1.
O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op
Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a
seguinte mensagem.
“PIRIQUITOS”
EXPLORAM O CENTRO “NEVRÁLGICO” DA URBE GUINEENSE
PASSEIO NA “5ª AVENIDA” DE GABÚ
Suavizavam o ar com o
odor de uma “penugem” que os então “piriquitos” lançavam para o infinito de um
horizonte inimaginável. A “incubação nos ovos” chegava ao fim. Tínhamos
avezinhas. Um esticão de asas, um apalpar no escuro, uma vertigem dos mais
fracos, o vociferar dos conteúdos da guerra, o trocar opiniões sobre os
estratagemas do inimigo, as emboscadas, as minas, os ataques nocturnos aos
quartéis entre tantos outros motes trazidos para a discussão davam azo, na
altura, a uma conversa sempre indeterminada entre aquele grupo acabado de
chegar ao Leste da Guiné. Cenário: a “5ª Avenida” de Gabú - quais turistas a
passearem-se por terras das grandes metrópoles americanas! -. Ao fundo da dita
cuja (“avenida”), eis o grupo a abancar no bar da Pensão Mar e a refrescar-se
com as aprazíveis cervejolas. Era o princípio de uma jornada por terras de
além-mar. Outras fainas se seguiriam.
A Guiné parecia-me
apenas um sonho. Aliás, jamais me tinha ocorrido à ideia que o meu futuro
militar me reservasse, como virtual conjectura, conhecer um dia a realidade da
guerrilha guineense e as suas famosas bolanhas. Falava-se da Guiné como o diabo foge da
cruz, recordo. A guerra naquela então província do Ultramar era terrível,
afirmava-se. Traçavam-se cenários mórbidos da guerra na Guiné. A rapaziada
comentava, a mensagem passava de boca em boca e nós, jovens, bebíamos as
infaustas opiniões que entretanto nos chegavam. Porém, o destino contemplou-me
e eu, tal como grande parte dos rapazes desses tempos, não fugi ao destino. Fui
e voltei tal como parti, restando resquícios de histórias que contemporizam
ainda hoje o meu calendário de vida.
Camaradas houve, e
foram muitos, que já não usufruem, infelizmente, do prazer de partilhar
momentos de convívio e narrar as suas histórias. Uns morreram em combate na
densidade de um mato cerrado; outros faleceram numa emboscada; outros
encontraram a morte em ataques aos quartéis; outros fecharam definitivamente os
olhos em famigerados rebentamentos de minas anti-carro e anti-pessoal e, ainda,
aqueles que morreram em momentos de verdadeira infelicidade.
Convivi com situações
que me deixaram apreensivo quando em causa esteve a razão do último adeus.
Momentos fatídicos, mórbidos, de camaradas que ousaram abusar do facilitismo e
se deixaram cair, inadvertidamente, em princípios proibidos. Exemplifico o infeliz
que encontrou a morte a limpar a arma esquecendo, entretanto, que tinha uma
bala na câmara e outros em estúpidos acidentes com viaturas militares, enfim,
todos, ou quase todos, temos histórias desta estirpe para contar.
Olho, atentamente,
para duas fotos do meu álbum (Guiné) e revejo um passeio pela rua principal de
Gabú, nos primeiros dias que ali “ancorámos”. O clique foi justamente dado em
frente a uma casa onde residiam duas irmãs (se a memória não me falha), por
sinal cabo-verdianas, comentava-se, que eram professoras na escola local.
Vivendo momentos de uma juventude no seu auge, alguns furriéis e alferes,
mormente, andavam doidos com as meninas que, por sinal, eram “boas como o milho”. Recordo que a malta andava mesmo“vidrada” de todo com aquele duo de airosas donzelas…
mestiças. Parceiro? Não lhes conheci. Passemos à frente…
O grupo de turistas,
todos janotas, embevecidos com a beleza natural que os rodeava, e o cheiro a
África a inalar as nossas narinas, eis o grupo de “piriquitos” sentado a uma
mesa do bar da Pensão Mar. Um nome que nada tinha a ver com a realidade
deparada. O mais indicado, na nossa concepção, seria substituir Mar por
Bolanha. O mar, lá longe, nem vê-lo. A bolanha era, isso sim, a afrodisíaca
verdade constatada em terrenos circundantes. Mas aceitava-se a decisão do seu
mentor.
África é, também,
sumptuosa no consumo de bebidas, principalmente cerveja. O calor afirma-se como
um aditivo determinante pelo prazer de consular as gargantas ressarcidas. Num
convívio deveras saudável ficou uma tarde de passeio na apelidada “5ª Avenida”
de Gabú, o alforge recheado de cervejas bebidas pelos “piriquitos” e um
conhecimento mais profícuo de uma urbe onde as “bajudas” passeavam os seus
corpos embrulhados em pedaços de pano garridos que torneavam a preceito os seus
joviais e esbeltos corpos. O militar – “piriquito” – apreciava e… imaginava
cenários quiçá inexequíveis de alcançar. Coisas de uma juventude irreverente.
Guiné, um país do qual
guardo imensas recordações e que me levam agora, com 60 anos já feitos, trazer
à estampa incontornáveis pequenas histórias intituladas “Memórias de Gabú”.
Refastelados à volta
de uma mesa o grupo de furriéis ressarciam-se das cervejolas bem fresquinhas
À civil, os então
“piriquitos” desbravavam o ambiente da “avenida”. Da esquerda para a direita: o
Cardoso, Operações Especiais/Ranger, Eu, o Santos, Armas e Armadilhas, (?) e o
Rui, Operações Especiais/Ranger
Um abraço a todos os
camaradas,
José
Saúde
Fur
Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Fotos: © José Saúde (2011). Direitos
reservados.
Mini-guião
de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em: