combatente da Guiné, de 1971 a 1973, e esta situação, (para já não falar de outras) afigura-se-me uma vergonha para Portugal.
Venho assim, junto de V. Exa, solicitar todo o seu empenho para que tal situação seja resolvida no mais curto espaço de tempo, porque é de toda a justiça que tal aconteça para quem entregou parte da sua vida pela Pátria.
Tudo está explicado na referida notícia.

Com os melhores cumprimentos
Joaquim Manuel de Magalhães Mexia Alves
Ex- Alferes Miliciano de Operações Especiais"

Páginas da Revista Sábado. Reprodução com a devida vénia

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2. Nota do editor:

É certo e sabido a falta de consideração e o abandono a que estão sujeitos os antigos Combatentes, sejam eles brancos ou pretos.
Vi, na Now TV, a reportagem do nosso confrade Fernando Jesus Sousa, que quis o destino encontrasse um seu velho camarada da CCAÇ 6, o Seco Mané, num corredor da Associação dos Deficientes da Forças Armadas, em Lisboa, que vive em condições precárias em Portugal, com o seu filho, para tentar, junto do Hospital Militar de Lisboa, resolver um problema que tem a ver com ferimentos recebidos em combate, em Bedanda nos anos 70, ao serviço do Exército Português.
Como reza a notícia, estranhamente não tem direito à nacionalidade portuguesa apesar de o seu cartão de militar exibir as cores da nossa, e da dele, bandeira.

Lendo o caso na Revista Sábado, o nosso camarigo Joaquim Mexia Alves tomou a iniciativa de enviar ao Senhor Presidente da República, Senhor Primeiro Ministro e Senhor Ministro da Defesa, uma mensagem a dar conhecimento desta injustiça, pedindo ao mesmo tempo os seus bons ofícios no sentido de que se resolva este assunto no mais curto espaço de tempo possível.

O que sugiro? Que cada um de nós envie mensagens similares, o Joaquim Mexia Alves não se importa que se utilize a mensagem dele, às entidades abaixo citadas para que sintam que estamos todos unidos, portugueses de Portugal e camaradas guineenses que não tendo optado pelo nacionalidade portuguesa, tenham direito a ela quanto mais não seja para terem acesso ao tratamento das mazelas advindas de ferimentos em combate.

Para vos facilitar a vida, indico a maneira mais prática de aceder aos respectivos formulários de contacto.
Presidente da República: https://www.presidencia.pt/contactos/formulario-de-contacto/
Primeiro Ministro: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/primeiro-ministro/contactos
Ministro da Defesa Nacional: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/area-de-governo/defesa-nacional/contactos

Não me lembro de alguma vez vos ter pedido alguma coisa, desta vez faço-o para que juntos façamos sentir a quem de direito que ainda existimos e que nem sempre as nossas petições são dinheiro, também queremos os direitos e o respeito que nos são devidos enquanto antigos Combatentes.
Não estamos a pedir, estamos a exigir.


Carlos Vinhal

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Em tempo:

3. Mensagem de Joaquim Mexia Alves enviada ao Fernando de Jesus Sousa hoje mesmo, dia 2 de Julho de 2024:

Caro Fernando Sousa
Sou combatente da Guiné, 71/73, e amigos meus chamaram-me a atenção para a história do Seco Mané e da vergonha que é toda aquela situação.
Já enviei emails para o PR, PM e MDN sobre o assunto e alertei o blogue da Tabanca Grande para dar cobertura à história, tal como fiz na página da Tabanca do Centro no Facebook e vamos fazer também no nosso blogue.
https://tabancadocentro.blogspot.com/2024/07/p1484-adaptado-da-revista-sabado-e.html

Pergunto é se podemos ajudar também financeiramente.
A Tabanca do Centro faz todos os meses um almoço com combatentes da Guiné e não só, na zona de Monte Real, ao qual vem gente de todo o lado, inclusive de Lisboa.
Quando pagamos o almoço, damos sempre, os que podem, claro, para ajudar os combatentes em dificuldade.
Eu sou o fiel depositário desse dinheiro, (que não é muito), mas serve precisamente para isso e ao longo destes anos temos ajudado alguns combatentes.

Ora o Seco Mané, quanto a mim, está perfeitamente indicado para essa ajuda se assim achares que o devemos fazer.

Fico à espera da tua resposta e até lá envio um forte abraço
Joaquim Mexia Alves

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Nota do editor

Último post da série de 10 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24467: Direito à indignação (16): Senhores da RTP, retirem dos arquivos aquelas provocatórias, hipócritas e desajustadas imagens da visita de 'Nino' Vieira ao marechal António de Spínola, no Hospital Militar Principal (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

domingo, 16 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25647: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (129): Manuel Serôdio, eu fui o ferido mais grave da segunda armadilha, em 16 de julho de 1968, no decurso da Op Escudo Negro (CCAÇ 1787, CART 1660, CCAV 1749 e 5ª CCmds): estive um ano no hospital (Carlos Parente)





Guiné > CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 (1967/69) > o ex-fur mil at inf, com a especialidade de minas e armadilhas, Manuel Seródio... Fotos do seu álbum. Sem legendas.

A CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 foi mobilizada pelo RI 15, partiu para o TO da Guiné em 18/10/1967 e regressou a 21/8/1969. Passou sucessivamente por Bula, Bissau, Empada, Buba, Bissau, Quinhamel. Comandante: Cap Inf Marcelo Heitor Moreira. O BCAÇ 1932 esteve sediado em Bissau, Farim e Bigene (Comandante: ten cor inf Narsélio Fernandes Matias).

Fotos: © Manuel Serôdio (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Dispositivo das NT em 1 de janeiro de 1968. Fonte:
CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), pág. 153. Sectores: L (Leste); O (Oeste); B (Bissau); S (Sul).



1. Comentário de Carlos Parente ao poste P10570 (*)

Caro camarada Manuel Serôdio,  o mundo é realmente muito pequeno (**):  através das novas tecnologias acabei por descobrir alguém que viveu de muito perto a situação terrível que marcou a minha vida, o ferido mais grave da dita armadilha era eu.

Lembra-se por certo que não foi possível a evacuaçâo pelo facto de ser noite,  digo-lhe que foi a noite mais terrível de minha vida. Pela manhã do dia 17,  vieram dois helis que tiveram realmente muita dificuldade em aterrar. Graças aos meus irmãos de armas conceguiram a minha evacuação, posso dizer que passei mais de um ano internado,  grande parte desse tempo entre a vida e a morte: mais de um mês em Bissau,  depois fui evacuado para Lisboa, passando mais de um ano aí.

Perdi parte do intestino,  do estômago, da bexiga,  o rim esquerdo,  os tendões da perna esquerda e sofri várias fraturas do pulso,  cotovelo e ombro esquerdo,  bacia e perna esquerda. Foi muito mal mesmo, mas com muito esforço e vontade de viver concegui dar a volta e ainda estou por cá.

Como eu gostava de o abraçar! Se por ventura chegar a ler este bocado de minha história,  deixo aqui meu email: carlos.a.parente@sapo.pt 

Sempre grato a todos os que me apoiaram.  Um abraço muito querido,  Carlos Parente.


2. Excertos da CECA (Comissão para o Estudo das Campnhas de África(:

Operação Escudo Negro - 15 a 18Jan68

Acção conjunta com a Força Aérea, nas regiões de Sarauol (golpe de mão), Ambum e a Leste de Mandingará (batida), 03(A).

Intervieram forças da CCaç 1787, CArt 1660, CCav 1749, 5ª CCmds com apoio de Artilharia.

(...) Foi accionada uma armadilha A/P, a sul de Mantém, sofrendo as NT 1 morto, 2 feridos graves e 5 ligeiros. Na mesma zona foram detectadas mais 2 armadilhas. Executado o bombardeamento de Sarauol pela FA, foi seguido de helitransporte da 5ª CCmds.

Batida a área do objectivo, constatou-se que o bombardeamento atingiu o acampamento, destruiu a enfermaria, causou a morte a 1 enfermeira e ferimentos num elemento da população, além de outras baixas que se estimam em número elevado em face dos
destroços humanos e dos rastos de sangue observados na área do objectivo e nas zonas próximas. 

Foi apreendida 1 pistola-metralhadora, 3 granadas de mão ofensivas, 8 carregadores, 343 cartuchos, peças de reserva e palamenta de armamento ligeiro, instrumentos cirúrgicos e material diverso.

Na manhã de dia 17, o lN flagelou as NT com armas ligeiras, fazendo, de seguida, um ataque com tentativa de envolvimento.

As NT reagiram e perseguiram o lN causando 1 morto e outras baixas prováveis. (...)
 

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro II (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 152 e 154.


3. Excerto do poste P 10570, de Manuel Serôdio  (*)

Operação Escudo Negro:

 (...) Missão: 1) Destruir a base do Sará; 2) Patrulhar a região entre os rios Olom e Mansoa.; 3) Capturar ou aniquilar os elementos rebeles, destruindo instalações e meios de vida; 4) Pesquisar informações.

Em 15 de Janeiro (de 1968), pelas 10 horas, iniciou-se a operação, progredindo com grande rapidez por um trilho situado em mata fechada. 

Cerca das 15,30 horas, foi deflagrada uma armadilha por um elemento da coluna. Ferido aparentemente sem gravidade, veio o soldado nativo Ansumane, a falecer pouco depois, sem se ter conseguido ligação rádio a fim de o poder evacuar.

 [ 
Nota pessoal: o irmão do soldado falecido, que também fazia parte da coluna, recuperou as botas do irmão que eram novas, ( tinham-lhe sido oferecidas dias antes da operação) e calçou-as, já que as suas estavam em mau estado. Imagens simples e terríveis ao mesmo tempo. ]

A Companhia saíu do trilho, o que se revelou avisado, pois ao voltar ao mesmo para orientação, foram detetadas outras duas armadilhas. Quase ao anoitecer foi atingida uma clareira onde se resolveu passar a noite.

Depois de se ter reabastecido de água e quando, já de noite, o segundo grupo de combate procurava local para se instalar, foi deflagrada nova armadilha que causou dois feridos graves e quatro ligeiros. 

Entretanto foi conseguida ligação com Porto Gole a quem foi pedida evacuação dos feridos. Escolheu-se local para a mesma, montando-se a segurança. No local escolhido, os helicópteros não conseguiram poisar, pelo que foi tentado novo local, onde foi necessário abater algumas árvores.

Ao cansaço moral juntou-se o esgotante cansaço físico. Finalmente os helicópteros conseguiram aterrar, evacuando-se o morto e os feridos. (...)

4. Sobre o Manuel Serôdio:

(i) Manuel de Almeida Andrade Serôdio, natural de Oliveira de Azeméis, ex-fur mil  classe de 1966, n° 95998/65;

(ii) recenseado com o n°53 em 1964, e incorporado em 16/05/1966, tendo passado à disponibilidade em 29/09/1969;

(iii) em 16/05/1966 deu entrada no RI 5 em Caldas da Rainha para iniciar a recruta;

(iv) a 21/08/1966 entrou no CISMI em Tavira para começar o 2º ciclo do curso de Sargentos Milicianos (CMS) na especialidade de atirador de infantaria;

(v) pomovido a primeiro cabo miliciano em 28/11/1967 e colocado de seguida no RI 6;

(vi) nomeado para servir na Província da Guiné, foi destacado para Tancos afim de tirar a especialidade de minas e armadilhas;

(vii) para de seguida ser colocado no RI 15 em Tomar, fazendo parte do BCAÇ 1932, CCAÇ 1787;

(viii) enviado a seguir para Santa Margarida no final do gozo da licença, foi para Lisboa no dia 28/10/1967, de onde embarcou no mesmo dia no Uíge com destino à Guiné;

(ix) e aonde chegou a 2/11/1967;

(x) regressou à Metrópole a 23/08/1969,  no final da comissão;

(xi) vive (ou vivia em 2012) em França, desde 1970, em Rennes, capital da Bretanha. 

5. Comentário do editor LG:

Meu caro  Carlos Parente, camarada da Guiné!...

 Realmente o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ...é Grande! (**)... Cabemos cá todos, e está cá quem se procura. Terás cá lugar, na tua qualidade de antigo combatente no CTIG, se me mandares duas fotos, uma antiga e outra mais ou menos atual, com mais duas ou três linhas de apresentação, a completar a tua mensagem acima. 

Diz-nos onde vives (será no estrangeiro, na diáspora lufófona ?), qual era o teu posto na tropa e na Guiné, a que subunidade pertenceste (seria a mesma do Serôdio, a CCAÇ 1787 ?)... 

Vamos receber-te de braços abertos, e para mais sabendo que, apesar da desgraça desse fatídico dia 16 de janeiro de 1968, estás vivo e acabas de encontrar um camarada teu, que estava por perto, um "teu irmão de armas". 

Vou-te dar o endereço de email do Manuel Serôdio, que vive em França, para o poderes contactar, com calma. Ele entrou para o nosso blogue em 2012 (***), não sei se continua a acompanhar-nos regularmente. Vou-lhe retransmitir o teu texto. Tem 14 referências no nosso blogue: podes ler aqui mais textos dele sobre a atividade operacional da CCAÇ 1787.

Aqui tratamo-nos todos, em geral,   por tu como antigos camaradas de armas que fomos (e que continuamos a ser). Manda um mensagem, com os elementos que te pedi,  para o meu endereço de email: luis.graca.prof@gmail.com.   

Saúde e longa vida. Luís Graça.

________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10570: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte III): De Porto Gole a Cutia: Op Escudo Negro: conseguimos entrar no 'santuário' de Sará / Sarauol


(**) Último poste da série > 20 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25089: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (128): O José Monteiro é o autor dos aerogramas que foram parar ao OLX (Mário Fitas, ex-fur mil, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67)


(***) Vd. poste de 14 de setembro de  2012 > Guiné 63/74 - P10381: Tabanca Grande (360): Manuel Serôdio, mais um camarada da diáspora, ex-fur mil at inf, CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 (Bula, Bissau, Empada, Buba, Quinhamel, 1967/68)


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24080: A nossa guerra em números (23): Relatório da 2ª Repartição/CCFAG, relativo ao período de 1jan73 a 15out74: "maior agressividade e potencial revelado pelo IN, e menor capacidade ofensiva das NT"








Fonte: Relatório da 2ª Repartição/CCFAG relativo ao período de 1jan73 a 15out74, citado por CECA  - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 493-499.


1. Com esta série "A nossa guerra em números" (*), não temos nenhuma pretensão, explícita ou implícita, de defender esta ou aquela tese sobre a guerra colonial / guerra do ultramar, em particular no TO da Guiné... O nosso propósito é meramente informativo e didático: cada um dos nossos leitores fará a sua leitura dos números apresentados, a crítica das suas fontes, as eventuais conclusões a tirar, etc...

A análise dos números e a sua interpretação devem ser feitas com cautelas e até reservas. É preciso  ter sempre em conta variáveis como o contexto (por exemplo, político-militar), a qualidade dos dados, a sua fonte, a idoneidade das fontes, quem os recolhe e trata, o fim a que se destinam, etc. Todos nós podemos mentir com números na mão: políticos, economistas, jornalistas, gente da publicidade e do marketing, etc., "usam e abusam" dos números... Para vender produtos e ideias, por exemplo. E depois é ter preciso fazer a distinção entre dados, informação e conhecimento. 

Os dados que temos hoje para apresentar são de fonte portuguesa, oficiosa, a antiga 2ª Rep do QG/CCFAG (Quartel General / Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné). E reportam-se à situação político-militar do ano de 1973 e dos primeiros quatro meses de 1974. Trata-se de uma síntese da atividade do PAIGC neste período final da guerra:

(i) ações de iniciativa do IN;
(ii) ações de reação do IN às NT;
(iii) minas e outros engenhos explosivos implantados pelo IN e neutralizados pelas NT;
(iv) baixas causadas pelo PAIGC às NT e à população (mortos, feridos, capturados, retidos);
(v) baixas sofridas pelo PAIGC (mortos, feridos, capturados, apresentados).

Os comentários dos nossos nossos leitores serão bem vindos.


CECA (2015) - Anexo n° 4 _ Relatório da 2ª Repartição/CCFAG 

relativo ao período de 1jan73 a 150ut74 [Excertos, 1]


O ano de 1973, juntamente com os primeiros meses de 1974 até ao 25 de Abril, constituem um período de nítido agravamento da situação militar, económica e político-subversiva no território da Guiné

Este estado de coisas reflectia a agudização do problema colonial português,  especialmente no plano internacional. Os movimentos emancipalistas, em particular o PAIGC, recebiam apoios ou ajudas de toda a ordem, cada vez mais generalizados, com destaque para os que eram canalizados através da ONU e OUA. [2]

Deste modo tomava-se muito real o isolamento do Governo português, cuja política de intransigência prosseguida apontava para um previsível esgotamento dos recursos do país a mais ou menos curto prazo.

[...] No seguimento da decisão tomada na 20ª Sessão do Conselho de Ministros da OUA, para que fosse empreendido, durante o ano de 1973, um golpe político-militar decisivo, sobre a Guiné, operou-se durante o mês de Maio um muito significativo agravamento da situaç,ão no TO. 

Assim, e em ordem à sua redução, o lN desencadeou poderosas e prolongadas acções de fogo sobre as guarnições fronteiriças de Guidaje, Guileje e Gadamael Porto, as quais conjugou com acções de isolamento terrestre e aéreo (início de emprego de mísseis "SA-7", que limitaram o emprego da Força Aérea), que efectivamente conseguiu, durante alguns dias em Guidaje. 

Quanto a Guileje obrigou as NT ao seu abandono. Na primeira metade de junho, manteve-se o agravamento verificado durante o mês anterior notando-se na última quinzena tendência para o desanuviamento da situação em Guidaje e Gadamael Porto, situação que tudo indicava ser temporária e somente resultante da época das chuvas em curso. 

A partir de fins de ag073 começou a ser referenciada uma concentração anormal de meios na faixa além-fronteira do saliente N/NE do território, a qual, no final do ano, evidenciando as intenções do lN, passou a constituir uma real ameaça sobre as guarnições de Buruntuma, Canquelifá e Copá, em especial esta última, de menor efectivo (2 Gr Comb), isolada e excêntrica.

Neste contexto, as forças do PAIGC não só revelaram uma notável capacidade de manobra e confirmaram o extraordinário potencial de combate que lhes era atribuído, como alteraram profundamente o seu conceito de manobra no TO, passando da actuação dispersa em superficie para a concentração maciça de meios sobre objectivos definidos, normalmente distantes uns dos outros, com o propósito de hipotecar as reservas das NT no local oposto onde pretendia exercer o esforço.

Destas realidades, logo no início de 1974 com o avanço da nova época das chuvas, resultou novo agravamento da situação criada com o empolamento da guerrilha desde abril do ano anterior.

Assim, a partir de jan74, o PAIGC passava verdadeiramente à ofensiva, a qual se caracterizou pela definição de duas áreas de incidência de esforço, diametralmente opostas, uma no extremo NE do TO onde desenvolvia a Op "Abel Djasse" e a outra a Sul, no Cubucaré, para o que inclusivamente tinha constituído um novo órgão coordenador das operações de guerrilha nesta zona: o Comando Sul. 

As acções foram desencadeadas, numa e noutra das áreas referidas, com base em novas unidades das FARP, e com largo emprego de artilharia e armas pesadas, nomeadamente mort 120 mm e fog 122 mm.

Além destes meios os mísseis SA-7 "Strela" eram frequentemente utilizados, o que limitava grandemente o apoio da Força Aérea às guarnições terrestres e, a 31mar74, apareciam as primeiras viaturas blindadas em Bedanda (Cubucaré) o que confirmava o grande aumento de potencial, assim como a crescente capacidade táctica e, sobretudo, logística do PAIGC. 

Nas restantes áreas do TO aumentava igualmente de modo significativo a actividade de guerrilha dispersa em superfície, com relevo para o emprego de engenhos explosivos e acções de terrorismo urbano que alastravam até à própria capital - Bissau.

Como mero exemplo citam-se as 17 flagelações com armas pesadas a outros tantos aquartelamemtos ou  povoações, num único dia (20lan74 - Data da morte de A. Cabral), o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau (26fev) que provocou 1 morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG (22fev) onde parte do edifício principal foi destruída.

No Sul a ofensiva aí realizada permitia ao PAIGC o controlo efectivo de uma área de razoável superfície em que inseria o "corredor" de Guilejepercorrido frequentemente por viaturas das FARP, e que confinava com outra vasta área abandonada pelas NT desde 1969 - o Boé.

Em abr74, dado o esgotamento das reservas do Cmd-Chefe, previa-se que o relançamento da ofensiva no saliente NE, orientada para Sul, tomaria iminente o abandono de Canquelifá e o consequente isolamento de Buruntuma.

Admitia-se ser intenção do PAIGC unir a bolsa assim conquistada com a Região do Boé, por sua vez ligada à zona onde se localizava o "corredor" de Guileje, mais a Sul, concretizando deste modo uma ocupação territorial efectiva que carecia para reforçar a imagem do Estado da Guiné-Bissau parcialmente ocupado pelas Forças Armadas Portuguesas.

Nas áreas de incidência de esforço referido a situação era de tal modo grave para a maioria das guarnições das NT, cujos sistemas de defesa não dispunham de obras de fortificação que pudessem resistir com eficácia às novas armas pesadas do PAIGC, que o Cmd-Chefe alertara do facto o EMGFA, a 20abr74, por uma nota que concluía nos seguintes termos:

"O facto de ter sido confirmada parte das notícias atrás mencionadas pela utilização de viaturas blindadas no ataque a Bedanda, confere certa verosimilhança às restantes notícias que referem a existência de novas armas antiaéreas ou outras, pelo que aquela utilização e o conjunto das circunstâncias descritas na presente nota, nomeadamente a análise das fotografias juntas, são motivo de grande preocupação para este Cmd-Chefe, cumprindo-lhe assinalar as consequências que podem resultar da possível evolução do potencial de combate do PAIGC ou do seu eventual reforço com novos meios das FA da Guiné, quer quanto à capacidade de resistência das guarnições militares que porventura sejam atacadas, quer quanto às limitações de intervenção com meios à disposição do Comandante-Chefe, em especial meios aéreos".

Análise da actividade de guerrilha

A partir de 1964, após a criação das FARP, a curva da variação anual de actividade de guerrilha apresentava, todos os anos certa semelhança: crescia durante toda a época seca, apresentando um ponto alto em jan/fev, após o que decrescia para, em abr/mai, subir de novo até ao começo das chuvas, altura em que alcançava o máximo anual; a partir do começo das chuvas a actividade da guerrilha começava a decrescer regularmente, atingindo no final das chuvaso seu mínimo anual.

A actividade de guerrilha do PAIGC, em 1973, processou-se de acordo com os padrões normais dos anos anteriores, tendo apresentado no entanto a seguinte particularidade: o ponto alto verificado no final da época seca (em mai73) correspondeu a cerca do dobro das acções registadas em 1972, na mesma altura, e o decréscimo observado durante a época das chuvas foi mais acentuado e prolongou-se para além da época seca, até nov73.

No entanto a partir do final de dez73, a actividade de guerrilha aumentou muito acentuadamente, tendo sido em todos os meses do primeiro trimestre de 1974 mais elevada que nos meses homólogos do ano anterior.

Deste modo ao empolamento da actividade de guerrilha em 1973, sucedia outro tanto em 1974. O habitual ponto alto que se previa para abr/mai74, e tudo fazia admitir mais violento que o de 73, só foi sustido pela ocorrência do Movimento de 25Abr.

Pelos quadros anteriores   [vd. acima ] verificava-se que,  quantitativamente, no ano de 1973, se registou um total de 1.514 acções de guerrilha, correspondente a um aumento de cerca de 11% em relação às 1.359 acções verificadas no ano anterior. 

Daquele total, 1.033 acções foram de iniciativa do PAIGC (760 em 1972) e 481 acções de reacção (599 em 1972). Assim, o ano de 1973 foi caracterizado não só por um aumento global de acções, mas especialmente por uma subida pronunciada do número de acções de iniciativa do PAIGC (mais 35%), a par de um decréscimo da actividade de reacção.

Esta tendência - aumento da actividade de iniciativa - acentuou-se mais nos primeiros 4 meses de 1974 (+ 50%), período em que se registaram 415 acções de iniciativa, total significativamente superior às 276 acções realizadas pelo PAIGC em igual período de 1973.

Tais números eram o resultado da cada vez maior agressividade e potencial revelado pelas FARP, assim como a diminuição da actividade de reacção era sintoma claro de uma menor capacidade ofensiva das NT.

Acresce que a actividade de iniciativa do PAIGC, no conjunto do TO, tendo aumentado cerca de 35% em relação a 1972, provocava às NF mais do dobro dos mortos (185/84) registados naquele ano. 

Neste particular o agravamento de 50% verificado nos primeiros meses de 1974, originava um total de mortos sofridos pelas NF até ao final de abr74 (81 M) quase idêntico ao nº registado durante todo o ano de 1973 (84 M). 

Este facto tomava evidente que as acções de guerrilha, além de mais numerosas, tinham uma característica, que os números não podiam traduzir com fidelidade a qual era a cada vez maior violência das mesmas, sendo certo que os valores estatísticos dos quadros apresentados não faziam distinção entre pequenas e grandes acções ou operações de guerrilha.

Em resumo, pode concluir-se o seguinte:

  • Avaliada pelo quantitativo de acções,  a actividade de guerrilha da iniciativa do PAIGC em 1973, aumentou cerca de 35% em relação ao ano anterior. Por sua vez em 1974, no final de Abril, aquele quantitativo era 50% superior ao total registado nos primeiros 4 meses de 1973.
  • A acção do PAIGC vinha sendo caracterizada por um aumento significativo das acções de fogo, em detrimento das acções de terrorismo (raptos e roubos), orientando-se este, cada vez mais, para acções de terrorismo selectivo e sabotagens. Era notória a evolução no sentido do abandono progressivo da actividade de guerrilha dispersa em superfície, em proveito das acções maciças contra objectivos definidos, obrigando a grandes balanceamentos demeios, por vezes, envolvendo elementos de todo o TO.
  • Estas características eram indicadores seguros do aumento de agressividade das FARP e da sua maior capacidade ofensiva, potencial e eficiência.
  • Em reforço da conclusão precedente menciona-se o aparecimento de novas armas durante o período considerado (míssil "Strela" e viaturas blindadas) e um maior emprego de outras (mort 120 mm, fog 122 mm, canh 85 mm, canh 130 mm e minas especiais).
  • Finalmente, a situação militar revelou nítido agravamento a partir de dez73, em especial nas Zonas Sul e Leste.

Dispositivo geral do PAIGC e objectivos

Ao longo de toda a fronteira e nos países limítrofes, o PAIGC dispunha de Bases com estruturas e Comandos próprios, perfeitamente integrados na sua organização militar e que, em conjunto com os "corredores" de infiltração e áreas fulcrais no interior do TO, constituíam a malha do seu dispositivo.

Algumas das Bases ao longo da fronteira tinham simultaneamente carácter operacional e logístico, constituindo pontos de apoio à entrada de grupos armados e de colunas de reabastecimento. Assim:

  • Na Zona Oeste, dispunha fundamentalmente das Bases de M'Pack, Campada, Sikoum, Cumbamory e Hermacono, sedeadas na faixa fronteiriça da Rep Senegal, a partir das quais actuava contra as guarnições de S.Domingos, Ingoré, Guidaje, Farim e Cuntima e infiltrando-se pelos "corredores" da Sambuiá e Lamel irradiava para o interior do TO, respectivamente em direcção às áreas fulcrais de:

- Tiligi, Naga-Biambe e Caboiana-Churo, donde ameaçava directamente o "Chão" Manjaco e as povoações  e Aquartelamentos  ao longo do eixo Có - Bula - Binar - Biambe - Bissorã;

- Bricama, Morés e Sara, donde ameaçava as povoações e aquartelamentso ao longo do eixo Mansoa - Mansabá - Farim, a península de Nhacra e, indirectamente a ilha de Bissau;

  • Na Zona Leste, para pressionamento do "Chão" Fula, dispunha:

- Na Rep Senegal, das Bases de Fakina, Sambolecunda, Sare Lali, Suco/Payongon e Lenguel/Serenafe, ameaçando os regulados da fronteira N, em direcção a Bafatá/Nova Lamego. [... ]

___________

Notas da CECA (2015):

[1] Extractos  do relatório, pp I, 11 a 18.

[2] A Guiné-Bissau tinha sido admitida como membro daquela Organização, após a proclamação unilateral da independência.

[Revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste: LG ]

__________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24065: A nossa guerra em números (22): De um total de 1570 minas e outros engenhos explosivos implantados pelo PAIGC (de 1972 a 20 de abril de 1974), mais de três quartos foram neutralizadas pelas NT, com destaque para as minas A/P

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22851: A nossa guerra em números (11): Pedro Marquês de Sousa estima um rácio de 10 feridos por cada morto... A Guiné teve, em números absolutos e relativos, mais feridos graves em combate e Angola por acidente


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A solidariedade dos combatentes... Dois soldados, guineenses, do 3º Grupo de Combate, do Alf Mil At Inf Abel Rodrigues, amparam o 1º Cabo Carlos Alberto Alves Galvão, metropolitano (vive hoje na Covilhã, estando reformado da Direcção Geral das Contribuições e Impostos), comandante da 1ª secção, o homem que cometeu a proeza de ter sido ferido duas vezes no decurso da mesma operação (Op Boga Destemida, 9 de Fevereiro de 1970).

"Slide" do Fur Mil At Inf Arlindo T. Roda, comandante da 2ª secção, que nesses dias (8 e 9 de Fevereiro de 1970) levou para o mato  a sua máquina fotográfica... (Não era vulgar levar-se uma máquina de fotografia, para o mato, em operações, numa região como esta em que a probabilidade de contacto com o IN era muito alta. Estou muito grato ao Roda, que já não vejo desde 1994, e que vive em Setúbal, por generosamente nos disponibilizar a sua fabulosa colecção de "slides", convertidos para o digital...)

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Escrevemos em poste anterior (P22847) (*):

Segundo Pedro Marquês de Sousa ("Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 144), dos cerca de 28 mil feridos graves evacuados durante a guerra (nos 3 teatros de operações), "resultaram cerca de 14 mil deficientes", dos quais "5120 com grau de deficiência superior a 60%"...

Além disso, desses 14324 feridos graves e deficientes, 1852 estão classificdos na categoria de "amputados" (12,9%), dos quais 480 em Angola, 540 na Guiné, 697 em Moçambique e 135 na instrução e serviço militar. 

Algumas centenas destes amputados deverão ter sido tratados e recuperados no Hospital Militar de Hamburgo, acrescentámos nós, ao longo da guerra.

Já agora vale a pena deixar aqui mais informação estatística sobre feridos e deficientes, militares, da guerra colonial / guerra do ultramar / guerra de África (1961/74) (**). Citando o Pedro Marquês de Sousa (que por sua vez se baseia nos historiógrafos Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes,  e estes em dados  da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas), temos o seguinte quadro, adaptado por nós,  que dá muito para reflectir:

O número de feridos graves e deficientes distribuem-se assim pelas quatro situações (os três teatros de operações e a Instrução / Serviço Militar): 

  • Angola (31%)
  • Mocambique (23%)
  • Guiné (25%)
  • Instrução / Serviço Militar (21%)

Tendo em conta que a Guiné era um território muito mais pequeno (equivalene
te ao Alentejo), mobilizou menos efetivos que Angola e Moçambique,  e em que a guerra começou mais tarde (em relação a Angola), há indícios de que naquele teatro de operações terá havido, proporcionamente, mais amputados (29% do total), mais cegos e amblíopes (31%), mais casos de surdez (total, parcial e outras deficiências auditivas) (33%)... Estes dados terão que ser analisados com cuidado, precisávamos de saber a origem dos ferimentos graves e deficiências (em combate ou acidente).

Em 1973, por exemplo, o número de militares presentes nas 3 frentes era de cerca de 163 mil (mais exatamente, 162 996) (pág. 95), assim distribuidos pelos 3 teatros de operações 

  • Angola: 43,3 %
  • Guiné; 21,8 %
  • Moçambique: 34,9 %

2. O total de mortos, entre os combatentes portugueses,  é agora calculado em 10425 (pág. 97). 

Segundo a fonte que estamos a usar (Sousa, 2021), o total de feridos (dos três ramos das Forças Armadas) ascenderia a 117 mil, na sua grande maioria (96%) pertencentes ao Exército, e distribuindo-se do seguinte modo pelos 3 teatros de operações (pág. 142):

  • 41% em Angola
  • 29% na Guiné
  • 30% em Moçambique 

Um dado relevante apurado por Pedro Marquês de Sousa é o rácio de 10 feridos (hospitalizados)  por cada morto. Grosso modo, tivemos mais de 100 mil feridos (hospitalizados), nos 3 ramos das Forças Armadas (pág. 142). (Por "hospitalizados" entende-se entradas de feridos nos hospitais e enfermarias dos setores.)

Num outro quadro publicado na pág 143, e adaptado por nós, mostra-se a distribuição em números absolutos e relativos dos feridos graves em combate e feridos graves por acidente nos 3 teatros de operações.


Num total de 31,3 mil feridos graves, mais de metade foi em combate (N=16200), dos quais 44,5 % ocorridos no TO da Guiné. Angola teve mais feridos por acidente (43,7% mum total de 15100).

Para uma análise mais detalhada destes  (e doutros dados) recomendamos o livro do tenente-coronel, doutorado em História, Pedro Marquês de Sousa.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22847: Memória dos lugares (434): Hospital Militar de Hamburgo, onde estiveram internados, para tratamento e reabilitação, camaradas nossos deficientes como o Quebá Soncó (CCAÇ 1439) e o António Dias das Neves (CCAV 2486): não se sabe quantos, mas devem ter sido algumas centenas de um total de mais de 1800 "amputados", entre 1964 e 1974

(**) Último poste da série > 12 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22803: A nossa guerra em números (10): o Movimento Nacional Feminino tinha um orçamento ordinário de 10 mil contos (cerca de 2 milhões de euros, a preços de hoje) e uma gestão pouco profissionalizada, retirando-lhe credibilidade e apoios da sociedade civil